Paulo Correia e Daniel Pereira da Silva 1. INTRODUÇÃO São múltiplas as condições clínicas que podem envolver a vulva, podendo ser congénitas ou adquiridas, benignas ou malignas. Dentro das lesões benignas serão abordadas as lesões traumáticas, os abcessos e quistos da glândula de Bartholin, a imperfuração himenial e a hipertrofia dos pequenos lábios. O cancro da vulva é uma neoplasia relativamente rara, representando 3-5% dos cancros ginecológicos, e tem maior incidência na sétima década da vida1. Actualmente, assistese a um aumento do número de casos em mulheres mais jovens, principalmente de lesões pré-invasivas. No que concerne às lesões malignas, cujo tratamento foi já mencionado no capítulo 20 do volume I, serão referidos princípios gerais e aspectos práticos das técnicas cirúrgicas. 2. TRATAMENTO CIRÚRGICO DE LESÕES BENIGNAS 2.1. LESÕES TRAUMÁTICAS DA VULVA As lesões traumáticas da vulva são relativamente comuns. Podem ter causas variadas como o coito, traumatismos do parto e póscirurgia (correcção de prolapsos vaginais, drenagem de abcessos da glândula de Bartholin, após cirurgia laser e vulvectomia). As lacerações devem ser reparadas respeitando a anatomia, os pequenos hematomas poderão ser alvo de tratamento con- servador com repouso e aplicação de gelo local. Os grandes hematomas devem ser drenados cirurgicamente. Lesões da bexiga, uretra, esfíncter anal e recto exigem reparação cirúrgica2. O tratamento da estenose do intróito vaginal poderá passar por uma perineotomia mediana, ou nos casos mais graves, habitualmente após vulvectomia, com plastias em «Z». A perineotomia mediana pode realizar-se sob anestesia locorregional, epidural ou anestesia geral. A incisão mediana estendese do anel himenial até à pele do períneo e profundamente até ao corpo perineal. Em seguida procede-se à dissecção da parede vaginal e pele do períneo. Após correcta hemostase encerra-se a incisão longitudinal em sutura transversa, usando fio reabsorvível 3 zeros (Fig. 1)3. Aconselha-se tratamento com estrogénios nas doentes na menopausa. A Z plastia é frequentemente usada na correcção de estenoses circulares com bons resultados. Uma incisão com cerca de 2,5 cm é realizada na abertura do intróito vaginal, as outras duas incisões com a mesma dimensão e formando ângulos de 60°, uma em direcção à pele do períneo e a outra em direcção ao intróito3 (Fig. 2)2. Os retalhos assim desenhados são dissecados, devendo ser usados ganchos cutâneos para os manipular de forma a evitar lesão dos mesmos. Após transposição, os retalhos são suturados. A Z plastia pode ser uni ou bilateral, às 3 e às 9 h2,4,5. Aconselha-se aplicação de tampão vaginal e introdução de sonda vesical. 433 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2010 46 Cirurgia vulvar d b c Figura 1. Perineotomia mediana. 2.2. ABCESSOS E QUISTOS DA GLÂNDULA DE BARTHOLIN Os quistos da glândula de Bartholin são, na realidade, pseudoquistos, porque resultam da retenção de secreção ou pus no canal de drenagem da glândula. Com tratamento médico apropriado a infecção (abcesso) pode resolver, embora a recidiva seja frequente. O quisto de retenção geralmente necessita de tratamento cirúrgico – excisão ou marsupialização. O resultado funcional e cosmético é melhor com a marsupialização. Na marsupialização o abcesso ou quisto é aberto com uma pequena incisão, 1-2 cm, na zona de abertura do canal da glândula – face interna do pequeno lábio. A parede do quisto é suturada à pele do vestíbulo com pontos separados (Fig. 3)2, deixando uma abertura que irá reduzir de dimensão nas semanas seguintes. A recidiva, quando ocorre, deve-se geralmente a uma incisão demasiado pequena ou à não correcta sutura da parede do quisto2. Uma técnica alternativa, que oferece óptimos resultados, é a utilização do laser para a incisão, seguida de vaporização dos bordos e inversão da parede do quisto para evitar recidiva. 