E D I T O R I A L A revista Cidadania & Meio Ambiente é uma publicação da Câmara de Cultura Caros amigos, Visto que o volume de água doce em nosso planeta é invariável, e que o ciclo hidrológico se apresenta, agora, totalmente perturbado pela interferência antropogênica no meio ambiente, o resultado não poderia ser outro senão o galopante fantasma da escassez hídrica. O consumo de água aumentou em mais de duas vezes a taxa de crescimento populacional. Em muitas regiões do mundo, a demanda por água já não pode ser satisfeita. Será ainda possível evitar a sede, a fome, o caos? Novo relatório da FAO – cujo resumo abre esta edição – apresenta o diagnóstico desta questão de dimensão planetária, e sinaliza ações e políticas de gestão do patrimônio hídrico doce. Um resumo onde são apontados os principais vetores que levam e exacerbam a escassez, e as medidas a serem empreendidas em caráter de urgência e no longo prazo. Ninguém está a salvo. Nem nosso país aquinhoado por abundância hídrica escapa ao perigo devido ao padrão insensato de gestão das bacias hidrográficas. O geólogo Gerôncio Rocha, especialista em recursos hídricos, abre a caixapreta de nossos rios e prova porque a água não pode ser encarada como insumo e separada de seu contexto ambiental ao afirmar que a gestão integrada de água superficial e subterrânea deve ultrapassar a teoria: “Integrar água e natureza é a única abordagem sustentável”. O aquecimento global também merece uma substancial revisão nos artigos assinados por Roberto Naime e Bill Chameides. O primeiro reflete sobre o panorama geoclimático atual à luz dos dados obtidos por sensoriamento remoto da Terra, e que materializam a inquestionável associação do meio físico, biológico e antrópico. Já Chaimeles, com o aval da Academia Nacional de Ciências dos EUA e da União Americana de Geofísica, desmonta – via análise do degelo recorde do Oceano Ártico neste verão 2012 – os desgastados argumentos dos céticos das mudanças climáticas. Com a autoridade que a ciência lhe confere, Chaimeles vaticina: “preparem-se para o pior”. E esse pior, já sentido na inconstância brutal e aguda dos atuais destemperos meteorológicos, ganha relevo na insegurança alimentar, que dá corpo às crises sociais nos países pobres, como aponta José Eustáquio Diniz Alves. E a Amazônia? Confira na avaliação de Elder Andrade de Paula os artifícios que mascaram o destino do patrimônio biológico amazônico: tornar-se base de um modelo primário exportador que lega degradação ambiental e humana via desmatamento e implantação da agropecuária. Uma análise que Ladislau Dowbor ratifica ao visitar dados do Censo Agropecuário do IBGE. Confira também os benefícios psicossociais das árvores; porque a destruição da natureza abre a caixa de Pandora das doenças infecciosas; os móbiles e fragilidades da “década da inclusão”; e as previsões nada animadoras para a humanidade caso não voltemos a cuidar da Terra. Helio Carneiro Editor Telefax (21) 2487 4128 (21) 8197 6313 . 8549 1269 [email protected] www.camaradecultura.org Representante Comercial - Brasilia Armazem Eventos e Publicidade PABX (61) 3034 8677 [email protected] Diretora Regina Lima [email protected] Editor Hélio Carneiro [email protected] Subeditor Henrique Cortez [email protected] Projeto Gráfico Lucia H. Carneiro [email protected] Colaboraram nesta edição Arimá Viana Barroso Bill Chameides Center for Urban Horticulture Claris Zwareva Conjuntura da Semana Elder Andrade de Paula Eleanor Fausold Food and Agriculture Administration / FAO Gerôncio Rocha IBGE, Censo Agropecuário 1970/2006 IHU On-line (Instituto Humanitas Unisinos) Jim Robbins José Eustáquio Diniz Alves Ladislau Dowbor Larissa Stracc (Ag Solve) Marcus Eduardo de Oliveira NASA’s Scientific Visualization Studio Nourishing the Planet project Roberto Naime Steve Nix The Futurist The National Snow and Ice Data Center UNEP/GRID-Arendal Visite o portal EcoDebate w.. e c o d e b a t e . c o m . b r www Uma ferramenta de incentivo ao conhecimento e à reflexão através de notícias, informações, artigos de opinião e artigos técnicos, sempre discutindo cidadania e meio ambiente, de forma transversal e analítica. Cidadania & Meio Ambiente também pode ser lida e/ou baixada em pdf no portal www.ecodebate.com.br A Revista Cidadania & Meio Ambiente não se responsabiliza pelos conceitos e opiniões emitidos em matérias e artigos assinados. Editada e impressa no Brasil. ISSN217-630X 977217763007 041 Nº 41 – 2012– ANO VII Capa: Parque Henri Sellier por GADL 5 Confira nesta introdução do relatório Coping with waterscarcity a relevância do desafio, as ações e as estratégias passíveis de equacionar a gestão dos recursos aquíferos. Por FAO 10 Rios: o desafio da sustentabilidade 14 Aquecimento global e geobiossistemas 16 Ártico2012: o que sinaliza o degelo recorde? 18 Mudanças climáticas e crise alimentar 20 21 A má qualidade da água nas cidades é consequência da desnaturalização das bacias hidrográficas, do passivo ambiental e de outros fatores apontados por Gerôncio Rocha. Por IHU On-line O sensoriamento remoto da Terra por satélite analisa de forma abrangente e confiável a integração entre os fatores naturais e antrópicos responsáveis pela atual configuração geoclimática. Por Roberto Naime O derretimento da cobertura de gelo do mar do Ártico neste verão pulveriza para pior o recorde anterior, e indica que a mudança climática está em processo acelerado. Por Bill Chameides Os desastres ambientais já provocam uma crise alimentar e surpreende quem pensava ser o aquecimento global fenômeno que só afetaria as futuras gerações. Por José Eustáquio Diniz Alves Svalbard: banco de sementes para o futuro O bunker Svalbard para conservação de sementes é um projeto de segurança agrícola que poderá resgatar a humanidade da fome. Por Eleanor Fausold Não há economia sem sistema ecológico A Economia Ecológica postula que o sistema econômico “gira” em torno do mundo biofísico, devendo promover a interface entre os ecossistemas naturais e o sistema produtivo. Por Marcus Eduardo de Oliveira 24 Amazônia: desenvolvimento insustentável 28 Terras desmatadas: a subutilização faz “absurdo” exigir mais 30 Destruir a natureza libera doenças infecciosas 33 Fauna, ecossistema e cadeia alimentar 34 Floresta urbana: os benefícios psicossociais 36 Inclusão social via soluções estruturais ou via mercado? 38 Previsões para a Terra 42 4 A crise da água: como lidar com a escassez A Amazônia Legal e internacional passa por processo de destruição que visa expandir o modelo primário exportador, vetor de impactos ambientais e de degradação do modo de vida. Por Elder Andrade de Paula Para analisar sem paixão as implicações do novo Código Florestal deve-se examinar a fonte primária dos dados sobre a questão, que têm origem essencialmente no Censo Agropecuário do IBGE. Por Ladislau Dowbor Especialistas em doenças tropicais e natureza explicam porque a saúde humana está interligada à saúde animal e ambiental – mix que precisa ser estudado e gerido de forma holística. Por Jim Robbins A fauna representa todo o conjunto de espécies animais com funções reguladoras de suma importância nos ecossistemas, especialmente na cadeia alimentar. Por Roberto Naime Em razão de grande parte da população mundial viver hoje em áreas urbanas, as plantas, florestas e ecossistemas se tornam vitais para bem-estar físico e a saúde emocional. Por Center for Urban Horticulture Confira com analistas do cenário socioeconômico os fatores responsáveis pela “década da inclusão” que, mesmo com avanços, não consegue acabar com o passivo de desigualdades. Por Conjuntura da Semana Esta série de previsões elenca as ameaças que podem levar nosso Planeta para a UTI caso não sejam revisados os fatores que acarretam as mudanças climáticas e o aquecimento global. Por The Futurist Ética e mudança climática global Num mundo de calamidades sem precedentes, a bioética é necessária para que organizações, corporações e instituições possam dialogar sem polarizações políticas e ideológicas. Por Claris Zwareva ONU A Crise da Água Á G U A Como lidar com a escassez No século 20, o consumo de água aumentou em mais de duas vezes a taxa de crescimento populacional a ponto de, em muitas regiões do mundo, a demanda por água já não poder ser satisfeita. Diante do problema que se agrava, organismos como a FAO (Food and Agriculture Organization), da ONU, analisam a relevância do desafio e sinalizam ações e estratégias de gestão dos recursos aquíferos para equacionar o problema. Confira nesta introdução do relatório 38 Coping with water scarcity An action framework for agriculture and food security, lançado no World Water Week, 2012, o escopo e a gravidade da escassez hídrica. Relatório FAO 2012 A agricultura capta e usa 70 por cento da água doce mundial sendo provavelmente o setor onde a escassez de água seja mais crítico. A pressão exercida pela dobradinha crescimento demográfico-mudança nos hábitos alimentares fez aumentar grandemente o consumo de alimentos na maior parte do mundo. Estima-se que em 2050 será necessário um adicional de 60 por cento de alimento para satisfazer a demanda global. Cidadania&MeioAmbiente 5 As futuras decisões políticas precisarão crescentemente refletir o estreito elo entre água e segurança alimentar, e se basearem em claro entendimento das oportunidades e negócios na gestão da água para a produção agrícola. O QUE É ESCASSEZ HÍDRICA? A escassez hídrica ocorre quando a demanda por água doce excede a oferta em um determinado setor. Os últimos Relatórios de Desenvolvimento Mundial da Água (UN-Water, 2009, 2012) indica como as diversas crises globais recentes – mudança climática, energia, segurança alimentar, recessão econômica e da turbulência financeira – estão relacionadas entre si e têm impacto sobre a água. Os Relatórios nos lembram que a água desempenha um papel em todos os setores da economia e é essencial para se alcançar o desenvolvimento sustentável e atingir os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM). Como a demanda humana por água aumenta e a concorrência entre setores no uso da água se intensifica, a escassez hídrica torna-se visível em uma variedade de formas. No entanto, a inter-relação entre ambientes hidrológicos, meios de vida e desenvolvimento econômico é muitas vezes de difícil percepção. Uma avaliação objetiva do que se quer dizer por “escassez de água” e como ela afeta a rapidíssima transição social, econômica e ambiental que ora testemunhamos precisa ser atualizada. E para tanto, pensamos que o ponto de partida seja a utilização da água na agricultura, uma vez que este setor dominará o consumo mundial de água no futuro próximo. A Avaliação Global do Gerenciamento de Água em Agricultura (CA, 2007) colocou a questão: “Há bastante água, terra e capacidade humana para produzir alimentos para uma população crescente ao longo dos próximos 50 anos – ou será que “ficaremos sem água?” O relatório de avaliação respondeu a essa pergunta da seguinte maneira: “É possível produzir alimento – mas, a perseverar o atual nível de produção e as tendências ambientais, é grande a probabilidade de crises em muitas partes do mundo. Somente se agirmos para melhorar o uso da água na agricultura poderemos enfrentar o grande desafio da água doce que a humanidade enfrentará nos próximos 50 anos. Ou seja, o atual modelo não é mais uma opção. São necessárias mudanças reais no processo de gestão e utilização da água para se evitar crises transitórias ou de longo prazo. 6 Escassez hídrica = excesso de demanda de água em relação à oferta disponível Distribuição de água a estudantes em Darfur, oeste do Sudão / UNAMID Esta situação surge como consequência de uma elevada taxa de demanda agregada de todos que usam água em comparação com a oferta disponível, no quadro institucional prevalente de modalidades e condições de infra-estrutura. Manifesta-se pela satisfação parcial ou não da demanda expressa, pela competição econômica por volume e qualidade de água, por litígios entre os usuários, pelo esgotamento irreversível das águas subterrâneas e pelos impactos negativos sobre o meio ambiente. A escassez de água é tanto um conceito relativo quanto dinâmico, e pode ocorrer em qualquer nível de oferta ou demanda, sendo também uma construção social: todas as suas causas estão relacionadas à interferência do ser humano no ciclo da água. Ela varia ao longo do tempo como resultado de variabilidades hidrológicas naturais, mas varia ainda mais em função da política econômica vigente, das abordagens de planejamento e de gestão. A escassez pode ser intensificada em função de modelos de desenvolvimento econômico, mas, se corretamente identificadas, muitas de suas causas podem ser antecipadas, evitadas ou mitigadas. As três principais dimensões que caracterizam a escassez hídrica são: ❚ a ausência física de água disponível para atender a demanda, ❚ o nível de desenvolvimento de infra-estrutura que controla o armazenamento, ❚ a distribuição e o acesso à água, ❚ e a capacidade institucional de fornecimento dos serviços de água necessários. Fonte: Executive Summary – Coping with water scarcity An action framework for agriculture and food security, FAO, 2012 Há uma percepção generalizada de que a água está se tornando escassa, como resultado de tendências até certo ponto inevitáveis, especialmente o crescimento demográfico e o consequente aumento da demanda por água para produção de alimentos e uso doméstico, industrial e urbano. O que leva muitos a concluir que uma “crise da água” é inevitável. No entanto, os desafios mais previsíveis (ou crises potenciais) podem ser em grande parte evitados ao se ajustar a manei- ra pela qual a água é administrada e regulada (Moriarty, Butterworth e Batchelor, 2004). A abrangência para a questão da gestão da água em contribuir eficazmente para as necessidades humanas básicas e meios de subsistência está agora bem documentada (CA, 2007; UN-Water, 2009, 2012). No entanto, o correto equilíbrio entre medidas básicas de distribuição de água, serviço de fornecimento e gestão pelos usuários finais em função da variabilidade do ciclo hidrológico e dos recursos aquíferos cada vez mais escassos ainda carece de definição. Em suma, o comportamento dos usuários de água precisa ser melhor sintonizado com a realidade crescente da escassez de água. AGRICULTURA, ÁGUA E ALIMENTO De todos os setores da economia, a agricultura é o mais sensível à escassez hídrica. Embora o setor agrícola seja algumas vezes visto como usuário “residual” de água – logo após os setores doméstico e industrial –, na verdade ele responde pela captação de 70 por cento da água doce global e por mais de 90 por cento de consumo. É também o setor com o maior alcance ou potencial de adaptação. FORNECIMENTO de ÁGUA por BACIA HIDROGRÁFICA em 1995 e 2025 Embora o volume absoluto de água doce na Terra sempre tenha permanecido o mesmo, a distribuição desigual de água e de estabelecimentos humanos continua a criar crescentes problemas na disponibilidade e acesso à água potável. Na maioria das regiões do mundo, a evapotranspiração nas terras agrícolas irrigadas é de longe o maior uso consumptivo da água captada para uso humano. A crescente demanda de produtos agrícolas para satisfazer as necessidades de uma população crescente continua a ser o principal motor do uso da água na agricultura. Embora a taxa de crescimento da população mundial tenha diminuído desde os anos 1980, o crescimento demográfico continua a aumentar, em particular nos países em desenvolvimento. Além disso, o desenvolvimento econômico estável, em particular nas economias de mercado emergentes, se traduziu em demanda por uma dieta mais variada, que inclui carne e laticínios, fato que coloca pressão adicional sobre os recursos hídricos (UN-Water, 2012). Acredita-se que serão necessários 60 por cento a mais de alimentos de agora até 2050 para satisfazer a demanda de uma população que atingirá mais de 9 bilhões de pessoas. Disso resulta o aumento do uso da água na agricultura, o que agrava ainda mais a escassez em algumas áreas e gera escassez mesmo em áreas relativamente bem dotadas de recursos hídricos. Agricultura, e em especial a agricultura irrigada, está passando por mudanças rápidas e enfrentado velhos e novos desafios. Os agricultores de todos os quadrantes têm que se adaptar a um mundo em que comércio e globalização aumentam rapidamente a interligação e interdependência entre a produtividade e os padrões de consumo, e onde progresso tecnológico impulsiona a produtividade agrícola. A revolução verde e os subseqüentes progressos agronômicos têm aju- Fonte: Water supply per river basin in 1995 and 2025, gráfico da coleção Vital Water Graphics2, publicado em 2009. Designer: Philippe Rekacewicz,February 2006. Link to website: http://www.grida.no/publications/vg/water2/page/3238.aspx Cidadania&MeioAmbiente 7 “ A escassez de água pode surgir em todas as bacias hidrográficas onde a intensificação da agricultura em áreas de cabeceiras reduz o abastecimento de água a jusante. ” ÁGUA SUPERFICIAL RENOVÁVEL PRODUZIDA INTERNAMENTE É difícil determinar a quantidade de água renovável produzida internamente a partir do total dos recursos hídricos renováveis (externo e interno). No entanto, a FAO oferece uma definição bastante precisa deste indicador. Os Recursos Internos Hídricos Renováveis (IRWR) incluem: PRECIPIT AÇÃO RECIPITAÇÃO MÉDIA : média dupla de longo prazo em relação ao espaço e tempo da precipitação que cai sobre o país em um ano. Água de superfície produzida internamente internamente: volume médio anual de longo prazo da água de superfície gerada pelo escoamento direto da precipitação endógena. Á GUAS SUBTERRÂNEAS PRODUZIDAS INTERNAMENTE : recarga média anual de longo prazo gerada a partir da precipitação dentro das fronteiras do país (estimada pela taxa de infiltração anual (em países áridos) ou do fluxo hidrográfico básico (em países úmidos) S OBREPOSIÇÃO DE ÁGUAS SUPERFICIAIS E SUBTERRÂNEAS : parte dos recursos hídricos renováveis comuns às águas superficiais e subterrâneas. Equivale à drenagem das águas subterrâneas nos rios (normalmente, o fluxo de base dos rios) menos infiltração de rios em aquíferos, Total de recursos hídricos renováveis internos internos: média anual de longo prazo do fluxo dos rios e de recarga de aqüíferos gerados a partir de precipitação endógena. A contagem em duplicidade das águas superficiais e subterrâneas é evitada deduzindo-se a sobreposição da soma das águas superficiais e subterrâneas. Fonte: Renewable surface water produced internally, gráfico da coleção Vital Water Graphics2, publicado em 2009. Designer: GRID-Arendal. Link : http:// www.grida.no/publications/vg/ water2/page/3219.aspx 8 dado a produção agrícola a superar o crescimento populacional e, assim, alimentar um número cada vez maior de indivíduos com alimentos de qualidade cada vez mais diversificados. Em contrapartida, isso também traz como custo um grande impacto ambiental. No entanto, há um outro lado a essas tendências. O número absoluto de desnutridos, a maioria em áreas rurais, não diminui e a produtividade agrícola em muitos países em desenvolvimento continua baixa. O possível impacto das alterações climáticas nos recursos hídricos e na demanda de água é incerto, como também o é na produção bioenergética agrícola e na segurança alimentar. Os recentes aumentos e volatilidade nos preços dos alimentos desde 2007 são uma forte sinal de alerta para os perigos da complacência sobre abastecimento alimentar no longo prazo. A agricultura é simultaneamente causa e vítima da escassez de água. A competição inter-setorial por água é mais óbvia no interior de grandes centros urbanos, mas a escassez de água pode surgir em todas as bacias hidrográficas onde a intensificação da agricultura em áreas de cabeceiras reduz o abastecimento de água a jusante. O uso insustentável da água subterrânea pode impactar no longo prazo a produção agrícola em áreas como o sul da Ásia, onde a expansão da extração das águas subterrâneas para a irrigação nos anos 1980 e 1990 levou a um grande aumento da produção agrícola, agora limitada pela exaustão dos aquíferos. A grande preocupação é que a produção agrícola diminua em áreas altamente povoadas em um momento em que cresce a demanda e a questão da segurança alimentar explode em todas as regiões. OBJETIVOS E ESCOPO DO RELATÓRIO Dada a importância da água para a agricultura e para a produção de alimentos, e o dominante papel da agricultura na captação de água em escala mundial, a FAO realizou uma revisão de seu programa de água a fim de propor uma resposta mais eficaz e mais estratégica ao crescente problema da escassez hídrica. O programa vincula o foco da Organização nos meios de subsistência agrícola e rural, e necessariamente reflete as preocupações específicas nutricionais e agrícolas dos países membros da FAO. A promoção de abordagens realistas e responsáveis para a gestão da água é parte desta missão. ÁREAS DE ESCASSEZ FÍSICA E ECONÔMICA DE ÁGUA Nas atuais condições de uso da água, o aumento