Matematicamente pensando: Medidas que mexem Carlos Morais Num mundo cada vez mais global, em que cada acontecimento tem sempre um peso muito relativo, saliento dois que merecem ser vistos para além da crise e dos efeitos económicos. Refiro-me à decisão do Tribunal Constitucional sobre algumas normas do Orçamento de Estado e ao facto de ter sido questionada a legalidade das habilitações de um Ministro. São duas situações novas que merecem a maior atenção e que devem ser analisadas, não só numa perspetiva financeira e política, mas também numa perspetiva que ajude a compreender melhor as regras de cada país e a necessidade de as cumprir e de as fazer cumprir. Relativamente à decisão do tribunal de contas, no jornal expresso, p.5, afirma-se que “1080 milhões de euros correspondem ao impacto líquido total do défice público das três principais medidas chumbadas pelo Tribunal Constitucional”. Não me parece legítimo condenar este Governo por ter admitido que tais regras eram legais, no entanto sou de opinião que o Governo deu mais ênfase ao efeito que essas medidas tinham na diminuição do défice do que aos pormenores que poderiam conduzir à sua anulação. Mas as leis são criadas para que a sociedade possa viver melhor, de uma forma justa e com a menor conflitualidade possível. Penso que em cada país civilizado e democrático essas garantias são dadas pela sua lei fundamental, no caso de Portugal, a “Constituição da República Portuguesa”. Ora, o dinheiro é importante, mas nunca se pode sobrepor às regras que os países criam e consideram intocáveis. Admitindo que tanto o Governo como o Tribunal Constitucional desempenharam os seus papéis o melhor que sabiam e podiam, resta-me não lamentar o sucedido e esperar que cada entidade procure dentro das regras estabelecidas ultrapassar as dificuldades de uma forma consensual, sem vitórias nem derrotas. Saliento que todas as sociedades devem assumir e honrar os seus compromissos, só que muitas vezes chegam a situações praticamente irreversíveis, no sentido de se quererem resolver as consequências negativas em prazos fixos e determinados, quando as causas foram diversas, imponderadas e por períodos ilimitados. Admito que para resolver de forma coerente e sem dor o impacto do chumbo do Tribunal Constitucional, as instituições internacionais que financiaram e financiam Portugal não precisarão de ser muito mais tolerantes para resolver esta situação do que foram quando assistiram, sem qualquer intervenção, à concretização de regras no país, tais como: - Vencimentos dependentes, diretamente ou indiretamente, do Estado muito superiores aos do Sr. Presidente da República; - Reformas elevadíssimas de políticos e administradores, garantidas ao fim de poucos anos de vida pública; - Financiamento de fundações e associações de mérito e objetivos duvidosos; - Duplicação de autoestradas em algumas regiões do país sem justificação real; - Criação de empresas associadas a diversas instituições para contornar as regras do país e parcerias público-privadas injustificadas. A situação de se colocarem em causa as habilitações de um Ministro quando há dúvidas, só pode ser considerado um ato positivo, pois viver num país em que ninguém está acima da lei é um sonho a que poucos seres humanos têm acesso, no entanto, este é um sinal. Obviamente que questionar significa apenas isso, e ninguém deve ser culpado enquanto os tribunais não decidirem. Mas, que decidam, porque, principalmente no mundo académico tem existido uma grande confusão entre o conhecimento adquirido e validado em instituições credíveis e a validade de habilitações por equivalência ou reconhecimento. Morais, C. (2013). Matematicamente pensando: Medidas que mexem. Mensageiro de Bragança, 11 de abril de 2013, p. 4.