434 a b Figura 2. Z plastia para estenose do intróito. A: incisões. B: após transposição. Excisão: incisão na pele do pequeno lábio, com dissecção do quisto, que deve ser removido íntegro. O pedículo é suturado e seccionado. Verificação da hemostase e encerramento em dois planos, com pontos descontínuos na pele (Fig. 4)2. Eventualmente deixar dreno na loca antes do encerramento. Capítulo 46 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2010 a Figura 3. Marsupialização. Figura 5. Incisão cruciforme. 2.4. HIPERTROFIA DOS PEQUENOS LÁBIOS Figura 4. Excisão de quisto da glândula de Bartholin. 2.3. IMPERFURAÇÃO HIMENIAL Resulta da ausência de reabsorção da membrana himenial, parte da membrana cloacal. Clinicamente pode apresentar-se sob duas formas, em função da idade da doente: hidrocolpos do recém-nascido e hematocolCirurgia vulvar A hipertrofia dos pequenos lábios corresponde a um desenvolvimento anormal e não a uma malformação congénita, aparecendo sempre após a puberdade. Pode ser uni ou bilateral, simétrica ou assimétrica. Geralmente é assintomática, quando o não é, a queixa principal é de natureza estética, em alguns casos as doentes referem desconforto com o uso de determinada indumentária ou com o exercício físico e dispareunia superficial3,7. A redução pode ser realizada através de três procedimentos cirúrgicos: — Ninfectomia completa: incisão na face externa do pequeno lábio desde a zona de bifurcação anterior do pequeno lábio até à sua extremidade posterior ao longo 435 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2010 pos na adolescência com as primeiras menstruações6. O tratamento é idêntico nas duas situações6. Sob anestesia geral, procede-se à abertura do hímen com uma incisão cruciforme (Fig. 5)2. a bio, em linha curva, deixando cerca de 1 cm de largura máxima do lábio. O lábio é suturado com fio reabsorvível 4 zeros, com pontos separados3,8. — Ninfoplastia de redução: técnica com melhor resultado estético, dado preservar os bordos pigmentados dos pequenos lábios. Nesta técnica é excisado um segmento de forma triangular, colocando-se uma pinça ao longo da base do pequeno lábio e uma outra fazendo um ângulo de aproximadamente 90°. Os bordos são suturados em três planos com fio 4 zeros (Fig. 7)3. b c d Figura 6. Ninfectomia completa. a b c Figura 7. Ninfoplastia de redução. 436 Capítulo 46 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2010 do sulco interlabial. A incisão na face interna pode ser um pouco mais superficial que a da face externa, de forma a facilitar a inversão da sutura. Termina-se a amputação do pequeno lábio com a secção do tecido fibroelástico restante, unindo as duas incisões. Após hemostase, os dois bordos são suturados com fio reabsorvível 3 ou 4 zeros, em sutura contínua ou pontos separados (Fig. 6)3. — Ninfectomia subtotal: a incisão estendese desde a zona de bifurcação anterior à extremidade posterior do pequeno lá- O tratamento das lesões malignas da vulva é preferencialmente cirúrgico, complementado ou não pela radioterapia. A cirurgia radical foi durante muitos anos o tratamento padrão do cancro da vulva, apesar da elevada morbilidade. Contudo, nos últimos 20 anos, o tratamento cirúrgico do cancro da vulva tornou-se mais conservador, de forma a reduzir as complicações, particularmente nos casos de doença limitada. Esta atitude mais conservadora não influenciou a sobrevivência, mas permitiu uma redução da morbilidade e melhoria significativa da qualidade de vida das doentes9. A cirurgia conservadora, também conhecida como radical modificada, implica incisões separadas – vulvectomia e linfadenectomia inguinofemoral, sendo recomendado cirurgia reconstrutiva simultânea sempre que necessário10. Nos casos de tumores localmente avançados, a redução tumoral obtida pela quimiorradioterapia concomitante pode permitir uma cirurgia conservadora evitando a cirurgia exenterativa11,12. O estadiamento do carcinoma está em constante evolução, pois tem de se adaptar aos avanços científicos decorrentes da investigação. O estadiamento dos cancros do tracto genital feminino é cirúrgico, com as excepções do cancro do colo, que é clínico, e da doença maligna do trofoblasto que combina aspectos clínicos e biológicos13. Recentemente a classificação da FIGO (Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia) foi revista para o carcinoma da vulva14 (Quadro 1)13. Quadro 