demográfico e as mudanças no regime alimentar deverão aumentar em 70-90% o consumo hídrico na produção de alimentos e de fibras. O eventual aumento de demanda por energia de biomassa agravará o problema. Além disso, a competição setorial pelos recursos hídricos se intensificará, exacerbando ainda mais a pressão sobre os produtores dos países em desenvolvimento. DEFINIÇÕES E INDICADORES Fonte: Análise do International Water Management Institute para o Comprehensive Assesssment of Water Management in Agriculture com base no modelo Watersim (capítulo 2), 2007. Publicado em 2008. Link: http://maps.grida.no/go/ graphic/areas-of-physical-and-economic-water-scarcity POUCA OU NENHUMA ESCASSEZ HÍDRICA. Abundantes recursos hídricos destinados ao uso, com retirada de menos de 25% de água dos rios para satisfação das necessidades humanas. ESCASSEZ HÍDRICA FÍSICA (os recursos hídricos alcançam ou já excederam os limites de sustentabilidade). Mais de 75% das águas fluviais são destinadas à agricultura, à indústria e à utilização doméstica (incluída a água reciclada que retorna à fonte). Esta definição — que relaciona disponibilidade e demanda hídricas — não significa que regiões secas sofram escassez. PRÓXIMO DA ESCASSEZ HÍDRICA FÍSICA. São retiradas mais de 60% de água fluvial. Estas bacias hidrográficas experimentarão escassez hídrica física no futuro próximo. ESCASSEZ HÍDRICA ECONÔMICA (a disponibilidade humana, institucional e financeira limita o acesso à água, mesmo sendo ela disponível localmente e em quantidade suficiente para satisfazer as demandas humanas). Recursos hídricos abundantes e disponíveis ao uso, com menos de 25% de água fluvial retirada para utilização humana, embora ocorra desnutrição. O objetivo do Relatório é duplo. Primeiro, definir um quadro contabilístico da água que permita a interpretação da escassez de forma objetiva. Em segundo lugar, indicar onde e como a gestão da água na agricultura pode desempenhar um papel mais proativo e eficaz na resposta às crescentes preocupações sobre a escassez de água doce global. O papel da água na produtividade agrícola, nos meios de subsistência rurais e nas variantes ambientais deve ser corretamente analisado via definições cientificamente robustas e métodos de contabilização de água. Isto envolve a avaliação da eficácia do uso de água no campo, em sistemas de irrigação e do montante captado em rios; a tomada em conta das dimensões adicionais de produtividade; e avaliações macroeconômicas da contribuição da água à economia agrícola, ao PIB e ao comércio mundial. O contexto destas avaliações é um continuum que parte da captação da água ao consumo efetivo em alimentos e commodities industriais. O discurso em torno da distribuição de água e da regulação ambiental está sendo moldado por vários fatores: a competição por água, como input social e econômico; a necessidade de proteger o meio ambiente e contabilizar o custo da utilização do recurso natural; e o reconhecimento dos valores dos serviços ambientais fornecidos pela água. No passado recente, foram feitas extensas revisões sobre as principais questões relaA agricultura continuará a ser o principal uti- cionadas à água na agricultura e as opções lizador de água em muitos países. E isso pre- de resposta em termos de políticas e gescisa ser analisado com base em um quadro tão (CA, 2007). No entanto, as prioridades claro capaz de discutir seu impacto, sua alo- de ação, as modalidades de aplicação e o cação legítima e a resposta de gestão ade- cenário completo em que a ação deve corquada à era de crescente escassez de água. rer ainda não foram definidos. A FAO iniciou recentemente um programa de longo prazo sobre o tema “Lidando com a escassez de água – o papel da agricultura”. Numa fase inicial, o programa lida com o desenvolvimento de um cenário global para a resposta agrícola à escassez hídrica. Através deste projeto, um pacote integrado de ferramentas técnicas e políticas será desenvolvido e promovido entre os países membros da FAO. Este cenário global deve ser flexível o suficiente para adaptar-se a todos os contextos biofísicos e socioeconômicos. Nas fases subsequentes, o programa vai ser adaptado às peculiaridades de diferentes regiões e aplicado a nível nacional nos países membros. ■ Relatório Coping with water scarcity an action framework for agriculture and food security, publicação da FAO, 2012 – Aconselhamos a leitura integral do documento, que pode ser baixado em formato PDF (inglês, espanhol) no site www.unwater.org/documents.html Tradução adaptada por Cidadania & Meio Ambiente. Cidadania&MeioAmbiente 9 Á G U A DeltaFrut RIOS o desafio da sustentabilidade Gerôncio Rocha aponta que a má qualidade da água nas metrópoles brasileiras é consequência da ocupação crescente, de saneamento inexistente ou ineficiente, de atividades econômicas intensivas, da desnaturalização das bacias hidrográficas e do passivo ambiental acumulado ao longo dos anos. Desafio agravado pelas diferentes dinâmicas ambientais e econômicas regionais que torna difícil a adoção de um único modelo de gestão de águas adequado a todo o país. Confira a gravidade da situação quando se sabe que a quantidade da água no planeta é constante. Entrevista com Gerôncio Rocha IHU ON-LINE – SEGUNDO O RELATÓRIO DE CONJUNTURA DOS RECURSOS HÍDRICOS NO BRASIL, PRODUZIDO PELA AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS – ANA, UM QUARTO DA ÁGUA DOS RIOS, CÓRREGOS E MANANCIAIS DO PAÍS É QUALIFICADA COMO RUIM, PÉSSIMA OU REGULAR. A QUE ATRIBUIR ISSO? QUAIS AS CAUSAS? Gerôncio Rocha – Isto é resultante do que se chama elegantemente de passivo ambiental acumulado ao longo de décadas. É a poluição causada pelo lançamento nos cursos d’água, lagos e represas de esgoto 10 doméstico e de efluentes de indústrias, sem tratamento. O índice em si, 25%, não dá a verdadeira dimensão da gravidade da situação: são trechos de rios de dezenas de quilômetros de extensão que atravessam as cidades e recebem a carga de poluição; são, também, represas e mananciais de abastecimento público de água ameaçados pela urbanização adjacente. Imagens aéreas podem mostrar o contraste da mancha de poluição avançando sobre a água dos rios. Aliás, a ANA poderia utilizar imagens desse tipo nos próximos relatórios. IHU – QUAL A SITUAÇÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS BRASILEIROS E COMO É POSSÍVEL AVANÇAR NA GESTÃO DA ÁGUA NO PAÍS? QUAIS SÃO OS DESAFIOS NESSE SENTIDO? “ É hora de ações integradas de saneamento ambiental: água para todos, coleta e tratamento dos esgotos, coleta e tratamento adequado do lixo. G.R. – Para um país de dimensão continental e com a diversidade do Brasil, a resposta para esta questão é longa. O relatório da ANA mostra alguns pontos comuns entre as realidades das regiões brasileiras, mas ainda há uma variação muito grande de uma para outra. Como ponto comum para todas as regiões, podemos exemplificar com a situação das cidades e principalmente das metrópoles, cujas águas são mais castigadas com a ocupação crescente, atividades econômicas intensivas e desnaturalização das bacias hidrográficas, que perdem completamente suas condições naturais e são tomadas pela urbanização. Isto resulta nas piores condições em termos de qualidade e criticidade com relação à disponibilidade hídrica. Em termos de diversidade, podemos “visitar” cada uma das regiões do país. Entrando no tema do saneamento e tomando o Norte do país como exemplo, essa região é riquíssima em água, mas paupérrima em saneamento, o que provoca um conflito sério. A crença na capacidade infinita da depuração dos rios não se sustenta, pois nos centros urbanos fica muito claro o déficit de saneamento e o quanto as águas e os rios estão sofrendo as consequências. Daí haver crises de abastecimento em meio a tanta água. Os prognósticos com relação aos efeitos das mudanças climáticas no Semi-árido, Nordeste brasileiro, são cada vez mais convergentes em apontar que, nesta região, as secas se intensificarão e as tempestades serão desastrosas. A adoção de medidas adaptativas frente às tendências das mudanças climáticas é urgente. O Centro-Oeste, cujos dados do último censo mostram um dinamismo demográfico e econômico sem paralelo, é a região que merece mais atenção no sentido de prevenir desastres maiores. Ou seja, deve-se buscar a sustentabilidade neste processo de desenvolvimento e evitar os mesmos erros cometidos pelas outras regiões, que já estão em situação crítica. No Sul e Sudeste, regiões densamente ocupadas, precisam trabalhar na revisão de seus modelos de desenvolvimento e ocupação urbana, e trabalhar na prevenção para aqueles trechos ainda em processo de crescimento. Diante desta diversidade de problemas, de dinâmicas ambiental e econômica, assim como dos espaços territoriais – podemos encontrar bacias hidrográficas de pequeno porte e outras imensas – , torna-se difícil adotar um único modelo de gestão de águas, que seja adequado para cada uma destas regiões simultaneamente. Cada um dos estados e a União adotaram, com pouca variação, um sistema de gestão bastante semelhante. Temos um modelo (sistêmico), temos princípios e diretrizes (democracia, descentralização, integração), temos a figura do Comitê de Bacia, que deve ser o espaço para o debate sobre a gestão da água, temos instrumentos de gestão que deveriam orientar a tomada de decisão. Este modelo tem chance de sair do papel no Sul, no Sudeste e até em parte do Nordeste. Porém, se fizermos uma análise, seus resultados ainda ” não são facilmente mensuráveis em termos dos reflexos na qualidade e na quantidade da água. Os comitês devem tornar-se, de fato, o espaço de decisão, não só o local para debate, cuja decisão será tomada nos escalões mais altos do governo, como sempre foi feito. Os investimentos na elaboração de instrumentos de gestão devem ser refletidos em tomadas de decisão mais criteriosas, e não só para formalizar sua existência, e decisões continuarem a ser tomadas com base nos interesses de grupos específicos. Pensando nos desafios e avanços necessários, podemos enumerar os seguintes tópicos: ■ O sistema de gestão das águas, com seus princípios, diretrizes, colegiados e instrumentos, não deve ser uma camisa de força, mas cada região deve adaptá-lo às suas características. É difícil imaginar um Comitê de Bacia do Amazonas, mas essa região precisa tornar-se protagonista de suas decisões e uma nova estratégia deve ser pensada. ■ Os instrumentos de gestão, como Plano de Bacia, diagnósticos de situação ou conjuntura, devem ser desenvolvidos com participação ativa dos gestores (não basta contratar uma consultoria que entregue um estudo pronto) e devem orientar, de fato, as decisões de todos os setores relacionados à água. ■ É fundamental uma maior aproximação e sensibilização dos municípios com relação à gestão da água, para que tornem harmoniosa a relação entre uso e ocupação do solo e água. Se o planejamento se dá no nível da bacia, a ação é local. ■ A água não é um setor, ela perpassa tudo. Sendo assim, cada uma das políticas públicas do Brasil deve ter sua parcela de comprometimento com a qualidade e quantidade da água – saneamento, educação, saúde, habitação, transporte, economia, turismo. Radicalizar a transversalidade da água é uma boa meta. IHU – AO SER ENTREVISTADO EM 2005, VOCÊ MENCIONOU QUE APENAS 48% DA POPULAÇÃO DISPÕE DE REDE DE COLETA DE ESGOTO E 25% DE ESGOTO TRATADO. POR QUE O SANEAMENTO CONTINUA PRECÁRIO? O QUE DIFICULTA A AMPLIAÇÃO? G.R. – Naquela entrevista, em 2005, o índice de coleta de esgotos, segundo o IBGE, era de 48%. Atualmente, está em torno de 54%, ou seja, o atendimento aumenta 1% ao ano. Historicamente, nos últimos 30 anos, a causa maior dos baixos índices de saneamento era a falta de recursos financeiros. Companhias de saneamento e entidades de classe do setor desenvolveram um discurso lamuriento que justificava até a inação frente ao problema. Nos dois últimos anos, a conjuntura mudou para melhor em pelo menos três aspectos: a situação econômica do país melhorou e agora há recursos para investimento; há um plano nacional de saneamento junto com o plano nacional de recursos hídricos – Cidadania&MeioAmbiente 11 energia, porque os projetos de energia alternativa têm resultado em longo prazo. O problema parece ser outro: o da falta de estratégia de uso conjunto dos recursos hídricos. Os projetos que estão em pauta foram todos concebidos pelo setor elétrico há 30 anos, de modo unilateral. DeltaFrut Hoje em dia, o aproveitamento dos rios da Amazônia deveria ser objeto de uma avaliação ambiental estratégica de cada bacia hidrográfica, analisando os usos conjugados – por exemplo, navegação e geração de energia –, na perspectiva do desenvolvimento regional. O que vem acontecendo é que, mesmo havendo maior abertura para discussão, os projetos ainda são unilaterais (do setor elétrico) e servem exclusivamente às necessidades energéticas da região sudeste e aos empreendimentos minero–metalúrgicos da Amazônia, de uso intensivo de energia. Pouco ou quase nada servem para o desenvolvimento da região. “ A gestão integrada de água superficial e subterrânea deve ultrapassar a teoria. Integrar água e natureza: eis uma abordagem sustentável. ” ambos amplamente discutidos nas regiões – com prioridades e metas definidas por bacia hidrográfica; por fim, há um forte consenso de que as ações de saneamento terão de acontecer de forma integrada e colaborativa entre os três níveis de governo. Agora, portanto, é hora de deixar para trás a lamúria e partir para as ações integradas de saneamento ambiental: água para todos; coleta e tratamento dos esgotos; coleta e tratamento adequado do lixo. As perspectivas são boas, mas falta uma convocação nacional da presidente Dilma, sob a forma de uma meta-compromisso, para uma mobilização geral dos governos e da sociedade. Por exemplo, atingir em 10 anos a meta de 70% de coleta e tratamento de esgotos em todos os municípios brasileiros. De agora em diante, não se admite coletar esgoto e lançá-lo na água; todo projeto deve incluir o tratamento. IHU – COMO É POSSÍVEL UTILIZAR A ÁGUA DE MANEIRA SUSTENTÁVEL? G.R. – Usando na medida certa, seja qual for o uso. Evitando a poluição. A quantidade da água é constante na Terra, o que pode ocorrer é a recuperação de sua qualidade, seja através de tratamento ou voltando à condição natural, correndo pelos rios, infiltrando no solo, recebendo oxigênio e se purificando naturalmente. Sendo assim, cada um dos setores da sociedade tem sua lição de casa. Diante do percentual apontado com relação à agricultura, este setor deve ter maior responsabilidade. Destaca-se aí a necessidade da adoção de tecnologias de irrigação poupadoras de água e técnicas de manejo adequadas. A água não pode ser encarada como insumo, separada de seu contexto ambiental. A gestão integrada de água superficial e subterrânea deve ultrapassar a teoria. Integrar água e natureza: eis uma abordagem sustentável. IHU – COMO VÊ A PROPOSTA DO GOVERNO DE INVESTIR NA CONSTRUÇÃO DE NOVAS HIDRELÉTRICAS, EM ESPECIAL NA REGIÃO AMAZÔNICA? UTILIZAR RECURSOS HÍDRICOS PARA PRODUÇÃO DE ENERGIA É PRÁTICA SUSTENTÁVEL? G.R. – A construção de novas hidrelétricas na Amazônia será inevitável quando houver necessidade comprovada de expansão de 12 Parece que a modernização da navegação dos rios da Amazônia é tanto ou mais importante que a construção de hidrelétricas. Por que o governo central não faz uma profunda discussão na própria região? Quanto à sustentabilidade das hidrelétricas, há boas técnicas de construção de barragens a fio d’água, diminuindo a área de alagamento, que é um problema nas terras baixas da planície amazônica. Além disso, há os impedimentos de obras nas terras indígenas, que não podem ser invadidas. IHU – OUTRO DADO DO RELATÓRIO DE CONJUNTURA É DE QUE A IRRIGAÇÃO CONSOME 69% DA ÁGUA. COMO O SENHOR VÊ A UTILIZA- ÇÃO DA ÁGUA PARA A AGRICULTURA E PECUÁRIA, NO CASO BRASILEIRO? G.R. – A agricultura é o setor que mais consome água no país e, ao mesmo tempo, é o menos controlado. Em várias bacias hidrográficas já existem áreas críticas onde a demanda de água para irrigação afeta a disponibilidade para o abastecimento público. O que ocorre é que os métodos de irrigação mais utilizados são obsoletos. Irrigação por aspersão em áreas extensas ou irrigação em sulcos consome muita água. As técnicas modernas utilizam o gotejamento da água nas raízes da planta, com economia de água. Há vários anos, Israel utiliza largamente essa técnica, mas no Brasil ela ainda é pouco praticada. Os técnicos do setor têm propostas: primeiro, a substituição de equipamentos – o governo deveria garantir financiamento ao produtor, inclusive sem retorno, para a troca de equipamento de irrigação; segundo, fortalecer a Embrapa para que ela desenvolva amplo programa de extensão rural, disseminando as técnicas mais adequadas. Trata-se de um programa de interesse nacional, de uso equilibrado da água. ■ Gerôncio Rocha – Graduado em Geologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, geólogo da Coordenadoria de Recursos Hídricos da Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo e autor de “Um copo d’água” (São Leopoldo: Unisinos, 2003). Artigo publicado pela IHU On-line do Instituto Humanitas Unisinos - IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS, e no portal EcoDebate (29/07/2011). AGROTÓXICOS E A POLUIÇÃO DAS ÁGUAS A utilização de agrotóxicos é a segunda maior causa de contaminação dos rios no Brasil, perdendo apenas para o esgoto doméstico, segundo dados do IBGE. Considerando que a agricultura é o setor que mais consome água doce no Brasil, cerca de 70%, segundo o Fundo das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), pode-se dizer que além de sérios problemas para a saúde, os agrotóxicos também se transformaram em um grave problema ambiental no país. Segundo Mohamed Habib, engenheiro agrônomo e professor da Universidade Estadual de Campinas, “hoje o Brasil é o maior consumidor de agrotóxico do mundo, embora não seja o maior produtor”. Atualmente o Brasil utiliza 19% de todo defensivo agrícola produzido no planeta, segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). “Além disso, mais de 99% dos venenos aplicados na lavoura não atingem a praga alvo. Então, pode-se dizer que mais de 99% dos agrotóxicos vão para os rios, para o solo, para o ar e para a água subterrânea”, afirma Habib. Para Mauro Banderali, especialista em instrumentação ambiental e hidrológica: “Embora a disponibilidade de água no Brasil seja imensa, é preciso garantir sua qualidade para as gerações futuras. Por isso, ao detectar o aparecimento de resíduos de agrotóxicos nas reservas de água subterrânea e superficial, é necessário tomar medidas para evitar o agravamento do problema. Quando a água é contaminada por defensivos agrícolas, sua detecção e descontaminação é mais difícil e custosa. De modo geral, esses químicos raramente são analisados ou removidos das águas, tornando-se uma ameaça à saúde de todos que a ingerem, particularmente para substâncias cumulativas”. CONSEQUÊNCIAS PARA A VIDA AQUÁTICA – A água poluída com agrotóxicos irá prejudicar diretamente a fauna e a flora aquática. “A contaminação das águas pelos agrotóxicos tem efeito direto nos seres vivos que vivem na água, e na biota de um modo geral. Se o veneno que chega às águas for o herbicida, o efeito é direto e pode, por exemplo, matar as plantas aquáticas. Se o rio for contaminado por um veneno que mata animais, pode ocorrer a morte de algumas espécies de peixes menores”, explica o professor. Além dos efeitos diretos, o carregamento de agrotóxicos pelos rios e lagos, também traz alguns efeitos indiretos para a biota aquática e para a saúde humana. “Alguns peixes armazenam os agrotóxicos no tecido adiposo e por isso, não sofrem danos diretamente. No entanto, quando nós compramos esse peixe contaminado com veneno e o ingerimos, algumas pessoas podem passar mal e sofrer algum tipo de intoxicação (envenenamento). Tem muita gente que compra peixes pequenos para dar para seu gato de estimação e o animal chega até a morrer”, alerta Habib. Ao entrar em contato com a água, os compostos orgânicos provocam um aumento no contingente de microrganismos decompositores. De acordo com Mauro Banderali, “além de estarmos criando um ambiente de restrição da vida, ainda criamos uma armadilha para as populações que se utilizam desta água, em razão de inúmeros defensivos agrícolas utilizarem em sua formulação compostos orgânicos altamente estáveis e lipossolúveis, que se depositam preferencialmente nas gorduras dos animais. Por ingestão da água ou de animais que dela dependem, estamos acumulando estes defensivos em gorduras do corpo que jamais serão eliminadas em vida”. Ao serem carregados pelas águas superficiais, os agrotóxicos passam a fazer parte do ciclo natural da natureza. Segundo o professor da Unicamp, “quando se trata de água corrente, o veneno vai fazer parte de um ciclo e um dia vai chegar ao oceano. Ainda hoje, análises nas geleiras polares mostram que naquele gelo existe DDT, um