ANEXO 3 – Tema 2014: Do tempo que temos, que uso fazemos?
(texto retirado parcialmente da super.abril.com.br/.../tempo-cada-vez-maisacelerado-445560.shtml)
Tempo: Cada vez mais acelerado
Você tem a sensação de que o tempo está voando? Não é o único.
Pesquisadores estão tentando entender como – e por que – tudo ficou tão
rápido (boa parte da culpa pode ser daquele monte de badulaques
hipervelozes de última geração)
por Sérgio Gwercman
Você deve demorar uns seis minutos para ler as 1 679 palavras desta reportagem. Um
pouco mais, um pouco menos, dependendo do seu ritmo, mas estima-se que a velocidade
de leitura de um adulto chegue a 350 palavras por minuto. Convenhamos, seis minutos não
é muito – mal dá para lavar a louça do jantar. Mas procure na banca de jornal quantas
revistas fazem reportagens de quatro páginas, como esta, ou de dez, como a capa da
edição que está em suas mãos, e você verá que a Super ocupa um espaço cada vez menor
– o das revistas de “leitura longa”. “Existe um consenso entre editores do mundo todo de
que os leitores têm cada vez menos tempo – e paciência – para ler. Por isso, a solução é
fazer revistas, jornais e livros cada vez mais acelerados”, diz o jornalista canadense Carl
Honoré. Para ele, a proliferação da leitura rápida é um dos sintomas de uma epidemia que
assola todas as sociedades industrializadas: o desejo de viver em velocidade.
Carl é uma espécie de porta-voz do “movimento pela lerdeza” – hábito que ele jura não
ter adquirido quando viveu por seis meses nas tranquilas praias brasileiras. Seu livro,
Devagar (que sai em junho no Brasil), é best seller na Europa. Ironicamente, o trabalho só
começou por causa da leitura rápida. “Estava no aeroporto e me interessei por um livro com
histórias de ninar de um minuto”, diz Carl. “Percebi que estávamos indo longe demais”.
Naquele momento ele decidiu escrever um livro pregando que você deve passar muito mais
de um minuto lendo para o seu filho antes de ir dormir.
O tempo está se acelerando. Um dia continua tendo 24 horas, 1 hora vale 60 minutos e,
aleluia, cada minuto ainda tem 60 segundos – nem tudo está perdido. Mas há uma
sensação generalizada de que não conseguimos fazer tudo que queremos. Falta tempo.
Pagamos fortunas por engenhocas tecnológicas que deveriam facilitar nossa vida e
continuamos com uma pressa insaciável. Você já deve ter sentido os efeitos desse
fenômeno. Lembra quando a internet surgiu? Da maravilha que era saber que trocaríamos
mensagens instantâneas e teríamos a biblioteca de Harvard ao alcance, bastando um clique
no mouse. Agora pense na última vez que você recebeu um arquivo eletrônico pesado. E
dos segundos que esperou para abri-lo, amaldiçoando a velocidade do computador, do
provedor, da placa multimídia e do modem. Esses incompetentes que nos obrigam a
esperar insuportáveis segundos para baixar...um livro inteiro!
AS CAUSAS
Essa realidade provavelmente começou na revolução industrial, com máquinas que
trabalhavam mais rápido que os homens. Muitas atividades rotineiras foram agilizadas.
Entre elas, uma vital: a capacidade de deslocamento. Dos tempos de Julio César, no século
1 a.C, aos de Napoleão, no século 19 d.C, nossa velocidade de movimentação foi quase
sempre a mesma: a que o cavalo permitisse. A invenção dos motores, colocados em trens,
mudou tudo. E o impacto provocou a organização sólida do tempo. Os fusos horários
ganharam importância – antes, era indiferente a alguém que levava semanas para
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atravessar os Estados Unidos se, ao chegar a seu destino, houvesse um desnível de
algumas horas em relação ao ponto de partida. Com os trens, a vida cotidiana passou a
conviver não só com a hora certa, mas com o minuto exato em que a composição sai da
estação e os segundos que podem descarrilar vagões num desvio fechado.
A tecnologia então disparou a oferecer velocidade a quem quiser consumi-la. “Todo o
desenvolvimento tecnológico tende a deixar os processos mais rápidos”, diz Edward Tenner,
especialista em história da tecnologia da Universidade Princeton, nos Estados Unidos. Uma
volta ao shopping mostra como essa pressão ocorre: é praticamente impossível encontrar
um produto (de telefones celulares a espremedores de laranja) que seja mais lento que sua
versão anterior.
O boom seguinte é mais recente. Aconteceu no final do século 20 e transfigurou nossa
capacidade de nos comunicar. “A tecnologia e a internet provocaram uma revolução na
troca e na quantidade de informações”, diz o jornalista James Gleick, autor de Acelerado,
livro que debate causas e efeitos da velocidade. “Uma coisa acelera a outra e nos vemos
num círculo vicioso aparentemente inquebrável: a tecnologia gera demanda por velocidade,
que empurra o desenvolvimento de novas tecnologias que precisam ser mais rápidas” diz.