1. Classificação da FIGO/200913 Estádio Achados clínicos Estádio 0 Carcinoma in situ, intra-epitelial Estádio I Tumor confinado à vulva IA Lesão de dimensão ≤ 2 cm, confinada à vulva ou períneo com invasão do estroma ≤ 1 mm, sem metástases ganglionares IB Lesão de dimensão > 2 cm ou invasão do estroma > 1 mm, confinada à vulva ou períneo, sem metástases ganglionares Estádio II Tumor de qualquer dimensão com extensão às estruturas adjacentes (1/3 inferior da uretra, 1/3 inferior da vagina, ânus) sem metástases ganglionares Estádio III Tumor de qualquer dimensão com ou sem invasão das estruturas adjacentes (1/3 inferior da uretra, 1/3 inferior da vagina, ânus) com metástases ganglionares inguinofemorais IIIA – Com 1 metástase ganglionar (≥ 5 mm) ou – Com 1-2 metástases ganglionares (< 5 mm) IIIB – Com 2 ou mais metástases ganglionares (≥ 5 mm) ou – Três ou mais metástases ganglionares (< 5 mm) IIIC Metástases ganglionares com invasão extracapsular Estádio IV Tumor invade outras estruturas regionais (2/3 superiores da uretra, 2/3 superiores da vagina) ou à distância IVA – Invade porção superior da uretra e/ou vagina, mucosa da bexiga, mucosa rectal ou fixa ao osso coxal, ou – Metástases inguinofemorais fixas ou ulceradas IVB Tumor com metástase à distância, incluindo gânglios linfáticos pélvicos Cirurgia vulvar 437 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2010 3. TRATAMENTO CIRÚRGICO DE LESÕES MALIGNAS dicalidade) depende do grau de infiltração do tumor3 (Quadro 2). 3.1. RESSECÇÃO DO TUMOR PRIMÁRIO A cirurgia do carcinoma da vulva realiza-se habitualmente com a doente em decúbito dorsal com os membros inferiores em abdução e ligeira flexão das coxas (uso de perneiras), de forma a facilitar a linfadenectomia inguinofemoral e a fase perineal. Na vulvectomia a radicalidade é definida pela profundidade da ressecção e pelas margens laterais. Ressecção superficial – os tecidos sob a pele vulvar não são removidas, radical – são excisados (Fig. 8). As excisões radicais requerem a ressecção até à fáscia inferior do diafragma urogenital ou membrana perineal, o que inclui a ressecção do músculo bolboesponjoso que recobre o bolbo vestibular e a glândula de Bartholin3. Nas lesões posteriores devemos ter cuidados com os vasos pudendos. A incisão deve distar pelo menos 1 cm em torno do tumor (Figs. 9 e 10). Quadro 2. Cirurgia para lesões vulvares3 Cirurgia Nomenclatura alternativa Descrição Indicação Excisão local Vulvectomia parcial simples Remoção da lesão com margens livres de 0,5-1 cm T in situ -T1 Vulvectomia parcial Vulvectomia anterior, posterior, lateral, hemivulvectomia ou vulvectomia radical modificada Remoção de parte da vulva com margens livres de 1-2 cm T1-T2 Vulvectomia total Vulvectomia radical Remoção completa da vulva T2-T4 Vulvectomia cutânea Só a camada superior da pele afectada é removida, deixando-se o tecido celular subcutâneo T in situ Toda a vulva é removida com o tecido celular subcutâneo até à fáscia superficial T1 A Remoção da vulva e tecido subcutâneo até ao diafragma urogenital T1 B - T4 Extensão da pele Profundidade Vulvectomia superficial Vulvectomia simples Vulvectomia profunda 438 Vulvectomia radical Capítulo 46 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2010 Na nova classificação os anteriores estádios I e II foram combinados, porque diferentes estudos demonstraram que a dimensão das lesões na ausência de invasão ganglionar não modifica o prognóstico. O número e a morfologia (tamanho e rotura capsular/invasão extracapsular) dos gânglios invadidos evidenciaram ser importantes factores de prognóstico, pelo que são considerados na nova classificação da FIGO. Enquanto a invasão bilateral dos gânglios caiu como critério, os estudos prévios são controversos e o estudo recente de Fons, et al. concluiu que a presença de metástases ganglionares bilaterais não constitui factor de risco para a sobrevivência, se é feita a correcção para o número de gânglios invadidos14,15. A selecção do tipo de cirurgia a realizar depende de vários factores: uns relacionados com o tumor (tamanho, profundidade de invasão, localização e multifocalidade), outros