E
D
I
T
O
R
I
A
L
A revista Cidadania & Meio Ambiente
é uma publicação da Câmara de Cultura
Caros amigos,
Visto que o volume de água doce em nosso planeta é invariável, e que o
ciclo hidrológico se apresenta, agora, totalmente perturbado pela interferência antropogênica no meio ambiente, o resultado não poderia ser
outro senão o galopante fantasma da escassez hídrica. O consumo de água
aumentou em mais de duas vezes a taxa de crescimento populacional.
Em muitas regiões do mundo, a demanda por água já não pode ser
satisfeita. Será ainda possível evitar a sede, a fome, o caos? Novo relatório da FAO – cujo resumo abre esta edição – apresenta o diagnóstico
desta questão de dimensão planetária, e sinaliza ações e políticas de gestão
do patrimônio hídrico doce. Um resumo onde são apontados os principais vetores que levam e exacerbam a escassez, e as medidas a serem
empreendidas em caráter de urgência e no longo prazo. Ninguém está a
salvo. Nem nosso país aquinhoado por abundância hídrica escapa ao
perigo devido ao padrão insensato de gestão das bacias hidrográficas. O
geólogo Gerôncio Rocha, especialista em recursos hídricos, abre a caixapreta de nossos rios e prova porque a água não pode ser encarada como
insumo e separada de seu contexto ambiental ao afirmar que a gestão
integrada de água superficial e subterrânea deve ultrapassar a teoria: “Integrar água e natureza é a única abordagem sustentável”.
O aquecimento global também merece uma substancial revisão nos artigos assinados por Roberto Naime e Bill Chameides. O primeiro reflete
sobre o panorama geoclimático atual à luz dos dados obtidos por sensoriamento remoto da Terra, e que materializam a inquestionável associação do meio físico, biológico e antrópico. Já Chaimeles, com o aval da
Academia Nacional de Ciências dos EUA e da União Americana de
Geofísica, desmonta – via análise do degelo recorde do Oceano Ártico
neste verão 2012 – os desgastados argumentos dos céticos das mudanças climáticas. Com a autoridade que a ciência lhe confere, Chaimeles
vaticina: “preparem-se para o pior”. E esse pior, já sentido na inconstância
brutal e aguda dos atuais destemperos meteorológicos, ganha relevo na
insegurança alimentar, que dá corpo às crises sociais nos países pobres,
como aponta José Eustáquio Diniz Alves.
E a Amazônia? Confira na avaliação de Elder Andrade de Paula os
artifícios que mascaram o destino do patrimônio biológico amazônico: tornar-se base de um modelo primário exportador que lega degradação ambiental e humana via desmatamento e implantação da
agropecuária. Uma análise que Ladislau Dowbor ratifica ao visitar
dados do Censo Agropecuário do IBGE.
Confira também os benefícios psicossociais das árvores; porque a destruição da natureza abre a caixa de Pandora das doenças infecciosas; os
móbiles e fragilidades da “década da inclusão”; e as previsões nada animadoras para a humanidade caso não voltemos a cuidar da Terra.
Helio Carneiro
Editor
Telefax (21) 2487 4128
(21) 8197 6313 . 8549 1269
[email protected]
www.camaradecultura.org
Representante Comercial - Brasilia
Armazem Eventos e Publicidade
PABX (61) 3034 8677
[email protected]
Diretora
Regina Lima
[email protected]
Editor
Hélio Carneiro
[email protected]
Subeditor
Henrique Cortez
[email protected]
Projeto Gráfico
Lucia H. Carneiro
[email protected]
Colaboraram nesta edição
Arimá Viana Barroso
Bill Chameides
Center for Urban Horticulture
Claris Zwareva
Conjuntura da Semana
Elder Andrade de Paula
Eleanor Fausold
Food and Agriculture Administration / FAO
Gerôncio Rocha
IBGE, Censo Agropecuário 1970/2006
IHU On-line (Instituto Humanitas Unisinos)
Jim Robbins
José Eustáquio Diniz Alves
Ladislau Dowbor
Larissa Stracc (Ag Solve)
Marcus Eduardo de Oliveira
NASA’s Scientific Visualization Studio
Nourishing the Planet project
Roberto Naime
Steve Nix
The Futurist
The National Snow and Ice Data Center
UNEP/GRID-Arendal
Visite o portal EcoDebate
w.. e c o d e b a t e . c o m . b r
www
Uma ferramenta de incentivo ao conhecimento e à reflexão através de notícias,
informações, artigos de opinião e
artigos técnicos, sempre discutindo
cidadania e meio ambiente, de forma
transversal e analítica.
Cidadania & Meio Ambiente também
pode ser lida e/ou baixada em pdf no
portal www.ecodebate.com.br
A Revista Cidadania & Meio Ambiente não
se responsabiliza pelos conceitos e opiniões
emitidos em matérias e artigos assinados.
Editada e impressa no Brasil.
ISSN217-630X
977217763007 041
Nº 41 – 2012– ANO VII
Capa: Parque Henri Sellier por GADL
5
Confira nesta introdução do relatório Coping with waterscarcity a relevância do desafio, as ações e as
estratégias passíveis de equacionar a gestão dos recursos aquíferos. Por FAO
10
Rios: o desafio da sustentabilidade
14
Aquecimento global e geobiossistemas
16
Ártico2012: o que sinaliza o degelo recorde?
18
Mudanças climáticas e crise alimentar
20
21
A má qualidade da água nas cidades é consequência da desnaturalização das bacias hidrográficas, do
passivo ambiental e de outros fatores apontados por Gerôncio Rocha. Por IHU On-line
O sensoriamento remoto da Terra por satélite analisa de forma abrangente e confiável a integração entre
os fatores naturais e antrópicos responsáveis pela atual configuração geoclimática. Por Roberto Naime
O derretimento da cobertura de gelo do mar do Ártico neste verão pulveriza para pior o recorde anterior, e
indica que a mudança climática está em processo acelerado. Por Bill Chameides
Os desastres ambientais já provocam uma crise alimentar e surpreende quem pensava ser o aquecimento
global fenômeno que só afetaria as futuras gerações. Por José Eustáquio Diniz Alves
Svalbard: banco de sementes para o futuro
O bunker Svalbard para conservação de sementes é um projeto de segurança agrícola que poderá
resgatar a humanidade da fome. Por Eleanor Fausold
Não há economia sem sistema ecológico
A Economia Ecológica postula que o sistema econômico “gira” em torno do mundo biofísico, devendo
promover a interface entre os ecossistemas naturais e o sistema produtivo. Por Marcus Eduardo de Oliveira
24
Amazônia: desenvolvimento insustentável
28
Terras desmatadas: a subutilização faz “absurdo” exigir mais
30
Destruir a natureza libera doenças infecciosas
33
Fauna, ecossistema e cadeia alimentar
34
Floresta urbana: os benefícios psicossociais
36
Inclusão social via soluções estruturais ou via mercado?
38
Previsões para a Terra
42
4
A crise da água: como lidar com a escassez
A Amazônia Legal e internacional passa por processo de destruição que visa expandir o modelo primário
exportador, vetor de impactos ambientais e de degradação do modo de vida. Por Elder Andrade de Paula
Para analisar sem paixão as implicações do novo Código Florestal deve-se examinar a fonte primária dos
dados sobre a questão, que têm origem essencialmente no Censo Agropecuário do IBGE. Por Ladislau Dowbor
Especialistas em doenças tropicais e natureza explicam porque a saúde humana está interligada à saúde
animal e ambiental – mix que precisa ser estudado e gerido de forma holística. Por Jim Robbins
A fauna representa todo o conjunto de espécies animais com funções reguladoras de suma importância
nos ecossistemas, especialmente na cadeia alimentar. Por Roberto Naime
Em razão de grande parte da população mundial viver hoje em áreas urbanas, as plantas, florestas e
ecossistemas se tornam vitais para bem-estar físico e a saúde emocional. Por Center for Urban Horticulture
Confira com analistas do cenário socioeconômico os fatores responsáveis pela “década da inclusão” que,
mesmo com avanços, não consegue acabar com o passivo de desigualdades. Por Conjuntura da Semana
Esta série de previsões elenca as ameaças que podem levar nosso Planeta para a UTI caso não sejam
revisados os fatores que acarretam as mudanças climáticas e o aquecimento global. Por The Futurist
Ética e mudança climática global
Num mundo de calamidades sem precedentes, a bioética é necessária para que organizações,
corporações e instituições possam dialogar sem polarizações políticas e ideológicas. Por Claris Zwareva
ONU
A Crise da Água
Á
G
U
A
Como lidar com a escassez
No século 20, o consumo de água aumentou em mais de duas vezes a
taxa de crescimento populacional a ponto de, em muitas regiões do mundo, a demanda por água já não poder ser satisfeita. Diante do problema
que se agrava, organismos como a FAO (Food and Agriculture
Organization), da ONU, analisam a relevância do desafio e sinalizam
ações e estratégias de gestão dos recursos aquíferos para equacionar o
problema. Confira nesta introdução do relatório 38 Coping with water
scarcity An action framework for agriculture and food security, lançado no
World Water Week, 2012, o escopo e a gravidade da escassez hídrica.
Relatório FAO 2012
A
agricultura capta e usa 70 por cento da água doce mundial sendo provavelmente o setor onde a escassez de água seja mais crítico. A pressão
exercida pela dobradinha crescimento demográfico-mudança nos hábitos alimentares fez aumentar grandemente o consumo de alimentos na maior parte
do mundo. Estima-se que em 2050 será necessário um adicional de 60 por
cento de alimento para satisfazer a demanda global.
Cidadania&MeioAmbiente
5
As futuras decisões políticas precisarão
crescentemente refletir o estreito elo entre água e segurança alimentar, e se basearem em claro entendimento das oportunidades e negócios na gestão da água
para a produção agrícola.
O QUE É ESCASSEZ HÍDRICA?
A escassez hídrica ocorre quando a demanda por água doce
excede a oferta em um determinado setor.
Os últimos Relatórios de Desenvolvimento Mundial da Água (UN-Water, 2009,
2012) indica como as diversas crises globais recentes – mudança climática, energia, segurança alimentar, recessão econômica e da turbulência financeira – estão
relacionadas entre si e têm impacto sobre
a água. Os Relatórios nos lembram que a
água desempenha um papel em todos os
setores da economia e é essencial para se
alcançar o desenvolvimento sustentável
e atingir os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM).
Como a demanda humana por água aumenta e a concorrência entre setores no uso da
água se intensifica, a escassez hídrica torna-se visível em uma variedade de formas.
No entanto, a inter-relação entre ambientes hidrológicos, meios de vida e desenvolvimento econômico é muitas vezes de
difícil percepção. Uma avaliação objetiva
do que se quer dizer por “escassez de água”
e como ela afeta a rapidíssima transição
social, econômica e ambiental que ora testemunhamos precisa ser atualizada. E para
tanto, pensamos que o ponto de partida
seja a utilização da água na agricultura, uma
vez que este setor dominará o consumo
mundial de água no futuro próximo.
A Avaliação Global do Gerenciamento de
Água em Agricultura (CA, 2007) colocou a
questão: “Há bastante água, terra e capacidade humana para produzir alimentos para uma população crescente ao longo dos próximos 50 anos – ou será que
“ficaremos sem água?” O relatório de avaliação respondeu a essa pergunta da seguinte maneira: “É possível produzir alimento – mas, a perseverar o atual nível de produção e as tendências ambientais, é grande a probabilidade de crises em muitas partes do mundo. Somente se agirmos para
melhorar o uso da água na agricultura poderemos enfrentar o grande desafio da água
doce que a humanidade enfrentará nos próximos 50 anos. Ou seja, o atual modelo não
é mais uma opção. São necessárias mudanças reais no processo de gestão e utilização da água para se evitar crises transitórias ou de longo prazo.
6
Escassez hídrica = excesso de demanda de água
em relação à oferta disponível
Distribuição de água a estudantes em Darfur, oeste do Sudão / UNAMID
Esta situação surge como consequência de uma elevada taxa de demanda agregada de todos que usam água em comparação com a oferta disponível, no quadro institucional prevalente de modalidades e condições de infra-estrutura. Manifesta-se pela satisfação parcial ou não da demanda expressa, pela competição
econômica por volume e qualidade de água, por litígios entre os usuários, pelo
esgotamento irreversível das águas subterrâneas e pelos impactos negativos sobre
o meio ambiente.
A escassez de água é tanto um conceito relativo quanto dinâmico, e pode ocorrer
em qualquer nível de oferta ou demanda, sendo também uma construção social:
todas as suas causas estão relacionadas à interferência do ser humano no ciclo da
água. Ela varia ao longo do tempo como resultado de variabilidades hidrológicas
naturais, mas varia ainda mais em função da política econômica vigente, das
abordagens de planejamento e de gestão. A escassez pode ser intensificada em
função de modelos de desenvolvimento econômico, mas, se corretamente identificadas, muitas de suas causas podem ser antecipadas, evitadas ou mitigadas.
As três principais dimensões que caracterizam a escassez hídrica são:
❚ a ausência física de água disponível para atender a demanda,
❚ o nível de desenvolvimento de infra-estrutura que controla o armazenamento,
❚ a distribuição e o acesso à água,
❚ e a capacidade institucional de fornecimento dos serviços de água necessários.
Fonte: Executive Summary – Coping with water scarcity An action framework for agriculture
and food security, FAO, 2012
Há uma percepção generalizada de que a
água está se tornando escassa, como resultado de tendências até certo ponto inevitáveis, especialmente o crescimento demográfico e o consequente aumento da demanda
por água para produção de alimentos e uso
doméstico, industrial e urbano. O que leva
muitos a concluir que uma “crise da água” é
inevitável. No entanto, os desafios mais previsíveis (ou crises potenciais) podem ser em
grande parte evitados ao se ajustar a manei-
ra pela qual a água é administrada e regulada (Moriarty, Butterworth e Batchelor, 2004).
A abrangência para a questão da gestão da
água em contribuir eficazmente para as necessidades humanas básicas e meios de subsistência está agora bem documentada (CA,
2007; UN-Water, 2009, 2012). No entanto, o
correto equilíbrio entre medidas básicas de
distribuição de água, serviço de fornecimento e gestão pelos usuários finais em função
da variabilidade do ciclo hidrológico e dos
recursos aquíferos cada vez mais escassos
ainda carece de definição. Em suma, o comportamento dos usuários de água precisa
ser melhor sintonizado com a realidade crescente da escassez de água.
AGRICULTURA, ÁGUA E ALIMENTO
De todos os setores da economia, a agricultura é o mais sensível à escassez hídrica. Embora o setor agrícola seja algumas
vezes visto como usuário “residual” de
água – logo após os setores doméstico e
industrial –, na verdade ele responde pela
captação de 70 por cento da água doce global e por mais de 90 por cento de consumo.
É também o setor com o maior alcance ou
potencial de adaptação.
FORNECIMENTO de ÁGUA por BACIA HIDROGRÁFICA
em 1995 e 2025
Embora o volume absoluto de água doce na Terra sempre tenha
permanecido o mesmo, a distribuição desigual de água
e de estabelecimentos humanos continua a criar crescentes
problemas na disponibilidade e acesso à água potável.
Na maioria das regiões do mundo, a evapotranspiração nas terras agrícolas irrigadas
é de longe o maior uso consumptivo da
água captada para uso humano. A crescente demanda de produtos agrícolas para satisfazer as necessidades de uma população crescente continua a ser o principal
motor do uso da água na agricultura. Embora a taxa de crescimento da população
mundial tenha diminuído desde os anos
1980, o crescimento demográfico continua
a aumentar, em particular nos países em
desenvolvimento. Além disso, o desenvolvimento econômico estável, em particular
nas economias de mercado emergentes, se
traduziu em demanda por uma dieta mais
variada, que inclui carne e laticínios, fato
que coloca pressão adicional sobre os recursos hídricos (UN-Water, 2012). Acredita-se que serão necessários 60 por cento a
mais de alimentos de agora até 2050 para
satisfazer a demanda de uma população que
atingirá mais de 9 bilhões de pessoas. Disso resulta o aumento do uso da água na
agricultura, o que agrava ainda mais a escassez em algumas áreas e gera escassez
mesmo em áreas relativamente bem dotadas de recursos hídricos.
Agricultura, e em especial a agricultura irrigada, está passando por mudanças rápidas e enfrentado velhos e novos desafios.
Os agricultores de todos os quadrantes têm
que se adaptar a um mundo em que comércio
e globalização aumentam rapidamente a interligação e interdependência entre a produtividade e os padrões de consumo, e onde
progresso tecnológico impulsiona a produtividade agrícola. A revolução verde e os subseqüentes progressos agronômicos têm aju-
Fonte: Water supply per river basin in 1995 and 2025, gráfico da coleção Vital Water
Graphics2, publicado em 2009. Designer: Philippe Rekacewicz,February 2006. Link to
website: http://www.grida.no/publications/vg/water2/page/3238.aspx
Cidadania&MeioAmbiente
7
“
A escassez de água pode surgir
em todas as bacias hidrográficas onde
a intensificação da agricultura em áreas
de cabeceiras reduz o abastecimento
de água a jusante.
”
ÁGUA SUPERFICIAL RENOVÁVEL
PRODUZIDA INTERNAMENTE
É difícil determinar a quantidade de água renovável produzida internamente a
partir do total dos recursos hídricos renováveis (externo e interno). No entanto, a
FAO oferece uma definição bastante precisa deste indicador. Os Recursos Internos
Hídricos Renováveis (IRWR) incluem:
PRECIPIT
AÇÃO
RECIPITAÇÃO
MÉDIA : média dupla de longo prazo em relação ao espaço e
tempo da precipitação que cai sobre o país em um ano.
Água de superfície produzida internamente
internamente: volume médio anual de
longo prazo da água de superfície gerada pelo escoamento direto da precipitação endógena.
Á GUAS SUBTERRÂNEAS PRODUZIDAS INTERNAMENTE : recarga média anual de
longo prazo gerada a partir da precipitação dentro das fronteiras do país (estimada pela taxa de infiltração anual (em países áridos) ou do fluxo hidrográfico
básico (em países úmidos)
S OBREPOSIÇÃO DE ÁGUAS SUPERFICIAIS E SUBTERRÂNEAS : parte dos recursos
hídricos renováveis comuns às águas superficiais e subterrâneas. Equivale à
drenagem das águas subterrâneas nos rios (normalmente, o fluxo de base dos
rios) menos infiltração de rios em aquíferos,
Total de recursos hídricos renováveis internos
internos: média anual de longo
prazo do fluxo dos rios e de recarga de aqüíferos gerados a partir de precipitação endógena.
A contagem em duplicidade das águas superficiais e subterrâneas é evitada deduzindo-se a sobreposição da soma das águas superficiais e subterrâneas.
