AVALIAÇÃO CLÍNICA E MICROBIOLÓGICA DA SECREÇÃO CONJUNTIVAL EM USUÁRIOS DE PRÓTESE OCULAR EM RESINA ACRÍLICA CLINICAL AND MICROBIOLOGICAL EVALUATION OF THE CONJUNCTIVAL DISCHARGE IN PATIENTS WITH ACRYLIC RESIN OCULAR PROSTHESIS Ana Christina Claro Neves Rolf Rode Sigmar de Mello Rode Antonio Olavo Cardoso Jorge Departamento de Odontologia da Universidade de Taubaté Faculdade de Odontologia de São José dos Campos / UNESP RESUMO Este trabalho objetivou estudar a secreção conjuntival presente em usuários de prótese ocular, relacionando a quantidade da mesma com a microbiota conjuntival, freqüência de limpeza, tempo de uso e tempo decorrido desde o último polimento da prótese. Após obtidos os dados relativos a presença de secreção, tempo de uso, tempo decorrido desde o último polimento e frequência de limpeza da prótese, foi realizada coleta de material microbiológico da cavidade anoftálmica, parede posterior da prótese e olho contralateral dos pacientes. Os microrganismos mais freqüentemente isolados das cavidades anoftálmicas, por ordem decrescente de freqüência, foram: Staphylococcus coagulase negativos, Staphylococccus aureus, Candida albicans, Proteus mirabilis, Citrobacter koseriana, Streptococcus pyogenes, Pseudomonas aeruginosa, Enterobacter sakazakii e Enterobacter aerogenes. Todos os pacientes apresentaram secreção conjuntival e microbiota Gram positiva nas cavidades anoftálmicas. O estudo estatístico dos dados evidenciou relação não significativa entre a quantidade de secreção conjuntival e a presença de microbiota Gram negativa nas cavidades e entre a quantidade de secreção conjuntival e a freqüência de limpeza da prótese ocular. Correlação, estatisticamente significativa, foi constatada entre a quantidade de secreção conjuntival e o tempo de uso e o tempo decorrido desde o último polimento da prótese. PALAVRAS-CHAVE: Prótese ocular; secreção conjuntival; microrganismos. INTRODUÇÃO Atualmente, o caráter conservador esperado dos profissionais da área da saúde faz com que, na Oftalmologia, a enucleação e evisceração do globo ocular ocupem espaço cada vez menor, sendo indicadas apenas quando todos os recursos de preservação tenham sido esgotados. Entretanto, frente a uma realidade em que tenha ocorrido o tratamento cirúrgico radical, por doença ou traumatismo do globo ocular, originando uma deformidade funcional e estética, pode haver a necessidade da instalação de uma prótese ocular para que, fundamentalmente, o paciente possa ser reintegrado à sociedade. O resultado estético favorável de uma prótese ocular depende de sua dissimulação, que geralmente é alcançada quando a mesma se assemelha ao olho remanescente, em coloração, forma e tamanho. É também de extrema importância, para a dissimulação da prótese, que se imprima à mesma um certo grau de mobilidade, o qual é obtido pela adequada adaptação da prótese à cavidade. Embora a prótese ocular seja, quase sempre, confeccionada a partir da moldagem da cavidade anoftálmica, algum grau de “espaço morto” é observado entre a superfície posterior da mesma e o fundo da Rev. biociênc.,Taubaté, v.7, n.2, p.43-49, jul.-dez.2001. cavidade. Secreção lacrimal, muco e resíduos estagnados nesse espaço constituem excelente meio de cultura para o crescimento bacteriano, determinando uma conjuntivite superficial crônica que parece ser a principal causa da secreção conjuntival que se acumula na cavidade anoftálmica, cílios e pálpebras dos pacientes. Adicionalmente, a rugosidade na superfície da prótese e a manipulação da mesma pelo paciente também podem estar relacionadas com a etiologia da secreção. O acúmulo de secreção conjuntival na cavidade anoftálmica, além de gerar grande insatisfação estética para o paciente, causa desconforto, interfere na mobilidade da prótese e ocasiona a perda do brilho de sua superfície. Assim, este trabalho objetivou estudar a secreção conjuntival presente nas cavidades anoftálmicas de pacientes usuários de prótese ocular em resina acrílica e relacionar sua quantidade na cavidade anoftálmica com a microbiota conjuntival, tempo de uso e