com a doente (idade e comorbilidades). A extensão de pele removida depende da extensão do tumor e das lesões pré-malignas associadas; a profundidade da ressecção (ra- Fossa isquiorectal Diafragma urogenital Músculo isquiocavernoso Corpo cavernoso Músculo bulboesponjoso Fascia perineal superficial Vulvectomia radical Vulvectomia superficial Figura 8. Corte coronal da pélvis feminina. Sempre que a lesão envolve ou se encontra próxima do meato urinário, a excisão deve incluir a ressecção do terço inferior da uretra (1-2 cm distais, que permite preservar o esfíncter uretral) junto com a peça16. Após remoção da lesão, a parede vaginal e a pele vulvar restante podem ser mobilizadas de forma a reduzir a tensão. Encerramento com fio reabsorvível em sutura descontínua por planos. Nos procedimentos com remoção de grande área de pele são necessários retalhos cutâneos ou miocutâneos, devendo a cirurgia reconstrutiva ser efectuada simultaneamente. 3.2. LINFADENECTOMIA Figura 9. Loca de tumorectomia (com pesquisa de gânglio sentinela). Alguns autores referem que a margem livre deve distar 2 cm do tumor, porque constataram que em mais de 50% das doentes tratadas com vulvectomia parcial com margem de 1 cm macroscópica o estudo histológico revelou margens inferiores a 8 mm (p. 33 volume I). Cirurgia vulvar A disseminação dos tumores da vulva faz-se por extensão directa para os órgãos adjacentes (vagina, uretra e ânus) e por via linfática para os gânglios linfáticos inguinais, femorais e pélvicos (Figs. 11 e 12). A disseminação hematogénica é rara e tardia. Os vasos linfáticos da vulva terminam habitualmente nos gânglios inguinais superficiais, em número de 8-10. Estes gânglios drenam para os femorais profundos 439 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2010 Elevador do ânus Ilíacos Obturadores Profunda Superficial Figura 11. Drenagem linfática da vulva. (2-4), localizados sob a fáscia cribiforme e adjacentes aos vasos femorais profundos. A linfa dos gânglios inguinais é conduzida aos gânglios pélvicos através do anel crural, do canal inguinal ou do buraco obturador17. 440 Alguns linfáticos do clítoris drenam directamente nos gânglios inguinais profundos ou nos pélvicos, após atravessarem o anel crural ou o trajecto inguinal. A linfadenectomia inguinofemoral com incisões separadas foi introduzida na década de 1960 (Byron, et al., 1962)18. Constatou-se que a disseminação para os gânglios linfáticos inguinofemorais ocorria por embolização. Com as incisões separadas, da linfadenectomia e da vulvectomia, as deiscências da sutura e os linfedemas dos membros inferiores diminuíram significativamente. Tal como, diminuiu significativamente o tempo operatório, as perdas hemáticas e a estadia hospitalar. A linfadenectomia inguinofemoral actualmente preconizada realiza-se por incisão separada paralela e situada 1 cm abaixo da prega inguinal, tendo como referências a espinha ilíaca ântero-superior e o tubérculo púbico. Através desta incisão procede-se à remoção dos gânglios inguinais que acompanham o ligamento inguinal e a veia grande safena, que se tenta preservar. Capítulo 46 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2010 Figura 10. A: linha de vulvectomia radical modificada. B: aspecto final. Gânglio inguinal mais profundo (Gânglio de Cloquet) Grupo da veia grande safena Grupo da veia ilíaca circunflexa superficial Grupo da veia pudenda externa superficial } Fascia lata Vasos e nervo femurais Gânglios inguinais superficiais Gânglios inguinais profundos Grupo da veia epigástrica superficial Figura 12. Gânglios e vasos linfáticos do períneo – feminino. Os gânglios femorais profundos são excisados sem remoção da fascia lata, dado localizarem-se sempre medianamente em relação a veia femoral19. Com estes cuidados, preservação da veia grande safena e da fascia lata, reduz-se significativamente a morbilidade mantendo o número de gânglios removidos20. O encerramento faz-se por planos e pontos separados, deixando um dreno de aspiração (Figs. 5 e 6, p. 342, volume I) (Fig. 13). Cirurgia vulvar Ligamento inguinal Figura 13. Vulvectomia radical modificada – tripla incisão. 