Fonte: Renewable surface water produced internally, gráfico da coleção Vital Water Graphics2,
publicado em 2009. Designer: GRID-Arendal. Link : http:// www.grida.no/publications/vg/
water2/page/3219.aspx
8
dado a produção agrícola a superar o crescimento populacional e, assim, alimentar um
número cada vez maior de indivíduos com
alimentos de qualidade cada vez mais diversificados. Em contrapartida, isso também traz
como custo um grande impacto ambiental.
No entanto, há um outro lado a essas tendências. O número absoluto de desnutridos, a maioria em áreas rurais, não diminui
e a produtividade agrícola em muitos países em desenvolvimento continua baixa. O
possível impacto das alterações climáticas
nos recursos hídricos e na demanda de
água é incerto, como também o é na produção bioenergética agrícola e na segurança
alimentar. Os recentes aumentos e volatilidade nos preços dos alimentos desde 2007
são uma forte sinal de alerta para os perigos da complacência sobre abastecimento
alimentar no longo prazo.
A agricultura é simultaneamente causa e
vítima da escassez de água. A competição
inter-setorial por água é mais óbvia no interior de grandes centros urbanos, mas a
escassez de água pode surgir em todas as
bacias hidrográficas onde a intensificação
da agricultura em áreas de cabeceiras reduz o abastecimento de água a jusante. O
uso insustentável da água subterrânea
pode impactar no longo prazo a produção
agrícola em áreas como o sul da Ásia, onde
a expansão da extração das águas subterrâneas para a irrigação nos anos 1980 e 1990
levou a um grande aumento da produção
agrícola, agora limitada pela exaustão dos
aquíferos. A grande preocupação é que a
produção agrícola diminua em áreas altamente povoadas em um momento em que
cresce a demanda e a questão da segurança alimentar explode em todas as regiões.
OBJETIVOS
E ESCOPO DO RELATÓRIO
Dada a importância da água para a agricultura e para a produção de alimentos, e
o dominante papel da agricultura na captação de água em escala mundial, a FAO
realizou uma revisão de seu programa de
água a fim de propor uma resposta mais
eficaz e mais estratégica ao crescente problema da escassez hídrica. O programa vincula o foco da Organização nos meios de
subsistência agrícola e rural, e necessariamente reflete as preocupações específicas nutricionais e agrícolas dos países
membros da FAO. A promoção de abordagens realistas e responsáveis para a gestão da água é parte desta missão.
ÁREAS DE ESCASSEZ FÍSICA E ECONÔMICA DE ÁGUA
Nas atuais condições de uso da
água, o aumento demográfico
e as mudanças no regime alimentar deverão aumentar em
70-90% o consumo hídrico na
produção de alimentos e de fibras. O eventual aumento de
demanda por energia de biomassa agravará o problema.
Além disso, a competição setorial pelos recursos hídricos se
intensificará, exacerbando ainda mais a pressão sobre os
produtores dos países em desenvolvimento.
DEFINIÇÕES E INDICADORES
Fonte: Análise do International Water Management Institute para o
Comprehensive Assesssment of Water Management in Agriculture com
base no modelo Watersim (capítulo
2), 2007. Publicado em 2008.
Link:
http://maps.grida.no/go/
graphic/areas-of-physical-and-economic-water-scarcity
POUCA OU NENHUMA ESCASSEZ HÍDRICA. Abundantes recursos hídricos destinados ao uso, com retirada de menos de 25% de água
dos rios para satisfação das necessidades humanas.
ESCASSEZ HÍDRICA FÍSICA (os recursos hídricos alcançam ou já excederam os limites de sustentabilidade). Mais de 75% das águas
fluviais são destinadas à agricultura, à indústria e à utilização doméstica (incluída a água reciclada que retorna à fonte). Esta
definição — que relaciona disponibilidade e demanda hídricas — não significa que regiões secas sofram escassez.
PRÓXIMO DA ESCASSEZ HÍDRICA FÍSICA. São retiradas mais de 60% de água fluvial. Estas bacias hidrográficas experimentarão escassez
hídrica física no futuro próximo.
ESCASSEZ HÍDRICA ECONÔMICA (a disponibilidade humana, institucional e financeira limita o acesso à água, mesmo sendo ela
disponível localmente e em quantidade suficiente para satisfazer as demandas humanas). Recursos hídricos abundantes e
disponíveis ao uso, com menos de 25% de água fluvial retirada para utilização humana, embora ocorra desnutrição.
O objetivo do Relatório é duplo. Primeiro,
definir um quadro contabilístico da água que
permita a interpretação da escassez de forma objetiva. Em segundo lugar, indicar onde
e como a gestão da água na agricultura pode
desempenhar um papel mais proativo e eficaz na resposta às crescentes preocupações
sobre a escassez de água doce global.
O papel da água na produtividade agrícola,
nos meios de subsistência rurais e nas variantes ambientais deve ser corretamente analisado via definições cientificamente robustas e métodos de contabilização de água. Isto
envolve a avaliação da eficácia do uso de
água no campo, em sistemas de irrigação e
do montante captado em rios; a tomada em
conta das dimensões adicionais de produtividade; e avaliações macroeconômicas da
contribuição da água à economia agrícola,
ao PIB e ao comércio mundial. O contexto
destas avaliações é um continuum que parte
da captação da água ao consumo efetivo em
alimentos e commodities industriais.
O discurso em torno da distribuição de água
e da regulação ambiental está sendo moldado por vários fatores: a competição por água,
como input social e econômico; a necessidade de proteger o meio ambiente e contabilizar o custo da utilização do recurso natural; e o reconhecimento dos valores dos serviços ambientais fornecidos pela água.
No passado recente, foram feitas extensas
revisões sobre as principais questões relaA agricultura continuará a ser o principal uti- cionadas à água na agricultura e as opções
lizador de água em muitos países. E isso pre- de resposta em termos de políticas e gescisa ser analisado com base em um quadro tão (CA, 2007). No entanto, as prioridades
claro capaz de discutir seu impacto, sua alo- de ação, as modalidades de aplicação e o
cação legítima e a resposta de gestão ade- cenário completo em que a ação deve corquada à era de crescente escassez de água. rer ainda não foram definidos.
A FAO iniciou recentemente um programa
de longo prazo sobre o tema “Lidando com
a escassez de água – o papel da agricultura”. Numa fase inicial, o programa lida
com o desenvolvimento de um cenário global para a resposta agrícola à escassez hídrica. Através deste projeto, um pacote integrado de ferramentas técnicas e políticas
será desenvolvido e promovido entre os
países membros da FAO. Este cenário global deve ser flexível o suficiente para adaptar-se a todos os contextos biofísicos e socioeconômicos. Nas fases subsequentes,
o programa vai ser adaptado às peculiaridades de diferentes regiões e aplicado a
nível nacional nos países membros.
■
Relatório Coping with water scarcity an action
framework for agriculture and food security, publicação da FAO, 2012 – Aconselhamos a
leitura integral do documento, que pode ser baixado em formato PDF (inglês, espanhol) no site
www.unwater.org/documents.html Tradução
adaptada por Cidadania & Meio Ambiente.
Cidadania&MeioAmbiente
9
Á
G
U
A
DeltaFrut
RIOS
o desafio da sustentabilidade
Gerôncio Rocha aponta que a má qualidade da água nas metrópoles brasileiras é consequência da ocupação crescente, de saneamento inexistente ou
ineficiente, de atividades econômicas intensivas, da desnaturalização das bacias hidrográficas e do passivo ambiental acumulado ao longo dos anos.
Desafio agravado pelas diferentes dinâmicas ambientais e econômicas regionais que torna difícil a adoção de um único modelo de gestão de águas
adequado a todo o país. Confira a gravidade da situação quando se sabe que
a quantidade da água no planeta é constante.
Entrevista com Gerôncio Rocha
IHU ON-LINE – SEGUNDO O RELATÓRIO DE CONJUNTURA DOS RECURSOS HÍDRICOS NO BRASIL, PRODUZIDO PELA AGÊNCIA NACIONAL
DE ÁGUAS – ANA, UM QUARTO DA ÁGUA DOS RIOS, CÓRREGOS E
MANANCIAIS DO PAÍS É QUALIFICADA COMO RUIM, PÉSSIMA OU REGULAR. A QUE ATRIBUIR ISSO? QUAIS AS CAUSAS?
Gerôncio Rocha – Isto é resultante do que se chama elegantemente de
passivo ambiental acumulado ao longo de décadas. É a poluição causada pelo lançamento nos cursos d’água, lagos e represas de esgoto
10
doméstico e de efluentes de indústrias, sem tratamento. O índice em si,
25%, não dá a verdadeira dimensão da gravidade da situação: são
trechos de rios de dezenas de quilômetros de extensão que atravessam
as cidades e recebem a carga de poluição; são, também, represas e
mananciais de abastecimento público de água ameaçados pela urbanização adjacente. Imagens aéreas podem mostrar o contraste da mancha de poluição avançando sobre a água dos rios. Aliás, a ANA poderia utilizar imagens desse tipo nos próximos relatórios.
IHU – QUAL A SITUAÇÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS BRASILEIROS E COMO É POSSÍVEL AVANÇAR NA
GESTÃO DA ÁGUA NO PAÍS? QUAIS SÃO OS DESAFIOS NESSE SENTIDO?
“
É hora de ações integradas de
saneamento ambiental: água para todos,
coleta e tratamento dos esgotos,
coleta e tratamento adequado do lixo.
G.R. – Para um país de dimensão continental e
com a diversidade do Brasil, a resposta para esta
questão é longa. O relatório da ANA mostra alguns pontos comuns entre as realidades das regiões brasileiras, mas ainda há uma variação muito
grande de uma para outra. Como ponto comum
para todas as regiões, podemos exemplificar com
a situação das cidades e principalmente das metrópoles, cujas águas
são mais castigadas com a ocupação crescente, atividades econômicas intensivas e desnaturalização das bacias hidrográficas, que perdem completamente suas condições naturais e são tomadas pela
urbanização. Isto resulta nas piores condições em termos de qualidade e criticidade com relação à disponibilidade hídrica.
Em termos de diversidade, podemos “visitar” cada uma das regiões do país. Entrando no tema do saneamento e tomando o Norte
do país como exemplo, essa região é riquíssima em água, mas
paupérrima em saneamento, o que provoca um conflito sério. A
crença na capacidade infinita da depuração dos rios não se sustenta, pois nos centros urbanos fica muito claro o déficit de saneamento e o quanto as águas e os rios estão sofrendo as consequências. Daí haver crises de abastecimento em meio a tanta água.
Os prognósticos com relação aos efeitos das mudanças climáticas no Semi-árido, Nordeste brasileiro, são cada vez mais convergentes em apontar que, nesta região, as secas se intensificarão e
as tempestades serão desastrosas. A adoção de medidas adaptativas frente às tendências das mudanças climáticas é urgente.
O Centro-Oeste, cujos dados do último censo mostram um dinamismo demográfico e econômico sem paralelo, é a região que
merece mais atenção no sentido de prevenir desastres maiores.
Ou seja, deve-se buscar a sustentabilidade neste processo de
desenvolvimento e evitar os mesmos erros cometidos pelas outras regiões, que já estão em situação crítica.
No Sul e Sudeste, regiões densamente ocupadas, precisam trabalhar na revisão de seus modelos de desenvolvimento e ocupação
urbana, e trabalhar na prevenção para aqueles trechos ainda em
processo de crescimento.
Diante desta diversidade de problemas, de dinâmicas ambiental e
econômica, assim como dos espaços territoriais – podemos encontrar bacias hidrográficas de pequeno porte e outras imensas –
, torna-se difícil adotar um único modelo de gestão de águas, que
seja adequado para cada uma destas regiões simultaneamente.
Cada um dos estados e a União adotaram, com pouca variação, um
sistema de gestão bastante semelhante. Temos um modelo (sistêmico), temos princípios e diretrizes (democracia, descentralização,
integração), temos a figura do Comitê de Bacia, que deve ser o
espaço para o debate sobre a gestão da água, temos instrumentos
de gestão que deveriam orientar a tomada de decisão. Este modelo
tem chance de sair do papel no Sul, no Sudeste e até em parte do
Nordeste. Porém, se fizermos uma análise, seus resultados ainda
”
não são facilmente mensuráveis em termos dos reflexos na qualidade e na quantidade da água.
Os comitês devem tornar-se, de fato, o espaço de decisão, não só
o local para debate, cuja decisão será tomada nos escalões mais
altos do governo, como sempre foi feito. Os investimentos na
elaboração de instrumentos de gestão devem ser refletidos em
tomadas de decisão mais criteriosas, e não só para formalizar sua
existência, e decisões continuarem a ser tomadas com base nos
interesses de grupos específicos. Pensando nos desafios e avanços necessários, podemos enumerar os seguintes tópicos:
■ O sistema de gestão das águas, com seus princípios, diretrizes, colegiados e instrumentos, não deve ser uma camisa de
força, mas cada região deve adaptá-lo às suas características. É
difícil imaginar um Comitê de Bacia do Amazonas, mas essa
região precisa tornar-se protagonista de suas decisões e uma
nova estratégia deve ser pensada.
■ Os instrumentos de gestão, como Plano de Bacia, diagnósticos de situação ou conjuntura, devem ser desenvolvidos com
participação ativa dos gestores (não basta contratar uma consultoria que entregue um estudo pronto) e devem orientar, de
fato, as decisões de todos os setores relacionados à água.
■ É fundamental uma maior aproximação e sensibilização dos
municípios com relação à gestão da água, para que tornem harmoniosa a relação entre uso e ocupação do solo e água. Se o
planejamento se dá no nível da bacia, a ação é local.
■ A água não é um setor, ela perpassa tudo. Sendo assim, cada
uma das políticas públicas do Brasil deve ter sua parcela de
comprometimento com a qualidade e quantidade da água – saneamento, educação, saúde, habitação, transporte, economia,
turismo. Radicalizar a transversalidade da água é uma boa meta.
IHU – AO SER ENTREVISTADO EM 2005, VOCÊ MENCIONOU QUE APENAS 48% DA POPULAÇÃO DISPÕE DE REDE DE COLETA DE ESGOTO E
25% DE ESGOTO TRATADO. POR QUE O SANEAMENTO CONTINUA PRECÁRIO? O QUE DIFICULTA A AMPLIAÇÃO?
G.R. – Naquela entrevista, em 2005, o índice de coleta de esgotos,
segundo o IBGE, era de 48%. Atualmente, está em torno de 54%,
ou seja, o atendimento aumenta 1% ao ano. Historicamente, nos
últimos 30 anos, a causa maior dos baixos índices de saneamento
era a falta de recursos financeiros. Companhias de saneamento e
entidades de classe do setor desenvolveram um discurso lamuriento que justificava até a inação frente ao problema.
Nos dois últimos anos, a conjuntura mudou para melhor em pelo
menos três aspectos: a situação econômica do país melhorou e
agora há recursos para investimento; há um plano nacional de
saneamento junto com o plano nacional de recursos hídricos –
Cidadania&MeioAmbiente
11
energia, porque os projetos de energia alternativa têm resultado em longo prazo. O problema
parece ser outro: o da falta de estratégia de uso
conjunto dos recursos hídricos. Os projetos que
estão em pauta foram todos concebidos pelo
setor elétrico há 30 anos, de modo unilateral.
DeltaFrut
Hoje em dia, o aproveitamento dos rios da
Amazônia deveria ser objeto de uma avaliação ambiental estratégica de cada bacia hidrográfica, analisando os usos conjugados –
por exemplo, navegação e geração de energia
–, na perspectiva do desenvolvimento regional. O que vem acontecendo é que, mesmo
havendo maior abertura para discussão, os
projetos ainda são unilaterais (do setor elétrico) e servem exclusivamente às necessidades
energéticas da região sudeste e aos empreendimentos minero–metalúrgicos da Amazônia,
de uso intensivo de energia. Pouco ou quase
nada servem para o desenvolvimento da região.
“
A gestão integrada de água superficial
e subterrânea deve ultrapassar a teoria.
Integrar água e natureza: eis uma
abordagem sustentável.
”
ambos amplamente discutidos nas regiões – com prioridades e
metas definidas por bacia hidrográfica; por fim, há um forte consenso de que as ações de saneamento terão de acontecer de
forma integrada e colaborativa entre os três níveis de governo.
Agora, portanto, é hora de deixar para trás a lamúria e partir para
as ações integradas de saneamento ambiental: água para todos;
coleta e tratamento dos esgotos; coleta e tratamento adequado
do lixo. As perspectivas são boas, mas falta uma convocação
nacional da presidente Dilma, sob a forma de uma meta-compromisso, para uma mobilização geral dos governos e da sociedade.
Por exemplo, atingir em 10 anos a meta de 70% de coleta e tratamento de esgotos em todos os municípios brasileiros.
De agora em diante, não se admite coletar esgoto e lançá-lo na
água; todo projeto deve incluir o tratamento.
IHU – COMO É POSSÍVEL UTILIZAR A ÁGUA DE MANEIRA SUSTENTÁVEL?
G.R. – Usando na medida certa, seja qual for o uso. Evitando a
poluição. A quantidade da água é constante na Terra, o que pode
ocorrer é a recuperação de sua qualidade, seja através de tratamento ou voltando à condição natural, correndo pelos rios, infiltrando
no solo, recebendo oxigênio e se purificando naturalmente.
Sendo assim, cada um dos setores da sociedade tem sua lição de
casa. Diante do percentual apontado com relação à agricultura,
este setor deve ter maior responsabilidade. Destaca-se aí a necessidade da adoção de tecnologias de irrigação poupadoras de água
e técnicas de manejo adequadas.
A água não pode ser encarada como insumo, separada de seu
contexto ambiental. A gestão integrada de água superficial e subterrânea deve ultrapassar a teoria. Integrar água e natureza: eis
uma abordagem sustentável.
IHU – COMO VÊ A PROPOSTA DO GOVERNO DE INVESTIR NA CONSTRUÇÃO
DE NOVAS HIDRELÉTRICAS, EM ESPECIAL NA REGIÃO AMAZÔNICA? UTILIZAR
RECURSOS HÍDRICOS PARA PRODUÇÃO DE ENERGIA É PRÁTICA SUSTENTÁVEL?
G.R. – A construção de novas hidrelétricas na Amazônia será inevitável quando houver necessidade comprovada de expansão de
12
Parece que a modernização da navegação dos rios da Amazônia é
tanto ou mais importante que a construção de hidrelétricas. Por que o
governo central não faz uma profunda discussão na própria região?
Quanto à sustentabilidade das hidrelétricas, há boas técnicas de
construção de barragens a fio d’água, diminuindo a área de alagamento, que é um problema nas terras baixas da planície amazônica. Além disso, há os impedimentos de obras nas terras indígenas, que não podem ser invadidas.
IHU – OUTRO
DADO DO RELATÓRIO DE CONJUNTURA É DE QUE A
IRRIGAÇÃO CONSOME
69% DA ÁGUA. COMO O SENHOR VÊ A UTILIZA-
ÇÃO DA ÁGUA PARA A AGRICULTURA E PECUÁRIA, NO CASO BRASILEIRO?