freqüência de limpeza da prótese ocular e o tempo decorrido desde o último polimento da mesma. MATERIAL E MÉTODOS Participaram do estudo 43 pacientes usuários de prótese ocular em resina acrílica. Trinta e cinco usavam prótese individualizada e oito usavam prótese de estoque. Nenhum paciente fazia uso de qualquer medicação oftálmica. Após obtido consentimento informado de cada um dos pacientes, foi preenchida uma ficha clínica com as informações necessárias para a realização do presente trabalho. Posteriormente, de cada paciente foi coletada a secreção, com auxílio de swab de rayon (Rayswab, Difco), esterilizado, embebido em solução de cloreto de sódio a 0,9%, de três locais: fórnice inferior da cavidade anoftálmica (Figura 1), fórnice inferior do olho contralateral (Figura 2) e parede posterior da prótese. As coletas foram realizadas sem utilização de anestésico tópico. FIGURA 1- Coleta de material microbiológico do fórnice inferior da cavidade anoftálmica FIGURA 2 – Coleta de material microbiológico do fórnice do olho contralateral O material coletado foi semeado em ágar Sabouraud dextrose com cloranfenicol, ágar sangue, ágar MacConkey e ágar salgado. Os meios semeados foram mantidos em estufa bacteriológica a 37ºC por 48 horas, com exceção do material inoculado no ágar sangue, que foi incubado em estufa com teor de 5% de CO2. Quando constatado crescimento de colônias características de estreptococos no ágar sangue, estafilococos no ágar salgado, leveduras no ágar Sabouraud e bacilos Gram negativos no ágar MacConkey, foram realizados esfregaços corados pelo método de Gram e, quando morfologia característica era confirmada, culturas puras eram obtidas e identificadas das seguintes formas: a)estafilococos: provas de produção das enzimas catalase e coagulase, Voges Proskauer, prova do ácido de trealose e B-galactosidase; b)estreptococos: provas de produção da enzima catalase, e sensibilidade à bacitracina e à optoquina; c)leveduras: formação de tubo germinativo em soro estéril de coelho, produção de clamidoconídeos em ágar fubá tween 80, fermentação e assimilação de açúcares; d)Enterobacteriaceae e Pseudomonadaceae: realizada pelo sistema de identificação API 20E (Bio-Merieux). Para a determinação da quantidade de secreção conjuntival nas cavidades anoftálmicas, chumaços de algodão foram embalados em papel manilha, esterilizados e pesados em balança digital de precisão de centésimo de grama (MICRONAL B600), e as pesagens foram anotadas. Posteriormente, foram cuidadosamente removidos da embalagem e utilizados para coletar a secreção presente nas cavidades anoftálmicas. A seguir, foram reembalados no mesmo papel e, novamente, pesados. A diferença de peso constatada entre a primeira e a segunda pesagem constituiu a quantidade de secreção presente na cavidade anoftálmica. As cavidades anoftálmicas não foram higienizadas, durante as oito horas que precediam a coleta da secreção. Foram considerados pacientes com grande quantidade de secreção (+++) aqueles que apresentavam 0,1 grama ou mais de secreção na cavidade anoftálmica; com quantidade razoável (++), os que apresentavam entre 0,06 e 0,09 gramas, e, com pequena quantidade (+), aqueles que apresentavam menos que 0,06 gramas de secreção. RESULTADOS Crescimento microbiano foi identificado em todas as amostras provenientes das cavidades anoftálmicas, em 35 das provenientes dos olhos contralaterais e em 40 das provenientes da parede posterior da prótese ocular. As espécies microbianas identificadas estão relacionadas na Tabela 1. TABELA 1 - Microorganismos encontrado nas amostras provenientes das cavidades anoftálmicas, olhos contralaterais e próteses oculares. Microbiota Staphylococcus coagulase negativo Staphylococcus aureus Staphylococcus schleiferi subsp. coagulans Streptococcus pyogenes Pseudomonas aeruginosa Proteus mirabilis Acinetobacter baumannii Enterobacter sakazakii Citrobacter koseriana Escherichia coli Enterobacter aerogenes Klebsiella pneumoniae Candida albicans Mais de uma espécie microbiana Negativos Cavidade anoftálmica 38 14 0 01 01 02 0 01 02 