441 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2010 Ligamento inguinal (Ligamento de Poupart) A linfadenectomia inguinofemoral uni ou bilateral depende da localização e do tamanho do tumor21. As estruturas vulvares laterais drenam para gânglios homolaterais e as estruturas medianas têm drenagem bilateral, dados demonstrados por vários autores, que revelam também que o clítoris, a parte anterior da vulva e o períneo têm drenagem linfática bilateral. A definição de lesão mediana/central é controversa; a maioria dos autores considera que lesões afastadas mais de 1 cm da linha média são laterais. Portanto, lesões que envolvam o terço superior ou inferior dos pequenos lábios, o clítoris ou a fúrcula são consideradas centrais, e por isso nestes casos a linfadenectomia deve ser bilateral. Tendo em consideração a morbilidade associada à linfadenectomia inguinofemoral e o baixo risco de metástases contralaterais em tumores T1/T2 com localização lateral, defende-se na actualidade a linfadenectomia homolateral nestes tumores. A presença de gânglio invadido na linfadenectomia homolateral torna necessário o tratamento contralateral, quer por dissecção ou por radioterapia. A FIGO recomenda nestes casos a radioterapia inguinal e pélvica bilateral22. A linfadenectomia pélvica sistemática foi abandonada após os resultados de um estudo randomizado envolvendo 114 doentes, que revelaram taxas de sobrevivência mais elevadas no grupo submetido a radioterapia pélvica, quando comparado com o grupo submetido a linfadenectomia pélvica23. A radioterapia pélvica passou a tratamento padrão nas doentes com gânglios inguinais metastizados, especialmente se fixos e múltiplos. É raro existirem gânglios pélvicos invadidos com gânglios inguinais negativos. No caso de gânglios pélvicos volumosos (> 2 cm na tomografia computarizada [TC]) a sua excisão antes da radioterapia poderá melhorar a sobrevivência23,24. 442 3.4. GÂNGLIO SENTINELA No cancro ginecológico o estado ganglionar constitui um importante factor de prognóstico, sendo um critério a considerar na decisão terapêutica25. O exame clínico e os exames imagiológicos actualmente disponíveis revelaram resultados pouco satisfatórios na avaliação dos gânglios, permanecendo a linfadenectomia como única técnica fiável para esse propósito25-27. Contudo, a linfadenectomia não está isenta de complicações, e a maioria das doentes com doença em estádios iniciais não beneficiará com o procedimento, pois só uma pequena percentagem destas doentes terá gânglios linfáticos invadidos28-30. A técnica do gânglio sentinela (GS) – identificação do primeiro gânglio que recebe a drenagem linfática do tumor primário e que avaliará o estado ganglionar regional31-33, surge como alternativa à linfadenectomia sistemática, reduzindo a morbilidade associada ao tratamento cirúrgico, sem todavia comprometer a sobrevivência25,26,28. A linfadenectomia só se realiza quando o GS está invadido por células malignas. Para identificação do GS tem-se recorrido a duas técnicas, que aparentemente se complementam, a linfocintigrafia e o uso de um corante vital – o blue dye25,26,34. Os estudos publicados referem taxas de detecção de 92% e um valor preditivo positivo de 99% (Quadro 3)3. Este «novo» conceito – gânglio sentinela – é actualmente aceite no tratamento do melanoma e do cancro da mama29,30. A sua aplicabilidade continua em investigação em outros tipos de cancro, como o caso da vulva. A pesquisa do GS inicia-se com a realização de uma linfocintigrafia, sendo habitualmente usadas nanopartículas coloidais de albumina humana (50-80 nm), marcadas com tecnécio (Tc99m). A doente é posicionada na câmara gama, em decúbito dorsal, procedendo-se à injecção peritumoral com agulha fina (25 G), de nanocoloides de albumina Capítulo 46 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2010 3.3. LINFADENECTOMIA HOMOLATERAL OU BILATERAL Autor (ano) N.o doentes Técnica Taxa identificação (%) Casos falsos negativos 51 37 59 52 26 21 26 17 20 B R C B C C C C C 56 100 100 88 100 00 96 100 100 2 0 0 0 0 0 0 0 (+3) 1 (+1) Ansink, et al. (1999) De Cicco, et al. (2000) De Hullu, et al. (2000) Levenback, et