G.R. – A agricultura é o setor que mais consome água no país e, ao
mesmo tempo, é o menos controlado. Em várias bacias hidrográficas já existem áreas críticas onde a demanda de água para irrigação afeta a disponibilidade para o abastecimento público. O que
ocorre é que os métodos de irrigação mais utilizados são obsoletos. Irrigação por aspersão em áreas extensas ou irrigação em
sulcos consome muita água. As técnicas modernas utilizam o gotejamento da água nas raízes da planta, com economia de água.
Há vários anos, Israel utiliza largamente essa técnica, mas no
Brasil ela ainda é pouco praticada. Os técnicos do setor têm propostas: primeiro, a substituição de equipamentos – o governo
deveria garantir financiamento ao produtor, inclusive sem retorno, para a troca de equipamento de irrigação; segundo, fortalecer
a Embrapa para que ela desenvolva amplo programa de extensão
rural, disseminando as técnicas mais adequadas. Trata-se de um
programa de interesse nacional, de uso equilibrado da água. ■
Gerôncio Rocha – Graduado em Geologia pela Universidade Federal
do Rio Grande do Sul – UFRGS, geólogo da Coordenadoria de Recursos Hídricos da Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo e
autor de “Um copo d’água” (São Leopoldo: Unisinos, 2003). Artigo
publicado pela IHU On-line do Instituto Humanitas Unisinos - IHU, da
Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo,
RS, e no portal EcoDebate (29/07/2011).
AGROTÓXICOS E A POLUIÇÃO DAS ÁGUAS
A utilização de agrotóxicos é a segunda maior causa de contaminação dos rios no Brasil, perdendo
apenas para o esgoto doméstico, segundo dados do IBGE. Considerando que a agricultura é o setor que
mais consome água doce no Brasil, cerca de 70%, segundo o Fundo das Nações Unidas para Agricultura
e Alimentação (FAO), pode-se dizer que além de sérios problemas para a saúde, os agrotóxicos também
se transformaram em um grave problema ambiental no país.
Segundo Mohamed Habib, engenheiro agrônomo e professor da
Universidade Estadual de Campinas, “hoje o Brasil é o maior consumidor de agrotóxico do mundo, embora não seja o maior produtor”.
Atualmente o Brasil utiliza 19% de todo defensivo agrícola produzido
no planeta, segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(Anvisa). “Além disso, mais de 99% dos venenos aplicados na lavoura não atingem a praga alvo. Então, pode-se dizer que mais de 99%
dos agrotóxicos vão para os rios, para o solo, para o ar e para a água
subterrânea”, afirma Habib.
Para Mauro Banderali, especialista em instrumentação ambiental e hidrológica: “Embora a disponibilidade de água no Brasil seja imensa, é
preciso garantir sua qualidade para as gerações futuras. Por isso, ao
detectar o aparecimento de resíduos de agrotóxicos nas reservas de
água subterrânea e superficial, é necessário tomar medidas para evitar
o agravamento do problema. Quando a água é contaminada por defensivos agrícolas, sua detecção e descontaminação é mais difícil e custosa. De modo geral, esses químicos raramente são analisados ou removidos das águas, tornando-se uma ameaça à saúde de todos que a
ingerem, particularmente para substâncias cumulativas”.
CONSEQUÊNCIAS PARA A VIDA AQUÁTICA – A água poluída com agrotóxicos irá prejudicar diretamente a fauna e a flora aquática. “A contaminação das águas pelos agrotóxicos tem efeito direto nos seres
vivos que vivem na água, e na biota de um modo geral. Se o veneno
que chega às águas for o herbicida, o efeito é direto e pode, por
exemplo, matar as plantas aquáticas. Se o rio for contaminado por
um veneno que mata animais, pode ocorrer a morte de algumas
espécies de peixes menores”, explica o professor.
Além dos efeitos diretos, o carregamento de agrotóxicos pelos rios e
lagos, também traz alguns efeitos indiretos para a biota aquática e
para a saúde humana. “Alguns peixes armazenam os agrotóxicos no
tecido adiposo e por isso, não sofrem danos diretamente. No entanto, quando nós compramos esse peixe contaminado com veneno e o
ingerimos, algumas pessoas podem passar mal e sofrer algum tipo
de intoxicação (envenenamento). Tem muita gente que compra peixes pequenos para dar para seu gato de estimação e o animal chega
até a morrer”, alerta Habib.
Ao entrar em contato com a água, os compostos orgânicos provocam
um aumento no contingente de microrganismos decompositores. De
acordo com Mauro Banderali, “além de estarmos criando um ambiente de restrição da vida, ainda criamos uma armadilha para as populações que se utilizam desta água, em razão de inúmeros defensivos
agrícolas utilizarem em sua formulação compostos orgânicos altamente estáveis e lipossolúveis, que se depositam preferencialmente
nas gorduras dos animais. Por ingestão da água ou de animais que
dela dependem, estamos acumulando estes defensivos em gorduras
do corpo que jamais serão eliminadas em vida”.
Ao serem carregados pelas águas superficiais, os agrotóxicos passam a
fazer parte do ciclo natural da natureza. Segundo o professor da Unicamp, “quando se trata de água corrente, o veneno vai fazer parte de
um ciclo e um dia vai chegar ao oceano. Ainda hoje, análises nas
geleiras polares mostram que naquele gelo existe DDT, um veneno
proibido há muitos anos. Isso é para se ter uma ideia do processo: saiu
da lavoura através da chuva, passou pelos rios e mar e através das
correntes marítimas, chegou às geleiras”, comenta Mohamed Habib.
O Dicloro- Difenil tricloro-Etano (DDT) foi o primeiro veneno moderno,
sintetizado em 1874 e utilizado como pesticida a partir de 1939. Após a
Segunda Guerra Mundial, foi usado em larga escala para combater os
mosquitos da malária, sendo banido em vários países na década de 70,
após estudos comprovarem sua relação com casos de câncer. No Brasil,
seu uso foi proibido na agricultura em 1984, porém sua produção em
larga escala, uso como medicamento e exportação foram permitidos até
2009, conforme lei federal nº. 11.936 de 14 de maio de 2009. Segundo
Mohamed Habib, “apesar de proibidos, alguns tipos de venenos como
os organoclorados – antigamente utilizados por produtores rurais –
continuam sendo aplicados e usados ilegalmente”. Os organoclorados
são os inseticidas que mais persistem no meio ambiente, chegando a
perdurar por até 30 anos.
Para Mauro Banderali é preciso conhecer a qualidade das águas nas
regiões influenciadas pela agricultura. “Uma das maneiras de avaliar os impactos dos defensivos agrícolas nos recursos hídricos consiste no monitoramento desses resíduos. Atualmente, já existem
tecnologias que monitoram e mensuram parâmetros físico-químicos
na água e são aplicados no monitoramento geral da sua qualidade.
Porém, certas moléculas químicas específicas exigem o apoio de
laboratórios especializados em sua detecção”.
PROBLEMA BRASILEIRO – Para Mohamed, em relação a outros países, o
Brasil não está conscientizado par o problema. “Países da Europa, da
América do Norte e alguns asiáticos como o Japão têm consumidores muito mais conscientes em relação à utilização de agrotóxicos,
cobrando postura de seus governos. Por isso, os governos e o setor
industrial são mais conscientes, diferentemente do que aqui ocorre
ao se fazer de conta que nada acontece e continuar-se abusando
dos agrotóxicos.” A utilização de agrotóxicos é hoje uma prática
condenada, “porque a ciência coloca à disposição vários outros
métodos de produção. Basta investir. Basta a sociedade humana
valorizar um pouco mais a vida, pois hoje estamos pagando muito
caro pelas irresponsabilidades do passado”.
INGESTÃO DE AGROTÓXICOS E SAÚDE
Pela água ou alimentos, a ingestão de venenos agrícolas em grandes
ou pequenas quantidades pode ocasionar doenças. “Dependendo do
veneno – diz Habib – os efeitos para a saúde humana são morte,
envenenamento estomacal, problemas no sistema nervoso, convulsões, lesões nos rins e cânceres. Esse efeito pode ser agudo, imediato ou crônico, a curto, médio ou longo prazo. As consequências
podem aparecer também nos filhos e netos da pessoa contaminada,
sobretudo quando se trata de carcinomas e tumores”.
Fonte: Redação Ag Solve, por Larissa Stracci. Texto publicado em
EcoDebate ( 24/08/2012).
Cidadania&MeioAmbiente
13
A
M
I
L
C
O sensoriamento remoto da Terra via satélite
abre uma perspectiva de
análise mais abrangente
e confiável acerca da integração entre os fatores
naturais e antrópicos responsáveis pela atual configuração geoclimática.
por Roberto Naime
AÉquecimento global e geobio
absolutamente certo que a contribuição antrópica com as emissões
atmosféricas poluentes industriais,
as queimadas e a grande emissão atmosférica patrocinada por uma quantidade gigantesca e absolutamente descontrolada de automóveis de passeio contribuem de forma decisiva para o aquecimento global. Mas quanto é
contribuição deste fator e quanto é responsabilidade dos fenômenos e ciclos geológicos
históricos, é tema de grandes controvérsias.
Devemos considerar que as previsões de
aquecimento “catastrófico” e os modelos
matemáticos usados nas extrapolações para
o futuro são discutíveis, havendo a possibilidade de estarmos considerando apenas
algumas das variáveis, sem considerar as
condições iniciais do sistema e sem saber
como aplicar o princípio das propriedades
emergentes no conjunto. Estes diversos
fatores interagindo certamente devem criar
novos fatores ainda nem citados.
Isto nos faz monitorar apenas uma parte das
flutuações do clima de nosso planeta, com
certeza. Estas limitações não invalidam os
resultados já alcançados, mas provocam
novos e grandes desafios. O que podemos
afirmar com certeza é que temos nossa parcela e devemos fazer algo a respeito; quan-
14
to a efeitos de origem natural, que nos pre- ção entre as espécies é vital para a seleção
paremos para mitigar consequências e dis- natural. É lógico contemplar uma analogia
solver vulnerabilidades.
simples. Se a interação entre espécies é vital
e todos concordamos que é, porque a interaA variação das condições geológicas do ção entre fatores que controlam determinaplaneta em função da geodinâmica ou tec- dos fenômenos e que necessariamente intetônica de placas gerou uma época onde a ragem (e com isto podem até criar fatores
matéria orgânica era preservada. Isto ocor- emergentes novos) não é tão valorizada e
re quando em ambientes pantanosos, as ár- frequentemente negligenciada.
vores são protegidas da decomposição aeróbica pela água e sofrem então processos Será por mero interesse reducionista para
de soterramento e decomposição anaeró- viabilizar as interpretações matemáticas ou
bica. Isto produz os combustíveis fósseis estatísticas lineares. Porque neste momenhoje conhecidos (carvão e petróleo) e esta to não se interage com fatores reconheciformação corresponde a fases bem deter- damente significativos e consensuais nas
minadas da evolução geológica.
ciências naturais e que se relacionam com
sistemas não lineares como a influência senEste superávit de produção orgânica em re- sível às propriedades iniciais dos sistemas?
lação à respiração é considerado uma das
principais razões para períodos de decrés- TECNÓGENO:
cimo do CO2 e um aumento no teor de oxi- UM CONCEITO INQUESTIONÁVEL
gênio até os níveis elevados dos tempos Todo o planeta, a partir da abordagem de Ter
geológicos recentes, que é um indutor da Stepaniam sobre a introdução do conceito de
vida biológica atual da forma que conhece- tecnógeno, passa por sensíveis mudanças na
mos, ao fornecer energia farta e de uso sim- natureza cibernética e estabilidade dos ecosples aos seres vivos.
sistemas. É preciso entrar com a mente aberta
nas novas portas dos desafios propostos
É princípio indiscutível dentro da ecologia pela complexidade que ainda são mais ampliaque os fenômenos e fatores muito eficientes dos pela multidisciplinariedade que consenpara um indivíduo não são necessariamente sualmente as questões apresentam, e que já
eficientes em comunidades, onde a intera- materializa um “trend” inquestionável.
Posicionado a 824 km da Terra,
o Visible Infrared Imager Radiometer Suite
(VIIRS) obteve esta primeira imagem
global de nosso planeta.
de relevantes intervenções nos meios físico e
biológico pela notável evolução de seu sistema nervoso central. Esta evolução permite ao
cérebro que com pequenas quantidades de
energia conceba e emita avaliações particulares dos estímulos externos que recebe.
NA
SA
Go
rd
dda
Ph
oto
ssistemas
O conceito de tecnógeno desnuda a estabilidade à resistência dos sistemas. Nitidamente, grandes dimensões físico-biológicas não têm mais a
capacidade de se manterem estáveis em regimes de “estresse”. E a estabilidade elástica,
que é capacidade de auto-recuperação dos sistemas naturais, já não ocorre em várias situações, exigindo intervenções antrópicas para
auxiliar na regeneração, numa área científica e
comercial que muito tem se desenvolvido e atende pela denominação genérica de “recuperação de áreas degradadas”, onde os métodos
biotecnológicos têm tido grande participação.
A recuperação de uma área degradada não
objetiva fazer o ecossistema retornar ao estado inicial. Os ecossistemas possuem mais
de um estado de equilíbrio e quando sofrem recuperação, retornam a um estado diferente depois de uma perturbação que geralmente produz novas variáveis de controle e que interagem entre si.
O conceito de estabilidade em um sistema
mecânico, elétrico ou aerodinâmico implica
retorno ao mesmo estado de equilíbrio após
uma perturbação. Num sistema biológico ou
natural isto, com certeza, raramente ocorre.
O homem se tornou este poderoso organismo,
organizado em sociedades complexas, capaz
Ter Stepaniam transformou este conceito
na proposta de um período da evolução da
humanidade, onde a hegemonia da mente
humana sobre os meios físico e biológico
produz a ultrapassagem dos limites de estabilidade, criando uma nova fase na história, onde sem o auxílio da própria espécie
humana, responsável pelas perturbações,
os sistemas não conseguem se recuperar.
Neste sentido, torna-se muito útil e operacional a técnica reducionista que transforma o planeta num mosaico de bacias e subbacias hidrográficas, unidades mais fáceis
de recuperar pela sua dimensão física limitada, do que recuperar todo planeta ao mesmo tempo. Claro que as relações dos elementos físicos e biológicos das bacias e
sub-bacias é universal, interferem obviamente realidades como a dependência sensível das quantidades iniciais e relações que
produzem novos fatores emergentes, mas
nem por isso a técnica deixa de ser válida.
GEOBIOSSISTEMA:
MEIO FÍSICO,
BIOLÓGICO E ANTRÓPICO ASSOCIADOS
Outra possibilidade muito utilizada em substituição às bacias e sub-bacias hidrográficas
é o conceito de geobiossistema, que depende fundamentalmente do uso de técnicas de
sensoriamento remoto e geoprocessamento.
Os elementos dos meios físico, biológico e
antrópico são associados em paisagens unificadoras, onde o uso das técnicas de sensoriamento remoto e tratamento digital de
imagens de satélite, dentro de um contexto
multidisciplinar, permite a transferência e a
evolução de conceitos. Hoje, é disseminada a concepção do conceito de “paisagem”
como expressão do agenciamento dinâmico e superficial dos conjuntos territoriais.
Ou seja, não é mais apenas o solo a face
mais visível do meio físico, e sim a paisagem integradora do solo com os demais fatores, a expressão conjunta das interações
compreendidas ou ainda difusas.
Este agrupamento, capaz de expressar homogeneidades ou realçar diferenciações físicas espaciais e temporais no meio terrestre, origina a conceituação de “geobiossistemas” como unidades territoriais, geográficas ou cartográficas de mesma paisagem,
definidas por características estatísticas do
meio natural físico, biológico, hierarquizadas
por um mesmo sistema de relações.
Portanto podem ser utilizadas as bacias e
sub-bacias hidrográficas como menores
unidades territoriais de sistemas, ou os “geobiossistemas” como elementos de unificação de unidades integradas por mesmas
hierarquias entre os elementos dos meios
físico, biológico (incluindo a química e bioquímica) e antrópicos ou sócio-econômicos.
As cidades, metrópoles ou regiões metropolitanas são os ecossistemas humanos cujas características são heterotróficos. Resumidamente, os materiais (nutrientes, inclusive água) e a energia são importados para as
cidades, que produzem e exportam efluentes
domésticos e industriais e resíduos sólidos
tanto domésticos quanto industriais.
As cidades ocupam de 1 até 5% das áreas
do mundo inteiro (1) , mas alteram a natureza dos rios, florestas, campos naturais e
cultivados, da atmosfera e dos oceanos em
extensão que pode ser muito maior que uma
determinada bacia ou sub-bacia hidrográfica e aqui reside a importância do conceito
de geobiossistema. As áreas urbanizadas
praticamente não produzem alimentos. Dependem totalmente da importação de materiais (água dos sistemas hídricos e alimentos do meio rural) e energia (de hidrelétricas, termelétricas, usinas nucleares, usinas
eólicas ou qualquer outra fonte).
As cidades não possuem uma ecologia separada do bioma em que estão inseridas. Mas
constituem um típico ecossistema urbano
conforme já simplificadamente descrito. ■
REFERÊNCIAS:
(1) ODUM, E. P. Ecologia. Rio de Janeiro: Guanabara, 1988, pg.48.
(2) TER STEPANIAN, G. Beginning of the Technogene. Bulletin IEAG, nº1, ago 1970.
Dr. Roberto Naime – Colunista do EcoDebate,
é Doutor em Geologia Ambiental e integrante
do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em
Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.
Publicado em EcoDebate (09/08/2012).
Cidadania&MeioAmbiente
15
M U D A N Ç A C L I M Á T I C A
Godard/NASA
Ártico 2012:
o que sinaliza
o degelo
recorde ?
Agora é oficial: o degelo no Mar
Ártico neste verão 2012 pulveriza
para pior o recorde anterior.
Segundo o Centro Nacional de
Dados de Neve e Gelo (National Snow and Ice Data
Center (NSIDC) – www.nsidc.
org/), “A cobertura de gelo do
oceano Ártico derreteu em sua
extensão mínima para o ano em
16 de setembro”. A cobertura
total de gelo atingiu 1.320 mil
milhas quadradas, a mais baixa
já registrada desde que o Ártico começou a ser monitorado
por satélites, em 1979 (1).
O
CONTEXTO HISTÓRICO
O recorde anterior de menor cobertura, em 2007, foi uma bizarra
camada medindo apenas 1,6 milhões de quilômetros quadrados
(20% abaixo de 2005) – um recorde chocante que suplantou
o menor anteriormente verificado de 2,1 milhões de quilômetros quadrados. O recorde de
2007 foi de fato tão baixo que
alguns cientistas começaram a
se preocupar com um iminente
Ártico despojado de gelo.