0 01 01 03 17 0 % 88,37 32,55 0 2,32 2,32 4,65 0 2,32 4,65 0 2,32 2,32 6,97 39,53 0 Olho contralateral 34 07 01 0 0 01 0 0 01 0 0 0 0 8 8 % 79,06 16,27 2,32 0 0 2,32 0 0 2,32 0 0 0 0 18,60 18,60 Prótese % ocular 36 83,73 9 20,93 0 0 01 2,32 01 2,32 01 2,32 01 2,32 03 6,97 01 2,32 01 2,32 0 0 0 0 0 0 11 25,58 03 6,97 Relação significativa entre a quantidade de secreção conjuntival e a presença de microbiota Gram negativa nas cavidades anoftálmicas não foi observada (Tabela 2). TABELA 2 - Distribuição dos casos de cavidades anoftálmicas de acordo com a quantidade de secreção conjuntival e a presença de microrganismos Gram negativos Quantidade de Secreção Muita (+++) Razoável (++) Pouca (+) Total X2=1,38 Presença 03 03 02 08 Microrganismos Gram negativos Ausência 07 13 15 35 Total 10 16 17 43 valor de p=0,55 Não há relação entre as variáveis com 5% de significância Com relação à quantidade de secreção presente nas cavidades anoftálmicas e à freqüência de limpeza da prótese ocular, verificou-se não existir relação estatisticamente significativa entre as variáveis (Tabela 3). TABELA 3 - Distribuição dos casos de cavidades anoftálmicas de acordo com a quantidade de secreção conjuntival e freqüência de limpeza da prótese ocular Quantidade de Secreção Muita (+++) Razoável (++) Pouca (+) Total X2=0,97 Microrganismos Gram negativos Uma vez ao dia ou Mais que uma vez ao menos dia 03 07 03 13 02 15 08 35 Total 10 16 17 43 valor de p=0,61 Não há relação entre as variáveis com 5% de significância Para estudar a relação entre a quantidade de secreção conjuntival presente nas cavidades anoftálmicas e tempo de uso e tempo decorrido desde o último polimento da prótese ocular, os dados coletados foram submetidos ao teste de coeficiente de correlação por postos de Sperman (Tabela 4). TABELA 4 - Correlação entre a quantidade de secreção conjuntival nas cavidades anoftálmicas e o tempo de uso e tempo decorrido desde o último polimento da prótese ocular Tempo de Uso da Prótese Tempo Decorrido Desde o Último Polimento rs 0,29496 0,32694 t 1,97658 2,2152 valor de p 0,02742 0,01618 Há correlação estatisticamente significativa entre as variáveis com 5% de significância. DISCUSSÃO O acúmulo de secreção conjuntival na cavidade anoftálmica, pálpebras e cílios de usuários de prótese ocular tem sido relatado por diversos autores. Esta secreção, além de esteticamente desagradável, diminui o brilho da superfície da prótese e interfere na mobilidade da mesma, causando, muitas vezes, constrangimento aos pacientes (GOLDFARB; TURTZ,1966; MILLER et al., 1976; NATH et al., 1978; JONES; COLLIN,1983; PORTELLINHA et al.,1984). Secreção conjuntival, em quantidade variada, foi observada em todas as cavidades anoftálmicas examinadas, assemelhando-se este dado àqueles encontrados por Portellinha et al. (1984) e Dayal et al. (1984). Em todas as amostras procedentes das cavidades anoftálmicas foi evidenciado crescimento microbiano. Achado semelhante foi verificado por Miller et al. (1976), Portellinha et al. (1984) e Vasquez e Linberg (1989). Entretanto, Nath et al. (1978) verificaram a presença de microbiota bacteriana em apenas 36 das 74 cavidades anoftálmicas examinadas. Assim como na pesquisa realizada por Goldfarb e Turtz (1966), no presente trabalho o microrganismo mais freqüentemente evidenciado nas cavidades anoftálmicas, olhos contralaterais e próteses oculares foi Staphylococcus coagulase negativo, seguido por Staphylococcus aureus. Embora relação estatisticamente significativa entre a microbiota Gram negativa e a quantidade de secreção presente nas cavidades anoftálmicas não tenha sido observada, hábitos inadequados de higiene, desenvolvidos pelos pacientes, para a limpeza das próteses e das cavidades anoftálmicas, parece favorecer a colonização de microrganismos Gram negativos (WILLCOX et al., 1997; CAMPOS, 1990). Embora crescimento fúngico tenha sido identificado em 6,9% das amostras provenientes das cavidades anoftálmicas, da mesma forma que Nath et al. (1978), fungos não foram encontrados nas amostras provenientes dos olhos contralaterais