veneno proibido há muitos anos. Isso é para se ter uma ideia do processo: saiu da lavoura através da chuva, passou pelos rios e mar e através das correntes marítimas, chegou às geleiras”, comenta Mohamed Habib. O Dicloro- Difenil tricloro-Etano (DDT) foi o primeiro veneno moderno, sintetizado em 1874 e utilizado como pesticida a partir de 1939. Após a Segunda Guerra Mundial, foi usado em larga escala para combater os mosquitos da malária, sendo banido em vários países na década de 70, após estudos comprovarem sua relação com casos de câncer. No Brasil, seu uso foi proibido na agricultura em 1984, porém sua produção em larga escala, uso como medicamento e exportação foram permitidos até 2009, conforme lei federal nº. 11.936 de 14 de maio de 2009. Segundo Mohamed Habib, “apesar de proibidos, alguns tipos de venenos como os organoclorados – antigamente utilizados por produtores rurais – continuam sendo aplicados e usados ilegalmente”. Os organoclorados são os inseticidas que mais persistem no meio ambiente, chegando a perdurar por até 30 anos. Para Mauro Banderali é preciso conhecer a qualidade das águas nas regiões influenciadas pela agricultura. “Uma das maneiras de avaliar os impactos dos defensivos agrícolas nos recursos hídricos consiste no monitoramento desses resíduos. Atualmente, já existem tecnologias que monitoram e mensuram parâmetros físico-químicos na água e são aplicados no monitoramento geral da sua qualidade. Porém, certas moléculas químicas específicas exigem o apoio de laboratórios especializados em sua detecção”. PROBLEMA BRASILEIRO – Para Mohamed, em relação a outros países, o Brasil não está conscientizado par o problema. “Países da Europa, da América do Norte e alguns asiáticos como o Japão têm consumidores muito mais conscientes em relação à utilização de agrotóxicos, cobrando postura de seus governos. Por isso, os governos e o setor industrial são mais conscientes, diferentemente do que aqui ocorre ao se fazer de conta que nada acontece e continuar-se abusando dos agrotóxicos.” A utilização de agrotóxicos é hoje uma prática condenada, “porque a ciência coloca à disposição vários outros métodos de produção. Basta investir. Basta a sociedade humana valorizar um pouco mais a vida, pois hoje estamos pagando muito caro pelas irresponsabilidades do passado”. INGESTÃO DE AGROTÓXICOS E SAÚDE Pela água ou alimentos, a ingestão de venenos agrícolas em grandes ou pequenas quantidades pode ocasionar doenças. “Dependendo do veneno – diz Habib – os efeitos para a saúde humana são morte, envenenamento estomacal, problemas no sistema nervoso, convulsões, lesões nos rins e cânceres. Esse efeito pode ser agudo, imediato ou crônico, a curto, médio ou longo prazo. As consequências podem aparecer também nos filhos e netos da pessoa contaminada, sobretudo quando se trata de carcinomas e tumores”. Fonte: Redação Ag Solve, por Larissa Stracci. Texto publicado em EcoDebate ( 24/08/2012). Cidadania&MeioAmbiente 13 A M I L C O sensoriamento remoto da Terra via satélite abre uma perspectiva de análise mais abrangente e confiável acerca da integração entre os fatores naturais e antrópicos responsáveis pela atual configuração geoclimática. por Roberto Naime AÉquecimento global e geobio absolutamente certo que a contribuição antrópica com as emissões atmosféricas poluentes industriais, as queimadas e a grande emissão atmosférica patrocinada por uma quantidade gigantesca e absolutamente descontrolada de automóveis de passeio contribuem de forma decisiva para o aquecimento global. Mas quanto é contribuição deste fator e quanto é responsabilidade dos fenômenos e ciclos geológicos históricos, é tema de grandes controvérsias. Devemos considerar que as previsões de aquecimento “catastrófico” e os modelos matemáticos usados nas extrapolações para o futuro são discutíveis, havendo a possibilidade de estarmos considerando apenas algumas das variáveis, sem considerar as condições iniciais do sistema e sem saber como aplicar o princípio das propriedades emergentes no conjunto. Estes diversos fatores interagindo certamente devem criar novos fatores ainda nem citados. Isto nos faz monitorar apenas uma parte das flutuações do clima de nosso planeta, com certeza. Estas limitações não invalidam os resultados já alcançados, mas provocam novos e grandes desafios. O que podemos afirmar com certeza é que temos nossa parcela e devemos fazer algo a respeito; quan- 14 to a efeitos de origem natural, que nos pre- ção entre as espécies é vital para a seleção paremos para mitigar consequências e dis- natural. É lógico contemplar uma analogia solver vulnerabilidades. simples. Se a interação entre espécies é vital e todos concordamos que é, porque a interaA variação das condições geológicas do ção entre fatores que controlam determinaplaneta em função da geodinâmica ou tec- dos fenômenos e que necessariamente intetônica de placas gerou uma época onde a ragem (e com isto podem até criar fatores matéria orgânica era preservada. Isto ocor- emergentes novos) não é tão valorizada e re quando em ambientes pantanosos, as ár- frequentemente negligenciada. vores são protegidas da decomposição aeróbica pela água e sofrem então processos Será por mero interesse reducionista para de soterramento e decomposição anaeró- viabilizar as interpretações matemáticas ou bica. Isto produz os combustíveis fósseis estatísticas lineares. Porque neste momenhoje conhecidos (carvão e petróleo) e esta to não se interage com fatores reconheciformação corresponde a fases bem deter- damente significativos e consensuais nas minadas da evolução geológica. ciências naturais e que se relacionam com sistemas não lineares como a influência senEste superávit de produção orgânica em re- sível às propriedades iniciais dos sistemas? lação à respiração é considerado uma das principais razões para períodos de decrés- TECNÓGENO: cimo do CO2 e um aumento no teor de oxi- UM CONCEITO INQUESTIONÁVEL gênio até os níveis elevados dos tempos Todo o planeta, a partir da abordagem de Ter geológicos recentes, que é um indutor da Stepaniam sobre a introdução do conceito de vida biológica atual da forma que conhece- tecnógeno, passa por sensíveis mudanças na mos, ao fornecer energia farta e de uso sim- natureza cibernética e estabilidade dos ecosples aos seres vivos. sistemas. É preciso entrar com a mente aberta nas novas portas dos desafios propostos É princípio indiscutível dentro da ecologia pela complexidade que ainda são mais ampliaque os fenômenos e fatores muito eficientes dos pela multidisciplinariedade que consenpara um indivíduo não são necessariamente sualmente as questões apresentam, e que já eficientes em comunidades, onde a intera- materializa um “trend” inquestionável. Posicionado a 824 km da Terra, o Visible Infrared Imager Radiometer Suite (VIIRS) obteve esta primeira imagem global de nosso planeta. de relevantes intervenções nos meios físico e biológico pela notável evolução de seu sistema nervoso central. Esta evolução permite ao cérebro que com pequenas quantidades de energia conceba e emita avaliações particulares dos estímulos externos que recebe. NA SA Go rd dda Ph oto ssistemas O conceito de tecnógeno desnuda a estabilidade à resistência dos sistemas. Nitidamente, grandes dimensões físico-biológicas não têm mais a capacidade de se manterem estáveis em regimes de “estresse”. E a estabilidade elástica, que é capacidade de auto-recuperação dos sistemas naturais, já não ocorre em várias situações, exigindo intervenções antrópicas para auxiliar na regeneração, numa área científica e comercial que muito tem se desenvolvido e atende pela denominação genérica de “recuperação de áreas degradadas”, onde os métodos biotecnológicos têm tido grande participação. A recuperação de uma área degradada não objetiva fazer o ecossistema retornar ao estado inicial. Os ecossistemas possuem mais de um estado de equilíbrio e quando sofrem recuperação, retornam a um estado diferente depois de uma perturbação que geralmente produz novas variáveis de controle e que interagem entre si. O conceito de estabilidade em um sistema mecânico, elétrico ou aerodinâmico implica retorno ao mesmo estado de equilíbrio após uma perturbação. Num sistema biológico ou natural isto, com certeza, raramente ocorre. O homem se tornou este poderoso organismo, organizado em sociedades complexas, capaz Ter Stepaniam transformou este conceito na proposta de um período da evolução da humanidade, onde a hegemonia da mente humana sobre os meios físico e biológico produz a ultrapassagem dos limites de estabilidade, criando uma nova fase na história, onde sem o auxílio da própria espécie humana, responsável pelas perturbações, os sistemas não conseguem se recuperar. Neste sentido, torna-se muito útil e operacional a técnica reducionista que transforma o planeta num mosaico de bacias e subbacias hidrográficas, unidades mais fáceis de recuperar pela sua dimensão física limitada, do que recuperar todo planeta ao mesmo tempo. Claro que as relações dos elementos físicos e biológicos das bacias e sub-bacias é universal, interferem obviamente realidades como a dependência sensível das quantidades iniciais e relações que produzem novos fatores emergentes, mas nem por isso a técnica deixa de ser válida. GEOBIOSSISTEMA: MEIO FÍSICO, BIOLÓGICO E ANTRÓPICO ASSOCIADOS Outra possibilidade muito utilizada em substituição às bacias e sub-bacias hidrográficas é o conceito de geobiossistema, que depende fundamentalmente do uso de técnicas de sensoriamento remoto e geoprocessamento. Os elementos dos meios físico, biológico e antrópico são associados em paisagens unificadoras, onde o uso das técnicas de sensoriamento remoto e tratamento digital de imagens de satélite, dentro de um contexto multidisciplinar, permite a transferência e a evolução de conceitos. Hoje, é disseminada a concepção do conceito de “paisagem” como expressão do agenciamento dinâmico e superficial dos conjuntos territoriais. Ou seja, não é mais apenas o solo a face mais visível do meio físico, e sim a paisagem integradora do solo com os demais fatores, a expressão conjunta das interações compreendidas ou ainda difusas. Este agrupamento, capaz de expressar homogeneidades ou realçar diferenciações físicas espaciais e temporais no meio terrestre, origina a conceituação de “geobiossistemas” como unidades territoriais, geográficas ou cartográficas de mesma paisagem, definidas por características estatísticas do meio natural físico, biológico, hierarquizadas por um mesmo sistema de relações. Portanto podem ser utilizadas as bacias e sub-bacias hidrográficas como menores unidades territoriais de sistemas, ou os “geobiossistemas” como elementos de unificação de unidades integradas por mesmas hierarquias entre os elementos dos meios físico, biológico (incluindo a química e bioquímica) e antrópicos ou sócio-econômicos. As cidades, metrópoles ou regiões metropolitanas são os ecossistemas humanos cujas características são heterotróficos. Resumidamente, os materiais (nutrientes, inclusive água) e a energia são importados para as cidades, que produzem e exportam efluentes domésticos e industriais e resíduos sólidos tanto domésticos quanto industriais. As cidades ocupam de 1 até 5% das áreas do mundo inteiro (1) , mas alteram a natureza dos rios, florestas, campos naturais e cultivados, da atmosfera e dos oceanos em extensão que pode ser muito maior que uma determinada bacia ou sub-bacia hidrográfica e aqui reside a importância do conceito de geobiossistema. As áreas urbanizadas praticamente não produzem alimentos. Dependem totalmente da importação de materiais (água dos sistemas hídricos e alimentos do meio rural) e energia (de hidrelétricas, termelétricas, usinas nucleares, usinas eólicas ou qualquer outra fonte). As cidades não possuem uma ecologia separada do bioma em que estão inseridas. Mas constituem um típico ecossistema urbano conforme já simplificadamente descrito. ■ REFERÊNCIAS: (1) ODUM, E. P. Ecologia. Rio de Janeiro: Guanabara, 1988, pg.48. (2) TER STEPANIAN, G. Beginning of the Technogene. Bulletin IEAG, nº1, ago 1970. Dr. Roberto Naime – Colunista do EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental e integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale. Publicado em EcoDebate (09/08/2012). Cidadania&MeioAmbiente 15 M U D A N Ç A C L I M Á T I C A Godard/NASA Ártico 2012: o que sinaliza o degelo recorde ? Agora é oficial: o degelo no Mar Ártico neste verão 2012 pulveriza para pior o recorde anterior. Segundo o Centro Nacional de Dados de Neve e Gelo (National Snow and Ice Data Center (NSIDC) – www.nsidc. org/), “A cobertura de gelo do oceano Ártico derreteu em sua extensão mínima para o ano em 16 de setembro”. A cobertura total de gelo atingiu 1.320 mil milhas quadradas, a mais baixa já registrada desde que o Ártico começou a ser monitorado por satélites, em 1979 (1). O CONTEXTO HISTÓRICO O recorde anterior de menor cobertura, em 2007, foi uma bizarra camada medindo apenas 1,6 milhões de quilômetros quadrados (20% abaixo de 2005) – um recorde chocante que suplantou o menor anteriormente verificado de 2,1 milhões de quilômetros quadrados. O recorde de 2007 foi de fato tão baixo que alguns cientistas começaram a se preocupar com um iminente Ártico despojado de gelo. Mas, então, a cobertura de gelo oceânico recuperou um pouco em 2008 e 2009. Houve quem usou essa reversão como prova de que o aquecimento global tinha acabado, prevendo que o gelo marinho iria continuar a aumentar nos próximos anos à 16 medida que a temperatura global começasse a decrescer (2) (3). Pois os céticos da mudança climática se enganaram redondamente. A tendência da cobertura de gelo marinho declinou em 2010, novamente em 2011, e agora, em 2012, um novo e assustador recorde de diminuição da capa de gelo foi estabelecido: quase 20 por cento abaixo do recorde de 2007. Fica claro que a lição de tudo isso é que quando se trata de clima, não se pode deixar-se levar por qualquer um ano de extremo – tanto para mais quanto para menos. O que realmente conta é a tendência de longo prazo. E desse ponto de vista, é muito claro que o gelo do mar Ártico está derretendo muito rapidamente – está assumindo uma nova feição, com depressões e rachaduras, sendo que a tendência geral é de queda. Estamos agora 50% abaixo da média mínima do período 1979-2000. Mas, enquanto não temos o recuo de tempo suficiente para interpretar todos os dados relativos às observações atuais em longo prazo, há um aspecto do evento deste ano muito pre- por Bill Chameides ocupante. Não se consegue entender completamente porque a extensão do gelo do mar ficou tão baixa ou porque o gelo marinho está diminuindo muito mais rápido do que os modelos climáticos previram. UM VERÃO SEM INTERCORRÊNCIAS Podemos estabelecer que a causa da fusão excepcional é devido ao clima? Na verdade, não. Com a exceção de uma tempestade de verão, período em que as taxas de derretimento dobraram por alguns dias, a temporada foi, meteorologicamente falando, bastante tranqüila. Alguns cientistas especulam que estamos assistindo o resultado do aquecimento de longo prazo sobre o gelo. A cada temporada anual de derretimento, o Ártico começa o ano seguinte com menos gelo e menos gelo depositado ao longo dos anos, acúmulo que garantiria grossa camada. Como o gelo antigo é perdido, o Ártico torna-se cada vez mais vulnerável a dramático afinamento da crosta gelada. A maior parte da cobertura de gelo atual é jovem e frágil, e, como tal, derrete mais facilmen- te. E se isso se confirmar, a realidade sugere que estamos começando a presenciar os efeitos de um sistema de retroalimentação positivo, que “devorará” progressivamente o gelo do Ártico na estação estival até que não reste sequer vestígio da cobertura gelada. O derretimento do gelo no verão significa menos camadas multisseculares de gelo na estação estival seguinte, o que acarreta mais derretimento de gelo no verão e ainda menos camadas de gelo multissecular. MODELOS CLIMÁTICOS SUBESTIMAM O DERRETIMENTO A constatação atual culmina na questão dos modelos climáticos. Neste momento, tais modelos oferecem uma ampla gama de previsões que em conjunto não conseguem demonstrar de maneira confiável os índices de derretimento observados. Pior: tendem a subestimar tais índices. Este quadro ainda vigora, apesar do fato de uma nova geração de modelos proporcionarem resultados mais consistentes. Fatores que podem contribuir para tais deficiências incluem déficits em como lidar com os modelos de variabilidade inerente ao sistema natural, as correntes oceânicas, as condições meteorológicas, a espessura da camada de gelo e feedbacks naturais (como a formação de lagoas no gelo ou o impacto do aquecimento dos oceanos abaixo da camada). GELO DO MAR ÁRTICO 2011 (MÁX. E MÍN.) E SET. 2012 (MÍN.) Godard/NASA Um aspecto preocupante desta situação é que, se as emissões de gases de efeito estufa continuar a aumentar, todos os modelos prevêem que o planeta conhecerá no futuro um Ártico livre de gelo no verão. As previsões de quando isto pode acontecer variam em função do modelo: pode ocorrer em uma ou duas décadas a partir de agora, ou lá pelo final do século. Mas já que os modelos subestimam a taxa de fusão observada nesta década, não será razoável supor que os mesmos modelos também superestimem o tempo que levará para o gelo de o Ártico derreter totalmente durante o verão? O aproxima rapidamente? Será que a redução de gelo do Ártico significará a ocorrência de novos eventos climáticos incomuns, como os volumes excessivos de neve e de frio observados nos EUA e na Europa? Em meu livro (2) as previsões são alarmantes, especialmente para o futuro próximo. Um mundo aquecido é um mundo em mudança, e quando se trata de meteorologia há poucas apostas seguras. O melhor que posso aconselhar é que todos se precavenham. O futuro não acena com céu de brigadeiro. QUE O NOVO Referências: (1) Confira o vídeo da NASA para ter uma noção visual da perda dramática do gelo do mar do Ártico em http:// www.youtube.com/watch?v = U a K q h RT q S l g & f e a t u r e =player_embedded (2) Biogeochemical Cycles AComputer-interactive Study of Earth System Science and Global Change (Computerbased Earth System Science S.), Oxford University Press, USA, Arpil 1997. RECORDE DE DEGELO PRESSAGIA? Quem, afinal, se importa com o desaparecimento do gelo do Ártico? Todos nós. O gelo é habitat crítico para focas e ursos, e há evidência crescente “de que a recente redução na camada de gelo do mar Ártico tenha papel crítico nos últimos invernos frígidos e com neve” em partes da Europa e dos EUA. As pesquisas sugerem que o aquecimento do Ártico já altera a proliferação de fitoplâncton, elemento-chave no ciclo de carbono oceânico e na base da cadeia alimentar marinha. Então, o que esperar para o Ártico e para o inverno do hemisfério norte que se Estas imagens do gelo marinho do Ártico refletem os dados reais capturados pelo AMSR-E embarcado no satélite Aqua, da NASA. A imagem ao alto da página é de 7 de março de 2011, quando o gelo do mar atingiu sua extensão máxima naquele ano, perto do fim do inverno. A imagem inferior mostra a região a partir de 9 de setembro de 2011, quando o gelo marinho atingiu seu ponto mínimo naquele ano, perto do final do verão. Na terceira imagem, obtida pelo satélite de sensoriamento DMSP SSMI/S, tem-se a visão que assusta os especialistas em climatologia e estudiosos das mudanças climáticas: a dramática redução da capa de gelo em Setembro de 2012. A região em cor negra representa a extensão média diária do mar de gelo no período 1979-2000. E a parcela na cor branca, a extensão do mar de gelo registrada em 16 de setembro de 2012. Os registros por satélite mostram que tanto a extensão como a espessura do gelo do mar Ártico continuam em declínio progressivo devido ao aumento das temperaturas globais de superfície (aquecimento global). Fonte: NASA’s Scientific Visualization Studio, Goddard Space Flight Center (fotos 2011) e Sea Ice Data from the NationalSnow and Ice Data Center,em http://www.nnvl.noaa.gov/MediaDetail2 .php?MediaI D=1189&MediaTypeID=1 Dr. William (Bill) Chameides é reitor da Universidade Duke Nicholas School of the Environment e membro da Academia Nacional de Ciências. Foi vice-presidente da America’s Climate Choices (http://dels.nas.edu/basc/climate-change/committeeslate. shtml), painel multidisciplinar destinado a ajudar os tomadores de decisão política a descobrir soluções para o problema da mudança climática. Lançado em novembro de 2008, a pedido do Congresso do EUA, o relatório final do painel foi publicado em 12/05/2011 (www.americas climatechoices .org/). Membro da União Americana de Geofísica , escreve sobre ciência ambiental em Twitter @ TheGreenGrok e / ou no Facebook. Artigo publicado em 21/09/2012 no http:// www.huffingtonpost.com/ bill-chameides/what-does-arecord-arctic_b_1904757.html Cidadania&MeioAmbiente 17 A Q U E C I M E N T O G L O B A L Os desastres ambientais já estão provocando o início de uma crise alimentar no mundo contemporâneo, para a surpresa daqueles que pensavam que as mudanças climáticas eram um fenômeno que só afetaria as futuras gerações. 