Mas, então, a cobertura de gelo
oceânico recuperou um pouco
em 2008 e 2009. Houve quem
usou essa reversão como prova
de que o aquecimento global tinha acabado, prevendo que o
gelo marinho iria continuar a
aumentar nos próximos anos à
16
medida que a temperatura global começasse a decrescer (2) (3).
Pois os céticos da mudança climática se enganaram redondamente. A tendência da cobertura de gelo marinho declinou em
2010, novamente em 2011, e
agora, em 2012, um novo e assustador recorde de diminuição
da capa de gelo foi estabelecido: quase 20 por cento abaixo
do recorde de 2007.
Fica claro que a lição de tudo
isso é que quando se trata de
clima, não se pode deixar-se levar por qualquer um ano de extremo – tanto para mais quanto
para menos. O que realmente
conta é a tendência de longo
prazo. E desse ponto de vista, é
muito claro que o gelo do mar
Ártico está derretendo muito rapidamente – está assumindo
uma nova feição, com depressões e rachaduras, sendo que a
tendência geral é de queda. Estamos agora 50% abaixo da média mínima do período 1979-2000.
Mas, enquanto não temos o recuo de tempo suficiente para
interpretar todos os dados relativos às observações atuais
em longo prazo, há um aspecto
do evento deste ano muito pre-
por Bill Chameides
ocupante. Não se consegue entender completamente porque a
extensão do gelo do mar ficou
tão baixa ou porque o gelo marinho está diminuindo muito
mais rápido do que os modelos
climáticos previram.
UM VERÃO
SEM INTERCORRÊNCIAS
Podemos estabelecer que a causa da fusão excepcional é devido ao clima? Na verdade, não.
Com a exceção de uma tempestade de verão, período em que
as taxas de derretimento dobraram por alguns dias, a temporada foi, meteorologicamente falando, bastante tranqüila.
Alguns cientistas especulam
que estamos assistindo o resultado do aquecimento de longo
prazo sobre o gelo. A cada temporada anual de derretimento, o
Ártico começa o ano seguinte
com menos gelo e menos gelo
depositado ao longo dos anos,
acúmulo que garantiria grossa
camada. Como o gelo antigo é
perdido, o Ártico torna-se cada
vez mais vulnerável a dramático afinamento da crosta gelada.
A maior parte da cobertura de
gelo atual é jovem e frágil, e,
como tal, derrete mais facilmen-
te. E se isso se confirmar, a realidade sugere que estamos começando a presenciar os efeitos de um sistema de retroalimentação positivo, que “devorará” progressivamente o gelo
do Ártico na estação estival até
que não reste sequer vestígio
da cobertura gelada. O derretimento do gelo no verão significa menos camadas multisseculares de gelo na estação estival
seguinte, o que acarreta mais
derretimento de gelo no verão
e ainda menos camadas de gelo
multissecular.
MODELOS CLIMÁTICOS
SUBESTIMAM O DERRETIMENTO
A constatação atual culmina na
questão dos modelos climáticos.
Neste momento, tais modelos
oferecem uma ampla gama de previsões que em conjunto não conseguem demonstrar de maneira
confiável os índices de derretimento observados. Pior: tendem
a subestimar tais índices. Este
quadro ainda vigora, apesar do
fato de uma nova geração de modelos proporcionarem resultados
mais consistentes. Fatores que
podem contribuir para tais deficiências incluem déficits em
como lidar com os modelos de
variabilidade inerente ao sistema
natural, as correntes oceânicas,
as condições meteorológicas, a espessura da camada de gelo e feedbacks naturais (como a formação de
lagoas no gelo ou o impacto do aquecimento dos oceanos abaixo da camada).
GELO DO MAR ÁRTICO
2011 (MÁX. E MÍN.) E SET. 2012 (MÍN.)
Godard/NASA
Um aspecto preocupante
desta situação é que, se as
emissões de gases de efeito estufa continuar a aumentar, todos os modelos
prevêem que o planeta
conhecerá no futuro um
Ártico livre de gelo no
verão. As previsões de
quando isto pode acontecer variam em função do
modelo: pode ocorrer em
uma ou duas décadas a
partir de agora, ou lá pelo
final do século. Mas já
que os modelos subestimam a taxa de fusão observada nesta década, não
será razoável supor que os
mesmos modelos também
superestimem o tempo que
levará para o gelo de o Ártico derreter totalmente
durante o verão?
O
aproxima rapidamente?
Será que a redução de gelo
do Ártico significará a
ocorrência de novos eventos climáticos incomuns,
como os volumes excessivos de neve e de frio observados nos EUA e na
Europa? Em meu livro (2) as
previsões são alarmantes,
especialmente para o futuro próximo. Um mundo
aquecido é um mundo em
mudança, e quando se trata de meteorologia há poucas apostas seguras. O melhor que posso aconselhar
é que todos se precavenham. O futuro não acena
com céu de brigadeiro.
QUE O NOVO
Referências:
(1) Confira o vídeo da NASA
para ter uma noção visual da
perda dramática do gelo do
mar do Ártico em http://
www.youtube.com/watch?v
= U a K q h RT q S l g & f e a t u r e
=player_embedded
(2) Biogeochemical Cycles AComputer-interactive Study
of Earth System Science and
Global Change (Computerbased Earth System Science
S.), Oxford University Press,
USA, Arpil 1997.
RECORDE DE DEGELO
PRESSAGIA?
Quem, afinal, se importa
com o desaparecimento do
gelo do Ártico? Todos nós.
O gelo é habitat crítico para
focas e ursos, e há evidência crescente “de que a recente redução na camada
de gelo do mar Ártico tenha papel crítico nos últimos invernos frígidos e
com neve” em partes da
Europa e dos EUA. As pesquisas sugerem que o
aquecimento do Ártico já
altera a proliferação de fitoplâncton, elemento-chave no ciclo de carbono
oceânico e na base da cadeia alimentar marinha.
Então, o que esperar para
o Ártico e para o inverno
do hemisfério norte que se
Estas imagens do gelo marinho do Ártico refletem os dados reais
capturados pelo AMSR-E embarcado no satélite Aqua, da NASA.
A imagem ao alto da página é de 7 de março de 2011, quando
o gelo do mar atingiu sua extensão máxima naquele ano, perto
do fim do inverno. A imagem inferior mostra a região a partir de
9 de setembro de 2011, quando o gelo marinho atingiu seu
ponto mínimo naquele ano, perto do final do verão.
Na terceira imagem, obtida pelo satélite de sensoriamento
DMSP SSMI/S, tem-se a visão que assusta os especialistas em
climatologia e estudiosos das mudanças climáticas: a dramática redução da capa de gelo em Setembro de 2012. A região
em cor negra representa a extensão média diária do mar de
gelo no período 1979-2000. E a parcela na cor branca, a extensão do mar de gelo registrada em 16 de setembro de 2012.
Os registros por satélite mostram que tanto a extensão como a
espessura do gelo do mar Ártico continuam em declínio progressivo devido ao aumento das temperaturas globais de superfície (aquecimento global).
Fonte: NASA’s Scientific Visualization Studio, Goddard Space Flight Center (fotos 2011) e Sea Ice Data from the NationalSnow and Ice Data
Center,em http://www.nnvl.noaa.gov/MediaDetail2 .php?MediaI
D=1189&MediaTypeID=1
Dr. William (Bill) Chameides é reitor da Universidade
Duke Nicholas School of the
Environment e membro da
Academia Nacional de Ciências. Foi vice-presidente da
America’s Climate Choices
(http://dels.nas.edu/basc/climate-change/committeeslate.
shtml), painel multidisciplinar
destinado a ajudar os tomadores de decisão política a descobrir soluções para o problema
da mudança climática. Lançado em novembro de 2008, a
pedido do Congresso do EUA,
o relatório final do painel foi
publicado em 12/05/2011
(www.americas climatechoices
.org/). Membro da União Americana de Geofísica , escreve
sobre ciência ambiental em
Twitter @ TheGreenGrok e /
ou no Facebook. Artigo publicado em 21/09/2012 no http://
www.huffingtonpost.com/
bill-chameides/what-does-arecord-arctic_b_1904757.html
Cidadania&MeioAmbiente
17
A Q U E C I M E N T O G L O B A L
Os desastres ambientais já estão provocando o início de uma crise
alimentar no mundo contemporâneo, para a surpresa daqueles que
pensavam que as mudanças climáticas eram um fenômeno que só
afetaria as futuras gerações.
1
2
3
4
5
6
&
Mudanças climáticas
crise alimentar
por José Eustáquio Diniz Alves
O
aquecimento global tem provocado
efeitos climáticos extremos, como, por
exemplo, muita seca em algumas regiões e
muita chuva em outras. Os Estados Unidos
da América (EUA) e a China são as duas
maiores economias do Planeta e os dois maiores produtores de alimentos do mundo. A
Índia, a despeito da enorme pobreza, é um
dos países que apresentam maior crescimento populacional e econômico nos últimos
tempos. Os três países mais populosos do
planeta estão sofrendo os efeitos das mudanças globais provocadas pelo aquecimento global, resultado da emissão desenfreada de gases poluentes de efeito estufa.
18
A seca nos Estados Unidos neste 2012 deve
repercutir em todo o mundo, pois a economia
americana é responsável por quase metade
das exportações mundiais de milho e boa parte
das exportações de soja e trigo. O custo das
carnes ainda não subiu porque, por enquanto, os rebanhos estão sendo abatidos aumentando a oferta, mas os preços provavelmente subirão até o fim do corrente ano. As
chuvas excessivas na China têm reduzido a
produção de alimentos, enquanto uma queda da precipitação provocada pelas monções,
na Índia devem reduzir a produção mundial
de arroz (a seca também tem sido severa no
sertão nordestino do Brasil no corrente ano).
Embora em patamares elevados, o índice
de preços dos alimentos da Organização
das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) vinha caindo ao longo
do ano de 2012. Porém, as chuvas na China, as menores precipitações na Índia e a
pior seca dos últimos 50 anos que atingiu os EUA provocaram a reversão das
tendências, acelerando a tendência de aumento dos preços de alguns produtos
agrícolas, devendo ter um impacto em
outras commodities nos próximos meses.
Há ainda a competição entre produção
agrícola para a alimentação e para energia e biocombustíveis.
IMPACTOS
DA PRIMEIRA GERAÇÃO DE BIOCOMBUSTÍVEIS SOBRE OS PREÇOS AGRÍCOLAS
CENÁRIOS
cereais
outras culturas
pecuária
Este gráfico apresenta os possíveis cenários para o impacto dos
biocombustíveis sobre os preços agrícolas e a segurança alimentar. Embora existam vários fatores que afetam os preços
agrícolas, incluindo variações sazonais, especulação do mercado e padrões climáticos extremos, alguns cenários de desenvolvimento dos biocombustíveis indicam uma relação entre preços
agrícolas e produção dos referidos combustíveis. Este cenário
projeta que o maior aumento de preço será nos cereais, com a
introdução da primeira geração de biocombustíveis desencadeando um aumento de preço variando de 8% a mais de 35%.
Fonte: OFID, Biofuels and Food Security, 2009.Gráfico UNEP-GridArendal publicado em 2012 na coleção Biofuels Vital Graphics – Powering
Green Economy. Design: Nieves Lopez Izquierdo
O
GRANDE DESAFIO DO SÉCULO
21
No dia 09 de agosto, a FAO atualizou os
dados para julho de 2012. O Índice de Preços dos Alimentos chegou a 213 pontos em
julho de 2012, 12 pontos (6%) acima daquele do mês anterior, mas ainda abaixo do pico
de 238 pontos atingido em fevereiro de 2011.
O aumento atual ocorreu devido ao salto
nos preços dos grãos e açúcar, com aumentos mais modestos de óleos e gorduras. Os
preços internacionais da carne e produtos
lácteos foram pouco alterados até o momento, mas devem subir até o final do ano.
O Índice de preços dos cereais chegou na média de 260 pontos em julho, 38 pontos (17%)
acima dos preços de junho e apenas 14 pontos
abaixo do seu ponto mais alto (em termos nominais) de 274 pontos registrados em abril de 2008.
Segundo a FAO, a grave deterioração das perspectivas de colheita de milho nos EUA, na sequência de condições de seca e calor excessivo, empurrou para cima os preços do milho em
23% em julho. Cotações internacionais do trigo
também subiram (19%), em meio a uma piora
das perspectivas de produção na Rússia e aumento da demanda demográfica.
Portanto, os preços dos alimentos voltaram a
apresentar uma tendência de alta, mesmo em
uma situação de desaceleração da economia
internacional. Este vai ser o grande desafio da
segurança alimentar no século 21: lidar com o
aumento da demanda decorrente do aumento
populacional e do crescimento da classe média mundial em um quadro de aumento do preço dos combustíveis fósseis e dos impactos
negativos das mudanças climáticas provocadas pelo aquecimento global.
CRISE
ALIMENTAR E CRISE SOCIAL
O aumento do preço dos alimentos foi um dos
estopins da Primavera Árabe. Uma nova crise
alimentar poderá ser a centelha de novas revoltas pelo mundo afora, especialmente entre
as gerações jovens e desalentadas. Além disto, existem, globalmente, cerca de 1 bilhão de
pessoas em situação de insegurança alimentar. O aumento do preço dos alimentos, num
quadro de crise econômica na área do Euro e
de desaceleração da economia global, pode
provocar uma grande queda no padrão de vida
da comunidade internacional, atingindo, principalmente, as camadas mais pobres e vulneráveis da população mundial. A alternativa
milagrosa do crescimento econômico não é
mais visto como uma panacéia, pois seus efeitos deletérios estão cada vez mais presentes.
Já o decrescimento econômico só seria benéfico para o meio ambiente e para a sociedade
se viesse acompanhado de uma grande redução dos níveis de desigualdade e uma diminuição acentuada do consumo conspícuo das
parcelas ricas do planeta. Mas uma recessão
acompanhada de aumento do preço dos ali-
mentos só vai aumentar o fosso que separa os
incluídos e os excluídos da sociedade.
HOMEM, MUDANÇAS CLIMÁTICAS
E CRISE ALIMENTAR
O fato é que o aumento das atividades antrópicas está provocando mudanças climáticas cada vez mais desastrosas. James
Hansen, diretor do Instituto Goddard de
Estudos Espaciais da Nasa, declarou à BBC
que “A mudança climática já chegou e é
pior do que pensávamos”. Ele disse ter sido
otimista quando testemunhou no Senado
americano, no verão de 1988, ao traçar “um
panorama obscuro sobre as consequências do aumento contínuo da temperatura
impulsionado pelo uso de combustíveis
fósseis”. Segundo Hansen, que está cada
vez mais pessimista, os verões de calor extremo registrados recentemente em diversos pontos do planeta provavelmente são
resultado do aquecimento global.
Portanto, o efeito da interferência humana
no clima pode provocar uma séria crise alimentar, como indica a tendência do índice
de preço dos alimentos da FAO para julho
de 2012. Atualmente a concentração de CO2
está em 390 partes por milhão (ppm), mas
ao ultrapassar 400 ppm provocará secas
ainda maiores. Portanto, é necessário reverter urgentemente o aquecimento do clima e do preço do alimento.
■
LEGENDAS /CRÉDITO FOTOS
1
2
3
4
5
6
Tempestade de areia na margem do Lago Baringo, Quênia-UN Photo
Comunidade haitiana destroçada após terremoto-UN Photo
Vista do Campo de Refugiados Dakhla, no Saara ocidental-UN Photo
Na Índia, a monção provoca inundações mais intensas-Dee Gee
Vegetação de mangue afetada em Hera, Timor-Leste-UN Photo/Martine Perret
Solo rachado na Reserva Natural de Popenguine, Senegal-UN Photo
José Eustáquio Diniz Alves – Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em
demografia e professor titular do mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE.
Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail:
[email protected] publicado no Portal EcoDebate (10/08/2012).
Cidadania&MeioAmbiente
Cidadania&MeioAmbiente
19
Mari Tefre-Global Crop Diversity Trust
S E G U R A N Ç A A G R Í C O L A
Svalbard:
Embora pareça saído de
um filme de ficção científica, o bunker Svalbard
para conservação de sementes é um projeto de
segurança agrícola que
poderá resgatar a humanidade da fome.
por Eleanor Fausold
banco de sementes para o futuro
E
nterrado em uma montanha localizada em
um grupo de ilhas a cerca de 1.000 quilômetros da costa norte da Noruega encontra-se um
cofre-forte cuja função é salvaguardar quase três
quartos de um milhão de amostras de sementes
de todo o planeta.
O Banco de Sementes Global (Svalbard Seed Vault
Global) está localizado perto da vila de Longyearbyen, Svalbard, uma distante região do norte terrestre onde a escuridão total reina por quase quatro
meses do ano. O cofre serve como backup para
coleções vivas de culturas alimentares de todo o
mundo. Nesse “banco genético” são protegidas as
variedades de sementes tanto dos desastres naturais quanto dos provocados pelo homem.
Cary Fowler, diretor executivo da Global Crop
Diversity Trust (1), explica que as sementes depositadas no cofre-forte são cruciais para a preservação da diversidade global de culturas agrícolas. “Nossa diversidade de culturas alimentares está constantemente sob ameaça de grandes
desastres, tais como incêndios, agitação política, guerras e catástrofes climáticas, bem como
de situações corriqueiras como pane elétrica em
sistemas de refrigeração e cortes orçamentais.
Só que estas sementes são o futuro da nossa
alimentação, porque carregam tesouros genéticos tais como resistência ao calor, tolerância à
seca ou resistência a doenças e pragas.”
O cofre-forte atualmente abriga em segurança
740.000 amostras mantidas congeladas por camadas de permafrost (solo congelado) e rocha
espessa que isolam o bunker e mantêm sua temperatura interna muito abaixo de zero, mesmo
sem energia elétrica. Sua construção foi totalmente financiada pelo governo norueguês, mas, agora,
a insituição é mantida através de parceria entre o
governo norueguês, o Nordic Genetic Resources
Center e o Global Crop Diversity Trust.
20
No final de fevereiro e início de março, um
total de 24.948 amostras de sementes chegaram ao cofre, a tempo de comemorar o quarto
aniversário do banco genético. Três recém-chegados particularmente interessantes e célebres
incluem o trigo de uma região remota do Tajiquistão, o amaranto, que já foi cultivado pelos
astecas, e a cevada, agora sendo usada na produção de cerveja no Noroeste do Pacífico Noroeste americano.
O trigo teve origem nas montanhas Pamir, no
Tajiquistão, uma das cadeias montanhosas
mais altas do planeta. A região, repleta de verões quentes e frios, e invernos com muita
neve, abriga uma impressionante variedade de
trigo, o que torna as espécies especialmente
interessantes para os cientistas em busca de
uma variedade resistente à grave doença da
ferrugem do caule do trigo conhecida por devastar colheitas.
O amaranto, enviado pelo National Plant Germplasm Sustem (NPGS) (2), foi cultivado por astecas e incas há 8.000 anos, e suas sementes já
foram utilizadas como grão nutritivo por essas
antigas culturas. O amaranto foi recentemente
“redescoberto” por seu alto valor protéico isento
de glútem, sendo por isso uma alternativa ao trigo, ganhando assim popularidade como alimento.