Assim, logo estamos desesperados para ter o chip que aumenta a memória RAM de 128
para 256 megabytes – mesmo sem saber o que fazer com os poucos segundos que
lucramos com a mudança (talvez chegar em casa mais cedo para ficar entediado, com
“saudades do trabalho”). Antigamente, qualquer pessoa que colocasse uma carta no correio
sabia que ela iria demorar semanas para chegar ao destinatário. E, acredite, o mundo e os
escritórios funcionavam. Hoje, os serviços de entrega devem ser imediatos. Com a invenção
dos motoboys, Fedex, DHL e Sedex é cada vez menos justificável fazer alguém esperar
além das 10 horas da manhã seguinte.
O resultado dessa avidez para “ganhar” tempo é que estamos cada vez mais com a
sensação de perdê-lo. Pesquisadores afirmam que uma pessoa hoje sente que ele passa
mais rápido do que para alguém que viveu há cem anos. E dão até uma estimativa de
quanto: de 1,08 vez, para quem tem 24 anos, a 7,69 vezes, para quem tem 62 anos – a
diferença seria causada pelo período de exposição à vida em alta velocidade. James Tien e
James Burnes, professores de matemática aplicada do Instituto Politécnico Rensselaer, nos
Estados Unidos, chegaram a essa conclusão analisando o crescimento das estatísticas de
produtividade e emissão de patentes em 1897 e 1997 – os índices foram escolhidos por
serem indicativos de desenvolvimento tecnológico e também por estarem entre os poucos
com dados centenários confiáveis.
Há também uma explicação bioquímica para nossa percepção do ritmo em que horas e
dias passam. À medida que envelhecemos, acredita-se, cai a produção cerebral de
dopamina, um neurotransmissor responsável pela sensação de energia e disposição. Esse
processo pode desacelerar nosso relógio biológico. Uma experiência apresentada pelo
neurocientista americano Peter Mangan mostrou como isso ocorre. Ele dividiu voluntários
em três grupos etários que deveriam lhe avisar quando 60 segundos houvessem passado.
Os jovens levavam, em média, 54 segundos. Os mais velhos, 67 segundos. Ou seja, os
idosos eram surpreendidos pela informação de que um minuto inteiro transcorrera antes que
eles se dessem conta. Isso explicaria, por exemplo, por que avós reclamam que “o ano
passou rápido e já é Natal novamente” enquanto as crianças sofrem com a longa e
demorada espera pela chegada dos presentes.
OS EFEITOS
Pressa. Ansiedade. E a sensação de que nunca é possível fazer tudo – além da certeza
de que sua vida está passando rápido demais. Essas são as principais consequências de
vivermos num mundo em que para tudo vale a regra do “quanto mais rápido, melhor”.
Psiquiatras já discutem a existência de um distúrbio conhecido como “doença da pressa”,
cujos sintomas seriam a alta ansiedade, dificuldade para relaxar e, em casos mais graves,
problemas de saúde e de relacionamento. “Para nós, ocidentais, o tempo é linear e nunca
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volta. Por isso queremos ter a sensação de que estamos tirando o máximo dele. E a única
solução que encontramos é acelerá-lo”, afirma Carl Honoré. “É um equívoco. A resposta
desse dilema é qualidade, não quantidade.”
Para especialistas como James Gleick, Carl está lutando uma batalha invencível. “A
aceleração é uma escolha que fizemos. Somos como crianças descendo uma ladeira de
skate. Gostamos da brincadeira, queremos mais velocidade”, diz. O problema é que nem
tudo ao nosso redor consegue atender à demanda. Os carros podem estar mais rápidos,
mas as viagens demoram cada vez mais por culpa dos congestionamentos. Semáforos
vermelhos continuam testando nossa paciência, obrigando-nos a frear a cada quarteirão.
Mais sorte têm os pedestres, que podem apertar o botão que aciona o sinal verde – uma
ótima opção para despejar a ansiedade, mas com efeito muitas vezes nulo. Em Nova York,
esses sistemas estão desligados desde a década de 1980. Mesmo assim, milhares de
pessoas o utilizam diariamente na esperança de reduzir seu minuto de espera.
É um exemplo do que especialistas chamam de “botões de aceleração”. Na teoria,
deixam as coisas mais rápidas. Na prática, servem para ser apertados e só. Confesse: que
raios fazemos com os dois segundos, no máximo, que economizamos ao acionar aquelas
teclas que fecham a porta do elevador? E quem disse que apertá-la, duas, quatro, dez
vezes vai melhorar a eficiência? “É um placebo, sem outra função que distrair os
passageiros para quem dez segundos parecem uma eternidade”, escreve Gleick.
Elevadores, aliás, são ícones da pressa em tempos velozes. Os primeiros modelos se
moviam a vinte centímetros por segundo. Hoje, o mais veloz sobe doze metros por segundo.
E, mesmo acelerando, estão entre os maiores focos de impaciência. Engenheiros são
obrigados a desenvolver sistemas para conter nossa irritação, como luzes ou alarmes que
antecipam a chegada do elevador e cuja única função é aplacar a ansiedade da espera.
Até onde isso vai? Um dos fatores que podem frear a corrida pela velocidade é o poder
de consumo. “Hoje trocamos de computador a cada dois anos. Logo vai ser a cada seis
meses. E depois? Não acredito que vamos comprar um computador novo por dia”, diz
James Tien, do Instituto Rensselaer. A dúvida é saber se o que vai mudar é a velocidade
com que novos produtos são colocados à venda ou o sistema de consumo, que se
reinventará mais rápido ainda.
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Tempo: Cada vez mais acelerado