1 2 3 4 5 6 & Mudanças climáticas crise alimentar por José Eustáquio Diniz Alves O aquecimento global tem provocado efeitos climáticos extremos, como, por exemplo, muita seca em algumas regiões e muita chuva em outras. Os Estados Unidos da América (EUA) e a China são as duas maiores economias do Planeta e os dois maiores produtores de alimentos do mundo. A Índia, a despeito da enorme pobreza, é um dos países que apresentam maior crescimento populacional e econômico nos últimos tempos. Os três países mais populosos do planeta estão sofrendo os efeitos das mudanças globais provocadas pelo aquecimento global, resultado da emissão desenfreada de gases poluentes de efeito estufa. 18 A seca nos Estados Unidos neste 2012 deve repercutir em todo o mundo, pois a economia americana é responsável por quase metade das exportações mundiais de milho e boa parte das exportações de soja e trigo. O custo das carnes ainda não subiu porque, por enquanto, os rebanhos estão sendo abatidos aumentando a oferta, mas os preços provavelmente subirão até o fim do corrente ano. As chuvas excessivas na China têm reduzido a produção de alimentos, enquanto uma queda da precipitação provocada pelas monções, na Índia devem reduzir a produção mundial de arroz (a seca também tem sido severa no sertão nordestino do Brasil no corrente ano). Embora em patamares elevados, o índice de preços dos alimentos da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) vinha caindo ao longo do ano de 2012. Porém, as chuvas na China, as menores precipitações na Índia e a pior seca dos últimos 50 anos que atingiu os EUA provocaram a reversão das tendências, acelerando a tendência de aumento dos preços de alguns produtos agrícolas, devendo ter um impacto em outras commodities nos próximos meses. Há ainda a competição entre produção agrícola para a alimentação e para energia e biocombustíveis. IMPACTOS DA PRIMEIRA GERAÇÃO DE BIOCOMBUSTÍVEIS SOBRE OS PREÇOS AGRÍCOLAS CENÁRIOS cereais outras culturas pecuária Este gráfico apresenta os possíveis cenários para o impacto dos biocombustíveis sobre os preços agrícolas e a segurança alimentar. Embora existam vários fatores que afetam os preços agrícolas, incluindo variações sazonais, especulação do mercado e padrões climáticos extremos, alguns cenários de desenvolvimento dos biocombustíveis indicam uma relação entre preços agrícolas e produção dos referidos combustíveis. Este cenário projeta que o maior aumento de preço será nos cereais, com a introdução da primeira geração de biocombustíveis desencadeando um aumento de preço variando de 8% a mais de 35%. Fonte: OFID, Biofuels and Food Security, 2009.Gráfico UNEP-GridArendal publicado em 2012 na coleção Biofuels Vital Graphics – Powering Green Economy. Design: Nieves Lopez Izquierdo O GRANDE DESAFIO DO SÉCULO 21 No dia 09 de agosto, a FAO atualizou os dados para julho de 2012. O Índice de Preços dos Alimentos chegou a 213 pontos em julho de 2012, 12 pontos (6%) acima daquele do mês anterior, mas ainda abaixo do pico de 238 pontos atingido em fevereiro de 2011. O aumento atual ocorreu devido ao salto nos preços dos grãos e açúcar, com aumentos mais modestos de óleos e gorduras. Os preços internacionais da carne e produtos lácteos foram pouco alterados até o momento, mas devem subir até o final do ano. O Índice de preços dos cereais chegou na média de 260 pontos em julho, 38 pontos (17%) acima dos preços de junho e apenas 14 pontos abaixo do seu ponto mais alto (em termos nominais) de 274 pontos registrados em abril de 2008. Segundo a FAO, a grave deterioração das perspectivas de colheita de milho nos EUA, na sequência de condições de seca e calor excessivo, empurrou para cima os preços do milho em 23% em julho. Cotações internacionais do trigo também subiram (19%), em meio a uma piora das perspectivas de produção na Rússia e aumento da demanda demográfica. Portanto, os preços dos alimentos voltaram a apresentar uma tendência de alta, mesmo em uma situação de desaceleração da economia internacional. Este vai ser o grande desafio da segurança alimentar no século 21: lidar com o aumento da demanda decorrente do aumento populacional e do crescimento da classe média mundial em um quadro de aumento do preço dos combustíveis fósseis e dos impactos negativos das mudanças climáticas provocadas pelo aquecimento global. CRISE ALIMENTAR E CRISE SOCIAL O aumento do preço dos alimentos foi um dos estopins da Primavera Árabe. Uma nova crise alimentar poderá ser a centelha de novas revoltas pelo mundo afora, especialmente entre as gerações jovens e desalentadas. Além disto, existem, globalmente, cerca de 1 bilhão de pessoas em situação de insegurança alimentar. O aumento do preço dos alimentos, num quadro de crise econômica na área do Euro e de desaceleração da economia global, pode provocar uma grande queda no padrão de vida da comunidade internacional, atingindo, principalmente, as camadas mais pobres e vulneráveis da população mundial. A alternativa milagrosa do crescimento econômico não é mais visto como uma panacéia, pois seus efeitos deletérios estão cada vez mais presentes. Já o decrescimento econômico só seria benéfico para o meio ambiente e para a sociedade se viesse acompanhado de uma grande redução dos níveis de desigualdade e uma diminuição acentuada do consumo conspícuo das parcelas ricas do planeta. Mas uma recessão acompanhada de aumento do preço dos ali- mentos só vai aumentar o fosso que separa os incluídos e os excluídos da sociedade. HOMEM, MUDANÇAS CLIMÁTICAS E CRISE ALIMENTAR O fato é que o aumento das atividades antrópicas está provocando mudanças climáticas cada vez mais desastrosas. James Hansen, diretor do Instituto Goddard de Estudos Espaciais da Nasa, declarou à BBC que “A mudança climática já chegou e é pior do que pensávamos”. Ele disse ter sido otimista quando testemunhou no Senado americano, no verão de 1988, ao traçar “um panorama obscuro sobre as consequências do aumento contínuo da temperatura impulsionado pelo uso de combustíveis fósseis”. Segundo Hansen, que está cada vez mais pessimista, os verões de calor extremo registrados recentemente em diversos pontos do planeta provavelmente são resultado do aquecimento global. Portanto, o efeito da interferência humana no clima pode provocar uma séria crise alimentar, como indica a tendência do índice de preço dos alimentos da FAO para julho de 2012. Atualmente a concentração de CO2 está em 390 partes por milhão (ppm), mas ao ultrapassar 400 ppm provocará secas ainda maiores. Portanto, é necessário reverter urgentemente o aquecimento do clima e do preço do alimento. ■ LEGENDAS /CRÉDITO FOTOS 1 2 3 4 5 6 Tempestade de areia na margem do Lago Baringo, Quênia-UN Photo Comunidade haitiana destroçada após terremoto-UN Photo Vista do Campo de Refugiados Dakhla, no Saara ocidental-UN Photo Na Índia, a monção provoca inundações mais intensas-Dee Gee Vegetação de mangue afetada em Hera, Timor-Leste-UN Photo/Martine Perret Solo rachado na Reserva Natural de Popenguine, Senegal-UN Photo José Eustáquio Diniz Alves – Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE. Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: [email protected] publicado no Portal EcoDebate (10/08/2012). Cidadania&MeioAmbiente Cidadania&MeioAmbiente 19 Mari Tefre-Global Crop Diversity Trust S E G U R A N Ç A A G R Í C O L A Svalbard: Embora pareça saído de um filme de ficção científica, o bunker Svalbard para conservação de sementes é um projeto de segurança agrícola que poderá resgatar a humanidade da fome. por Eleanor Fausold banco de sementes para o futuro E nterrado em uma montanha localizada em um grupo de ilhas a cerca de 1.000 quilômetros da costa norte da Noruega encontra-se um cofre-forte cuja função é salvaguardar quase três quartos de um milhão de amostras de sementes de todo o planeta. O Banco de Sementes Global (Svalbard Seed Vault Global) está localizado perto da vila de Longyearbyen, Svalbard, uma distante região do norte terrestre onde a escuridão total reina por quase quatro meses do ano. O cofre serve como backup para coleções vivas de culturas alimentares de todo o mundo. Nesse “banco genético” são protegidas as variedades de sementes tanto dos desastres naturais quanto dos provocados pelo homem. Cary Fowler, diretor executivo da Global Crop Diversity Trust (1), explica que as sementes depositadas no cofre-forte são cruciais para a preservação da diversidade global de culturas agrícolas. “Nossa diversidade de culturas alimentares está constantemente sob ameaça de grandes desastres, tais como incêndios, agitação política, guerras e catástrofes climáticas, bem como de situações corriqueiras como pane elétrica em sistemas de refrigeração e cortes orçamentais. Só que estas sementes são o futuro da nossa alimentação, porque carregam tesouros genéticos tais como resistência ao calor, tolerância à seca ou resistência a doenças e pragas.” O cofre-forte atualmente abriga em segurança 740.000 amostras mantidas congeladas por camadas de permafrost (solo congelado) e rocha espessa que isolam o bunker e mantêm sua temperatura interna muito abaixo de zero, mesmo sem energia elétrica. Sua construção foi totalmente financiada pelo governo norueguês, mas, agora, a insituição é mantida através de parceria entre o governo norueguês, o Nordic Genetic Resources Center e o Global Crop Diversity Trust. 20 No final de fevereiro e início de março, um total de 24.948 amostras de sementes chegaram ao cofre, a tempo de comemorar o quarto aniversário do banco genético. Três recém-chegados particularmente interessantes e célebres incluem o trigo de uma região remota do Tajiquistão, o amaranto, que já foi cultivado pelos astecas, e a cevada, agora sendo usada na produção de cerveja no Noroeste do Pacífico Noroeste americano. O trigo teve origem nas montanhas Pamir, no Tajiquistão, uma das cadeias montanhosas mais altas do planeta. A região, repleta de verões quentes e frios, e invernos com muita neve, abriga uma impressionante variedade de trigo, o que torna as espécies especialmente interessantes para os cientistas em busca de uma variedade resistente à grave doença da ferrugem do caule do trigo conhecida por devastar colheitas. O amaranto, enviado pelo National Plant Germplasm Sustem (NPGS) (2), foi cultivado por astecas e incas há 8.000 anos, e suas sementes já foram utilizadas como grão nutritivo por essas antigas culturas. O amaranto foi recentemente “redescoberto” por seu alto valor protéico isento de glútem, sendo por isso uma alternativa ao trigo, ganhando assim popularidade como alimento. Algumas das variedades enviadas à Svalbard também já foram usadas para fins medicinais e hoje o pigmento vermelho das hastes de amaranto confere uma rica cor vermelha à colada morada, tradicional bebida sul-americana consumida no Equador durante o dia de Finados. Outra contribuição do NPGS incluiu várias subespécies de cevada, que foram introduzidas pela primeira vez nos Estados Unidos em 1938. Estes grãos constituem as variedades modernas da cevada “Betzes”, uma antiga variedade alemã cultivada no Noroeste do Pacífico dos Estados Unidos e que agora se revela o ancestral de 18 variedades modernas que crescem na região, incluindo o malte de cevada conhecido como “Klages”, favorito no movimento de expansão do ofício cervejeiro nos EUA. Embora o Banco de Sementes de Svalbard seja por vezes referenciado como “Banco de Sementes do Apocalipse” devido a seu papel na proteção dos sistemas agrícolas mundiais contra catástrofes naturais ou provocadas pelo homem. Svalbard desempenha hoje papel vital na proteção da diversidade mundial de sementes é importante, já que, por exemplo, os bancos de sementes no Iraque e no Afeganistão foram destruídos durante conflitos, e outro foi saqueado durante a revolta no Egito no ano passado. É importante analisar e preservar a maior quantidade de variedades de sementes possível, porque mesmo aquelas que hoje podem não parecer importantes poderão vir a ser um trunfo crítico à sobrevivência da espécie humana nos próximos anos. Algumas das primeiras variedades estocadas nos anos 1970 e 1980, por exemplo, foram recentemente identificadas como sendo de alta tolerância a enchentes e secas, o que as torna incrivelmente valiosas em função da aceleração das mudanças climáticas com o aumenta da freqüência e da gravidade de eventos climáticos extremos. ■ REFERÊNCIAS: (1) No site www.nordgen.org pode-se encontrar a listagem completa dos organismos que enviam sementes para preservação, bem como a listagem de todas as variedades protegidas em Svalbard. (2) www.ars-grin.gov/npgs/ Eleanor Fausold é estagiária de pesquisa no Nourishing the Planet project . M I Iammikeb O A 21 N Cidadania&MeioAmbiente O Não há economia SEM sistema ecológico C dem da economia, mas, o meio ambiente, não; esse não depende de ninguém, é soberano. O meio ambiente se encontra em posição superior a tudo, e não o contrário como ainda insistem alguns, em especial os defensores da velha economia tradicional que acreditam na possibilidade de expansão econômica sem restrições, como se o mundo fosse uma O QUE PRETENDE A grande massa que se expande ECONOMIA ECOLÓGICA? ininterruptamente. Entender os Economia Ecológica (EE) é conceitos que formam a base teuma compreensão de que o órica da (EE) significa compreensistema econômico “gira” (funder definitivamente que o ecosciona) em torno do mundo bisistema é o TODO; a economia ofísico de onde saem matéri(atividade), por sua vez, é apenas as-primas e energia. Essenciuma PARTE dependente desse almente, a (EE) busca nas Leis todo. Em síntese, esse é o discurda Termodinâmica (calor, poso mais proeminente que emerge tência, energia, movimento) a da (EE) que traz ainda em seu bojo base para explicar teoricamena necessidade de condenar veete a realidade socioeconômiA Economia Ecológica busca promo- mentemente o discurso predomica e ambiental. Busca promonante da macroeconomia tradiciver, igualmente, a interface onal que apenas intenciona fazer ver a interface entre os ecossistemas entre os ecossistemas natua economia crescer a qualquer naturais e o sistema econômico. rais e o sistema econômico. O preço. Ora, pensar assim, medinponto relevante da (EE) repoudo a economia apenas com a répor Marcus Eduardo de Oliveira sa sobre o entendimento de gua macroeconômica, é olhar para que o sistema econômico é a questão ambiental e vê-la tão aberto ao universo na tentativa de captação Em que pese o fato da economia tradicio- somente como mais uma mera externalidade. de energia. É assim que a (EE) toma empres- nal cometer o crasso equívoco de se “jultada as “leis da física” para explicar que há gar” superior ao meio ambiente, o que re- Definitivamente, a (EE) entende o sistema ecolimites ao crescimento econômico. Com isso, presenta, per si, uma visão estreita, o pon- nômico a partir de sua inserção e relação com promove-se a boa discussão entre consu- to de maior relevância é que a economia as questões ambientais, sabendo da existênmo versus meio-ambiente; dito de outra for- (atividade) é completamente dependente cia de limites, pois aponta dedo em riste para o ma, o que está em debate, nesse pormenor, é das coisas da natureza, e não o contrário. fato de que o planeta Terra não aumentará de a velocidade de crescimento econômico vertamanho. Reitera-se que o meio ambiente é sus a capacidade de regeneração dos recur- Reforça-se esse argumento com outro im- escasso e limitado, e por mais que nos lancesos naturais, afinal, habitamos um planeta portante fato: a capacidade de sobrevivên- mos ao exercício de imaginar mil maneiras difeem que três quartos da população mundial cia da espécie humana é integralmente de- rentes, a Terra não sofrerá aumento em seu vivem em países que consomem mais recur- pendente das condições ambientais. Quan- tamanho. Portanto, essa questão fica mais clasos do que conseguem repor. do então pensamos a economia por essa ra assim: não é possível crescer economicaperspectiva, não se deve perder de vista, a mente a qualquer preço! Há e sempre haverá A existência, portanto, de uma corrente de título de melhor compreensão, a brilhante limites físicos para isso. O freio a ser dado, pensamento denominada de Economia Eco- definição de Lionel Robbins (1898-1984) à portanto, reside no lado das necessidades lógica se prende a um ponto factual: não há economia como sendo “a ciência que estu- humanas. Diminuir a voracidade de consumo economia (produção – consumo – distribui- da o comportamento humano como uma re- para dar “respiro” ao ecossistema. Que a Ecoção) sem sistema ecológico. Pensar a ativi- lação entre fins e meios escassos que têm nomia Ecológica esteja sempre presente nas dade econômica fora dessa primordial ques- usos alternativos”. ações e no ideário de todos que sonham viver tão ambiental é o mesmo que pensar um munnum mundo melhor. A vida e o planeta Terra do sem a presença das pessoas, habitado, Com isso, promover a interface entre as pes- certamente saberão agradecer. ■ apenas e tão somente, por insetos e seus soas, a economia e o meio ambiente nos pacongêneres. Por essa perspectiva, somos le- rece ser de fundamental importância, visto vados a pontuar um fato inexorável: a econo- que tanto a economia quanto às pessoas de- Marcus Eduardo de Oliveira é Economista e mia está “dentro” de algo muito maior cha- pendem integralmente do meio ambiente, e a Professor de economia da FAC-FITO e do UNIFIEO, em São Paulo. mado meio ambiente. E o meio ambiente é economia depende, por seu turno, das pes- [email protected] Artigo publilimitado, não se expande no dia a dia. soas assim como também as pessoas depen- cado no portal EcoDebate (09/08/2012) E À medida que o meio am biente apresenta evi dentes sinais de estar enfraquecido em face da agressão patrocinada pela expansão econômica sem freios, abre-se a perspectiva de maior inserção dos preceitos que emolduram a chamada Economia Ecológica. 