Algumas das variedades enviadas à Svalbard também já foram usadas para fins medicinais e hoje o
pigmento vermelho das hastes de amaranto confere uma rica cor vermelha à colada morada, tradicional bebida sul-americana consumida no Equador durante o dia de Finados.
Outra contribuição do NPGS incluiu várias subespécies de cevada, que foram introduzidas
pela primeira vez nos Estados Unidos em 1938.
Estes grãos constituem as variedades modernas da cevada “Betzes”, uma antiga variedade
alemã cultivada no Noroeste do Pacífico dos
Estados Unidos e que agora se revela o ancestral de 18 variedades modernas que crescem na
região, incluindo o malte de cevada conhecido
como “Klages”, favorito no movimento de expansão do ofício cervejeiro nos EUA.
Embora o Banco de Sementes de Svalbard seja
por vezes referenciado como “Banco de Sementes do Apocalipse” devido a seu papel na
proteção dos sistemas agrícolas mundiais contra catástrofes naturais ou provocadas pelo
homem. Svalbard desempenha hoje papel vital na proteção da diversidade mundial de sementes é importante, já que, por exemplo, os
bancos de sementes no Iraque e no Afeganistão foram destruídos durante conflitos, e outro foi saqueado durante a revolta no Egito no
ano passado.
É importante analisar e preservar a maior quantidade de variedades de sementes possível, porque mesmo aquelas que hoje podem não parecer importantes poderão vir a ser um trunfo
crítico à sobrevivência da espécie humana nos
próximos anos. Algumas das primeiras variedades estocadas nos anos 1970 e 1980, por
exemplo, foram recentemente identificadas
como sendo de alta tolerância a enchentes e
secas, o que as torna incrivelmente valiosas em
função da aceleração das mudanças climáticas
com o aumenta da freqüência e da gravidade de
eventos climáticos extremos.
■
REFERÊNCIAS:
(1) No site www.nordgen.org pode-se encontrar a
listagem completa dos organismos que enviam sementes para preservação, bem como a listagem de
todas as variedades protegidas em Svalbard.
(2) www.ars-grin.gov/npgs/
Eleanor Fausold é estagiária de pesquisa no
Nourishing the Planet project .
M
I
Iammikeb
O
A
21
N
Cidadania&MeioAmbiente
O
Não há economia
SEM
sistema ecológico
C
dem da economia, mas, o meio
ambiente, não; esse não depende de ninguém, é soberano. O
meio ambiente se encontra em posição superior a tudo, e não o
contrário como ainda insistem alguns, em especial os defensores
da velha economia tradicional que
acreditam na possibilidade de expansão econômica sem restrições, como se o mundo fosse uma
O QUE PRETENDE A
grande massa que se expande
ECONOMIA ECOLÓGICA?
ininterruptamente. Entender os
Economia Ecológica (EE) é
conceitos que formam a base teuma compreensão de que o
órica da (EE) significa compreensistema econômico “gira” (funder definitivamente que o ecosciona) em torno do mundo bisistema é o TODO; a economia
ofísico de onde saem matéri(atividade), por sua vez, é apenas
as-primas e energia. Essenciuma PARTE dependente desse
almente, a (EE) busca nas Leis
todo. Em síntese, esse é o discurda Termodinâmica (calor, poso mais proeminente que emerge
tência, energia, movimento) a
da (EE) que traz ainda em seu bojo
base para explicar teoricamena necessidade de condenar veete a realidade socioeconômiA Economia Ecológica busca promo- mentemente o discurso predomica e ambiental. Busca promonante da macroeconomia tradiciver, igualmente, a interface
onal que apenas intenciona fazer
ver a interface entre os ecossistemas
entre os ecossistemas natua economia crescer a qualquer
naturais e o sistema econômico.
rais e o sistema econômico. O
preço. Ora, pensar assim, medinponto relevante da (EE) repoudo a economia apenas com a répor Marcus Eduardo de Oliveira
sa sobre o entendimento de
gua macroeconômica, é olhar para
que o sistema econômico é
a questão ambiental e vê-la tão
aberto ao universo na tentativa de captação Em que pese o fato da economia tradicio- somente como mais uma mera externalidade.
de energia. É assim que a (EE) toma empres- nal cometer o crasso equívoco de se “jultada as “leis da física” para explicar que há gar” superior ao meio ambiente, o que re- Definitivamente, a (EE) entende o sistema ecolimites ao crescimento econômico. Com isso, presenta, per si, uma visão estreita, o pon- nômico a partir de sua inserção e relação com
promove-se a boa discussão entre consu- to de maior relevância é que a economia as questões ambientais, sabendo da existênmo versus meio-ambiente; dito de outra for- (atividade) é completamente dependente cia de limites, pois aponta dedo em riste para o
ma, o que está em debate, nesse pormenor, é das coisas da natureza, e não o contrário. fato de que o planeta Terra não aumentará de
a velocidade de crescimento econômico vertamanho. Reitera-se que o meio ambiente é
sus a capacidade de regeneração dos recur- Reforça-se esse argumento com outro im- escasso e limitado, e por mais que nos lancesos naturais, afinal, habitamos um planeta portante fato: a capacidade de sobrevivên- mos ao exercício de imaginar mil maneiras difeem que três quartos da população mundial cia da espécie humana é integralmente de- rentes, a Terra não sofrerá aumento em seu
vivem em países que consomem mais recur- pendente das condições ambientais. Quan- tamanho. Portanto, essa questão fica mais clasos do que conseguem repor.
do então pensamos a economia por essa ra assim: não é possível crescer economicaperspectiva, não se deve perder de vista, a mente a qualquer preço! Há e sempre haverá
A existência, portanto, de uma corrente de título de melhor compreensão, a brilhante limites físicos para isso. O freio a ser dado,
pensamento denominada de Economia Eco- definição de Lionel Robbins (1898-1984) à portanto, reside no lado das necessidades
lógica se prende a um ponto factual: não há economia como sendo “a ciência que estu- humanas. Diminuir a voracidade de consumo
economia (produção – consumo – distribui- da o comportamento humano como uma re- para dar “respiro” ao ecossistema. Que a Ecoção) sem sistema ecológico. Pensar a ativi- lação entre fins e meios escassos que têm nomia Ecológica esteja sempre presente nas
dade econômica fora dessa primordial ques- usos alternativos”.
ações e no ideário de todos que sonham viver
tão ambiental é o mesmo que pensar um munnum mundo melhor. A vida e o planeta Terra
do sem a presença das pessoas, habitado, Com isso, promover a interface entre as pes- certamente saberão agradecer.
■
apenas e tão somente, por insetos e seus soas, a economia e o meio ambiente nos pacongêneres. Por essa perspectiva, somos le- rece ser de fundamental importância, visto
vados a pontuar um fato inexorável: a econo- que tanto a economia quanto às pessoas de- Marcus Eduardo de Oliveira é Economista e
mia está “dentro” de algo muito maior cha- pendem integralmente do meio ambiente, e a Professor de economia da FAC-FITO e do
UNIFIEO, em São Paulo.
mado meio ambiente. E o meio ambiente é economia depende, por seu turno, das pes- [email protected] Artigo publilimitado, não se expande no dia a dia.
soas assim como também as pessoas depen- cado no portal EcoDebate (09/08/2012)
E
À
medida que o meio am
biente apresenta evi
dentes sinais de estar
enfraquecido em face da
agressão patrocinada pela expansão econômica sem freios,
abre-se a perspectiva de maior inserção dos preceitos que
emolduram a chamada Economia Ecológica.
22
Cidadania&MeioAmbiente
23
A Amazônia legal e internacional passa por um avassalador
processo de destruição que visa
transformar a região em uma
base de expansão do modelo
primário exportador, vetor de
grandes impactos ambientais e de
degradação do modo de vida
dos povos da floresta e das comunidades tradicionais.
por Elder Andrade de Paula
24
Sam Beebe - Ecotrust
M O D E L O d e D E S E N V O LV I M E N T O
Amazônia:
desenvolvimento
insustentável
IHU ON-LINE – QUAIS AS CONTRADIÇÕES DAS POLÍTICAS CLIMÁTICAS
E DA ECONOMIA VERDE?
Elder Andrade de Paula – Muitas. A primeira delas é que as políticas climáticas e a economia verde não enfrentam os problemas
estruturais que geram as mudanças climáticas no mundo, como,
por exemplo, o atual padrão da civilização capitalista, dominado por
um consumo crescente de mercadorias que demandam mais e mais
energia, e a concentração de renda que acompanha esse movimento. Portanto, todas as políticas que têm sido pactuadas internacionalmente para “enfrentar” as mudanças climáticas funcionam como
aspirinas para pacientes terminais, por não enfrentarem o problema
estrutural. O modo de enfrentamento dos problemas ambientais
tende a reproduzir, em escala ainda mais profunda, as desigualdades entre Norte e Sul e as desigualdades internas dos países.
Normalmente, os meios de comunicação têm tratado o resultado
das Conferências do Clima como um fracasso, mas, na verdade,
não é isso. Essas convenções têm chegado a acordos que vão se
implantando mundialmente, acordos nos quais tendem a prevalecer os interesses daqueles que destroem o planeta e ganham dinheiro com isso. Essas pessoas passam a ganhar dinheiro com o
discurso de que conservarão o planeta, seja através de documentos diversos, como a comercialização dos créditos de carbono,
serviços ambientais. Enfim, todas essas políticas que são vendidas como a salvação dos problemas climáticos.
IHU – O QUE FAZER PARA SOLUCIONAR OS PROBLEMAS AMBIENTAIS,
CLIMÁTICOS E SOCIAIS? COMO COMPATIBILIZAR DESENVOLVIMENTO E
SUSTENTABILIDADE?
E.A.P – Temos de nos perguntar se é possível continuarmos com
a lógica que preside a ideologia do desenvolvimento. Uma manchete do jornal Folha de S.Paulo trazia a chamada: “A Amazônia
vira motor do desenvolvimento”. E, logo abaixo, uma foto ilustrava os conflitos da juventude em Roma, em luta contra as grandes
corporações e o sistema financeiro que têm intensificado as crises social e ambiental. Portanto, a mesma chamada que anuncia
uma região como motor de desenvolvimento mostra, a partir de
outra foto, o resultado desse desenvolvimento.
“
A criação de unidades
de conservação, anunciada como
solução para preservar a Amazônia,
tem sido um artifício para transferir
a capitais privados
o direito de uso desses territórios.
”
Nos anos 1990 surgiu esse nome simpático de desenvolvimento
sustentável. Mas como os críticos de primeira hora já anunciaram, essa é somente uma forma de tentar dar outra coloração para
um processo que não tem solução. Dentro dessa lógica de expansão incessante do processo de acumulação do capital em nível
local e internacional, não há como contornar os problemas gerados. Existem inúmeras alternativas para isso. A Bolívia e o Equador propõem uma ruptura com a ideia de desenvolvimento sustentável para se construir outros mundos necessários.
década de 1970. Todos os esforços realizados pelo governo em
nível federal ou estadual são para transformar a Amazônia em uma
base de expansão desse modelo primário exportador. As repercussões para as populações que vivem em tais territórios são
enormes, uma vez que eles estão sendo avassalados de formas
diversas por empresas madeireiras e mineradoras. As populações
camponesas, os seringueiros, os ribeirinhos, todos os assentados, todos os que vivem da terra e na terra estão sendo afetados
por essas grandes obras. Além disso, a população que vive no
meio urbano, que representa mais de 70% da população na Amazônia Legal, está concentrada em condições extremamente precárias, porque não existe um projeto de industrialização que possa
gerar trabalho e condições dignas de vida para as pessoas.
Bolívia e Equador apresentam o bem-viver como uma possibilidade
pautada em heranças culturais, em outra visão da relação sociedadenatureza, não fundamentada na acumulação incessante de capital e
de mercadorias, mas em outro tipo de vida que permita a todos ter o
suficiente para viver sem destruir o lugar onde se vive. Está mais do
que na hora de enfrentarmos esse problema de forma contundente.
A criação de unidades de conservação, anunciada como solução para
preservar a Amazônia, tem sido um artifício para transferir a capitais
privados o direito de uso desses territórios. O exemplo mais emblemático disso é a lei 11.286, de 2006, que instituiu a concessão de florestas
públicas para a exploração pelas madeireiras. Iniciativas como essas
promovem a privatização de tudo que existe nessa região.
O bem-viver não é somente um caminho para a civilização em
curso. Não podemos pensar em importar o bem-viver como percepção do mundo andino para o Brasil, por exemplo. Mas podemos pensar que a civilização, tal como se apresenta hoje, não tem
saída possível para uma vida melhor para todos. Então, podemos
nos inspirar na ideia de que todos podem viver melhor, e que não
haja, numa sociedade, um grupo muito pequeno que explora todos os recursos para manter um padrão de vida extremamente
elevado, enquanto a maioria não tem nada. As chamadas políticas
compensatórias são provisórias, são conjunturais.
Hoje, a situação da Amazônia é muito mais dramática do que na
década de 1970, quando a questão da terra estava posta como
elemento essencial na luta de resistência. Atualmente, a luta é
contra a mercantilização da natureza e da vida. É bom ter consciência de que isso não está sendo feito sem resistência. Os povos
do Pará estão se mobilizando contra Belo Monte e conseguindo
apoio nacional e internacional. Na Bolívia, a 8ª Marcha dos Povos
das Terras Baixas contra a estrada que vai cortar as terras indígenas e o Território Indígena y Parque Nacional Isiboro Sécure
(Tipnis) mostram a disposição dos povos indígenas em enfrentar
esse projeto. Estamos vivendo um período que vai abrir conflitos
de alta intensidade nessa região para se contrapor à expansão
avassaladora do processo de destruição capitalista em curso.
IHU – COMO A POLÍTICA AMBIENTAL E A POLÍTICA ECONÔMICA DO GOVERNO FEDERAL TÊM IMPACTADO OS POVOS TRADICIONAIS DA AMAZÔNIA?
E.A.P – Em 2003, defendi uma tese de doutorado cujo título é “Estado
em desenvolvimento insustentável na Amazônia Ocidental: dos
missionários do progresso aos mercadores da natureza”. Portanto,
há oito anos faço uma crítica a esse novo modelo que começava a
aparecer como a solução para os problemas da Amazônia. Procurei
mostrar a incompatibilidade entre a conservação da natureza e o
bem-estar social com a rentabilidade do capital. O que estamos vendo é uma aceleração monumental da insustentabilidade.
Está acontecendo na Amazônia um processo avassalador de destruição que pode ser comparado ao período da ditadura militar da
IHU ON-LINE – NO ACRE, UM MILHÃO DE HECTARES FOI CONCEDIDO
AO MANEJO FLORESTAL MADEIREIRO. QUE ÁREAS SÃO ESSAS? COMO AS
COMUNIDADES INDÍGENAS SÃO AFETADAS?
E.A.P – Grandes empresas transnacionais operam regionalmente
com laranjas, muito associadas ao poder local. É possível comparar a situação que acontece no Acre a do Mato Grosso, que foi
capturado e dominado pelos interesses do agronegócio. No Acre,
o poder estadual foi capturado pelo agronegócio da madeira. O
grupo que domina o poder desse estado há 13 anos tem o PT
como liderança e está associado à importação da madeira.
Cidadania&MeioAmbiente
25
Antonio Cruz/ABr
somente na reserva extrativista Chico
Mendes vivem 1800 famílias. Isso quer
dizer que a fábrica de preservativos não
atende sequer 50% dos moradores da reserva extrativista Chico Mendes.
Não sabemos efetivamente o montante dos
recursos que foram destinados para a implantação da empresa. Temos a desconfiança de que, com o que foi utilizado para a
construção e manutenção da fábrica, seria
possível atender mais de 50% das famílias
existentes em todo o Acre. Mas como não
há nenhuma transparência, nada que possa parecer com possibilidade de controle
do público sobre o governamental nessas
terras, não temos informações seguras.
O seringal São Bernardo é uma área que
está sendo explorada pela Laminados Triunfo. A área explorada por eles é ocupada
Índios protestam contra a construção da usina de Belo Monte na Amazônia.
por famílias que lá vivem há décadas, mas
que não têm documentos de regulamentaDigo com toda a segurança que nem a população camponesa nem os ção da terra. Por isso elas estão sendo pressionadas a desocupar a
indígenas se beneficiam com a plantação madeireira na região. Ao terra para que a exploração madeireira possa acontecer. Os depoicontrário, elas têm sido extremamente afetadas por este movimento mentos das pessoas são extremamente comoventes. Estive lá por
crescente de destruição das matas. Para se ter uma ideia, o projeto mais de duas vezes conversando com os que estão sendo atingique é dito como modelo pelos ambientalistas de mercado no Brasil, dos, e somente agora estão encontrando uma forma de reagir, pordifundido internacionalmente como modelo de exploração sustentá- que o fato ganhou notabilidade pública nacional. Antes eles não
vel de madeira, de manejo comunitário, não atende à comunidade. conseguiam reagir porque o movimento sindical é controlado pelo
Todas as famílias que vivem do Projeto de Assentamento Agroextra- governo. As organizações representativas dos segmentos sociais
tivista Chico Mendes estão cadastradas no programa Bolsa Família, subalternos, em sua maioria, estão subordinadas ao esquema parapesar de praticarem o manejo comunitário de madeira há quase uma tidário e clientelista, que foi reconfigurado pela aliança entre o PT a
década. Segundo depoimento de uma das principais lideranças do direita tradicional, que representa parte do poder oligárquico.
projeto, a renda que essas pessoas obtêm anualmente com a venda
de madeira é de R$2.500,00 porque o metro cúbico de madeira é ven- O sindicato dos trabalhadores rurais de Xapuri, que tem como
dido a R$90,00 para a Laminados Triunfo, a grande madeireira que presidente a Dercy Teles, que foi a primeira presidente do sindicadomina este pedaço. Os R$90,00 não são líquidos, porque as pesso- to dos trabalhadores rurais do Brasil, também tem enfrentado e
as têm que pagar o serviço das máquinas.
feito oposição a tal modelo. Na universidade, professores e estudantes manifestam críticas ao modelo que está em curso.
