-1- Prof. Dr. Miguel Petrere Jr. UEA – PG em Direito Ambiental Rua Leonardo Malcher, 1728 5º andar (Praça XIV) 69020 – 070 – MANAUS (AM) Fone 92-3627-2725 [email protected] A dificuldade de estimar a biomassa da dourada no rio Madeira Estimar o tamanho (em número ou em peso (biomassa)) de um estoque pesqueiro é uma das tarefas mais difíceis em biologia. Além disso estimar a biomassa de espécies migradoras de longo curso como é o caso da dourada (Brachyplatystoma rosseauxii) em um rio tão extenso como o rio Madeira é ainda mais complexo, embora na literatura pesqueira haja vários métodos tradicionais para se obter tais estimativas. Os métodos mais conhecidos, e os menos confiáveis devido a entraves de execução, para o caso da dourada são os métodos de marcação/recaptura, onde alguns indivíduos são capturados, marcados e devolvidos ao corpo d água. Depois de certo tempo outra ou mais capturas são realizadas e o número de indivíduos previamente marcados é anotado (este ‘certo’ tempo é crítico, pois não pode ser um tempo muito curto – durante o qual os exemplares marcados não teriam oportunidade de se misturar ao restante da população, e nem muito longo – onde a chance de se perderem algumas marcas em alguns casos aumenta, e se a população for considerada fechada, com a suposição crucial de que durante o experimento não ha mortalidades fica bastante comprometida, embora existam modelos para populações abertas onde esta última restrição é relaxada). Além disso, a logística de um experimento de marcação/recaptura é muito complexa, pois vai depender de técnicos bem treinados para marcar e soltar os peixes rapidamente, para minimizar seu “stress” e garantir sua sobrevivência (aliás, a dourada é um peixe que não resiste demorada manipulação, morrendo com certa facilidade de acordo com informações do Dr. Alexandre Lima Godinho da UFMG). Assim é necessário um cuidadoso programa de convencimento dos pescadores profissionais e esportivos para que devolvam ou mostrem as marcas dos peixes eventualmente capturados, e não guardá-las como um amuleto ou “souvenir”, o que iria comprometer todo o programa. Para minimizar esse fato, cada pescador ao devolver ou mostrar a marca (de preferência com a informação sobre o comprimento e o peso do pescado por ele recapturado) ganharia um brinde qualquer (uma camiseta, um boné ou uma faca com o logotipo do programa de marcação/recaptura). No caso do rio Madeira essa logística seria complexa, devido à sua extensão (mais de 1000 km apenas em território brasileiro), com população difusa (e assim de difícil acesso e contato) aliada à dificuldade de se capturar a dourada nas pescarias experimentais que em geral envolvem comparativamente baixo esforço pesqueiro quando __________________________________________________________________________________________ Universidade do Estado do Amazonas – Programa de Pós-graduação em Direito Ambiental Av. Leonardo Malcher, 1728, Praça 14 de janeiro – Manaus - Amazonas CEP: 69.020-070 Tel. (92) 3627-2725 - www.pos.uea.edu.br/direitoambiental -2comparadas às intensas pescarias comerciais, pois sendo um animal de topo de cadeia é relativamente raro. Aliás o já falecido professor Manuel Pereira de Godoy realizou um experimento desse tipo com a piramutaba (Brachyplatystoma vaillantii) na boca do rio Amazonas onde marcou alguns milhares de peixes e recapturou menos que vinte indivíduos em um raio de 500m do ponto de marcação! Outro método alternativo, porém sem marcar os peixes, é a técnica da remoção sucessiva (fishing success ou removal method), onde os peixes são capturados em intervalos de tempo convenientemente curto. Através da aplicação de métodos estatísticos apropriados, algumas vezes é possível se estimar o tamanho da população desde que essas capturas sejam bastante intensas, de modo que o estoque “sinta” o esforço aplicado e diminua sensivelmente de tamanho durante a operação que deve ser curta e intensiva, preferencialmente executada numa área pequena e bem delimitada (um lago, um açude). Esta técnica tem pouca chance de funcionar num ambiente tão expandido como o rio Madeira e ainda mais para uma espécie migradora como a dourada. O método mais promissor em longo prazo é a análise da população virtual VPA (Virtual Population Analysis) ou sua equivalente análise de coorte, que para ser aplicada necessita de 3 inputs: (i) uma estimativa da mortalidade por pesca (M), que é crucial. Se essa estimativa for inadequada, a aplicação da VPA que é muito sensível a ela se tornaria suspeita. No caso da dourada a única estimativa disponível