22 Cidadania&MeioAmbiente 23 A Amazônia legal e internacional passa por um avassalador processo de destruição que visa transformar a região em uma base de expansão do modelo primário exportador, vetor de grandes impactos ambientais e de degradação do modo de vida dos povos da floresta e das comunidades tradicionais. por Elder Andrade de Paula 24 Sam Beebe - Ecotrust M O D E L O d e D E S E N V O LV I M E N T O Amazônia: desenvolvimento insustentável IHU ON-LINE – QUAIS AS CONTRADIÇÕES DAS POLÍTICAS CLIMÁTICAS E DA ECONOMIA VERDE? Elder Andrade de Paula – Muitas. A primeira delas é que as políticas climáticas e a economia verde não enfrentam os problemas estruturais que geram as mudanças climáticas no mundo, como, por exemplo, o atual padrão da civilização capitalista, dominado por um consumo crescente de mercadorias que demandam mais e mais energia, e a concentração de renda que acompanha esse movimento. Portanto, todas as políticas que têm sido pactuadas internacionalmente para “enfrentar” as mudanças climáticas funcionam como aspirinas para pacientes terminais, por não enfrentarem o problema estrutural. O modo de enfrentamento dos problemas ambientais tende a reproduzir, em escala ainda mais profunda, as desigualdades entre Norte e Sul e as desigualdades internas dos países. Normalmente, os meios de comunicação têm tratado o resultado das Conferências do Clima como um fracasso, mas, na verdade, não é isso. Essas convenções têm chegado a acordos que vão se implantando mundialmente, acordos nos quais tendem a prevalecer os interesses daqueles que destroem o planeta e ganham dinheiro com isso. Essas pessoas passam a ganhar dinheiro com o discurso de que conservarão o planeta, seja através de documentos diversos, como a comercialização dos créditos de carbono, serviços ambientais. Enfim, todas essas políticas que são vendidas como a salvação dos problemas climáticos. IHU – O QUE FAZER PARA SOLUCIONAR OS PROBLEMAS AMBIENTAIS, CLIMÁTICOS E SOCIAIS? COMO COMPATIBILIZAR DESENVOLVIMENTO E SUSTENTABILIDADE? E.A.P – Temos de nos perguntar se é possível continuarmos com a lógica que preside a ideologia do desenvolvimento. Uma manchete do jornal Folha de S.Paulo trazia a chamada: “A Amazônia vira motor do desenvolvimento”. E, logo abaixo, uma foto ilustrava os conflitos da juventude em Roma, em luta contra as grandes corporações e o sistema financeiro que têm intensificado as crises social e ambiental. Portanto, a mesma chamada que anuncia uma região como motor de desenvolvimento mostra, a partir de outra foto, o resultado desse desenvolvimento. “ A criação de unidades de conservação, anunciada como solução para preservar a Amazônia, tem sido um artifício para transferir a capitais privados o direito de uso desses territórios. ” Nos anos 1990 surgiu esse nome simpático de desenvolvimento sustentável. Mas como os críticos de primeira hora já anunciaram, essa é somente uma forma de tentar dar outra coloração para um processo que não tem solução. Dentro dessa lógica de expansão incessante do processo de acumulação do capital em nível local e internacional, não há como contornar os problemas gerados. Existem inúmeras alternativas para isso. A Bolívia e o Equador propõem uma ruptura com a ideia de desenvolvimento sustentável para se construir outros mundos necessários. década de 1970. Todos os esforços realizados pelo governo em nível federal ou estadual são para transformar a Amazônia em uma base de expansão desse modelo primário exportador. As repercussões para as populações que vivem em tais territórios são enormes, uma vez que eles estão sendo avassalados de formas diversas por empresas madeireiras e mineradoras. As populações camponesas, os seringueiros, os ribeirinhos, todos os assentados, todos os que vivem da terra e na terra estão sendo afetados por essas grandes obras. Além disso, a população que vive no meio urbano, que representa mais de 70% da população na Amazônia Legal, está concentrada em condições extremamente precárias, porque não existe um projeto de industrialização que possa gerar trabalho e condições dignas de vida para as pessoas. Bolívia e Equador apresentam o bem-viver como uma possibilidade pautada em heranças culturais, em outra visão da relação sociedadenatureza, não fundamentada na acumulação incessante de capital e de mercadorias, mas em outro tipo de vida que permita a todos ter o suficiente para viver sem destruir o lugar onde se vive. Está mais do que na hora de enfrentarmos esse problema de forma contundente. A criação de unidades de conservação, anunciada como solução para preservar a Amazônia, tem sido um artifício para transferir a capitais privados o direito de uso desses territórios. O exemplo mais emblemático disso é a lei 11.286, de 2006, que instituiu a concessão de florestas públicas para a exploração pelas madeireiras. Iniciativas como essas promovem a privatização de tudo que existe nessa região. O bem-viver não é somente um caminho para a civilização em curso. Não podemos pensar em importar o bem-viver como percepção do mundo andino para o Brasil, por exemplo. Mas podemos pensar que a civilização, tal como se apresenta hoje, não tem saída possível para uma vida melhor para todos. Então, podemos nos inspirar na ideia de que todos podem viver melhor, e que não haja, numa sociedade, um grupo muito pequeno que explora todos os recursos para manter um padrão de vida extremamente elevado, enquanto a maioria não tem nada. As chamadas políticas compensatórias são provisórias, são conjunturais. Hoje, a situação da Amazônia é muito mais dramática do que na década de 1970, quando a questão da terra estava posta como elemento essencial na luta de resistência. Atualmente, a luta é contra a mercantilização da natureza e da vida. É bom ter consciência de que isso não está sendo feito sem resistência. Os povos do Pará estão se mobilizando contra Belo Monte e conseguindo apoio nacional e internacional. Na Bolívia, a 8ª Marcha dos Povos das Terras Baixas contra a estrada que vai cortar as terras indígenas e o Território Indígena y Parque Nacional Isiboro Sécure (Tipnis) mostram a disposição dos povos indígenas em enfrentar esse projeto. Estamos vivendo um período que vai abrir conflitos de alta intensidade nessa região para se contrapor à expansão avassaladora do processo de destruição capitalista em curso. IHU – COMO A POLÍTICA AMBIENTAL E A POLÍTICA ECONÔMICA DO GOVERNO FEDERAL TÊM IMPACTADO OS POVOS TRADICIONAIS DA AMAZÔNIA? E.A.P – Em 2003, defendi uma tese de doutorado cujo título é “Estado em desenvolvimento insustentável na Amazônia Ocidental: dos missionários do progresso aos mercadores da natureza”. Portanto, há oito anos faço uma crítica a esse novo modelo que começava a aparecer como a solução para os problemas da Amazônia. Procurei mostrar a incompatibilidade entre a conservação da natureza e o bem-estar social com a rentabilidade do capital. O que estamos vendo é uma aceleração monumental da insustentabilidade. Está acontecendo na Amazônia um processo avassalador de destruição que pode ser comparado ao período da ditadura militar da IHU ON-LINE – NO ACRE, UM MILHÃO DE HECTARES FOI CONCEDIDO AO MANEJO FLORESTAL MADEIREIRO. QUE ÁREAS SÃO ESSAS? COMO AS COMUNIDADES INDÍGENAS SÃO AFETADAS? E.A.P – Grandes empresas transnacionais operam regionalmente com laranjas, muito associadas ao poder local. É possível comparar a situação que acontece no Acre a do Mato Grosso, que foi capturado e dominado pelos interesses do agronegócio. No Acre, o poder estadual foi capturado pelo agronegócio da madeira. O grupo que domina o poder desse estado há 13 anos tem o PT como liderança e está associado à importação da madeira. Cidadania&MeioAmbiente 25 Antonio Cruz/ABr somente na reserva extrativista Chico Mendes vivem 1800 famílias. Isso quer dizer que a fábrica de preservativos não atende sequer 50% dos moradores da reserva extrativista Chico Mendes. Não sabemos efetivamente o montante dos recursos que foram destinados para a implantação da empresa. Temos a desconfiança de que, com o que foi utilizado para a construção e manutenção da fábrica, seria possível atender mais de 50% das famílias existentes em todo o Acre. Mas como não há nenhuma transparência, nada que possa parecer com possibilidade de controle do público sobre o governamental nessas terras, não temos informações seguras. O seringal São Bernardo é uma área que está sendo explorada pela Laminados Triunfo. A área explorada por eles é ocupada Índios protestam contra a construção da usina de Belo Monte na Amazônia. por famílias que lá vivem há décadas, mas que não têm documentos de regulamentaDigo com toda a segurança que nem a população camponesa nem os ção da terra. Por isso elas estão sendo pressionadas a desocupar a indígenas se beneficiam com a plantação madeireira na região. Ao terra para que a exploração madeireira possa acontecer. Os depoicontrário, elas têm sido extremamente afetadas por este movimento mentos das pessoas são extremamente comoventes. Estive lá por crescente de destruição das matas. Para se ter uma ideia, o projeto mais de duas vezes conversando com os que estão sendo atingique é dito como modelo pelos ambientalistas de mercado no Brasil, dos, e somente agora estão encontrando uma forma de reagir, pordifundido internacionalmente como modelo de exploração sustentá- que o fato ganhou notabilidade pública nacional. Antes eles não vel de madeira, de manejo comunitário, não atende à comunidade. conseguiam reagir porque o movimento sindical é controlado pelo Todas as famílias que vivem do Projeto de Assentamento Agroextra- governo. As organizações representativas dos segmentos sociais tivista Chico Mendes estão cadastradas no programa Bolsa Família, subalternos, em sua maioria, estão subordinadas ao esquema parapesar de praticarem o manejo comunitário de madeira há quase uma tidário e clientelista, que foi reconfigurado pela aliança entre o PT a década. Segundo depoimento de uma das principais lideranças do direita tradicional, que representa parte do poder oligárquico. projeto, a renda que essas pessoas obtêm anualmente com a venda de madeira é de R$2.500,00 porque o metro cúbico de madeira é ven- O sindicato dos trabalhadores rurais de Xapuri, que tem como dido a R$90,00 para a Laminados Triunfo, a grande madeireira que presidente a Dercy Teles, que foi a primeira presidente do sindicadomina este pedaço. Os R$90,00 não são líquidos, porque as pesso- to dos trabalhadores rurais do Brasil, também tem enfrentado e as têm que pagar o serviço das máquinas. feito oposição a tal modelo. Na universidade, professores e estudantes manifestam críticas ao modelo que está em curso. Enquanto a madeireira compra esta madeira a R$90,00 por metro cúbico, na cidade ninguém consegue comprar madeira desta qua- IHU – COMO AVALIA A ATUAÇÃO DO BNDES NO FINANCIAMENTO lidade por menos de R$1.400,00 o metro cúbico. Boa parte dela é DA CONSTRUÇÃO DE NOVAS HIDRELÉTRICAS NA REGIÃO AMAZÔNICA? destinada à exportação com o chamado selo verde. As marcenari- E.A.P – Os projetos que o BNDES tem financiado, seja na Amazôas de pequeno porte que envolviam o trabalho familiar encerra- nia brasileira, seja na Amazônia continental, estão repercutindo ram suas atividades, e as que ainda funcionam utilizam o MDF de forma negativa nesses territórios. A fábrica de tacos, financiaque vem do sul do Brasil. As marcenarias não têm acesso à madei- da no eixo da BR-317, perto de Xapuri, produzirá enorme impacto, ra porque o preço é exorbitante. destruindo a reserva extrativista Chico Mendes e tirando madeira de lá. As obras da construção de hidrelétricas em Madre Dios, IHU – ALÉM DO PROJETO DE ASSENTAMENTO AGROEXTRATIVISTA CHICO que fazem parte do acordo energético entre Brasil e Peru, também MENDES, CONHECE COMO FUNCIONA A FÁBRICA DE PRESERVATIVOS produzirão impactos enormes, desalojando povos indígenas e NATEX E O SERINGAL SÃO BERNARDO? QUAL A FINALIDADE DESSAS camponeses de áreas que vivem lá secularmente. ENTIDADES E SEUS PROJETOS EM RELAÇÃO AO MEIO AMBIENTE? E.A.P – A Natex é uma fábrica de preservativos financiada pelo O caso da Bolívia é bastante emblemático. A 8ª Marcha está lutando BNDES, ou seja, funciona com recursos públicos e tem um con- contra o projeto financiado pelo BNDES de construir a estrada que trato de fornecimento dos preservativos para o Ministério da Saú- liga San Ignacio de Moxos até Villa Tunari, em Cochabamba. A emde. O objetivo anunciado pela empresa seria criar uma alternativa preiteira que vai construir a estrada é a brasileira OAS, e quem mais para os seringueiros, que têm na extração do látex importante vai se beneficiar com esse projeto são o agronegócio da pecuária de atividade para a composição da renda familiar. Todavia, ela com- Beni e o agronegócio da soja, que estão em Santa Cruz. O BNDES pra o látex tão somente de 700 seringueiros. Para se ter uma ideia, tem atuado contra os interesses dos povos que vivem nessa região 26 DESMATAMENTO ACUMULADO ATÉ 2011 Imazon AS ÁREAS PROTEGIDAS DA AMAZÔNIA LEGAL e a favor da continuidade desse projeto de espoliação não só da de acumulação demanda outras matérias-primas que repercutem Amazônia brasileira, mas também da Amazônia continental. na destruição do território, como energia para explorar minerais, produtos oriundos do setor do agronegócio, como soja, biocomO que o BNDES faz hoje não é diferente do que o Banco Mundial bustíveis, madeira, exploração petroleira. Quem trabalha com petem feito, desde a sua criação, nos países colonizados. Então, o tróleo, mineração e madeira são grandes transnacionais que conbanco reproduz, fora do Brasil, um modelo de exploração. trolam esses comércios mundialmente. IHU – TEM ACOMPANHADO OS PROTESTOS NA BOLÍVIA MOTIVADOS PELA CONSTRUÇÃO DA ESTRADA QUE AFETARÁ AS COMUNIDADES INDÍGENAS? COMO VÊ ESSE DEBATE? E.A.P – Estive na Bolívia na última semana de setembro de 2011 participando de um seminário e conversei com lideranças indígenas e camponesas da tríplice fronteira. O governo de Evo Morales tem um forte apoio dos dois povos mais poderosos da Bolívia, Aymará e Quéchua. Nas terras baixas, vivem 34 dos 36 povos da Bolívia, os quais serão mais afetados pela construção da estrada. O projeto de governo de Evo Morales, no sentido de enfrentar o drama social da Bolívia de extremo empobrecimento da população, passa pela capacidade de o Estado obter recursos para dar continuidade à política governamental, que é muito parecida com a política filantrópica posta em marcha no governo Lula. Para isso ele tem que expandir as ações entre governos para a exploração do território amazônico, onde estão as maiores riquezas naturais do país. Ocorre que nessa região vive a minoria da população, e, portanto, o governo irá contar sempre com o apoio da maioria para “desenvolver” em nome do Estado plurinacional. A ideia é que o Estado boliviano necessita obter ingressos para fazer as políticas necessárias a fim de “cambiar”, transformar a sociedade. O ponto essencial é que os povos que estão marchando se opõem a essa expansão avassaladora da exploração predatória sobre seus territórios. Conflitos contra esse processo de expansão acelerada de grupos capitalistas de diversos locais do mundo (Chile, China, Estados Unidos, Brasil) ocorrem em todas as partes dos territórios que compõem a Amazônia Continental. Há aí uma disputa enorme para extrair as riquezas existentes. O que acontece hoje não se compara com o processo de exploração ocorrido na Amazônia do século 19 para o 20, quando se deu a exploração da borracha para movimentar a principal indústria automobilística emergente naquele período. Agora, o processo IHU – O PRESIDENTE EVO MORALES VIVE UM DILEMA AO TENTAR DESENVOLVER O PAÍS E GARANTIR OS DIREITOS DAS COMUNIDADES INDÍGENAS? Elder Andrade de Paula – Sim, vive muitos dilemas. Entre a efetivação de uma Constituição que garantiu o exercício das autonomias pelas diferentes nações que vivem naquele território sob seus territórios, Evo Morales assumiu o compromisso com a efetivação de um Estado plurinacional – essa foi uma forma de descolonizar o saber e o poder, e de fazer com que essas autonomias tivessem formas efetivas de se implementarem. Ao mesmo tempo, ele assumiu o compromisso de reduzir ou eliminar a pobreza do país, garantindo uma redistribuição de renda. Evo Morales tem enfrentado dilemas não só no nível nacional com o poder oligárquico, mas também entre os movimentos sociais que acabam se dividindo segundo os interesses de seus representados ou de quem os representa. Outro grande dilema diz respeito à baixa autonomia relativa do Estado plurinacional boliviano no jogo interestatal internacional. Para enfrentar o poder estadunidense, o governo boliviano teve que fazer alianças regionais com os governos venezuelano e brasileiro. No caso brasileiro, a fatura que o governo tem cobrado é muito alta. O governo brasileiro não abre mão da construção da estrada do Tipnis. Como o Brasil é o Estado mais poderoso entre os envolvidos diretamente, ele acaba interferindo na capacidade interna do Estado boliviano de decidir soberanamente sobre o que é mais adequado para o conjunto da sua população. ■ Elder Andrade de Paula é licenciado em Ciências Agrícolas, pela UFRRJ, especialista em Ciências Sociais com enfoque na Amazônia, pela UFAC, mestre e doutor em Desenvolvimento Agrícola e Sociedade. Atualmente é docente dos programas de Mestrado em Desenvolvimento Regional e de Ecologia e Manejo de Recursos Naturais, da Universidade Federal do Acre/UFAC. Entrevista publicada pelo IHU On-line do Instituto Humanitas Unisinos/IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS., e no portal EcoDebate (21/10/2011). Cidadania&MeioAmbiente 27 Anthrotect A R U T L U C I R G A Terras desmatadas: O drama do Código Florestal mexe frequentemente mais com o fígado do que com a cabeça, e vale a pena examinar alguns dados básicos. Nada melhor do que ir à fonte primária dos dados, que têm origem essencialmente no Censo Agropecuário do IBGE. por Ladislau Dowbor a subutilização faz ‘absurdo’ exigir mais A superfície do Brasil, como todos aprendemos na escola, é de cerca de 8,5 milhões de quilômetros quadrados. Em hectares, isto representa 850 milhões. Desta superfície total, descontando a Amazônia distante, regiões demasiado secas do Nordeste ou alagadas do Pantanal, temos uma parte apenas em estabelecimentos agrícolas, representando um total de 334 milhões de hectares. Descontando as áreas paradas dos estabelecimentos agrícolas, temos 225 milhões de hectares de terras classificadas como “em uso”. Muito interessante ver o que está contido neste “em uso”. Basicamente, temos como atividade relativamente intensiva a lavoura temporária, que ocupa 48 milhões de hectares, e a lavoura permanente que ocupa 12 milhões. Incluindo matas plantadas, que ocupam 5 milhões, temos um total de 65 milhões de hectares dedicados à lavoura, sobre um uso total de 225 milhões. O que acontece com os 160 milhões restantes? Trata-se de pasto, natural ou melhorado, mas consistindo essencialmente no que se chama de pecuária extensiva. Ocupa 71% do solo agrícola em uso. Quase duas vezes e meio a superfície da França. As proporções de uso do solo nas últimas décadas [1] podem ser vistas na tabela 1. No documento do Censo Agropecuário de 2006, publicado em 2009, encontramos os dados complementares seguintes [2]. 28 A agropecuária ocupa o solo de maneira pouco produtiva ao extremo: “A taxa de lotação em 1996 era de 0,86 animais/ha e foi de 1,08 animais/ha em 2006”. (p.8) Disto resulta que a atividade que ocupa 71% do solo em uso do país participe com apenas 10% do valor da produção agropecuária. (p.2) Trata-se de uma gigantesca subutilização do solo agrícola já desmatado. O Censo também mostra que, entre 1996 e 2006, “houve uma redução de 12,1 milhões de hectares (-11%) nas áreas com matas e florestas contidas em estabelecimentos agropecuários” (p.2). É interessante cruzar este desmatamento com o fato que “os maiores aumentos dos efetivos bovinos entre os censos foram nas Regiões Norte (81,4%) e Centro-Oeste (13,3%). As reduções do número de estabelecimentos com bovinos e dos rebanhos do Sul e do Sudeste mostram que a bovinocultura deslocouse do Sul para o Norte do país, destacandose, no período, o crescimento dos rebanhos do Pará, Rondônia, Acre e Mato Grosso. Nestes três estados da região Norte, o rebanho mais que dobrou, enquanto que em Mato Grosso o aumento foi de 37,2%” (p.8). A pecuária extensiva emprega muito pouco. Em 2006, foram recenseadas 17 milhões pessoas ocupadas em estabelecimentos agropecuários, 19% do total (p.9). São os peque- nos estabelecimentos que geram mais empregos: “Embora a soma de suas áreas represente apenas 30% do total, os pequenos estabelecimentos (área inferior a 200 ha) responderam por 84,36% das pessoas ocupadas em estabelecimentos agropecuários. Mesmo que cada um deles gere poucos postos de trabalho, os pequenos estabelecimentos utilizam 12,6 vezes mais trabalhadores por hectare que os médios (área entre 200 e 2000 ha) e 45,6 vezes mais que os grandes estabelecimentos (área superior a 2.000 ha)” (p.10) Outro ponto importante, a concentração do controle da terra continua absurda: “Os resultados do Censo Agropecuário 2006 mostram que a estrutura agrária brasileira, caracterizada pela concentração de terras em grandes propriedades rurais, não se alterou nos últimos 20 anos”. (p. 3). Basicamente, 50 mil estabelecimentos com mais de 1.000 hectares – ou seja, 1% do total de estabelecimentos – concentra 43% da área (146,6 milhões de hectares). São os que mais subutilizam a terra (ver tabela 2). E como os grandes empregam pouco, gerase a pressão sobre as cidades. A questão do uso do solo e a contenção do desmatamento fazem parte do mesmo problema da racionalidade do uso dos nossos recursos naturais e da estabilidade dos trabalhadores da terra. Tem a ver com todos nós, e não apenas com ruralistas. As conclusões são relativamente óbvias. Dada a imensa subutilização das terras já desmatadas, é simplesmente absurdo exigir mais desmatamento. O desmatamento está se dando em áreas vulneráveis (a maior expansão da pecuária está nas bordas da Amazônia), e mantém o ciclo destrutivo. O ciclo agrícola deve conjugar os objetivos de produção, emprego e preservação do capital-solo e dos recursos naturais. Claramente, o caminho é o da intensificação tecnológica, capacitação e apoio ao pequeno e médio agricultor, levando a um aproveitamento melhor e mais limpo do solo agrícola já usado; e apropriação maior de terras já desmatadas e subutilizadas pela pecuária extensiva. Os dados do Censo mostram elevado nível de analfabetismo. Mais de 80% dos produtores rurais têm baixa escolaridade. Mais da metade dos estabelecimentos onde houve utilização de agrotóxicos não recebeu orientação técnica (pp 1 e 4). Não é de mais química e de mais desmatamento que a agricultura precisa, e sim de um salto formação, de eficiência tecnológica, social e ambiental. Temos os conhecimentos e recursos necessários. É um novo século. Produzir não é apenas expandir, é melhorar. Meio ambiente não é entrave, é oportunidade para um novo ciclo. E francamente, quando os grandes do agronegócio se colocam em defesa do pequeno, devemos olhar melhor os argumentos. ■ Proporção das terras em uso agrossilvipastoril dos estabelecimentos agropecuários em relação ao total da área territorial, segundo o tipo de utilização das terras Brasil - 1970/2006 Proporção das terras em uso com lavouras em relação à superfície territorial do Brasil, por tipo de lavoura -1992-2008 Área e Distribuição dos estabelecimentos rurais, segundo o estrato de área - 1985/2006 Ladislau Dowbor – Formado em economia política pela Universidade de Lausanne, Suíça; Doutor em Ciências Econômicas pela Escola Central de Planejamento e Estatística de Varsóvia, Polônia (1976). Atualmente é professor titular no departamento de pós-graduação da PUC-SP nas áreas de economia e administração; consultor da ONU, de governos e municípios; conselheiro no Instituto Polis, CENPEC, IDEC, Instituto Paulo Freire e outras instituições. Artigo