Enquanto a madeireira compra esta madeira a R$90,00 por metro
cúbico, na cidade ninguém consegue comprar madeira desta qua- IHU – COMO AVALIA A ATUAÇÃO DO BNDES NO FINANCIAMENTO
lidade por menos de R$1.400,00 o metro cúbico. Boa parte dela é DA CONSTRUÇÃO DE NOVAS HIDRELÉTRICAS NA REGIÃO AMAZÔNICA?
destinada à exportação com o chamado selo verde. As marcenari- E.A.P – Os projetos que o BNDES tem financiado, seja na Amazôas de pequeno porte que envolviam o trabalho familiar encerra- nia brasileira, seja na Amazônia continental, estão repercutindo
ram suas atividades, e as que ainda funcionam utilizam o MDF de forma negativa nesses territórios. A fábrica de tacos, financiaque vem do sul do Brasil. As marcenarias não têm acesso à madei- da no eixo da BR-317, perto de Xapuri, produzirá enorme impacto,
ra porque o preço é exorbitante.
destruindo a reserva extrativista Chico Mendes e tirando madeira
de lá. As obras da construção de hidrelétricas em Madre Dios,
IHU – ALÉM DO PROJETO DE ASSENTAMENTO AGROEXTRATIVISTA CHICO que fazem parte do acordo energético entre Brasil e Peru, também
MENDES, CONHECE COMO FUNCIONA A FÁBRICA DE PRESERVATIVOS produzirão impactos enormes, desalojando povos indígenas e
NATEX E O SERINGAL SÃO BERNARDO? QUAL A FINALIDADE DESSAS camponeses de áreas que vivem lá secularmente.
ENTIDADES E SEUS PROJETOS EM RELAÇÃO AO MEIO AMBIENTE?
E.A.P – A Natex é uma fábrica de preservativos financiada pelo O caso da Bolívia é bastante emblemático. A 8ª Marcha está lutando
BNDES, ou seja, funciona com recursos públicos e tem um con- contra o projeto financiado pelo BNDES de construir a estrada que
trato de fornecimento dos preservativos para o Ministério da Saú- liga San Ignacio de Moxos até Villa Tunari, em Cochabamba. A emde. O objetivo anunciado pela empresa seria criar uma alternativa preiteira que vai construir a estrada é a brasileira OAS, e quem mais
para os seringueiros, que têm na extração do látex importante vai se beneficiar com esse projeto são o agronegócio da pecuária de
atividade para a composição da renda familiar. Todavia, ela com- Beni e o agronegócio da soja, que estão em Santa Cruz. O BNDES
pra o látex tão somente de 700 seringueiros. Para se ter uma ideia, tem atuado contra os interesses dos povos que vivem nessa região
26
DESMATAMENTO ACUMULADO ATÉ 2011
Imazon
AS ÁREAS PROTEGIDAS DA AMAZÔNIA LEGAL
e a favor da continuidade desse projeto de espoliação não só da de acumulação demanda outras matérias-primas que repercutem
Amazônia brasileira, mas também da Amazônia continental.
na destruição do território, como energia para explorar minerais,
produtos oriundos do setor do agronegócio, como soja, biocomO que o BNDES faz hoje não é diferente do que o Banco Mundial bustíveis, madeira, exploração petroleira. Quem trabalha com petem feito, desde a sua criação, nos países colonizados. Então, o tróleo, mineração e madeira são grandes transnacionais que conbanco reproduz, fora do Brasil, um modelo de exploração.
trolam esses comércios mundialmente.
IHU – TEM ACOMPANHADO OS PROTESTOS NA BOLÍVIA MOTIVADOS
PELA CONSTRUÇÃO DA ESTRADA QUE AFETARÁ AS COMUNIDADES INDÍGENAS? COMO VÊ ESSE DEBATE?
E.A.P – Estive na Bolívia na última semana de setembro de 2011
participando de um seminário e conversei com lideranças indígenas e camponesas da tríplice fronteira.
O governo de Evo Morales tem um forte apoio dos dois povos mais
poderosos da Bolívia, Aymará e Quéchua. Nas terras baixas, vivem
34 dos 36 povos da Bolívia, os quais serão mais afetados pela
construção da estrada. O projeto de governo de Evo Morales, no
sentido de enfrentar o drama social da Bolívia de extremo empobrecimento da população, passa pela capacidade de o Estado obter
recursos para dar continuidade à política governamental, que é
muito parecida com a política filantrópica posta em marcha no governo Lula. Para isso ele tem que expandir as ações entre governos
para a exploração do território amazônico, onde estão as maiores
riquezas naturais do país. Ocorre que nessa região vive a minoria
da população, e, portanto, o governo irá contar sempre com o apoio
da maioria para “desenvolver” em nome do Estado plurinacional. A
ideia é que o Estado boliviano necessita obter ingressos para fazer
as políticas necessárias a fim de “cambiar”, transformar a sociedade. O ponto essencial é que os povos que estão marchando se
opõem a essa expansão avassaladora da exploração predatória sobre seus territórios. Conflitos contra esse processo de expansão
acelerada de grupos capitalistas de diversos locais do mundo (Chile, China, Estados Unidos, Brasil) ocorrem em todas as partes dos
territórios que compõem a Amazônia Continental. Há aí uma disputa enorme para extrair as riquezas existentes.
O que acontece hoje não se compara com o processo de exploração ocorrido na Amazônia do século 19 para o 20, quando se deu
a exploração da borracha para movimentar a principal indústria
automobilística emergente naquele período. Agora, o processo
IHU – O PRESIDENTE EVO MORALES VIVE UM DILEMA AO TENTAR DESENVOLVER O PAÍS E GARANTIR OS DIREITOS DAS COMUNIDADES INDÍGENAS?
Elder Andrade de Paula – Sim, vive muitos dilemas. Entre a efetivação de uma Constituição que garantiu o exercício das autonomias
pelas diferentes nações que vivem naquele território sob seus territórios, Evo Morales assumiu o compromisso com a efetivação de um
Estado plurinacional – essa foi uma forma de descolonizar o saber e
o poder, e de fazer com que essas autonomias tivessem formas efetivas de se implementarem. Ao mesmo tempo, ele assumiu o compromisso de reduzir ou eliminar a pobreza do país, garantindo uma redistribuição de renda. Evo Morales tem enfrentado dilemas não só no
nível nacional com o poder oligárquico, mas também entre os movimentos sociais que acabam se dividindo segundo os interesses de
seus representados ou de quem os representa. Outro grande dilema
diz respeito à baixa autonomia relativa do Estado plurinacional boliviano no jogo interestatal internacional.
Para enfrentar o poder estadunidense, o governo boliviano teve
que fazer alianças regionais com os governos venezuelano e brasileiro. No caso brasileiro, a fatura que o governo tem cobrado é
muito alta. O governo brasileiro não abre mão da construção da
estrada do Tipnis. Como o Brasil é o Estado mais poderoso entre
os envolvidos diretamente, ele acaba interferindo na capacidade
interna do Estado boliviano de decidir soberanamente sobre o
que é mais adequado para o conjunto da sua população.
■
Elder Andrade de Paula é licenciado em Ciências Agrícolas, pela UFRRJ,
especialista em Ciências Sociais com enfoque na Amazônia, pela UFAC,
mestre e doutor em Desenvolvimento Agrícola e Sociedade. Atualmente é
docente dos programas de Mestrado em Desenvolvimento Regional e de
Ecologia e Manejo de Recursos Naturais, da Universidade Federal do
Acre/UFAC. Entrevista publicada pelo IHU On-line do Instituto Humanitas Unisinos/IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS., e no portal EcoDebate (21/10/2011).
Cidadania&MeioAmbiente
27
Anthrotect
A
R
U
T
L
U
C
I
R
G
A
Terras desmatadas:
O drama do Código Florestal mexe frequentemente mais com o fígado do que com a cabeça, e vale a pena examinar alguns dados básicos.
Nada melhor do que ir à
fonte primária dos dados,
que têm origem essencialmente no Censo Agropecuário do IBGE.
por Ladislau Dowbor
a subutilização faz ‘absurdo’ exigir mais
A
superfície do Brasil, como todos aprendemos na escola, é de cerca de 8,5 milhões de quilômetros quadrados. Em hectares, isto representa 850 milhões. Desta
superfície total, descontando a Amazônia
distante, regiões demasiado secas do Nordeste ou alagadas do Pantanal, temos uma
parte apenas em estabelecimentos agrícolas, representando um total de 334 milhões
de hectares. Descontando as áreas paradas dos estabelecimentos agrícolas, temos
225 milhões de hectares de terras classificadas como “em uso”.
Muito interessante ver o que está contido
neste “em uso”. Basicamente, temos como
atividade relativamente intensiva a lavoura
temporária, que ocupa 48 milhões de hectares,
e a lavoura permanente que ocupa 12 milhões.
Incluindo matas plantadas, que ocupam 5 milhões, temos um total de 65 milhões de hectares dedicados à lavoura, sobre um uso total de
225 milhões. O que acontece com os 160 milhões restantes? Trata-se de pasto, natural ou
melhorado, mas consistindo essencialmente
no que se chama de pecuária extensiva. Ocupa 71% do solo agrícola em uso. Quase duas
vezes e meio a superfície da França. As proporções de uso do solo nas últimas décadas
[1] podem ser vistas na tabela 1.
No documento do Censo Agropecuário de
2006, publicado em 2009, encontramos os
dados complementares seguintes [2].
28
A agropecuária ocupa o solo de maneira
pouco produtiva ao extremo: “A taxa de lotação em 1996 era de 0,86 animais/ha e foi
de 1,08 animais/ha em 2006”. (p.8) Disto resulta que a atividade que ocupa 71% do
solo em uso do país participe com apenas
10% do valor da produção agropecuária.
(p.2) Trata-se de uma gigantesca subutilização do solo agrícola já desmatado.
O Censo também mostra que, entre 1996 e
2006, “houve uma redução de 12,1 milhões
de hectares (-11%) nas áreas com matas e
florestas contidas em estabelecimentos
agropecuários” (p.2). É interessante cruzar
este desmatamento com o fato que “os maiores aumentos dos efetivos bovinos entre
os censos foram nas Regiões Norte (81,4%)
e Centro-Oeste (13,3%).
As reduções do número de estabelecimentos
com bovinos e dos rebanhos do Sul e do Sudeste mostram que a bovinocultura deslocouse do Sul para o Norte do país, destacandose, no período, o crescimento dos rebanhos
do Pará, Rondônia, Acre e Mato Grosso. Nestes três estados da região Norte, o rebanho
mais que dobrou, enquanto que em Mato
Grosso o aumento foi de 37,2%” (p.8).
A pecuária extensiva emprega muito pouco.
Em 2006, foram recenseadas 17 milhões pessoas ocupadas em estabelecimentos agropecuários, 19% do total (p.9). São os peque-
nos estabelecimentos que geram mais empregos: “Embora a soma de suas áreas represente apenas 30% do total, os pequenos estabelecimentos (área inferior a 200
ha) responderam por 84,36% das pessoas
ocupadas em estabelecimentos agropecuários. Mesmo que cada um deles gere poucos postos de trabalho, os pequenos estabelecimentos utilizam 12,6 vezes mais trabalhadores por hectare que os médios
(área entre 200 e 2000 ha) e 45,6 vezes
mais que os grandes estabelecimentos
(área superior a 2.000 ha)” (p.10)
Outro ponto importante, a concentração do
controle da terra continua absurda: “Os
resultados do Censo Agropecuário 2006
mostram que a estrutura agrária brasileira, caracterizada pela concentração de
terras em grandes propriedades rurais, não
se alterou nos últimos 20 anos”. (p. 3).
Basicamente, 50 mil estabelecimentos com
mais de 1.000 hectares – ou seja, 1% do
total de estabelecimentos – concentra 43%
da área (146,6 milhões de hectares). São os
que mais subutilizam a terra (ver tabela 2).
E como os grandes empregam pouco, gerase a pressão sobre as cidades. A questão
do uso do solo e a contenção do desmatamento fazem parte do mesmo problema da
racionalidade do uso dos nossos recursos
naturais e da estabilidade dos trabalhadores da terra. Tem a ver com todos nós, e não
apenas com ruralistas.
As conclusões são relativamente
óbvias. Dada a imensa subutilização das terras já desmatadas, é
simplesmente absurdo exigir mais
desmatamento. O desmatamento
está se dando em áreas vulneráveis (a maior expansão da pecuária está nas bordas da Amazônia),
e mantém o ciclo destrutivo. O ciclo agrícola deve conjugar os objetivos de produção, emprego e
preservação do capital-solo e dos
recursos naturais. Claramente, o
caminho é o da intensificação tecnológica, capacitação e apoio ao
pequeno e médio agricultor, levando a um aproveitamento melhor e mais limpo do solo agrícola
já usado; e apropriação maior de
terras já desmatadas e subutilizadas pela pecuária extensiva.
Os dados do Censo mostram elevado nível de analfabetismo. Mais
de 80% dos produtores rurais têm
baixa escolaridade. Mais da metade dos estabelecimentos onde
houve utilização de agrotóxicos
não recebeu orientação técnica (pp
1 e 4). Não é de mais química e de
mais desmatamento que a agricultura precisa, e sim de um salto formação, de eficiência tecnológica,
social e ambiental. Temos os conhecimentos e recursos necessários. É um novo século. Produzir
não é apenas expandir, é melhorar.
Meio ambiente não é entrave, é
oportunidade para um novo ciclo.
E francamente, quando os grandes
do agronegócio se colocam em
defesa do pequeno, devemos olhar
melhor os argumentos.
■
Proporção das terras em uso agrossilvipastoril dos estabelecimentos agropecuários em
relação ao total da área territorial, segundo o tipo de utilização das terras Brasil - 1970/2006
Proporção das terras em uso com lavouras em relação à superfície territorial do Brasil,
por tipo de lavoura -1992-2008
Área e Distribuição dos estabelecimentos rurais, segundo o estrato de área - 1985/2006
Ladislau Dowbor – Formado em
economia política pela Universidade de Lausanne, Suíça; Doutor em
Ciências Econômicas pela Escola
Central de Planejamento e Estatística de Varsóvia, Polônia (1976). Atualmente é professor titular no departamento de pós-graduação da
PUC-SP nas áreas de economia e
administração; consultor da ONU,
de governos e municípios; conselheiro no Instituto Polis, CENPEC,
IDEC, Instituto Paulo Freire e outras instituições. Artigo originalmente publicado em Outras Palavras,
socializado pelo MST e republicado em EcoDebate (29/05/2012).
http://dowbor.org/ladislau-dowbor/
Cidadania&MeioAmbiente
29
EE CC O
O LL O
O G
G II AA dd aa D
D O
O EE N
N Ç
Ç A
Albert Adams/ University of Salford
Destruir a
natureza
libera
doenças
infecciosas
A
expressão – serviços ecossistêmicos (ou
serviços ambientais) – atualmente usada por biólogos e economistas refere-se aos
muitos modos como a natureza dá sustentação às ações humanas. Exemplificando, as florestas filtram a água que bebemos, os pássaros e as abelhas polinizam plantações – ações
de substancial valor econômico e biológico.
Se não formos capazes de compreender e
cuidar do mundo natural, podemos causar
o colapso desses sistemas, que nos retribui com respostas desconhecidas e assustadoras. Um exemplo crítico vem a ser o
desenvolvimento de doenças infecciosas,
fato comprovado pela maioria das epidemias – Ebola, Febre do Nilo, SARS (síndrome
da doença respiratória aguda), doença de
Lyme e centenas de outras – ocorridas não
30
Especialistas em doenças tropicais e natureza explicam
porque a saúde humana está
intimamente interligada à
saúde animal e ambiental –
mix que precisa ser estudado
e gerido de forma holística.
por Jim Robbins
por acaso ao longo das últimas décadas.
Elas são a consequência de como o homem
lida com a natureza.
Segundo evidências, a doença parece ser em
grande parte uma questão ambiental. Sessenta por cento das doenças infecto-contagiosas que afetam os seres humanos têm como
foco de origem os animais. E mais de dois
terços delas provêm de animais silvestres.
Equipes de veterinários, biólogos, especialistas em conservação, médicos e epidemiologistas conjugam conhecimento em escala
global para entender a “ecologia da doença”. Esse esforço faz parte de um projeto chamado Prever, financiado pela USAID (Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional). A partir da alteração do
meio ambiente pela ação humana – por exemplo, com a abertura de uma estrada ou a implantação de uma exploração agrícola – os
especialistas procuram descobrir onde as próximas doenças provavelmente vão atingir os
seres humanos e como identificá-los quando
surgem, antes de se disseminarem. Eles estão
coletando sangue, saliva e outras amostras
de espécies de animais silvestres de alto risco
a fim de criar um banco de vírus. Assim, em
caso de infecção do ser humano o agente pode
ser mais rapidamente identificado. Também
estudam maneiras de manejo florestal, de animais silvestres e de gado para evitar que as
doenças deixem a floresta e assumam o caráter de nova pandemia.
O que está em jogo não é apenas a saúde
pública, mas a economia. O Banco Mundial
estima, por exemplo, que uma pandemia de
gripe severa pode custar US$ 3 trilhões à
economia mundial.
O problema é agravado pelo modo como os
animais de criação são mantidos em países
pobres, fator propício à transmissão de doenças por animais silvestres. Um estudo (1) divulgado no início deste mês pelo International Livestock Research Institute descobriu
que mais de dois milhões de indivíduos morrem a cada ano devido a doenças contraídas
junto a animais silvestres e domésticos.
O vírus Nipah, no sul da Ásia, e o aparentado vírus Hendra, na Austrália (ambos do
gênero viral henipah) são os exemplos mais
urgentes de como a modificação de um ecossistema pode deflagrar doenças. Os vírus
se originaram de raposas-voadoras (Pteropus vampyrus), também conhecidos como
morcegos frugívoros (comedores de frutas).
Eles costumam se pendurar de cabeça para
baixo, enrolados em suas asas membranosas, à semelhança do personagem Drácula,
e se alimentam da polpa de frutas, cuspindo suco e sementes.
Os morcegos evoluíram concomitantemente
com os vírus henipah ao longo de milhões
de anos, esta co-evolução faz com que os
indivíduos hospedeiros dos vírus experimentem no máximo sintomas de resfriado. Mas,
uma vez que o vírus passa dos morcegos
para espécies que não evoluíram com ele,
pode ocorrer um show de horror, como aconteceu em 1999, na Malásia rural. É provável
que um morcego tenha deixado cair um pedaço de fruta mastigada em uma pocilga instalada na floresta. Os porcos foram infectados com o vírus, que foram repassados aos
seres humanos. A letalidade do surto foi surpreendente. De 276 pessoas infectadas na
Malásia, 106 morreram, e muitas outras passaram a sofrer de permanentes e incapacitantes distúrbios neurológicos. Não há cura
ou vacina. Desde então, ocorreram 12 focos
menores no sul da Ásia.
Na Austrália, onde quatro pessoas e dezenas de cavalos morreram de Hendra, o cenário era diferente: a suburbanização atraiu para
quintais e pastagens os morcegos infectados que antes habitavam as florestas. Se o
vírus henipah evoluir de modo a ser transmitido facilmente através do contato casual, o
receio é que o agente patológico escape ao
habitat original par se espalhar na Ásia ou
no mundo. “O Nipah está extravasando seu
“
Doenças emergentes
surgem em
consequência da
invasão de terras
silvestres pelo homem.
A AIDS, por exemplo,
passou dos chimpanzés
para o ser humano via
ingestão da carne do
primata em território
africano.
