SERVIÇO SAÚDE Q Inimigo peito ILUSTRAÇÕES PANZICA do Cada vez mais freqüente, o câncer de mama é o tipo que mais acomete e mais causa mortes entre as mulheres no país. A grande arma contra a doença ainda é o diagnóstico precoce, mas as falhas nos serviços de saúde podem prejudicar sua eficiência 26 Revista do Idec | Agosto 2008 uase 50 mil novos casos de câncer de mama devem ocorrer só em 2008 no Brasil, segundo estimativa do Instituto Nacional do Câncer (Inca). O dado mais alarmante, porém, é que cerca de 60% das brasileiras só descobrem a doença quando ela já está num estágio avançado, o que prejudica o tratamento e diminui as probabilidades de cura. Juntando a alta incidência à escassez e má qualidade dos exames de detecção no sistema público de saúde, assim como às falhas no tratamento, temos os responsáveis pelas elevadas taxas de mortalidade por câncer de mama no país. Segundo um balanço do Ministério da Saúde, em 2005 houve 10.270 mortes pela doença, pouco mais de 20% de todos os novos casos detectados naquele ano (49.400). No caso do câncer de mama não dá para pensar em estratégias de prevenção. Os fatores de risco para a doença são muito amplos, e, por isso, todas as mulheres são suscetíveis a desenvolvê-la. Claro que adotar um comportamento saudável ajuda em sua precaução, assim como na de outras doenças. Além disso, conforme alerta o técnico da Coordenação de Prevenção e Vigilância do Inca, Ronaldo Correia, após a menopausa os fatores externos passam a ter mais peso sobre o desenvolvimento do tumor. Por isso, depois dos 50 anos, características como obesidade, tabagismo, sedentarismo, reposição hormonal e abuso de bebidas alcoólicas aumentam o risco. No entanto, como há outros fatores que podem influenciar o desenvolvimento da doença, a principal forma de combater o câncer de mama é descobri-lo cedo. Para isso, é preciso que a mulher se submeta aos exames de diagnóstico com assiduidade. Embora muito freqüente, a doença não é uma sentença de morte. Ao contrário, em geral é de fácil tratamento – desde que diagnosticada precocemente. Tumores com até 1 cm de diâmetro, em tese, são curáveis em praticamente 100% dos casos. “Em tese”, porque depende das características do tumor e da reação do organismo de cada indivíduo. O principal método de detecção do câncer de mama é a mamografia, capaz de identificar lesões em fase bastante inicial e localizar tumores milimétricos. A maioria dos médicos indica que o exame seja feito uma vez ao ano, por todas as mulheres a partir dos 40 anos, período em que há maior incidência. Antes dessa idade, só em casos de alto risco, ou seja, quando há um histórico familiar da doença. Já o Ministério da Saúde recomenda o exame a partir dos 50 anos pelo menos a cada dois anos, e a partir dos 35 para quem tem risco elevado. Mas, no fim de abril, o governo federal sancionou uma lei que, em 2009, pretende ampliar o acesso ao exame para mulheres a partir dos 40 anos, anualmente. Só que o anúncio não veio acompanhado de mais mamógrafos (aparelho que faz a mamografia) para o Sistema Único de Saúde (SUS), o que pode ser um obstáculo ao aumento efetivo da realização do exame. Conforme dados do Inca, levantados entre 2003 e 2005, a cobertura da mamografia no Brasil é de cerca de 40%, tanto pelo SUS quanto pela saúde suplementar (ou seja, os planos de saúde). AUTO-EXAME Muito embora não substitua a mamografia, há médicos que defendem a indicação do auto-exame – aquele em que a própria mulher averigua, com tato e visão, se seus seios estão saudáveis. Alguns profissionais, porém, alertam que, apesar de esta observação das mamas permitir a identificação de possíveis alterações, ela não é tão eficiente devido ao desconhecimento por parte da mulher de como fazê-lo corretamente ou por sua imperícia em detectar as alterações. O Inca, por sua vez, não recomenda o autoexame como estratégia de detecção precoce. “A mulher pode não perceber nódulos que seriam identificáveis no exame clínico ou na radiografia, e, na maioria das vezes, só os percebe quando já estão num estágio avançado”, pondera Ronaldo Correia, do Inca, que diz ainda que, ao não encontrar nenhuma alteração durante o auto-exame, algumas mulheres deixam de fazer a mamografia, o que é um erro. A mesma advertência é feita pelo médico José Roberto Filassi, chefe do setor de mastologia do Instituto do Câncer do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (HC-USP), que diz ainda que uma falsa percepção pode levar a mulher a um estresse desnecessário. Já para Eduardo Lyra, coordenador do ensino de mastologia do Instituto Brasileiro de Controle do Câncer (IBCC), que promove a campanha “Câncer Revista do Idec | Agosto 2008 27 SAÚDE Fonte: IBCC de mama no alvo da moda”, o acesso à mamografia no país é precário e, por isso, o auto-exame ainda é uma ferramenta importante. Segundo o médico, o programa de rastreamento do Ministério da Saúde não atende às necessidades da população – o acesso aos serviços de saúde no país é baixo e as mamografias são de má qualidade, devido a equipamentos velhos, negativos ruins e profissionais despreparados. No entanto, todos os profissionais consultados pela REVISTA DO IDEC advertem que o auto-exame não substitui a mamografia nem o exame clínico – toque e observação dos seios feitos por um profissional – como método de detecção. Independentemente de sintomas Exames importantes ● Mamografia – É um exame radiológico que consiste no seguinte: a mama é colocada entre duas placas horizontais e submetida a raios X. Ela permite