originalmente publicado em Outras Palavras, socializado pelo MST e republicado em EcoDebate (29/05/2012). http://dowbor.org/ladislau-dowbor/ Cidadania&MeioAmbiente 29 EE CC O O LL O O G G II AA dd aa D D O O EE N N Ç Ç A Albert Adams/ University of Salford Destruir a natureza libera doenças infecciosas A expressão – serviços ecossistêmicos (ou serviços ambientais) – atualmente usada por biólogos e economistas refere-se aos muitos modos como a natureza dá sustentação às ações humanas. Exemplificando, as florestas filtram a água que bebemos, os pássaros e as abelhas polinizam plantações – ações de substancial valor econômico e biológico. Se não formos capazes de compreender e cuidar do mundo natural, podemos causar o colapso desses sistemas, que nos retribui com respostas desconhecidas e assustadoras. Um exemplo crítico vem a ser o desenvolvimento de doenças infecciosas, fato comprovado pela maioria das epidemias – Ebola, Febre do Nilo, SARS (síndrome da doença respiratória aguda), doença de Lyme e centenas de outras – ocorridas não 30 Especialistas em doenças tropicais e natureza explicam porque a saúde humana está intimamente interligada à saúde animal e ambiental – mix que precisa ser estudado e gerido de forma holística. por Jim Robbins por acaso ao longo das últimas décadas. Elas são a consequência de como o homem lida com a natureza. Segundo evidências, a doença parece ser em grande parte uma questão ambiental. Sessenta por cento das doenças infecto-contagiosas que afetam os seres humanos têm como foco de origem os animais. E mais de dois terços delas provêm de animais silvestres. Equipes de veterinários, biólogos, especialistas em conservação, médicos e epidemiologistas conjugam conhecimento em escala global para entender a “ecologia da doença”. Esse esforço faz parte de um projeto chamado Prever, financiado pela USAID (Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional). A partir da alteração do meio ambiente pela ação humana – por exemplo, com a abertura de uma estrada ou a implantação de uma exploração agrícola – os especialistas procuram descobrir onde as próximas doenças provavelmente vão atingir os seres humanos e como identificá-los quando surgem, antes de se disseminarem. Eles estão coletando sangue, saliva e outras amostras de espécies de animais silvestres de alto risco a fim de criar um banco de vírus. Assim, em caso de infecção do ser humano o agente pode ser mais rapidamente identificado. Também estudam maneiras de manejo florestal, de animais silvestres e de gado para evitar que as doenças deixem a floresta e assumam o caráter de nova pandemia. O que está em jogo não é apenas a saúde pública, mas a economia. O Banco Mundial estima, por exemplo, que uma pandemia de gripe severa pode custar US$ 3 trilhões à economia mundial. O problema é agravado pelo modo como os animais de criação são mantidos em países pobres, fator propício à transmissão de doenças por animais silvestres. Um estudo (1) divulgado no início deste mês pelo International Livestock Research Institute descobriu que mais de dois milhões de indivíduos morrem a cada ano devido a doenças contraídas junto a animais silvestres e domésticos. O vírus Nipah, no sul da Ásia, e o aparentado vírus Hendra, na Austrália (ambos do gênero viral henipah) são os exemplos mais urgentes de como a modificação de um ecossistema pode deflagrar doenças. Os vírus se originaram de raposas-voadoras (Pteropus vampyrus), também conhecidos como morcegos frugívoros (comedores de frutas). Eles costumam se pendurar de cabeça para baixo, enrolados em suas asas membranosas, à semelhança do personagem Drácula, e se alimentam da polpa de frutas, cuspindo suco e sementes. Os morcegos evoluíram concomitantemente com os vírus henipah ao longo de milhões de anos, esta co-evolução faz com que os indivíduos hospedeiros dos vírus experimentem no máximo sintomas de resfriado. Mas, uma vez que o vírus passa dos morcegos para espécies que não evoluíram com ele, pode ocorrer um show de horror, como aconteceu em 1999, na Malásia rural. É provável que um morcego tenha deixado cair um pedaço de fruta mastigada em uma pocilga instalada na floresta. Os porcos foram infectados com o vírus, que foram repassados aos seres humanos. A letalidade do surto foi surpreendente. De 276 pessoas infectadas na Malásia, 106 morreram, e muitas outras passaram a sofrer de permanentes e incapacitantes distúrbios neurológicos. Não há cura ou vacina. Desde então, ocorreram 12 focos menores no sul da Ásia. Na Austrália, onde quatro pessoas e dezenas de cavalos morreram de Hendra, o cenário era diferente: a suburbanização atraiu para quintais e pastagens os morcegos infectados que antes habitavam as florestas. Se o vírus henipah evoluir de modo a ser transmitido facilmente através do contato casual, o receio é que o agente patológico escape ao habitat original par se espalhar na Ásia ou no mundo. “O Nipah está extravasando seu “ Doenças emergentes surgem em consequência da invasão de terras silvestres pelo homem. A AIDS, por exemplo, passou dos chimpanzés para o ser humano via ingestão da carne do primata em território africano. ” ambiente original, como revelam pequenos grupos de casos. É uma questão de tempo ate chegar a cepa que conseguirá infectar com eficiácia os seres humanos”, diz Jonathan Epstein, veterinário da EcoHealth Alliance (2), organização de Nova York que estuda as causas ecológicas da doença. Por essa razão, os especialistas afirmam ser vital a compreensão das causas subjacentes. “Qualquer doença emergente nos últimos 30 ou 40 anos surgiu como consequência da invasão de terras silvestres pelo ser humano e por mudanças na demografia”, afirma Peter Daszak, ecologista de doenças e presidente da EcoHealth . Doenças infecciosas emergentes são motivadas por novos ou antigos agentes patogênicos que sofreram mutações, como ocorre todos os anos com os agentes da gripe. A AIDS, por exemplo, passou dos chimpanzés para os seres humanos (3) na década de 1920, quando caçadores no solo africano comeram a carne do primata. As doenças sempre emergiram da floresta e dos animais selvagens até chegarem às populações humanas: a peste e a malária são dois exemplos. Mas, constatam os especialistas, as doenças emergentes quadruplicaram no último meio século, em grande parte devido à crescente invasão humana dos habitats selvagens, muito especialmente nas “áreas de foco” das regiões tropicais. O transporte aéreo atual e o tráfico de animais silvestres abrem forte potencial a graves surtos nos grandes centros populacionais. A chave para prever e prevenir a próxima pandemia, dizem os especialistas, é entender o que eles chamam de “efeitos protetores” da natureza intacta. Um estudo mostrou que na Amazônia o aumento de 4 por cento no desmatamento resultou no aumento da incidência de malária em quase 50 por cento. Isso porque os mosquitos que transmitem a doença prosperaram graças à combinação certa de luz e água nas áreas recentemente desmatadas. Desenvolver a floresta de maneira errada pode representar a abertura da caixa de Pandora. Estes são os tipos de novas conexões que as equipes de investigação realizam. Especialistas em saúde pública começaram a incluir o fator ecologia em seus modelos. A Austrália, por exemplo, acaba de anunciar um esforço multimilionário para compreender a ecologia do vírus Hendra em morcegos. Não é apenas a invasão de paisagens tropicais intactas que podem causar doenças. O vírus do Nilo Ocidental chegou aos Estados Unidos pela África, e se espalhou porque um de seus hospedeiros favoritos é o tordo americano (4) , que vive gramados e campos agrícolas. E os mosquitos que transmitem a doença são especialmente atraídos pelos tordos. “O vírus tem impactado sobremaneira a saúde humana nos Estados Unidos porque se aproveita de espécies que convivem bem com as pessoas”, informa Marm Kilpatrick, biólogo da Universidade da Califórnia, em Santa Cruz. Por ter papel central na disseminação do em Nilo Ocidental, o tordo ganhou o epíteto de “super disseminador”. A doença de Lyme, o flagelo da Costa Leste americana, também é um fruto das alterações antropogênicas no meio ambiente: a redução e fragmentação de grandes florestas contíguas. O desenvolvimento urbano expulsou os predadores – lobos, raposas, corujas e gaviões. Isso resultou no aumento da população do rato-de-pés-brancosos, grandes “reservatórios” para as bactérias de Lyme, provavelmente por terem sistema imunológico fraco. Enquanto os gambás e esquilos cinzentos removem 90 por cento das larvas de carrapatos que transmitem a doença, os ratos matam apenas a metade. “Os ratos acabam produzindo um grande número de ninfas infectadas”, diz Richard Ostfeld, pesquisador da doença de Lyme. “Quando fazemos as coisas que reduzem a biodiversidade de um ecossistema – derrubando florestas ou substituindo habiCidadania&MeioAmbiente Cidadania&MeioAmbiente 31 31 tats silvestres por campos agrícolas – tendemos a eliminar as espécies que exercem papel protetor Há poucas espécies “reservatórios de vírus” e muitas que não são. E as espécies que encorajamos a florescer são justamente as que desempenham papel de reservatório”, explica o Dr. Ostfeld. Ao descobrir nos carrapatos que estuda duas doenças emergentes e sérias ameaças aos seres humanos – babesiose e anaplasmose –, o Ostfeld fez soar o alarme sobre a possibilidade de sua propagação. “ O vírus do Nilo Ocidental chegou aos EUA pela África, e se espalhou porque um de seus hospedeiros favoritos é o tordo americano (foto), que vive em cidades e campos agrícolas. E os mosquitos que transmitem a doença são especialmente atraídos pelos tordos. Para os especialistas, a melhor maneira de evitar surtos entre humanos é através da One Health Initiative –programa global reunindo mais de 600 cientistas e outros profissionais, que defende a ideia de que a saúde humana está intimamente interligada à saúde animal e ecológica, o que exige que sejam geridas e estudadas de modo holístico. “Não se trata de manter as florestas nativas intocadas e livres de humanos”, ensina Si-mon Anthony, virologista molecular no Center for Infection and Immunity (5) da Escola Mailman de Saúde Pública da Universidade de Columbia. “Devemos aprender como agir de forma sustentável. Se pudermos entender o que motiva o surgimento de uma doença, então poderemos aprender a alterar os ambientes de forma sustentável.” A amplitude do problema é enorme e complexa. Apenas um estimado um por cento de vírus selvagens são conhecidos. Outro fator importante é a imunologia dos animais silvestres, uma ciência que engatinha. Raina Plowright K., biólogo da Pennsylvania State University que estuda ecologia da doença, descobriu que os surtos do vírus Hendra em raposas voadoras nas áreas rurais eram raras, sendo muito mais elevados em animais urbanos e suburbanos. Ela levanta a hipótese de que os morcegos urbanizados são sedentários e perdem a exposição freqüente ao vírus que sofriam no estado selvagem e que mantinha a infecção em níveis baixos. Isso significa que maior número de morce- 32 Vcorne00 gos – quer por causas nutricionais, perda de habitat ou outros fatores – fica infectado, espalhando mais vírus nas áreas urbanas. O destino da próxima pandemia pode depender do trabalho desenvolvido pela Prever EcoHealth e associados – Universidade da Califórnia, em Davis, Wildlife Conservation Society, Smithsonian Institution e Global Viral Forecasting – que estudam os vírus silvestres dos trópicos para construir um acervo de vírus. A maioria dos trabalhos concentra-se em primatas, ratos e morcegos, animais com maior probabilidade de serem portadores de doenças que também infectam os humanos. Pesquisadores da Predict observam atualmente a interface em que se sabe haver vírus mortais e onde núcleos humanos derrubam floresta – como ocorre ao longo da nova estrada do Atlântico ao Pacífico através dos Andes, Brasil e Peru. “O mapeamento do avanço humano floresta adentro permite prever o local da emergência do novo surto”, revela o Dr. Daszak, presidente da EcoHealth. “Por isso pesquisamos as franjas dos novos assentamentos humanos, vamos aos locais onde novos campos de mineração são instalados, nas áreas de construção de estradas. Conversamos com os habitantes e trabalhadores que vivem no perímetro dessas zonas e advertimos que “o que você se está fazendo é um risco em potencial.” Isso pode significar que conversamos com os indivíduos em risco sobre hábitos de caça e ingestão de carne silvestre, de caça ou sobre a construção de depósitos para estocagem de alimentos em habitat de morcegos. Em Bangladesh, onde o vírus Nipah emergiu várias vezes, a doença foi atribuída a morcegos que visitavam os recipientes de coleta de seiva de palmeira consumida pelos humanos. A fonte da doença foi eliminada colocando-se telas de bambu (8 centavos cada) no entorno dos recipientes. A EcoHealth também escaneia bagagens e embalagens nos aeroportos à procura de animais silvestres importados e suscetíveis de portar vírus mortais. O programa PetWatch desenvolvido para tal fim alerta os consumidores sobre animais de estimação exóticos retirados de pontos infectados das florestas tropicais e enviados ao mercado. ” Em suma, o conhecimento sobre doenças emergentes adquirido nos últimos anos nos deixa mais tranqüilos, diz o Dr. Epstein, veterinário da EcoHealth. “Pela primeira vez há um esforço coordenado em 20 países para desenvolver um sistema de alerta precoce para surtos zoonóticos emergentes.” ■ REFERÊNCIAS: (1) “New ILRI study maps hotspots of human-animal infectious diseases and emerging disease outbreaks”, em http://www.ilri.org/ilrinews/index.php/ archives/tag/dfid (2) http://www.ecohealthalliance.org (3) “Chimp to Man to History Books: The Path of AIDS”, por Donald G. McNeil Jr., e publicado na edição October 17, 2011 do The New York Times. (4) “West Nile virus transmission linked to land use patterns, ‘super-spreaders’ - Robins play a key role in transmission of West Nile virus across much of North America”. Arrigo de Tim Stephens publicado em http://news.ucsc.edu/2011/10/west-nilevirus.html, October 20, 2011 (5) http://cii.columbia.edu/ Jim Robbins é renomado pesquisador em meio ambiente e ecologia, e colaborador freqüente da seção Ciência do jornal The New York Times, onde este artigo revisado foi publicado na edição de 22/07/2012. C I A fauna representa todo o conjunto de espécies animais com funções reguladoras extremamente importantes nos ecossistemas, especialmente na cadeia alimentar. Ê N C I Frijole A artigo de Roberto Naime Fauna, ecossistema e cadeia alimentar C ada animal é parte de um complexo sistema de funções dentro da cadeia biológica. O pássaro denominado tié-sangue (Ramphocelus bresilius) carrega sementes de árvores frutíferas, do qual é grande dispersor, e seu desaparecimento ou retirada da natureza provoca um enorme impacto ambiental, comprometendo significativamente toda a cadeia alimentar que depende das árvores frutíferas que ele dissemina via sementes. As grandes divisões dos ambientes ocupados pelos animais são as águas salgadas, as águas doces e a terra. Os animais marinhos são ecologicamente separados por tipos. Denomina-se Plâncton os organismos que flutuam e são movidos passivamente pelos ventos, ondas e/ou correntes, e apresentam tamanho diminuto ou microscópico, incluindo protozoários e crustáceos. Organismos do Nécton são os que nadam livremente, incluindo lulas, peixes, serpentes marinhas, tartarugas, aves marinhas, focas, peixes e baleias. Os animais do conjunto Plâncton e Nécton são chamados de pelágicos. Os animais marinhos que rastejam e se prendem ou cavam no substrato do fundo são denominados bentônicos. Os animais de águas doces (rios) compreendem animais vertebrados como peixes e mamí- feros, protozoários, esponjas, moluscos bivalves, vermes, crustáceos, larvas e insetos. Alguns macroinvertebrados bentônicos têm sido amplamente utilizados como bioindicadores de qualidade de água e saúde de ecossistemas por apresentarem características adequadas. Estes animais têm ciclos de vida longos, fácil amostragem a custos relativamente baixos, elevada diversidade taxonômica e de identificação relativamente fácil ao nível de família ou gênero e são muito sensíveis a diferentes concentrações de poluentes nos meios, fornecendo ampla faixa de respostas frente a diferentes níveis de contaminação ambiental. Os animais terrestres são os mamíferos, aves (todos os que voam ou vivem no ar e voltam ao chão, a árvores ou rochedos) répteis, insetos, anfíbios, crustáceos, moluscos, vermes e protozoários. São todos móveis, com exceção de alguns parasitas. Vivem na superfície da terra, nas plantas ou em pequenas profundidades nos solos. A identificação das espécies animais que ocorrem em um determinado ecossistema é essencial para os diagnósticos ambientais e demais estudos de manejo, preservação e conservação. O diagnóstico deve permitir a obtenção de informações não apenas sobre diversidade de espécies, mas também sobre densidade populacional das mesmas, permitindo assim investigar a capacidade de suporte do habitat. Nos ecossistemas terrestres, por exemplo, os mamíferos (mastofauna) representam o grupo mais vulnerável à perturbação ambiental. Podem ser bons indicadores do grau de conservação de determinadas áreas. Para muitas espécies, a ocupação de novas áreas é muito difícil, não apenas pelas barreiras físicas, mas devido a características comportamentais, como habitat restrito ou grande territorialidade. Os impactos sobre as florestas e a vegetação em geral, produzem efeitos diretos na fauna pela redução, aumento ou alteração de duas variáveis básicas na sobrevivência das espécies animais: alimentação e abrigo. A natureza é um sistema complexo, onde qualquer ação por menor que seja, tem um efeito impressionante em todas as alterações nas inter-relações que pode causar. Sempre é preciso não ser simplista e manter em mente esse fato. ■ Dr. Roberto Naime –Doutor em Geologia Ambiental e integrante do corpo docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale. Colunista do portal EcoDebate. Artigo publicado em www.ecodebate.com.br (5/5/2011). Cidadania&MeioAmbiente 33 M E I O A M B I E N T E Nouhailler atenção dirigida por longos períodos de tempo. Como psicologicamente filtramos as informações irrelevantes e tudo que nos distraia, nossas mentes podem ficar cognitivamente cansadas. A “fadiga por atenção concentrada” pode resultar em sentimentos de ansiedade ou estresse, irritabilidade com terceiros e incapacidade de concentração. A pesquisa mostrou que breves encontros com a natureza podem ajudar na recuperação da fadiga cognitiva, melhorando a capacidade de concentração do indivíduo. Os psicólogos Rachel e Stephen Kaplan definem as características dos sítios naturais restauradores: estarem afastados, serem extensos, exercerem fascínio e empatia. Em razão de grande parte da população mundial hoje habitar áreas urbanas, as plantas, florestas e ecossistemas se tornam vitais para o bem-estar físico e a saúde emocional. por Center for Urban Horticulture FLORESTA URBANA: os benefícios psicossociais Estudos e pesquisas científicas informam que a vegetação urbana é capaz de oferecer benefícios insuspeitos. Já sabemos que as plantas melhoram o meio ambiente, contribuem para uma melhor qualidade do ar e da água e ajudam a reduzir o uso de energia. Daí a necessidade de se preservar e restaurar áreas naturais existentes ou criar novos oásis de verdura. (num passeio, num parque, apreciando a paisagem), experimentamos os benefícios pessoais que afetam o modo como nos sentimos e agimos. As provas dos benefícios psicológicos e sociais nos dão mais razões para aumentar as áreas verdes das cidades! Abaixo, exemplos dos benefícios aferidos por alguns de muitos estudos. BENEFÍCIOS Além dos benefícios ambientais, os cientistas sociais passaram a estudar um outro nível de serviços que as plantas fornecem aos residentes urbanos. Parques, espaços verdes e árvores são mais do que o “pulmão da cidade” ou “filtros de poluição.” Elas afetam nosso humor, as atividades cotidianas e a saúde emocional. Elas melhoram a qualidade de vida de forma às vezes percebida, embora na maioria das vezes subestimada. Se atuamos ativamente na natureza urbana (plantando de árvores, cultivando jardins) ou apenas interagimos com o verde 34 INDIVIDUAIS A vida urbana pode ser exigente – horários exagerados de labuta, malabarismos para cumprir compromissos, satisfazer as necessidades diárias e se deslocar. Nossos espaços urbanos abertos e parques podem proporcionar um bem-vindo alívio de forma surpreendente. O contato com a natureza no cotidiano das cidades pode nos ajudar a relaxar, enfrentar o estresse e recarregar as baterias para seguir em frente. EXPERIÊNCIAS RESTAURADORAS – Muitas tarefas de trabalho e de estudo demandam ATITUDES DE QUEM TRABALHA E BEM-ESTAR – A Dra. Rachel Kaplan pesquisou as ocorrências de doenças e os níveis de satisfação no trabalho. Alguns participantes do estudo podiam vislumbrar a natureza de