”
ambiente original, como revelam pequenos
grupos de casos. É uma questão de tempo
ate chegar a cepa que conseguirá infectar
com eficiácia os seres humanos”, diz Jonathan Epstein, veterinário da EcoHealth Alliance (2), organização de Nova York que estuda as causas ecológicas da doença.
Por essa razão, os especialistas afirmam ser
vital a compreensão das causas subjacentes. “Qualquer doença emergente nos últimos 30 ou 40 anos surgiu como consequência da invasão de terras silvestres
pelo ser humano e por mudanças na demografia”, afirma Peter Daszak, ecologista
de doenças e presidente da EcoHealth
.
Doenças infecciosas emergentes são motivadas por novos ou antigos agentes patogênicos que sofreram mutações, como ocorre todos os anos com os agentes da gripe.
A AIDS, por exemplo, passou dos chimpanzés para os seres humanos (3) na década de
1920, quando caçadores no solo africano
comeram a carne do primata.
As doenças sempre emergiram da floresta e
dos animais selvagens até chegarem às populações humanas: a peste e a malária são
dois exemplos. Mas, constatam os especialistas, as doenças emergentes quadruplicaram no último meio século, em grande parte
devido à crescente invasão humana dos habitats selvagens, muito especialmente nas
“áreas de foco” das regiões tropicais. O transporte aéreo atual e o tráfico de animais silvestres abrem forte potencial a graves surtos nos
grandes centros populacionais.
A chave para prever e prevenir a próxima pandemia, dizem os especialistas, é entender o
que eles chamam de “efeitos protetores” da
natureza intacta. Um estudo mostrou que na
Amazônia o aumento de 4 por cento no desmatamento resultou no aumento da incidência de malária em quase 50 por cento. Isso
porque os mosquitos que transmitem a doença prosperaram graças à combinação certa de
luz e água nas áreas recentemente desmatadas. Desenvolver a floresta de maneira errada
pode representar a abertura da caixa de Pandora. Estes são os tipos de novas conexões
que as equipes de investigação realizam.
Especialistas em saúde pública começaram a
incluir o fator ecologia em seus modelos. A
Austrália, por exemplo, acaba de anunciar um
esforço multimilionário para compreender a
ecologia do vírus Hendra em morcegos.
Não é apenas a invasão de paisagens tropicais intactas que podem causar doenças. O
vírus do Nilo Ocidental chegou aos Estados
Unidos pela África, e se espalhou porque um
de seus hospedeiros favoritos é o tordo americano (4) , que vive gramados e campos agrícolas. E os mosquitos que transmitem a doença são especialmente atraídos pelos tordos. “O vírus tem impactado sobremaneira
a saúde humana nos Estados Unidos porque se aproveita de espécies que convivem
bem com as pessoas”, informa Marm Kilpatrick, biólogo da Universidade da Califórnia,
em Santa Cruz. Por ter papel central na disseminação do em Nilo Ocidental, o tordo ganhou o epíteto de “super disseminador”.
A doença de Lyme, o flagelo da Costa Leste americana, também é um fruto das alterações antropogênicas no meio ambiente: a
redução e fragmentação de grandes florestas contíguas. O desenvolvimento urbano
expulsou os predadores – lobos, raposas,
corujas e gaviões. Isso resultou no aumento da população do rato-de-pés-brancosos,
grandes “reservatórios” para as bactérias
de Lyme, provavelmente por terem sistema
imunológico fraco. Enquanto os gambás e
esquilos cinzentos removem 90 por cento
das larvas de carrapatos que transmitem a
doença, os ratos matam apenas a metade.
“Os ratos acabam produzindo um grande
número de ninfas infectadas”, diz Richard
Ostfeld, pesquisador da doença de Lyme.
“Quando fazemos as coisas que reduzem
a biodiversidade de um ecossistema – derrubando florestas ou substituindo habiCidadania&MeioAmbiente
Cidadania&MeioAmbiente
31
31
tats silvestres por campos
agrícolas – tendemos a
eliminar as espécies que
exercem papel protetor
Há poucas espécies “reservatórios de vírus” e
muitas que não são. E as
espécies que encorajamos
a florescer são justamente as que desempenham
papel de reservatório”,
explica o Dr. Ostfeld.
Ao descobrir nos carrapatos que estuda duas doenças emergentes e sérias
ameaças aos seres humanos
– babesiose e anaplasmose –, o Ostfeld fez soar o
alarme sobre a possibilidade de sua propagação.
“
O vírus do Nilo Ocidental chegou aos EUA pela África,
e se espalhou porque um de seus hospedeiros favoritos
é o tordo americano (foto), que vive em cidades e campos
agrícolas. E os mosquitos que transmitem a doença
são especialmente atraídos pelos tordos.
Para os especialistas, a melhor maneira de evitar surtos entre humanos é através da One Health Initiative –programa global reunindo mais de 600 cientistas e outros
profissionais, que defende a ideia de que a
saúde humana está intimamente interligada à
saúde animal e ecológica, o que exige que
sejam geridas e estudadas de modo holístico.
“Não se trata de manter as florestas nativas intocadas e livres de humanos”, ensina
Si-mon Anthony, virologista molecular no
Center for Infection and Immunity (5) da Escola Mailman de Saúde Pública da Universidade de Columbia. “Devemos aprender como
agir de forma sustentável. Se pudermos entender o que motiva o surgimento de uma
doença, então poderemos aprender a alterar os ambientes de forma sustentável.”
A amplitude do problema é enorme e complexa. Apenas um estimado um por cento de
vírus selvagens são conhecidos. Outro fator importante é a imunologia dos animais
silvestres, uma ciência que engatinha. Raina
Plowright K., biólogo da Pennsylvania State
University que estuda ecologia da doença,
descobriu que os surtos do vírus Hendra em
raposas voadoras nas áreas rurais eram raras, sendo muito mais elevados em animais
urbanos e suburbanos. Ela levanta a hipótese de que os morcegos urbanizados são sedentários e perdem a exposição freqüente
ao vírus que sofriam no estado selvagem e
que mantinha a infecção em níveis baixos.
Isso significa que maior número de morce-
32
Vcorne00
gos – quer por causas nutricionais, perda de
habitat ou outros fatores – fica infectado,
espalhando mais vírus nas áreas urbanas.
O destino da próxima pandemia pode depender do trabalho desenvolvido pela Prever EcoHealth e associados – Universidade da Califórnia, em Davis, Wildlife Conservation Society, Smithsonian Institution e Global Viral Forecasting – que estudam os vírus silvestres
dos trópicos para construir um acervo de vírus. A maioria dos trabalhos concentra-se em
primatas, ratos e morcegos, animais com maior probabilidade de serem portadores de doenças que também infectam os humanos.
Pesquisadores da Predict observam atualmente a interface em que se sabe haver vírus mortais e onde núcleos humanos derrubam floresta – como ocorre ao longo da
nova estrada do Atlântico ao Pacífico através dos Andes, Brasil e Peru. “O mapeamento do avanço humano floresta adentro
permite prever o local da emergência do
novo surto”, revela o Dr. Daszak, presidente da EcoHealth. “Por isso pesquisamos as
franjas dos novos assentamentos humanos,
vamos aos locais onde novos campos de
mineração são instalados, nas áreas de
construção de estradas. Conversamos com
os habitantes e trabalhadores que vivem
no perímetro dessas zonas e advertimos
que “o que você se está fazendo é um risco
em potencial.”
Isso pode significar que
conversamos com os indivíduos em risco sobre hábitos de caça e ingestão de
carne silvestre, de caça ou
sobre a construção de depósitos para estocagem de
alimentos em habitat de
morcegos. Em Bangladesh,
onde o vírus Nipah emergiu
várias vezes, a doença foi
atribuída a morcegos que
visitavam os recipientes de
coleta de seiva de palmeira
consumida pelos humanos.
A fonte da doença foi eliminada colocando-se telas de
bambu (8 centavos cada) no
entorno dos recipientes.
A EcoHealth também escaneia bagagens e embalagens
nos aeroportos à procura de
animais silvestres importados e suscetíveis de portar
vírus mortais. O programa PetWatch desenvolvido para tal fim alerta os consumidores
sobre animais de estimação exóticos retirados de pontos infectados das florestas tropicais e enviados ao mercado.
”
Em suma, o conhecimento sobre doenças
emergentes adquirido nos últimos anos nos
deixa mais tranqüilos, diz o Dr. Epstein, veterinário da EcoHealth. “Pela primeira vez
há um esforço coordenado em 20 países para
desenvolver um sistema de alerta precoce
para surtos zoonóticos emergentes.” ■
REFERÊNCIAS:
(1) “New ILRI study maps hotspots of human-animal infectious diseases and emerging disease outbreaks”, em http://www.ilri.org/ilrinews/index.php/
archives/tag/dfid
(2) http://www.ecohealthalliance.org
(3) “Chimp to Man to History Books: The Path of
AIDS”, por Donald G. McNeil Jr., e publicado na
edição October 17, 2011 do The New York Times.
(4) “West Nile virus transmission linked to land
use patterns, ‘super-spreaders’ - Robins play a key
role in transmission of West Nile virus across much
of North America”. Arrigo de Tim Stephens publicado em http://news.ucsc.edu/2011/10/west-nilevirus.html, October 20, 2011
(5) http://cii.columbia.edu/
Jim Robbins é renomado pesquisador em meio
ambiente e ecologia, e colaborador freqüente da
seção Ciência do jornal The New York Times,
onde este artigo revisado foi publicado na edição de 22/07/2012.
C
I
A fauna representa todo o conjunto de espécies animais com funções reguladoras
extremamente importantes nos
ecossistemas, especialmente na
cadeia alimentar.
Ê
N
C
I
Frijole
A
artigo de Roberto Naime
Fauna, ecossistema e cadeia alimentar
C
ada animal é parte de um complexo sistema de funções dentro da cadeia biológica. O pássaro denominado tié-sangue
(Ramphocelus bresilius) carrega sementes de árvores frutíferas, do qual é grande
dispersor, e seu desaparecimento ou retirada da natureza provoca um enorme impacto ambiental, comprometendo significativamente toda a cadeia alimentar que
depende das árvores frutíferas que ele dissemina via sementes.
As grandes divisões dos ambientes ocupados pelos animais são as águas salgadas,
as águas doces e a terra. Os animais marinhos são ecologicamente separados por tipos. Denomina-se Plâncton os organismos
que flutuam e são movidos passivamente
pelos ventos, ondas e/ou correntes, e apresentam tamanho diminuto ou microscópico,
incluindo protozoários e crustáceos.
Organismos do Nécton são os que nadam
livremente, incluindo lulas, peixes, serpentes marinhas, tartarugas, aves marinhas,
focas, peixes e baleias. Os animais do conjunto Plâncton e Nécton são chamados de
pelágicos. Os animais marinhos que rastejam e se prendem ou cavam no substrato
do fundo são denominados bentônicos.
Os animais de águas doces (rios) compreendem animais vertebrados como peixes e mamí-
feros, protozoários, esponjas, moluscos bivalves, vermes, crustáceos, larvas e insetos.
Alguns macroinvertebrados bentônicos
têm sido amplamente utilizados como bioindicadores de qualidade de água e saúde
de ecossistemas por apresentarem características adequadas. Estes animais têm ciclos de vida longos, fácil amostragem a custos relativamente baixos, elevada diversidade taxonômica e de identificação relativamente fácil ao nível de família ou gênero
e são muito sensíveis a diferentes concentrações de poluentes nos meios, fornecendo ampla faixa de respostas frente a diferentes níveis de contaminação ambiental.
Os animais terrestres são os mamíferos, aves
(todos os que voam ou vivem no ar e voltam ao chão, a árvores ou rochedos) répteis, insetos, anfíbios, crustáceos, moluscos, vermes e protozoários. São todos móveis, com exceção de alguns parasitas. Vivem na superfície da terra, nas plantas ou
em pequenas profundidades nos solos.
A identificação das espécies animais que ocorrem em um determinado ecossistema é essencial para os diagnósticos ambientais e demais estudos de manejo, preservação e conservação.
O diagnóstico deve permitir a obtenção de informações não apenas sobre diversidade de
espécies, mas também sobre densidade populacional das mesmas, permitindo assim investigar a capacidade de suporte do habitat.
Nos ecossistemas terrestres, por exemplo,
os mamíferos (mastofauna) representam o
grupo mais vulnerável à perturbação ambiental. Podem ser bons indicadores do grau
de conservação de determinadas áreas. Para
muitas espécies, a ocupação de novas áreas é muito difícil, não apenas pelas barreiras físicas, mas devido a características
comportamentais, como habitat restrito ou
grande territorialidade.
Os impactos sobre as florestas e a vegetação em geral, produzem efeitos diretos na
fauna pela redução, aumento ou alteração
de duas variáveis básicas na sobrevivência
das espécies animais: alimentação e abrigo.
A natureza é um sistema complexo, onde
qualquer ação por menor que seja, tem um
efeito impressionante em todas as alterações nas inter-relações que pode causar.
Sempre é preciso não ser simplista e manter
em mente esse fato.
■
Dr. Roberto Naime –Doutor em Geologia Ambiental e integrante do corpo docente do Mestrado e
Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale. Colunista do portal EcoDebate. Artigo publicado em www.ecodebate.com.br (5/5/2011).
Cidadania&MeioAmbiente
33
M E I O A M B I E N T E
Nouhailler
atenção dirigida por longos períodos de
tempo. Como psicologicamente filtramos as
informações irrelevantes e tudo que nos distraia, nossas mentes podem ficar cognitivamente cansadas. A “fadiga por atenção concentrada” pode resultar em sentimentos de
ansiedade ou estresse, irritabilidade com
terceiros e incapacidade de concentração.
A pesquisa mostrou que breves encontros
com a natureza podem ajudar na recuperação da fadiga cognitiva, melhorando a capacidade de concentração do indivíduo. Os
psicólogos Rachel e Stephen Kaplan definem as características dos sítios naturais
restauradores: estarem afastados, serem extensos, exercerem fascínio e empatia.
Em razão de grande parte da população mundial hoje habitar áreas urbanas,
as plantas, florestas e ecossistemas se tornam vitais para o bem-estar físico
e a saúde emocional.
por Center for Urban Horticulture
FLORESTA URBANA:
os benefícios psicossociais
Estudos e pesquisas científicas informam
que a vegetação urbana é capaz de oferecer benefícios insuspeitos. Já sabemos que
as plantas melhoram o meio ambiente, contribuem para uma melhor qualidade do ar e
da água e ajudam a reduzir o uso de energia. Daí a necessidade de se preservar e
restaurar áreas naturais existentes ou criar
novos oásis de verdura.
(num passeio, num parque, apreciando a
paisagem), experimentamos os benefícios
pessoais que afetam o modo como nos sentimos e agimos. As provas dos benefícios
psicológicos e sociais nos dão mais razões
para aumentar as áreas verdes das cidades!
Abaixo, exemplos dos benefícios aferidos
por alguns de muitos estudos.
BENEFÍCIOS
Além dos benefícios ambientais, os cientistas sociais passaram a estudar um outro nível de serviços que as plantas fornecem aos
residentes urbanos. Parques, espaços verdes e árvores são mais do que o “pulmão
da cidade” ou “filtros de poluição.” Elas
afetam nosso humor, as atividades cotidianas e a saúde emocional. Elas melhoram a
qualidade de vida de forma às vezes percebida, embora na maioria das vezes subestimada. Se atuamos ativamente na natureza
urbana (plantando de árvores, cultivando
jardins) ou apenas interagimos com o verde
34
INDIVIDUAIS
A vida urbana pode ser exigente – horários
exagerados de labuta, malabarismos para
cumprir compromissos, satisfazer as necessidades diárias e se deslocar. Nossos espaços urbanos abertos e parques podem proporcionar um bem-vindo alívio de forma
surpreendente. O contato com a natureza
no cotidiano das cidades pode nos ajudar a
relaxar, enfrentar o estresse e recarregar as
baterias para seguir em frente.
EXPERIÊNCIAS RESTAURADORAS – Muitas tarefas de trabalho e de estudo demandam
ATITUDES DE QUEM TRABALHA E BEM-ESTAR
– A Dra. Rachel Kaplan pesquisou as ocorrências de doenças e os níveis de satisfação no trabalho. Alguns participantes do
estudo podiam vislumbrar a natureza de
suas mesas; outros não. Quando inquiridos sobre 11 desconfortos/doenças diferentes, 23% dos “sem natureza” alegaram
ter sido acometidos nos seis meses anteriores. Já os trabalhadores “com vista” reivindicaram com mais freqüência as seguintes satisfações em relação aos “sem vista”:
1) Maior satisfação nos desafios diários;
2) Menos frustração com as tarefas e maior paciência;
3) Maior entusiasmo pelo trabalho;
4) Alto sentimento de satisfação pela vida;
5) Melhor condição de saúde geral.
REDUÇÃO DO ESTRESSE – O estresse é muito
discutido, mas pouco compreendido. Sabemos que o estresse constante pode afetar nosso sistema imunológico, bem como
diminuir a capacidade de lidar com situações desafiadoras. Roger Ulrich realizou
estudos que medem as respostas fisiológicas orgânicas (tais como pressão arterial e freqüência cardíaca) ao estresse. Ele
descobriu que os indivíduos que vislumbram ou têm acesso à natureza depois de
situações de estresse apresentam reduzida resposta ao estresse fisiológico, assim
como demonstram mais interesse e atenção, além de reduzir a sensação de medo,
raiva ou agressividade. Um interessante
efeito observado em estudos recentes
sobre condução de veículo em estrada e
estresse recebeu o nome de “efeito imunizante” – isto é, o grau de resposta negativa a uma experiência estressante é
menor se a visão da natureza precede a
situação estressante.
FAMÍLIAS, CRIANÇAS
E ADOLESCENTES
A família e os jovens são a base e o futuro
de nossa sociedade. Educação adequada e
cuidados de saúde, entre outros fatores,
são essenciais para que os jovens cresçam
fortes e bem-sucedidos. Além disso, as crianças e as famílias precisam de ambientes
favoráveis que incentivem comportamentos
positivos e proporcionem alívio frente aos
desafios da vida urbana. Uma pesquisa recente revela as sutis vantagens de espaços
verdes urbanos a esse respeito.
REDUÇÃO DOS CONFLITOS DOMÉSTICOS – Pesquisas com famílias residentes em conjuntos habitacionais de Chicago têm averiguado o papel das árvores sobre a dinâmica
das relações interpessoais a nível doméstico. Nesses projetos habitacionais os edi-
fícios são idênticos, diferindo apenas na
quantidade de árvores e de gramados que
crescem no entorno deles. Os Drs. Bill Sullivan e Francis Kuo relatam que os habitantes dos edifícios cercados de árvores se
valem de abordagens mais construtivas e
menos violentas para lidar com os conflitos cotidianos. Moradores com vistas verdes relatam o uso freqüente da reflexão nos
conflitos com os filhos e muito menos violência. Também relatam menor recurso à violência física em conflitos com parceiros
em comparação com os indivíduos que vivem em edifícios sem árvores no entorno.