identificar lesões não palpáveis e descobrir o câncer de mama quando o tumor ainda é bem pequeno, a partir de 2 mm. ● Mamografia digital – O processo é o mesmo da mamografia, inclusive com o desconforto provocado pela compressão dos seios entre as placas. Mas as imagens são computadorizadas. Estudos comprovam que ela tem desempenho melhor em relação à convencional, no caso de mamas densas. Para José Roberto Filassi, mastologista do HC-USP, a tendência é que, com o tempo, o mamógrafo digital substitua o convencional, já que o equipamento também facilita o armazenamento de imagens e tem capacidade para realizar o dobro de exames. Contudo, seu preço ainda é um empecilho: enquanto o equipamento convencional custa cerca de US$ 120 mil, o digital está em torno de US$ 350 mil. ● Auto-exame – A observação e o toque das mamas devem ser feitos uma vez por mês, sempre na semana seguinte ao fim da menstruação. Para as que não menstruam, no primeiro dia do mês. Examine se há caroços, secreção, alterações na pele e no mamilo. Caso perceba alguma diferença, procure um médico imediatamente, mas lembre-se de que apenas uma pequena parcela dos nódulos e das secreções da mama estão relacionados ao câncer. Existe grande probabilidade de eles serem benignos. O acompanhamento ajuda a perceber mudanças, mas os exames clínicos e radiográficos devem ser realizados regularmente. 28 Revista do Idec | Agosto 2008 ou suspeitas, a mamografia é um exame de rastreamento e deve ser feita por todas as mulheres da faixa etária indicada. Da mesma forma, mulheres de todas as idades, a partir da primeira menstruação, devem fazer o exame clínico das mamas pelo menos uma vez por ano. Este é parte do atendimento integral à mulher, por isso deve ser oferecido em todos os postos do SUS. Quando necessário, para auxiliar a detecção podem ser feitos exames de ultra-sonografia ou ressonância magnética – o primeiro é oferecido pelo SUS. Eles são complementares à mamografia, e sozinhos não são capazes de localizar as lesões. RISCOS O principal fator de risco para o câncer de mama é o envelhecimento. Em geral, a doença ocorre em mulheres com mais de 40 anos e principalmente no período pós-menopausa. Quando acomete mulheres com menos de 35 anos de idade, porém, ele costuma ser mais agressivo, pois é desencadeado justamente por uma falha nos genes, o que acarreta o desenvolvimento acelerado das células cancerígenas. Características comportamentais e ambientais também influenciam a ocorrência do câncer de mama. Os fatores relacionados ao desenvolvimento de um tumor no seio são bastante amplos e têm a ver com o padrão reprodutivo da mulher. Menstruação precoce, menopausa tardia (após os 50 anos de idade), primeira gravidez após os 30 anos ou não ter filhos, são características que aumentam o risco. A terapia de reposição hormonal e o uso de anticoncepcionais orais também influenci- am, mas em menor grau. Portanto, é importante que a mulher sempre converse com seu médico a fim de avaliar o custo-benefício desses medicamentos. Além disso, também há a característica hereditária. Mulheres que têm parentes de primeiro grau (mãe, irmã ou filha) com câncer de mama antes dos 50 anos; um ou mais parentes com câncer de mama em ambos os seios ou câncer de ovário; e história familiar de câncer de mama masculino, são consideradas de alto risco. No entanto, o histórico familiar tampouco é determinante e corresponde a apenas 10% dos casos da doença. O câncer de mama pode ocorrer em qualquer mulher, portanto, o cuidado e a atenção às alterações nos seios devem ser parte de sua rotina. Tratamento deficiente A lém da detecção tardia, outro problema que resulta em elevadas taxas de mortalidade no país, acarretadas pelo câncer de mama, é a qualidade do tratamento oferecido pelo sistema público de saúde. Conforme o estágio e as características da doença, são indicadas terapias diferentes. A cirurgia é recomendada sempre que possível – quando o tumor não atingiu a fase de metástase, ou seja, não tiver se espalhado para outras partes do corpo – e pode ser a conservadora, que é quando é extraído um segmento da mama, ou a mastectomia, que é a retirada de toda a mama. Após a cirurgia, a paciente pode ser submetida a sessões de terapia com hor- mônios, tratamento quimioterápico ou tratamento radioterápico. O SUS oferece os três, mas Filassi, do HC-USP, relata que o que o sistema público oferece nem sempre é o mais indicado, já que, em muitos casos, os hospitais não dispõem de substâncias que são comprovadamente mais eficientes. Isso porque, segundo ele, o tratamento do câncer de mama está cada vez mais caro. Além disso, o médico aponta a deficiência na seqüência dada ao tratamento, que é o acompanhamento que deve ser feito a cada seis meses, por cinco anos, a fim de monitorar a eliminação do câncer depois da cirurgia e da terapia. Esse acompanhamento é interrompido tanto pela falta de acesso aos serviços de saúde quanto pelo desconhecimento por parte da paciente. O problema, muitas vezes, pode estar ligado à desigualdade regional dos centros de atendimento à saúde – realidade que não diz respeito apenas ao câncer de mama. Muitas pacientes saem de suas cidades para se tratar em centros de saúde de outros municípios ou estados, e depois não dão seguimento ao tratamento, já que ele nem sempre está disponível próximo a suas casas. Outro fato comum, segundo Filassi, são as pacientes que interrompem o seguimento por já se sentirem bem e acharem que estão curadas para sempre. Revista do Idec | Agosto 2008 29