suas mesas; outros não. Quando inquiridos sobre 11 desconfortos/doenças diferentes, 23% dos “sem natureza” alegaram ter sido acometidos nos seis meses anteriores. Já os trabalhadores “com vista” reivindicaram com mais freqüência as seguintes satisfações em relação aos “sem vista”: 1) Maior satisfação nos desafios diários; 2) Menos frustração com as tarefas e maior paciência; 3) Maior entusiasmo pelo trabalho; 4) Alto sentimento de satisfação pela vida; 5) Melhor condição de saúde geral. REDUÇÃO DO ESTRESSE – O estresse é muito discutido, mas pouco compreendido. Sabemos que o estresse constante pode afetar nosso sistema imunológico, bem como diminuir a capacidade de lidar com situações desafiadoras. Roger Ulrich realizou estudos que medem as respostas fisiológicas orgânicas (tais como pressão arterial e freqüência cardíaca) ao estresse. Ele descobriu que os indivíduos que vislumbram ou têm acesso à natureza depois de situações de estresse apresentam reduzida resposta ao estresse fisiológico, assim como demonstram mais interesse e atenção, além de reduzir a sensação de medo, raiva ou agressividade. Um interessante efeito observado em estudos recentes sobre condução de veículo em estrada e estresse recebeu o nome de “efeito imunizante” – isto é, o grau de resposta negativa a uma experiência estressante é menor se a visão da natureza precede a situação estressante. FAMÍLIAS, CRIANÇAS E ADOLESCENTES A família e os jovens são a base e o futuro de nossa sociedade. Educação adequada e cuidados de saúde, entre outros fatores, são essenciais para que os jovens cresçam fortes e bem-sucedidos. Além disso, as crianças e as famílias precisam de ambientes favoráveis que incentivem comportamentos positivos e proporcionem alívio frente aos desafios da vida urbana. Uma pesquisa recente revela as sutis vantagens de espaços verdes urbanos a esse respeito. REDUÇÃO DOS CONFLITOS DOMÉSTICOS – Pesquisas com famílias residentes em conjuntos habitacionais de Chicago têm averiguado o papel das árvores sobre a dinâmica das relações interpessoais a nível doméstico. Nesses projetos habitacionais os edi- fícios são idênticos, diferindo apenas na quantidade de árvores e de gramados que crescem no entorno deles. Os Drs. Bill Sullivan e Francis Kuo relatam que os habitantes dos edifícios cercados de árvores se valem de abordagens mais construtivas e menos violentas para lidar com os conflitos cotidianos. Moradores com vistas verdes relatam o uso freqüente da reflexão nos conflitos com os filhos e muito menos violência. Também relatam menor recurso à violência física em conflitos com parceiros em comparação com os indivíduos que vivem em edifícios sem árvores no entorno. MENOS AGRESSÃO E VIOLÊNCIA NA ESCOLA – Os programas antiviolência implantados nas escolas ajudam os alunos a controlar o comportamento agressivo via treinamento para enfrentar e resolver conflitos e intervenção de pares. Os ambientes físicos no entorno de uma escola também parecem desempenhar um papel no comportamento antiviolento. Pedagogos da Universidade de Michigan descobriram que bairros com ruas sem saída e sem vegetação são percebidos como perigosos e ameaçadores. Já os que são bem cuidados e incluem paisagismo contribuem para mitigar os sentimentos de medo e de violência. ■ Artigo assinado pelo Center for URBAN HORTICULTURE da University of Washington, College of Forest Resources Título orginal Urban Nature Benefits: Psycho-Social Dimensions of People and Plants e publicado em http:// www.naturewithin.info/UF/PsychBens-FS1.pdf 10 RAZÕES PELAS QUAIS AS ÁRVORES SÃO VALIOSAS E IMPORTANTES As árvores são importantes, valiosas e necessárias à nossa existência. Sem árvores nós, humanos, não existiríamos neste belo planeta. As árvores são essenciais à vida como a conhecemos e desempenham papel de “linha de defesa ambiental”. São as florestas e as árvores que plantamos que tornam nossa existência mais agradável e o mundo muito melhor. 1. Árvores produzem oxigênio – Não existiríamos sem árvores. Uma árvore adulta e frondosa produz tanto oxigênio quanto o inalado por 10 pessoas em um ano. A floresta também atua como um filtro gigante que limpa o ar que respiramos. o dióxido de enxofre e o dióxido de nitrogênio. Elas removem tais elementos poluidores do ar através da redução da temperatura do ar, da respiração e da retenção de partículas. 7. Árvores fornecem sombra e frescor – A árvore é mais conhecida por propiciar sombra, que resulta em temperatura mais amena. A sombra das árvores reduz a necessidade de ar condicionado durante o verão. No inverno, as árvores quebram a força dos ventos e reduzem os custos de calefação. Estudos têm demonstrado que as regiões urbanas sem sombra de arrefecimento propiciada por árvores podem literalmente se transformar em “ilhas de calor”, com temperaturas até 12oC acima das áreas verdes circundantes. 2. Árvores limpa m o solo – Elas executam a fitorremedilimpam ação – termo técnico para absorção de produtos químicos perigosos e outros poluentes que adentram o solo. As árvores podem armazenar poluentes nocivos ou tornar o poluente menos nocivo. As árvores filtram esgotos e dejetos agroquímicos, reduzem os efeitos de resíduos animais, absorvem óleos derramados em estradas e depuram as águas de córregos. 3. Árvores controlam a poluição sonora – As árvores filtram o ruído urbano quase tão eficazmente quanto muralhas de pedra. Árvores plantadas em pontos estratégicos de um bairro ou no entorno de uma casa podem diminuir os ruídos de rodovias e aeroportos. 8. Árvores são quebra-ventos – Durante as estações de vento e de frio, as árvores localizadas a barlavento agem como quebra-ventos. Um quebra-vento pode diminuir as contas de aquecimento doméstico em até 30% e tem efeito significativo na redução do acúmulo de neve. A redução da força do vento também reduz o ressecamento da terra e da vegetação e ajuda a manter o precioso solo no lugar. 4. Árvores freiam as águas de tempestade – As enchentes podem ser reduzidas drasticamente por uma floresta ou via plantio de árvores. Um abeto em plena maturidade, quer plantado ou selvagem, pode interceptar mais de 1000 litros de água por ano. Elas ajudam a alimentar as águas subterrâneas (aquíferos) ao abrandar o escoamento da chuva. 9. Árvores combatem a erosão do solo – O controle da erosão sempre começa com projetos de plantio de árvores e de grama. As raízes das árvores dão firmeza ao solo e suas folhas quebram a força do vento e da chuva que cai na terra. As árvores combatem a erosão do solo, conservam a água da chuva e reduzem o escoamento de água e o depósito de sedimentos após tempestades. 5. Árvores são sumidouros de carbono – Para produzir seu alimento uma árvore absorve e estoca dióxido de carbono na madeira, raízes e folhas. O CO2 é um dos gases que provocam o aquecimento global. A floresta é uma área de armazenamento de carbono – ou “sumidouro” – que pode reter tanto carbono quanto produz. Este processo de absorção “estoca” o CO2 na forma de madeira e livra a atmosfera deste gás que contribui para o “efeito estufa”. LVHC 6. Árvores limpar o ar – As árvores ajudam a limpar o ar através da interceptação de partículas em suspensão, reduzindo calor e absorvendo poluentes, como o monóxido de carbono, 10. Á rvores aument am o valor d as proprieda des – aumentam das propriedades Os valores dos imóveis crescem quando árvores embelezam a propriedade ou bairro, podendo aumentar significativamente o valor do bem em 15% ou mais. Fonte: Steve Nix, http://forestry.about.com/od/ treephysiology /tp/tree_value.htm Cidadania&MeioAmbiente 35 O G Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr O V E R N INCLUSÃO SOCIAL Confira com analistas de nosso atual cenário socioeconômico os fatores responsáveis pela chamada década da inclusão que, mesmo com todos os avanços, não consegue acabar com o passivo de desigualdades. por Conjuntura da Semana Via soluções estruturais ou via mercado? A obsessão do governo atende por um nome: crescimento econômico. Dilma Rousseff persegue a continuidade do modelo de “inclusão via mercado” que se revelou um “sucesso” no governo Lula. O foco de Dilma é um só, dar continuidade ao crescimento da economia e dessa forma reeditar a Era Lula – a grande responsável pelo que o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) denomina de “década da inclusão”. Segundo o economista Marcelo Neri, atual presidente do Ipea, a partir de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad 2011), “o Brasil está hoje no menor nível de desigualdade da história documentada”. Houve um crescimento real na renda per capita das diferentes camadas sociais. Em dez anos (de 2001 a 2011), os 10% mais pobres tiveram 91,2% no crescimento de sua renda, enquanto a renda dos 10% mais ricos cresceu 16,6%. O aumento da renda dos mais pobres está associado a dois movimentos. Aos programas de transferência de renda, particularmente o Bolsa Família, e ao aquecimento do mercado de trabalho como destacado em análise do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade e de economistas de várias instituições de ensino e pesquisa. 36 Os dados do governo são otimistas e mostram que parte dos que vivem em favelas e contingente expressivo de negros, estão entre os que constituem a “nova classe média”. Os dados, porém, de aumento de renda e de consumo convivem ao lado dos crônicos, históricos e permanentes problemas estruturais, particularmente na área da saúde/saneamento e educação. Problemas que podem ser ampliados com os temas da moradia, transporte coletivo, acesso à água potável e democratização da terra. Uma pequena amostra: ao mesmo tempo em que cresceu vertiginosamente o acesso à internet, o acesso aos serviços públicos permanece estagnado. A rede de abastecimento de água, por exemplo, que era de 84,2% em 2009, passou para apenas 84,6% em 2011. A coleta de lixo, de 88,4% subiu irrisoriamente para 88,8%. Essa morosidade na oferta de serviços públicos também se manifesta em outras áreas. Em dois anos, a proporção de domicílios atendidos pela rede coletora de esgoto aumentou de 52, 5% para irrisórios 54,9% e a de domicílios com fossa séptica ligada à rede coletora apenas de 6,6% para 7,7%”. Na educação, constata-se que dos 23% (45 milhões) da população brasileira, que correspondem aos que estão com idade entre 4 e 17 anos, 8% (3,8 milhões) estão fora da escola. O caso do Nordeste serve como um exemplo do quanto ainda resta a fazer. É a região do Brasil que mais cresceu, contudo, num olhar mais focado verifica-se que ainda concentra mais da metade dos analfabetos e extremamente pobres do país. Na opinião do coordenador de Estudos Regionais do Ipea, Carlos Wagner, “temos dois problemas no Brasil: a distribuição de renda inter-regional – temos regiões ricas (Sul e Sudeste) e regiões pobres – e a distribuição pessoal de renda. Mesmo no Nordeste, que é uma região pobre, há pessoas muito ricas. A região tem uma parcela pequena da produção nacional e essa parcela é concentrada nas mãos de poucos”. INCLUSÃO SOCIAL OU VIA CONSUMO? São evidentes os ganhos econômicos e a mobilidade social para cima, mas trata-se de uma inclusão efetivamente social ou de uma inclusão via mercado? De uma inclusão que se faz pelo acesso a saúde e educação de qualidade ou de uma inclusão pelo consumo? O sociólogo Sérgio Costa comenta que “os esforços do governo não tocam em alguns elementos estruturais da desigualdade no Brasil. As medidas que vêm sendo adotadas têm impacto de curto prazo, mas em longo prazo não permitem uma ascensão das classes mais baixas”. Segundo ele, “não há investimento em outros tipos de medidas onde a ação do Estado é fundamental, como a promoção da educação pública de qualidade, do transporte público de qualidade”. O sociólogo argumenta que, ao frequentar escolas públicas ruins, os mais pobres são “condenados a permanecer na mesma condição de classe” e toma um exemplo na política alemã. “Na Alemanha, a ascensão se dá através de serviços para a população, que criam uma igualdade dentro da sociedade”, afirma. “Por isso, que no país ocorrem frequentes ondas de ascensão social. Por haver escolas gratuitas de qualidade. Nos anos 1960, por exemplo, muitos filhos de operários se tornaram médicos, engenheiros”, lembrou, acrescentando que no Brasil isso é mais difícil de acontecer. O mesmo pensa a economista Lena Lavinas, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que lembra que as sociedades modernas promovem a igualdade através de uma infraestrutura social de qualidade, aspecto que tem sido deixado de lado na atual política federal. “O gasto social no Brasil é feito para transferir renda para as famílias e não para promover serviços. O governo brasileiro é muito preocupado em transferir renda, o que é importante, mas insuficiente. Os mais pobres não precisam só de renda, mas de oportunidades. E os gastos públicos com educação, saúde, transporte e saneamento não crescem na proporção que deveriam”, destaca. O sociólogo José de Souza Martins comentando o estudo da “década includente” do Ipea afirma que os “benefícios [as políticas sociais compensatórias] não deslocam necessariamente o eixo social de referência dos beneficiados, especialmente os pobres do campo, cuja economia pré-moderna é predominantemente baseada na produção direta dos meios de vida”. Em seu livro “Os sentidos do lulismo – reforma gradual e pacto conservador”, An- dré Singer reconhece os avanços da era Lula em relação aos anos de FHC, considerando a “ativação do mercado interno, aumento do crédito, do consumo e do emprego”, como elementos que vão à contramão do neoliberalismo. Contudo, mesmo sob essa ótica, Singer também aponta que “o Brasil tem um acúmulo de desigualdade tão grande que mesmo esta queda com enorme ritmo de avanço fica aquém”. ■ Conjuntura da Semana. Década da inclusão social? – A análise da Conjuntura da Semana é uma (re)leitura das Notícias do Dia publicadas diariamente no sítio do IHU. A análise é elaborada, em fina sintonia com o Instituto Humanitas Unisinos/IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS, pelos colegas do Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores – CEPAT, parceiro estratégico do IHU, com sede em Curitiba-PR, e por Cesar Sanson, professor na Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, parceiro do IHU na elaboração das Notícias do Dia. Texto publicado pela IHU On-line, parceira estratégica do EcoDebate na socialização da informação e pelo portal EcoDebate (01/10/2012). DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL E CLASSIFICAÇÃO DO ÍNDICE DE INCLUSÃO SOCIAL DAS CAPITAIS, SEGUNDO A REGIÃO O MAPA MOSTRA MAIS DETALHADAMENTE A DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL E A CLASSIFICAÇÃO DO ÍNDICE DE INCLUSÃO SOCIAL POR CAPITAL E REGIÃO. EM RESUMO, TODAS AS CAPITAIS DAS REGIÕES SUL E SUDESTE E DUAS DA REGIÃO CENTRO OESTE - GOIÂNIA E BRASÍLIA, FORAM CLASSIFICADAS COM OS MELHORES NÍVEIS DE INCLUSÃO SOCIAL, VARIANDO DE 0,538, PARA SÃO PAULO, A 1 PARA FLORIANÓPOLIS. Fonte dos dados básicos: IBGE; Ministério da Saúde (2000) ENQUANTO ISSO, TODAS AS CAPITAIS DAS REGIÕES NORDESTE E NORTE E DUAS DA CENTRO OESTE - CAMPO GRANDE E CUIABÁ, OBTIVERAM OS PIORES NÍVEIS, VARIANDO DE ZERO, PARA MACEIÓ, A 0,525, PARA SALVADOR. Fonte: Mapeando a Inclusão Social nas Capitais do Brasil, estudo de Arimá Viana Barroso, Mestre em Estatística, Prefeitura Municipal do Natal, Secretaria Municipal de Planejamento, Orçamento e Finanças, Departamento de Estudos e Pesquisas. Recomendamos a consulta ao estudo no site www.fbes.org.br/index2.php?option=com_docman&task=doc_view&gid=142&Itemid=1 . Cidadania&MeioAmbiente 37 O Previsões para a Fonte: Harvey, Fiona. “Worst Ever Carbon Emissions Leave Climate on the Brink.” The Guardian. May 29, 2011 (www.guardian.co.uk/environment/2011/may/29/carbonemissions-nuclearpower PREVISÃO: AS MALDIVAS PODEM AFUNDAR NO OCEANO ÍNDICO ATÉ O FINAL DESTE SÉCULO. QUEM AFIRMA: Presidente Mohamed Nasheed, em entrevista à revista Utne Reader e Momentum. CONTEXTO: Neste século 21, as mudanças climáticas ameaçam elevar os níveis do mar em 1,5 metro, razão do alarme presidencial, já que 1,5 m é a altitude média da ilha-nação que sobrevive de turismo. MAGNITUDE: Como salienta Nasheed, as ilhas Maldivas sofrem outros efeitos das mudanças climáticas, como erosão costeira. Seu governo está à procura de soluções que se adéquem à economia (está fora de cogitação a construção de barreiras enormes, que iria acabar com a vista que atrai o turismo), e anunciou a meta de as Maldivas se tornarem “neutras em carbono” até 2020. NÃO OBSTANTE... As ilhas Maldivas são extremamente dependentes de energia e fortemente dependentes de petróleo importado, o que torna a nação economicamente vulnerável às flutuações dos preços internacionais de petróleo. A meta de transição rápida para 80% de energia renovável, sem o aumento das tarifas de eletricidade é, para dizer no mínimo, ambiciosa. CONCLUSÃO: Problemas globais exigem soluções globais. Diz Nasheed: “As Maldivas continuarão seu planejamento de adaptação às novas condições com o modesto orçamento de que dispõe, além de iniciar operações com parceiros de confiança que já nos forneceram ajuda, como a Dinamarca. Caso nos seja dada maior assistência internacional, tudo bem, mas não estamos imobilizados em nossa luta pela sobrevivência.” aquecimento global: o efeito estufa As Maldivas podem afundar no Oceano Índico Thetravelguru PREVISÃO: O AQUECIMENTO GLOBAL NÃO SUPERIOR A 2°C – O LIMIAR CIENTIFICAMENTE RECONHECIDO PARA UM AQUECIMENTO PERIGOSO – PARECE NESTE MOMENTO PRATICAMENTE IMPOSSÍVEL. QUEM AFIRMA: Birol, economista-chefe da Agência Internacional de Energia/IEA. QUANDO: 2040-2050 ANTECEDENTES: Apesar da crise econômica mundial, as emissões de gases de efeito estufa alcançaram seus mais altos níveis históricos registrados em 2011, segundo dados da Agência Internacional de Energia. Neste contexto, como se pode imaginar que a civilização humana será capaz de empreender reformas rumo a uma verdadeira sustentabilidade. MAGNITUDE: Como destacou Birol, um aumento de 2°C nas temperaturas globais poderia provocar perturbações maciças capazes de afetar as vidas de centenas de milhões de indivíduos. NÃO OBSTANTE... Birol afirma ainda não ser tarde demais. Se a comunidade internacional se comprometer, neste momento, a empreender mudanças radicais, as mais terríveis seqüelas do aquecimento global poderão ser evitadas. CONCLUSÃO: Uma ação radical em escala global vem a ser cenário improvável, não importa o problema em questão, e muito menos as mudanças climáticas. A conclusão é sombria porque realista. Siesja F U T U R Confira nesta abrangente série de previsões as ameaças que podem levar a Terra definitivamente para a UTI, caso não sejam revisados os fatores que levam às mudanças climáticas e ao aquecimento global. 