e prótese oculares. Espécies bacterianas similares foram observadas nas cavidades anoftálmicas e olhos contralaterais, embora a prevalência das mesmas fosse maior nas cavidades anoftálmicas, o que está em concordância com os achados de Vasquez e Linberg (1989). Assim como na pesquisa de Portellinha et al. (1984), não foi observada relação significativa entre a quantidade de secreção conjuntival presente nas cavidades anoftálmicas e a freqüência de limpeza da prótese ocular, entretanto relação estatisticamente significativa foi encontrada entre a presença de secreção e o tempo de uso de prótese. Dos 43 pacientes estudados, 14 tinham tido suas próteses polidas no último mês, e 31, há mais tempo, revelando a análise estatística destes dados correlação significativa entre a quantidade de secreção presente na cavidade anoftálmica e o tempo decorrido desde o último polimento da prótese. CONCLUSÃO • Não foi observada relação estatisticamente significativa entre a quantidade de secreção conjuntival presente nas cavidades anoftálmicas e a microbiota Gram negativa e entre a quantidade de secreção e a freqüência de limpeza das próteses oculares; • Correlação estatisticamente significativa foi encontrada entre a quantidade de secreção conjuntival presente nas cavidades anoftálmicas estudadas e o tempo de uso das próteses oculares e entre a quantidade de secreção conjuntival e o tempo decorrido desde o último polimento das próteses. ABSTRACT The purpose of this work was to evaluate the conjunctival discharge in acrylic resin ocular prosthesis-carriers in and relate the amount of conjunctival discharge to the presence of organisms, frequency of prosthesis cleaning, time of use and elapsed time since the last prosthesis polishing. After the collection of the patient’s data, material microbiological was collected of the anophthalmic sockets, ocular prosthesis and fellow eyes. All patients showed conjunctival discharge and Gram positive organisms in the anophthalmic sockets. Gram negative bacteria were found in eight anophthalmic sockets and fungi in three. No relation was found between the amount of the conjunctival discharge and the presence of Gram negative bacteria in the anophthalmic socket, nor with the frequency of prosthesis cleaning. However, there was a significant relation between the amount of conjunctival discharge and time of prosthesis use , as well as time elapsed since the last prosthesis polishing. KEY-WORDS: ocular prosthesis, conjunctival discharge, microorganisms. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CAMPOS, M.S.Q. Microbiota bacteriana anaeróbica do saco conjuntival humano normal, de cavidades anoftálmicas de usuários de prótese ocular e de pacientes aidéticos. São Paulo, 1990. 85 f. Tese (Doutorado em Medicina)- Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo. DAYAL, Y. et al. Comparative study of bacterial and fungal floras of contracted sockets and fellow eyes. Ann. Ophthalmol., v. 16, n. 2, p. 154-162, Feb. 1984. GOLDFARB, H.J.; TURTZ, A .I. A detergent-lubrificant soluction for artificial eyes. Am. J. Ophthalmol., v. 61, n. 6, p. 1502-1505, 1966. JONES, C.A ., COLLIN, J.R. A classification and review of the causes of discharging sockets. Trans. Ophthalmol. Soc. U. K., v. 103, n. 3, p. 351-353, 1983. MILLER, S.D. et al. Bacteriology of the socket in patients with prosthesis. Can. J. Ophthalmol., v.11, n. 2, p. 126-129, 1976. NATH, K. et al. Bacterial and fungal flora of the sockets. Indian J. Ophthalmol., v. 26, n. 2, p. 5-8, 1978. PORTELLINHA,W.M. et al. Estudo clínico-microbiológico, citológico e de função lacrimal em pacientes com cavidade anoftálmica e uso de prótese ocular de acrílico. Arq. Bras. Oftalmol., v. 47, n. 4, p. 159-163, 1984. VASQUEZ, R.J., LINBERG,J.V. The anophthalmic socket and the prosthetic eye: a clinical and bacteriologic study. Ophthalmic. Plast. Reconstr. Surg., v. 5, n. 4, p. 277-280, 1989. WILLCOX, M.D. et al. Potencial sources of bacteria that are isolated from contact lenses during wear. Optom. Vis. Sci. v. 4, n. 12, p. 1030-1038, Dec. 1997.