no momento é aquela calculada através da fórmula de Pauly, que envolve as estimativas da taxa de crescimento (k, em anos), do comprimento assintótico (L∞, em cm) e a temperatura média do ar (para a Amazônia ao redor de 27oC). Assim a mortalidade natural foi recentemente estimada através dessa essa fórmula pela profa. MSc Alice Leite da UNIR em M = 0.54/ano, juntamente com a mortalidade total Z = 0,72/ano (correspondendo a uma taxa de sobrevivência anual da dourada em 48,7%), e daí com uma taxa de mortalidade por pesca F =Z-M = 0,18/ano. Adicionalmente a professora Alice estimou a taxa de exploração E = F/Z = 0,25, que está bem abaixo do Emax = 0,681 indicando que o estoque da dourada estaria sendo explorado a um nível de esforço pesqueiro abaixo do ótimo, sugerindo que sua situação é muito boa no presente; (ii) um valor inicial de F, o qual já temos (F=0,18/ano), embora a VPA seja bastante robusta a erros neste valor e finalmente; (iii) a captura em número, por classe de idade, para cada ano. Para tal é necessário um sistema de coleta de desembarque (dados de captura e esforço) que funcione com a máxima eficiência (envolvendo todos os locais de desembarque que são difusos e muito espalhados como é comum em pescarias de grandes rios tropicais, o que pode ser feito através de um plano amostral de captura e esforço bem delineado) e sem descontinuidade por pelo menos seis anos (devido ao relativamente longo ciclo de vida da dourada quando comparada a outras espécies). Este sistema deve ser associado a um programa simultâneo de amostragem biométrica dessas capturas para se medir e pesar o __________________________________________________________________________________________ Universidade do Estado do Amazonas – Programa de Pós-graduação em Direito Ambiental Av. Leonardo Malcher, 1728, Praça 14 de janeiro – Manaus - Amazonas CEP: 69.020-070 Tel. (92) 3627-2725 - www.pos.uea.edu.br/direitoambiental -3pescado ao acaso (medir pelo menos 150 peixes por mês e medir e pesar mais 100) juntamente com estudos de leituras de anéis em estruturas duras (vértebras, esporões, nadadeiras, etc.), necessário para a feitura de uma chave de crescimento/idade para refinamento das estimativas de k e L∞ e to (que é a idade nominal onde o comprimento do peixe seria zero. Em geral to é um número negativo). Esse sistema deverá englobar no mínimo uma área que compreenda todo o trecho dos dois empreendimentos (Santo Antonio e Jirau) e quanto mais extensa ela for, mais confiáveis serão as estimativas de biomassa no trecho considerado, para um estoque tão amplo e ao que parece sem ‘homing behaviour” conforme foi informado pela prof. Dra. Jacqueline da Silva Batista, geneticista do INPA em documento enviado à SAE, redigido o nosso pedido no qual ela relata que em sua Tese de Doutorado estimou a variabilidade genética dessa espécie amostrada em 15 localidades distribuídas na Amazônia brasileira e peruana, utilizando a região controle do DNA mitocondrial e microssatélites como marcadores moleculares e “verificou que a dourada forma um único estoque genético distribuído na Amazônia brasileira e peruana.” Essas considerações para serem efetivadas na prática deverão fazer parte de um trabalho acadêmico em longo prazo, executado por uma Universidade pública regional (em conjunto com uma equipe coordenada do IBAMA/ ICMBio), que tenha um programa de pós-graduação na área para suprir profissionais treinados e com soberania administrativa, embora em consonância com as operadoras dos dois reservatórios para trabalhar na área de influência compartilhada, pois estudar cada reservatório em separado não seria cientificamente e nem financeiramente justificável. Aliás a falta de concatenação entre os diferentes empreendimentos hidrelétricos numa mesma bacia é uma das maiores críticas que se pode fazer, pois o rio é contínuo. Poderíamos também concluir aqui o desenvolvimento deste estudo não se aplica a um mero processo de licenciamento devido a toda complexidade que este envolve, inclusive exigindo de um empreendedor coleta em áreas que extrapolam o reservatório sob sua responsabilidade. Manaus, 27 de Junho de 2011 Prof.Dr.Miguel Petrere Jr.(UEA/Universidade Nilton Lins – Manaus) Prof.Dr. Rosseval Galdino Leite (INPA – Manaus) __________________________________________________________________________________________ Universidade do Estado do Amazonas – Programa de Pós-graduação em Direito Ambiental Av. Leonardo Malcher, 1728, Praça 14 de janeiro – Manaus - Amazonas CEP: 69.020-070 Tel. (92) 3627-2725 - www.pos.uea.edu.br/direitoambiental