3 PREVISÃO: OS PAÍSES INDUSTRIALIZADOS NÃO VÃO REALMENTE REDUZIR SUAS EMISSÕES DE DIÓXIDO DE CARBONO; APENAS IRÃO TERCEIRIZAR SUA POLUIÇÃO AOS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO. GEORGE MONBIOT INFORMA QUE SUA GRÃ-BRETANHA NATAL DEFINE SUAS METAS DE REDUÇÃO DE EMISSÕES DE CARBONO E TECNICAMENTE AS CUMPRE, JÁ QUE O PAÍS MIGRA CADA VEZ MAIS SUAS INSTALAÇÕES INDUSTRIAIS PARA OUTROS PAÍSES, COMO A CHINA, ONDE OS REGULAMENTOS SÃO MAIS ELÁSTICOS, PODENDO-SE POLUIR COM RELATIVA IMPUNIDADE. QUEM AFIRMA: George Monbiot, escritor e autor ecológico. MAGNITUDE: As observações de Monbiot lançam ceticismo sobre a maioria dos atuais acordos internacionais sobre emissões de gases estufa. Assim, em algumas décadas, as nações industrializadas poderão garantir documentalmente terem alcançado grandes 38 China: alta emissão de CO2 importada David Barrie Fonte: Mary Hoff em Utne Blogs http: /www.utne.com/Environment/President-of-MaldivesKeeps-His-Head-Above-Water.aspx Terra reduções, mesmo que as emissões reais continuem a aumentar e o biossistema planetário continue a sofrer profundas alterações. NÃO OBSTANTE... Tal conclusão pode não ser definitiva. A China e outras nações em desenvolvimento demonstram hoje uma maior preocupação ambiental do que há 10 ou 15 de anos. Se a nova “consciência verde” realmente for implantada e se traduzir em efetivas ações de redução das emissões – como há décadas ocorre na Europa e na América do Norte –, então a catástrofe pode ser evitada – tanto no papel quanto na realidade. CONCLUSÃO: Os que pelejam pela conservação ambiental terão de conquistar força política mais eficaz a nível internacional, e não apenas a nível local ou nacional. Aqueles que se preocupam com o bem-estar da Terra terão de levar os agentes públicos mundiais a se tornar responsáveis pelos progressos tangíveis contra as mudanças climáticas e outros males ambientais provocados pelos seres humanos. por The Futurist Fonte://www.guardian.co.uk/commentisfree/2011/may/23/pollution-developing-world-emissions 4PREVISÃO: MAIS DA METADE DAS ESPÉCIES PROTEGIDAS EM SANTUÁRIOS EUROPEUS PODEM Biodiversidade: espécies ameçadas de extinção Memotions PERECER EM 2080. QUEM AFIRMA: Miguel B. Araújo et al, pesquisadores da ecologia e da biodiversidade europeia. ANTECEDENTES: Segundo os pesquisadores, os santuários de biodiversidade não estão se preparando para as mudanças climáticas. “Os modelos prevêem que, no final do século 21, cerca de 58% dos vertebrados terrestres e plantas europeias podem não ter mais condições climáticas adequadas para sobreviver nas áreas protegidas de cada país”, afirma Miguel B. Araújo, autor principal do estudo e pesquisador do departamento de Biodiversidade e Biologia Evolutiva do Museu Nacional de História Natural da Espanha. MAGNITUDE: Os pesquisadores descobriram que enquanto as altitudes mais elevadas oferecem maior proteção contra as alterações climáticas, a europeia Red Natura 2000 é tão vulnerável que pode perder mais espécies do que áreas não protegidas. NÃO OBSTANTE... Mesmo em altitudes mais elevadas, como na Escandinávia, as espécies se tornarão vulneráveis. As alterações climáticas levarão ao extremo norte temperaturas mais amenas, provocando redução dos habitats das espécies tolerantes ao frio. CONCLUSÃO: Os investigadores incitam os conservacionistas a focar na construção de habitats de proteção mais resistente às mudanças climáticas e a integrar ambientes naturais protegidos e desprotegidos de modo a tornar mais fácil a dispersão de espécies locais quando os habitats se tornarem intoleráveis. geradoras de eletricidade: 80% das emissões até 2020 Monterrey Fonte: Miguel B. Araújo, Diogo Alagador, Mar Cabeza,; David Nogués-Bravo, e Thuiller Wilfried, Climate change threatens European conservation areas,” Ecology Letters 14(5): 484-492, May 2011. (via PlatformaSINC, serviço de notícias científicas e de informação com sede em Madrid). PREVISÃO: 80% DAS PROJEÇÕES DE EMISSÕES DE CO2 RELACIONADAS À ENERGIA EM 2020 ESTÃO “FECHADAS” E PROVIRÃO DE GERADORAS DE ELETRICIDADE JÁ EM USO OU EM CONSTRUÇÃO. QUEM AFIRMA: A Agência Internacional de Energia /IEA. MAGNITUDE: O relatório é tristemente impressionante e honesto em sua avaliação. Segundo a IEA, há pouca chance de se alcançar o ambicioso objetivo fixado na Conferência sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas, em dezembro de 2010, para limitar o aumento da temperatura global a 2oC (3.6°F) ou menos pelos próximos dez anos. Para cumprir essa meta, o aumento percentual das emissões, de hoje até 2020, deve ser menor que o percentual verificado entre 2009 e 2010. NÃO OBSTANTE... O fato de o aumento das emissões estar diretamente ligado à saída da economia global da recessão, uma dupla queda levaria tais emissões a novamente despencar. CONCLUSÃO: O clima exige mudanças. Fonte: http://www.iea.org/index_info.asp?id=1959 6 Previsão: O SOL VAI FICAR MENOS QUENTE ATÉ 2022, OU TALVEZ MAIS. MEDIÇÕES RECENTES INDICAM UMA QUEDA INESPERADA NA ATIVIDADE SOLAR, QUE SE MANIFESTA COM POUCA OU Sol: menos quente até 2022 Robrto Rizzato NENHUMA MANCHA SOLAR E REDUZIDA RADIAÇÃO LANÇADA À TERRA. QUEM AFIRMA National Solar Observatory e Air Force Research Laboratory. MAGNITUDE: Até o que se sabe da história da Terra, períodos de atividade solar reduzida quase sempre levam à refrigeração prolongada do clima do planeta – alguns gerando até mesmo eras glaciais. Esse resfriamento pode ser uma coisa boa se a temperatura baixar o suficiente para compensar o aquecimento global planetário. Claro que, se demasiado forte, pode trazer um novo conjunto de problemas. No mínimo, esse resfriamento exigirá a reconfiguração de satélites espaciais e dos sistemas de telecomunicações, uma vez que tais unidades são impactadas pela atividade solar. NÃO OBSTANTE... As medidas e observações podem estar erradas e o arrefecimento pode não acontecer. Ou poderia acontecer, mas com efeitos mínimos sobre o clima da Terra. CONCLUSÃO: Neste caso, lida-se com muitos imponderáveis e fatos desconhecidos que, no Cidadania&MeioAmbiente 39 entanto, em breve, acabarão por ganhar maior clareza. Fonte: http://www.physorg.com/news/2011-06-sun-major-solar.html 7 PREVISÃO: A TRÍADE MORTAL POLUIÇÃO–SOBREPESCA– MUDANÇAS CLIMÁTICAS ESTÁ AFETANDO OS OCEANOS EM MAIOR INTENSIDADE DO QUE ATÉ MESMO OS PIORES CENÁRIOS DO IPCC PREVIAM. A CONTINUAR O RITMO ATUAL, EM 2050 A VIDA VEGETAL E ANIMAL OCEÂNICA DESAPARECERÁ NUMA ESCALA SEMELHANTE A DAS CINCO GRANDES EXTINÇÕES GLOBAIS OCORRIDAS NOS ÚLTIMOS 600 MILHÕES DE ANOS. QUEM AFIRMA: O International Programme on the State of the Ocean (um workshop de três dias convocado pela União Internacional para a Conservação da Natureza, que reuniu 27 pesquisadores de 18 países..). MAGNITUDE: Seria uma tragédia perder tantas espécies de peixes, corais, mamíferos aquáticos e demais organismos marinhos não só por eles mesmos, mas pelo fato de muitos seres humanos dependerem dos oceanos para subsistir. Como o relatório explicita, as grandes e pequenas indústrias de pescado de todo o mundo podem estar com os dias contados. NÃO OBSTANTE... A comunidade mundial pode evitar esta inestimável perda, afirma o relatório, através de uma concertada ação internacional para mitigar as emissões de gases estufa, resgatar os ecossistemas oceânicos ameaçados e proteger a saúde dos oceanos em escala global. CONCLUSÃO: A ação internacional concertada até agora apenas gerou um progresso mínimo no evitamento do aquecimento global. Por que pensar que tal ação concertada seja mais eficaz no monitoramento dos oceanos da Terra? O futuro pode ser brilhante para alguns poucos ecossistemas oceânicos, graças à ação de conservacionistas locais, que dão o máximo de si e de algumas nações que, isoladamente, apresentam avanços exemplares no setor. Mas, para os oceanos como um todo, as coisas provavelmente tenderão a ficar muito pior antes de melhorar. Fonte: http://www.stateoftheocean.org/pdfs/1906_IPSO-LONG.pdf 8 PREVISÃO: O CANADÁ VAI SE TORNAR A BOMBA DE DEMOLIÇÃO DO CLIMA. O CARBONO EMITIDO PELAS AREIAS BETUMINOSAS ORA EM EXPLORAÇÃO VAI EXTRAPOLAR OS LIMITES ATMOSFÉRICAS ACEITÁVEIS, CAUSANDO DANO IRREPARÁVEL AO CLIMA ATÉ 2100. poluição, sobrepesca e mudanças climáticas: Areia betuminosa: bomba de demolição do clima Manchesterfoe QUEM AFIRMA: James Hansen, climatologista da NASA. ANTECEDENTES: O solo de Alberta possui reservatórios de betume, uma forma endurecida de petróleo. Com os preços do petróleo do Oriente Médio em alta, o Canadá e os EUA correram a construir plantas de perfuração, oleodutos e outras infra-estruturas para extrair esta alternativa de petróleo. Toda essa atividade é um mau presságio para o clima global. Hansen adverte que a concentração de 350 partes por milhão de dióxido de carbono na atmosfera poderia alterar o clima o suficiente para prejudicar significativamente a vida em todo o planeta. No momento, estamos em 390 partes por milhão. Se todo o betume canadense fosse queimado em um dia, a concentração atmosférica aumentaria para 600 partes por milhão. Claro que essa combustão ocorrerá de forma gradual, o que significa que vai elevar a pegada de carbono da humanidade no longo prazo. MAGNITUDE: A atmosfera da Terra já sofre o suficiente com a maciça pegada de carbono da China e dos EUA. O fato de o Canadá também se tornar um forte emissor de CO2 seria um desastre3. NÃO OBSTANTE... Sempre há a esperança de a consciência ambiental prevalecer. Tanto os governos canadense quanto americano priorizam a criação de emprego em detrimento da preservação ambiental. Mas tal quadro pode mudar gradualmente quando diminuírem as dores da atual recessão econômica. Além disso, como observa o artigo, o Brasil tem feito progressos notáveis na redução de suas emissões de carbono, não obstante Canadá e EUA estarem aumentando as suas. Quem sabe agressivas ações conservacionistas em outras partes do mundo possam compensar a imprudência climática perpetrada na América do Norte. CONCLUSÃO: Ao perseguir o crescimento econômico em lugar do bem-estar ambiental, Canadá e EUA podem vir a perder nos dois campos. Fonte: Comunicado em Climate Progress, http://thinkprogress.org/romm/2011/06/29/ 256025/brazil-rainforest-canada-tar-sands/ # more-256025 9PREVISÃO: TORNADOS, ONDAS DE CALOR, SECAS E OUTROS EVENTOS CLIMÁTICOS EXTREMOS 2100. UMA CONSEQUÊNCIA DA ATIVIDADE HUMANA AO INDUZIR A MUDANÇA CLIMÁTICA GLOBAL. QUEM AFIRMA: Gary McManus, climatologista adjunto para o governo do estado de Oklahoma, EUA. ANTECEDENTES: Padrões climáticos extremos de todos os tipos vêm ocorrendo com mais frequência desde 1980, segundo a Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos EUA. O estado onde vive McManus tem enfrentado mais do que era esperado. Somente em 2010, o Oklahoma bateu mais recordes climáticos do que o climatologista pensaria algum dia contábilizar: a mais baixa temperatura registrada (-31oF), a mais forte tempestade de neve de 24 horas (27 polegadas) e o maior número de furacões em um mês (50 em abril de 2011), para citar apenas alguns exemplos de extremos climáticos. Os climatologistas afirmam que a influência 40 Santosh CONSTITUEM A “NOVA NORMALIDADE” A OCORRER COM RECORRENTE FREQUÊNCIA POR VOLTA DE eventos climáticos extremos: a “nova normalidade” indireta da civilização nos padrões do clima da Terra está por trás de tudo isso. MAGNITUDE: Condições meteorológicas extremas matam pessoas. Basta perguntar aos moradores de Nova Orleans, que testemunharam o furacão Katrina. Devasta a vida de outros, como qualquer agricultor indiano pode testemunhar acerca das monções. Mortes, fome, saúde precária e perda de moradia vão ocorrer de forma desenfreada em todo o mundo se as advertências dos climatologistas provarem ser verdadeiras. NÃO OBSTANTE… Esta prevalência de clima severo pode ser apenas o “chute” de que a humanidade precisa para adotar medidas agressivas e parar de poluir e alterar o clima com seu comportamento. Os “céticos das mudanças climáticas” podem discutir com os climatologistas o que quiserem sobre as hipóteses de anéis de árvores, núcleos de gelo e tacos de hóquei. Mas não há como negar os furacões que destruíram uma cidade, a monção que tem destruído os campos agrícolas ou a onda de frio que ceifa a vida de moradores de rua. As pessoas vão perceber a profundidade do problema e exigir que seus líderes finalmente ajam. CONCLUSÃO: Sem dúvida, nos tornamos reféns de condições meteorológicas terríveis. Mas o sol irá brilhar novamente se atuarmos de forma objetiva para mitigar essas catástrofes. Fonte: http://www.latimes.com/news/nationworld/nation/la-na-extreme-weather-20110824, 0,940647 história. David Burdik-Noa morte dos oceanos PREVISÃO: SERÁ POSSÍVEL ALIMENTAR TODOS OS 9 BILHÕES DE HABITANTES DA TERRA EM 2050. QUEM AFIRMA: O relatório “Agrimonde 1”, apresentado por duas organizações francesas: o Instituto Nacional de Investigação Agrária e o Centro de Cooperação Internacional em Pesquisa Agronômica para o Desenvolvimento, MAGNITUDE: Um relatório que conclui haver maneiras viáveis de se acabar com a fome no mundo é uma boa notícia. As duas organizações relatam que a produtividade agrícola da África duplicou entre 1961 e 2003, e que também dobrou ou triplicou em outros continentes. Mesmo assim, a produtividade agrícola da África é ainda a mais baixa do mundo. NÃO OBSTANTE… Ainda se tem de encontrar respostas para a melhor forma de se enfrentar a escassez de alimentos de maneira sustentável e a longo prazo. CONCLUSÃO: O relatório analisa dois cenários possíveis. O primeiro enfatiza o crescimento econômico sobre as preocupações ambientais, fato que exige um aumento de 80% na produção agrícola. O segundo leva em conta a ecologia global e requer apenas um aumento de 30% na produção agrícola, ao mesmo tempo em que preconiza a redução no consumo de alimentos pelos países desenvolvidos. Os relatórios subsequentes analisarão mais de perto outras questões, como a alteração dos padrões de vida, as mudanças climáticas e o uso da terra. Fonte: http://www.nature.com/news/2011/110112/full/news.2011.14.html PREVISÃO: NESTA DÉCADA, A COBERTURA DE GELO DO ÁRTICO VAI AUMENTAR PARA EM SEGUIDA PÓS alimento: 9 bilhões de bocas em 2050 Trokilinochch DESAPARECER PARA SEMPRE. RIO Ártico:cobertura de gelo desaparecerá Pranav +20 QUEM AFIRMA: O Centro Nacional de Pesquisa Atmosférica (NCAR). ANTECEDENTES: Os modelos climáticos informatizados do NCAR prevêem que mesmo se as temperaturas continuarem a subir, a calota de gelo estival do Ártico vai parar de contrair, podendo até mesmo expandir nos próximos 10 anos. Depois disso, no entanto, o aquecimento vai ganhar a queda de braço. Por volta de 2070, os verões árticos ficarão na maior parte do tempo sem gelo. MAGNITUDE: Espere até que os “céticos das mudanças climáticas” se apossem da constatação de que a camada de gelo ártico está sólida e até aumentando… Eles dirão: como se vê, o planeta está indo muito bem; não há problema de aquecimento! As alegações dos céticos repercutirão em muitas cabeças, e os já morosos esforços globais contra as mudanças climáticas tornar-se-ão ainda mais morosos. Não importa que a permanência da calota seja apenas temporária e que o desastre ainda espreite ao final. As pessoas comuns não verão o problema, e os defensores do meio ambiente enfrentarão ainda mais dificuldades para tornar a verdade visível. NÃO OBSTANTE... A maneira mais otimista de “ler” a informação sobre o Ártico é que o aumento temporário de gelo pode nos dar mais algum tempo. Se o mundo realmente agir em conjunto para combater as alterações climáticas nos próximos 10 anos, então à época em que se supõe que o derretimento do ártico deverá ocorrer, o pior do aquecimento global já terá sido evitado. Nesse caso, nós e o Ártico seremos poupados de muita dor de cabeça. CONCLUSÃO: Não se deixe enganar pela camada de gelo em expansão. A longo prazo, as perspectivas de mudanças climáticas ainda parecem muito ruins. ■ Fonte: Discovery News, http://news.discovery.com/earth/arctic-sea-ice-could-makecomeback-tour-110812.html WFS Home – The Futurist, January-February 2012, Vol. 46, No. 1, The Best Predictions of 2011. Cidadania&MeioAmbiente 41 DESENVOLVIMENTOSUSTENTÁVEL ÉTICA e mudança climática global Planetary boundaries A bioética é necessária para que as organizações, corporações e instituições possam dialogar sem polarizações políticas e ideológicas. A situação é crítica e o mundo está enfrentando calamidades sem precedentes. O mundo é refém do grave problema da imprevisibilidade da mudança climática, que exige reconciliar a vida com os valores básicos, já que o progresso científico não tem sido acompanhado de rigorosa avaliação ética. O objetivo da avaliação ética é relembrar constantemente aos cientistas e políticos o dever da ciência em servir à humanidade, não sacrificá-la em nome do progresso. Portanto, é necessário manter os valores básicos da vida em perspectiva para garantir a integridade da natureza e a sobrevivência no futuro. A mudança climática, da qual o aquecimento global é um sintoma, indica a incapacidade da natureza em lidar com as rápidas mudanças que resultaram da poluição industrial e do desequilíbrio do ecossistema. As formas de vida da vida na Terra já estão sofrendo os efeitos das “mudanças de longo prazo na precipitação, no aumento dos níveis das marés, na salinidade e acidificação dos oceanos, nos padrões das correntes de vento [imprevisíveis] e em eventos climáticos extremos, incluindo secas, precipitações pesadas, ondas de calor e a intensidade dos ciclones tropicais” (IPCC, 2007). Oprimidos por tais fenômenos, os seres racionais se fazem a pergunta básica: O que deve ser feito? As alterações climáticas – fenômeno antropogênico – ameaça a convivência pacífica entre os povos, a existência da biodiversidade e a integridade dos ecossistemas. Segundo a Comissão Mundial sobre Ética do Conhecimento Científico e Tecnológico, “a omissão de não agir pode ter implicações catastróficas, mas as respostas às mudanças climáticas não vislumbradas com cuidado e à luz de implicações éticas têm o potencial de devastar comunidades inteiras, criar novos paradigmas de desigualdade e má distribuição, tornando ainda mais vulneráveis os povos que já se encontravam desenraizados por lutas políticas e ideológicas engendradas pelo homem. Tem igualmente o potencial de mobiliar conflitos gerados pela busca de recursos escassos.” (COMEST, 2010). A terra, a atmosfera e as águas são responsabilidade de todos, e como tal precisam ser salvaguardadas em sua integridade. Os efeitos de longo prazo que estamos vivenciando irão afetar o bem-estar das gerações futuras. Se nada for feito hoje, a mudança climática vai piorar. Num esforço para abordar a questão da mudança climática global, a comunidade internacional elaborou 42 por Claris Zwareva políticas que instam os países a reduzir suas pegadas de carbono. Infelizmente, não fizeram isto à luz dos princípios básicos da bioética. A literatura que aborda a questão da mudança climática e da ética é escassa. Uma análise ética de como as questões de mudança climática se relacionam com a saúde e o bem-estar precisa permear o diálogo à medida que as nações elaboram políticas que resultam em ações concretas. Bioética – “a ciência da sobrevivência” (Potter, 1996) – é urgentemente necessária como plataforma neutra na qual as organizações, corporações e instituições possam dialogar sem polarizações políticas e ideológicas. A situação é crítica e o mundo está enfrentando calamidades sem precedentes. É assustador observar que o ecossistema, o habitat da vida, está agonizando e manifestando o desejo de ser tratado respeitosamente como faríamos com um sujeito de direito. Se a humanidade não trata a Terra com compaixão, os simpósios, as conferências e os debates prosseguirão sem chegar a soluções eficazes. A magnitude do problema exige uma ação conjunta imediata, bem calculada e eficaz. As políticas antropocêntricas precisam ser convertidas em ecocêntricas. A realização deste objetivo de longo prazo exige que os seres humanos se tornem parte integrante de todo o ecossistema e que as ações prejudiciais à natureza sejam interrompidas, uma vez que também afetarão o bem-estar humano e a coexistência pacífica. Portanto, o tipo de ética necessária à criação de uma plataforma neutra na qual os líderes nacionais e a sociedade civil troquem idéias e busquem soluções viáveis deve ser definido pelo que agora denominamos de “bioética ecocêntrica”, termo derivado de “ecocêntrico ou ética ecológica”. Segundo Curry, uma ética ecocêntrica ou de profundidade ecológica deve ser capaz de “reconhecer o valor e, portanto, apoiar a defesa ética, a integridade das espécies e os ecossistemas, bem como organismos humanos e não humanos” (Curry, 2011). Neste contexto, a natureza terá recuperado seu valor intrínseco. nossa esperança que o desejo de viver com conforto em detrimento da integridade da natureza seja substituído pelo desejo de viver com menos a fim de preservar e restaurar a integridade Global Comum, ou seja, nosso patrimônio atual e o das gerações futuras. Isso exige mudanças radicais na relação homem-natureza, porque os problemas que enfrentamos são resultado do desequilíbrio criado por nossos hábitos de consumo energético. A análise imparcial e a resolução da tensão naturezahomem podem ser facilitadas por uma análise imparcial que chegue ao cerne da existência da vida e convoque os humanos a aceitar que os interesses da natureza prevaleçam para a sobrevivência das gerações presentes e futuras. Muito especificamente, precisamos mudar nossos hábitos de consumo de energia e recorrer aos recursos renováveis a fim de salvar a nós mesmos e o planeta. Nossa esperança nesta breve reflexão é que os líderes mundiais considerem seriamente o destino de toda a humanidade e, portanto, comprometam seus governos a mudar radicalmente as fontes nacionais de energia em prol da sustentabilidade dos recursos renováveis. Por outro lado, o desenvolvimento necessita ser a partir de agora mensurado pela eficiência na utilização da energia, em vez do “quanto” o país injeta no sistema de mercado. Enquanto o mundo busca meios de combater as mudanças climáticas, urge introduzir nessa busca a análise bioética. “A menos que as dimensões éticas sejam consideradas, a comunidade internacional pode acabar escolhendo soluções eticamente insustentáveis ou injustas”. (Declaração de Buenos Aires, 2004). O Princípio da Precaução – diretamente relacionado ao princípio bioético da “não-maleficência” – deve ser aplicado a fim de antecipar, evitar ou minimizar as causas das mudanças climáticas, bem como mitigar seus efeitos. É possível mudar quando há vontade política e compromissos pessoais caminhando juntos e guiados pelos princípios que visam preservar a integridade da vida. ■ Em sentido holístico, “a natureza-como-valor” engloba os valores individuais previamente existentes. Este movimento irá facilitar a dissolução dos interesses políticos e, portanto, ajudar a disClaris Zwareva, MM. Artigo publicado em http:/ persar polaridades. Enquanto o mundo antecipava /www.trunity.net/CoNGOSD/articles/?topic= de conferências sobre Mudanças Climáticas, é 5766726 em 26/11/2011 e atualizado em 28/02/2012. Cidadania&MeioAmbiente 43 44