al. (2001) Sliutz, et al. (2002) Moore, et al. (2003) Puig-Tintoré, et al. (2003) Louis-Sylvestre, et al. (2006) Merisio, et al. (2005) B: blue dye; R: radiofármaco; C: combinada. (radiofármaco). Seguidamente dá-se início à aquisição de imagens (Fig. 14). Após a aquisição da última imagem assinala-se na pele o local onde se encontrou o(s) gânglio(s) sentinela (Fig. 15)34. No dia da cirurgia, com a doente em decúbito dorsal com ligeira flexão e abdução das coxas e sob anestesia geral, antes de qualquer incisão e com o auxílio da sonda de detecção de raios gama, procede-se à confirmação da(s) área(s) emissora(s) de radiação (Fig. 16). Em seguida, procede-se à injecção peri-tumoral de 2 cc do corante vital blue dye usando agulha de 2 mCi (Fig. 17). Aquece-se o local de injecção durante alguns minutos para facilitar a difusão do corante e na sequência procede-se à incisão para a pesquisa do gânglio. Pesquisam-se os vasos corados de azul (Fig. 18), passando cuidadosamente a sonda de detecção de raios gama (inserida em manga esterilizada), com o objectivo de identificar e localizar o(s) GS. Após a identificação e excisão do gânglio faz-se uma nova pesquisa de radioactividade com a sonda na loca cirúrgica e no fragmento excisado, de modo a excluir outros focos emissores de radiação. Todos os gânglios assim identificados são removidos e assinalados como GS. Cirurgia vulvar Figura 14. Linfocintigrafia de carcinoma vulvar, onde se identifica um gânglio radioactivo. Esta técnica comporta baixa morbilidade, risco de anafilaxia, mas tem algumas limitações: nem sempre se identifica o GS, exige uma curva de aprendizagem e execução continuada da técnica. Além disso, não se recomenda nas doentes com doença multifocal e nas que têm gânglios inguinais suspeitos à palpação, por haver o risco dos gânglios volumosos invadidos poderem bloquear o fluxo linfático e, subsequentemente, não permitir a detecção do blue dye ou do radiofármaco30. 443 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2010 Quadro 3. Estudos sobre identificação do GS Figura 18. identificação do GS. Apesar de, neste momento, não ser considerada técnica padrão no tratamento do cancro da vulva, a pesquisa do GS tem-se revelado uma técnica promissora, sendo usada por vários grupos. Com a sua aplicação o problema da linfadenectomia inguinofemoral, homolateral ou bilateral coloca-se em padrões de maior rigor, com claro benefício para as doentes. Figura 16. Detecção dos raios gama com sonda. 3.5. COMPLICAÇÕES Figura 17. Injecção de blue dye nos 4 quadrantes. 444 As principais complicações da cirurgia vulvar oncológica são: a deiscência e infecção da sutura, linfocelos, celulite e linfangite, edema dos membros inferiores e região vulvar, infecções urinárias e redução do desejo e prazer sexual. De forma a evitar algumas destas complicações após a cirurgia recomenda-se: continuar a administração de heparina de baixo peso molecular e/ou compressão dos membros inferiores; manter a antibioterapia profiláctica durante 48 h (preconiza-se a administração de ciprofloxacina 400 mg ev. + metronidazol 500 mg ev. antes da indução anestésica ou cefoxitina 1-2 g ev.); uso de sonda de Foley; e manter a área vulvar seca. Capítulo 46 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2010 Figura 15. Marcação pela medicina nuclear. 1. Beller U, Quinn M, Benedect J, et al. Carcinoma of the vulva. International Journal of Gynecology Obstetrics. 2006;95 Suppl 1:7-27. 2. Hirsch HA, Käser O, Iklé FA. Atlas of gynecologic surgery. 3rd ed. NY: Thieme Medical Publishers; 1997. 3. Neill SM, Lewis FM. Ridley’s the vulva. 3rd ed. WileyBlackwell; 2009. 4. Scott JW, Gilpin CR, Vence CA. Vulvectomy, introital stenosis and Z plasty. American Journal of Obstetrics and Gynecology. 1963;85:132-3. 5. Wilkinson EJ. Introital stenosis and Z plasty. Obstetrics and Gynecology. 1971;38:638-40. 6. Bremond A, Borruto F, Rochet Y. Malformations de l’appareil génital féminin. Paris: Masson; 1995. 7. Rouzier R, Louis-Sylvestre C, Paniel BJ, et al. Hypertrophy of labia minora: experience with 163 reductions. 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