MENOS AGRESSÃO E VIOLÊNCIA NA ESCOLA –
Os programas antiviolência implantados
nas escolas ajudam os alunos a controlar o
comportamento agressivo via treinamento
para enfrentar e resolver conflitos e intervenção de pares. Os ambientes físicos no
entorno de uma escola também parecem desempenhar um papel no comportamento
antiviolento. Pedagogos da Universidade
de Michigan descobriram que bairros com
ruas sem saída e sem vegetação são percebidos como perigosos e ameaçadores. Já
os que são bem cuidados e incluem paisagismo contribuem para mitigar os sentimentos de medo e de violência.
■
Artigo assinado pelo Center for URBAN
HORTICULTURE da University of Washington,
College of Forest Resources Título orginal Urban
Nature Benefits: Psycho-Social Dimensions of
People and Plants e publicado em http://
www.naturewithin.info/UF/PsychBens-FS1.pdf
10 RAZÕES PELAS QUAIS AS ÁRVORES SÃO VALIOSAS E IMPORTANTES
As árvores são importantes, valiosas e necessárias à nossa existência. Sem árvores nós, humanos, não existiríamos neste belo
planeta. As árvores são essenciais à vida como a conhecemos e desempenham papel de “linha de defesa ambiental”. São as
florestas e as árvores que plantamos que tornam nossa existência mais agradável e o mundo muito melhor.
1. Árvores produzem oxigênio – Não existiríamos sem
árvores. Uma árvore adulta e frondosa produz tanto oxigênio
quanto o inalado por 10 pessoas em um ano. A floresta também
atua como um filtro gigante que limpa o ar que respiramos.
o dióxido de enxofre e o dióxido de nitrogênio. Elas removem
tais elementos poluidores do ar através da redução da temperatura do ar, da respiração e da retenção de partículas.
7. Árvores fornecem sombra e frescor – A árvore é
mais conhecida por propiciar sombra, que resulta em temperatura mais amena. A sombra das árvores reduz a necessidade de ar condicionado durante o verão. No inverno, as árvores quebram a força dos ventos e reduzem os custos de calefação. Estudos têm demonstrado que as regiões urbanas sem
sombra de arrefecimento propiciada por árvores podem literalmente se transformar em “ilhas de calor”, com temperaturas até 12oC acima das áreas verdes circundantes.
2. Árvores limpa
m o solo – Elas executam a fitorremedilimpam
ação – termo técnico para absorção de produtos químicos perigosos e outros poluentes que adentram o solo. As árvores
podem armazenar poluentes nocivos ou tornar o poluente
menos nocivo. As árvores filtram esgotos e dejetos agroquímicos, reduzem os efeitos de resíduos animais, absorvem óleos
derramados em estradas e depuram as águas de córregos.
3. Árvores controlam a poluição sonora – As árvores
filtram o ruído urbano quase tão eficazmente quanto muralhas de pedra. Árvores plantadas em pontos estratégicos de
um bairro ou no entorno de uma casa podem diminuir os
ruídos de rodovias e aeroportos.
8. Árvores são quebra-ventos – Durante as estações de
vento e de frio, as árvores localizadas a barlavento agem
como quebra-ventos. Um quebra-vento pode diminuir as contas de aquecimento doméstico em até 30% e tem efeito significativo na redução do acúmulo de neve. A redução da força
do vento também reduz o ressecamento da terra e da vegetação e ajuda a manter o precioso solo no lugar.
4. Árvores freiam as águas de tempestade – As enchentes podem ser reduzidas drasticamente por uma floresta
ou via plantio de árvores. Um abeto em plena maturidade,
quer plantado ou selvagem, pode interceptar mais de 1000
litros de água por ano. Elas ajudam a alimentar as águas subterrâneas (aquíferos) ao abrandar o escoamento da chuva.
9. Árvores combatem a erosão do solo – O controle
da erosão sempre começa com projetos de plantio de árvores
e de grama. As raízes das árvores dão firmeza ao solo e suas
folhas quebram a força do vento e da chuva que cai na terra.
As árvores combatem a erosão do solo, conservam a água da
chuva e reduzem o escoamento de água e o depósito de
sedimentos após tempestades.
5. Árvores são sumidouros de carbono – Para produzir seu alimento uma árvore absorve e estoca dióxido de
carbono na madeira, raízes e folhas. O CO2 é um dos gases
que provocam o aquecimento global. A floresta é uma área
de armazenamento de carbono – ou “sumidouro” – que
pode reter tanto carbono quanto produz. Este processo de
absorção “estoca” o CO2 na forma de madeira e livra a
atmosfera deste gás que contribui para o “efeito estufa”.
LVHC
6. Árvores limpar o ar – As árvores ajudam a limpar o ar
através da interceptação de partículas em suspensão, reduzindo calor e absorvendo poluentes, como o monóxido de carbono,
10. Á rvores aument
am o valor d
as proprieda
des –
aumentam
das
propriedades
Os valores dos imóveis crescem quando árvores embelezam a
propriedade ou bairro, podendo aumentar significativamente
o valor do bem em 15% ou mais.
Fonte: Steve Nix, http://forestry.about.com/od/
treephysiology /tp/tree_value.htm
Cidadania&MeioAmbiente
35
O
G
Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr
O
V
E
R
N
INCLUSÃO SOCIAL
Confira com analistas
de nosso atual cenário
socioeconômico os fatores responsáveis pela
chamada década da
inclusão que, mesmo
com todos os avanços,
não consegue acabar
com o passivo de desigualdades.
por Conjuntura da Semana
Via soluções estruturais ou via mercado?
A obsessão do governo atende por um
nome: crescimento econômico. Dilma Rousseff persegue a continuidade do modelo de
“inclusão via mercado” que se revelou um
“sucesso” no governo Lula. O foco de Dilma é um só, dar continuidade ao crescimento da economia e dessa forma reeditar a Era
Lula – a grande responsável pelo que o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(Ipea) denomina de “década da inclusão”.
Segundo o economista Marcelo Neri, atual presidente do Ipea, a partir de dados da
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad 2011), “o Brasil está hoje no
menor nível de desigualdade da história
documentada”. Houve um crescimento real
na renda per capita das diferentes camadas
sociais. Em dez anos (de 2001 a 2011), os
10% mais pobres tiveram 91,2% no crescimento de sua renda, enquanto a renda dos
10% mais ricos cresceu 16,6%.
O aumento da renda dos mais pobres está
associado a dois movimentos. Aos programas de transferência de renda, particularmente o Bolsa Família, e ao aquecimento
do mercado de trabalho como destacado
em análise do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade e de economistas de várias instituições de ensino e pesquisa.
36
Os dados do governo são otimistas e mostram que parte dos que vivem em favelas e
contingente expressivo de negros, estão entre os que constituem a “nova classe média”.
Os dados, porém, de aumento de renda e
de consumo convivem ao lado dos crônicos, históricos e permanentes problemas
estruturais, particularmente na área da saúde/saneamento e educação. Problemas que
podem ser ampliados com os temas da moradia, transporte coletivo, acesso à água
potável e democratização da terra. Uma pequena amostra: ao mesmo tempo em que
cresceu vertiginosamente o acesso à internet, o acesso aos serviços públicos permanece estagnado. A rede de abastecimento de água, por exemplo, que era de 84,2%
em 2009, passou para apenas 84,6% em
2011. A coleta de lixo, de 88,4% subiu irrisoriamente para 88,8%.
Essa morosidade na oferta de serviços públicos também se manifesta em outras áreas. Em dois anos, a proporção de domicílios
atendidos pela rede coletora de esgoto aumentou de 52, 5% para irrisórios 54,9% e a
de domicílios com fossa séptica ligada à rede
coletora apenas de 6,6% para 7,7%”. Na educação, constata-se que dos 23% (45 milhões)
da população brasileira, que correspondem
aos que estão com idade entre 4 e 17 anos,
8% (3,8 milhões) estão fora da escola.
O caso do Nordeste serve como um exemplo do quanto ainda resta a fazer. É a região
do Brasil que mais cresceu, contudo, num
olhar mais focado verifica-se que ainda concentra mais da metade dos analfabetos e
extremamente pobres do país. Na opinião
do coordenador de Estudos Regionais do
Ipea, Carlos Wagner, “temos dois problemas no Brasil: a distribuição de renda
inter-regional – temos regiões ricas (Sul e
Sudeste) e regiões pobres – e a distribuição pessoal de renda. Mesmo no Nordeste,
que é uma região pobre, há pessoas muito
ricas. A região tem uma parcela pequena
da produção nacional e essa parcela é concentrada nas mãos de poucos”.
INCLUSÃO
SOCIAL OU VIA CONSUMO?
São evidentes os ganhos econômicos e a
mobilidade social para cima, mas trata-se
de uma inclusão efetivamente social ou de
uma inclusão via mercado? De uma inclusão que se faz pelo acesso a saúde e educação de qualidade ou de uma inclusão pelo
consumo? O sociólogo Sérgio Costa comenta que “os esforços do governo não
tocam em alguns elementos estruturais da
desigualdade no Brasil. As medidas que
vêm sendo adotadas têm impacto de curto
prazo, mas em longo prazo não permitem
uma ascensão das classes mais baixas”.
Segundo ele, “não há investimento em outros
tipos de medidas onde a ação do Estado é
fundamental, como a promoção da educação pública de qualidade, do transporte público de qualidade”. O sociólogo argumenta
que, ao frequentar escolas públicas ruins, os
mais pobres são “condenados a permanecer
na mesma condição de classe” e toma um
exemplo na política alemã. “Na Alemanha, a
ascensão se dá através de serviços para a
população, que criam uma igualdade dentro da sociedade”, afirma. “Por isso, que no
país ocorrem frequentes ondas de ascensão
social. Por haver escolas gratuitas de qualidade. Nos anos 1960, por exemplo, muitos
filhos de operários se tornaram médicos, engenheiros”, lembrou, acrescentando que no
Brasil isso é mais difícil de acontecer.
O mesmo pensa a economista Lena
Lavinas, da Universidade Federal do Rio
de Janeiro, que lembra que as sociedades
modernas promovem a igualdade através
de uma infraestrutura social de qualidade,
aspecto que tem sido deixado de lado na
atual política federal. “O gasto social no
Brasil é feito para transferir renda para
as famílias e não para promover serviços.
O governo brasileiro é muito preocupado
em transferir renda, o que é importante,
mas insuficiente. Os mais pobres não precisam só de renda, mas de oportunidades.
E os gastos públicos com educação, saúde, transporte e saneamento não crescem
na proporção que deveriam”, destaca.
O sociólogo José de Souza Martins comentando o estudo da “década includente” do
Ipea afirma que os “benefícios [as políticas
sociais compensatórias] não deslocam
necessariamente o eixo social de referência dos beneficiados, especialmente os pobres do campo, cuja economia pré-moderna é predominantemente baseada na produção direta dos meios de vida”.
Em seu livro “Os sentidos do lulismo – reforma gradual e pacto conservador”, An-
dré Singer reconhece os avanços da era
Lula em relação aos anos de FHC, considerando a “ativação do mercado interno,
aumento do crédito, do consumo e do emprego”, como elementos que vão à contramão do neoliberalismo. Contudo, mesmo
sob essa ótica, Singer também aponta que
“o Brasil tem um acúmulo de desigualdade tão grande que mesmo esta queda com
enorme ritmo de avanço fica aquém”. ■
Conjuntura da Semana. Década da inclusão
social? – A análise da Conjuntura da Semana é
uma (re)leitura das Notícias do Dia publicadas
diariamente no sítio do IHU. A análise é elaborada, em fina sintonia com o Instituto Humanitas
Unisinos/IHU, da Universidade do Vale do Rio
dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS, pelos colegas do Centro de Pesquisa e Apoio aos
Trabalhadores – CEPAT, parceiro estratégico do
IHU, com sede em Curitiba-PR, e por Cesar Sanson, professor na Universidade Federal do Rio
Grande do Norte – UFRN, parceiro do IHU na
elaboração das Notícias do Dia. Texto publicado
pela IHU On-line, parceira estratégica do
EcoDebate na socialização da informação e pelo
portal EcoDebate (01/10/2012).
DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL E CLASSIFICAÇÃO DO ÍNDICE DE INCLUSÃO
SOCIAL DAS CAPITAIS, SEGUNDO A REGIÃO
O MAPA MOSTRA MAIS DETALHADAMENTE A DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL E A CLASSIFICAÇÃO DO ÍNDICE DE INCLUSÃO SOCIAL POR
CAPITAL E REGIÃO.
EM RESUMO, TODAS AS CAPITAIS DAS
REGIÕES SUL E SUDESTE E DUAS DA
REGIÃO CENTRO OESTE - GOIÂNIA
E BRASÍLIA, FORAM CLASSIFICADAS
COM OS MELHORES NÍVEIS DE INCLUSÃO SOCIAL, VARIANDO DE
0,538, PARA SÃO PAULO, A 1
PARA FLORIANÓPOLIS.
Fonte dos dados básicos: IBGE; Ministério da Saúde (2000)
ENQUANTO ISSO, TODAS AS CAPITAIS DAS REGIÕES NORDESTE E
NORTE E DUAS DA CENTRO OESTE - CAMPO GRANDE E CUIABÁ,
OBTIVERAM OS PIORES NÍVEIS, VARIANDO DE ZERO, PARA MACEIÓ,
A 0,525, PARA SALVADOR.
Fonte: Mapeando a Inclusão Social nas Capitais do Brasil, estudo de Arimá Viana Barroso, Mestre
em Estatística, Prefeitura Municipal do Natal, Secretaria Municipal de Planejamento, Orçamento e
Finanças, Departamento de Estudos e Pesquisas. Recomendamos a consulta ao estudo no site
www.fbes.org.br/index2.php?option=com_docman&task=doc_view&gid=142&Itemid=1 .
Cidadania&MeioAmbiente
37
O
Previsões
para a
Fonte: Harvey, Fiona. “Worst Ever Carbon Emissions Leave Climate on the Brink.” The
Guardian. May 29, 2011 (www.guardian.co.uk/environment/2011/may/29/carbonemissions-nuclearpower
PREVISÃO: AS MALDIVAS PODEM AFUNDAR NO OCEANO ÍNDICO ATÉ O FINAL DESTE SÉCULO.
QUEM AFIRMA: Presidente Mohamed Nasheed, em entrevista à revista Utne Reader e
Momentum.
CONTEXTO: Neste século 21, as mudanças climáticas ameaçam elevar os níveis do mar em
1,5 metro, razão do alarme presidencial, já que 1,5 m é a altitude média da ilha-nação que
sobrevive de turismo.
MAGNITUDE: Como salienta Nasheed, as ilhas Maldivas sofrem outros efeitos das mudanças climáticas, como erosão costeira. Seu governo está à procura de soluções que se
adéquem à economia (está fora de cogitação a construção de barreiras enormes, que iria
acabar com a vista que atrai o turismo), e anunciou a meta de as Maldivas se tornarem
“neutras em carbono” até 2020.
NÃO OBSTANTE... As ilhas Maldivas são extremamente dependentes de energia e fortemente
dependentes de petróleo importado, o que torna a nação economicamente vulnerável às flutuações dos preços internacionais de petróleo. A meta de transição rápida para 80% de energia
renovável, sem o aumento das tarifas de eletricidade é, para dizer no mínimo, ambiciosa.
CONCLUSÃO: Problemas globais exigem soluções globais. Diz Nasheed: “As Maldivas
continuarão seu planejamento de adaptação às novas condições com o modesto orçamento de que dispõe, além de iniciar operações com parceiros de confiança que já nos
forneceram ajuda, como a Dinamarca. Caso nos seja dada maior assistência internacional, tudo bem, mas não estamos imobilizados em nossa luta pela sobrevivência.”
aquecimento global: o efeito estufa
As Maldivas podem afundar no Oceano Índico
Thetravelguru
PREVISÃO: O AQUECIMENTO GLOBAL NÃO SUPERIOR A 2°C – O LIMIAR CIENTIFICAMENTE RECONHECIDO PARA UM AQUECIMENTO PERIGOSO – PARECE NESTE MOMENTO PRATICAMENTE IMPOSSÍVEL.
QUEM AFIRMA: Birol, economista-chefe da Agência Internacional de Energia/IEA.
QUANDO: 2040-2050
ANTECEDENTES: Apesar da crise econômica mundial, as emissões de gases de efeito estufa
alcançaram seus mais altos níveis históricos registrados em 2011, segundo dados da
Agência Internacional de Energia. Neste contexto, como se pode imaginar que a civilização
humana será capaz de empreender reformas rumo a uma verdadeira sustentabilidade.
MAGNITUDE: Como destacou Birol, um aumento de 2°C nas temperaturas globais poderia provocar perturbações maciças capazes de afetar as vidas de centenas de milhões de indivíduos.
NÃO OBSTANTE... Birol afirma ainda não ser tarde demais. Se a comunidade internacional
se comprometer, neste momento, a empreender mudanças radicais, as mais terríveis
seqüelas do aquecimento global poderão ser evitadas.
CONCLUSÃO: Uma ação radical em escala global vem a ser cenário improvável, não importa
o problema em questão, e muito menos as mudanças climáticas. A conclusão é sombria
porque realista.
Siesja
F
U
T
U
R
Confira nesta abrangente série de
previsões as ameaças que podem
levar a Terra definitivamente para a
UTI, caso não sejam revisados os
fatores que levam às mudanças climáticas e ao aquecimento global.
3 PREVISÃO: OS PAÍSES INDUSTRIALIZADOS NÃO VÃO REALMENTE REDUZIR SUAS EMISSÕES DE
DIÓXIDO DE CARBONO; APENAS IRÃO TERCEIRIZAR SUA POLUIÇÃO AOS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO. GEORGE MONBIOT INFORMA QUE SUA GRÃ-BRETANHA NATAL DEFINE SUAS METAS DE
REDUÇÃO DE EMISSÕES DE CARBONO E TECNICAMENTE AS CUMPRE, JÁ QUE O PAÍS MIGRA CADA VEZ
MAIS SUAS INSTALAÇÕES INDUSTRIAIS PARA OUTROS PAÍSES, COMO A CHINA, ONDE OS REGULAMENTOS SÃO MAIS ELÁSTICOS, PODENDO-SE POLUIR COM RELATIVA IMPUNIDADE.
QUEM AFIRMA: George Monbiot, escritor e autor ecológico.
MAGNITUDE: As observações de Monbiot lançam ceticismo sobre a maioria dos atuais
acordos internacionais sobre emissões de gases estufa. Assim, em algumas décadas, as
nações industrializadas poderão garantir documentalmente terem alcançado grandes
38
China: alta emissão de CO2 importada
David Barrie
Fonte: Mary Hoff em Utne Blogs http: /www.utne.com/Environment/President-of-MaldivesKeeps-His-Head-Above-Water.aspx
Terra
reduções, mesmo que as emissões reais continuem a aumentar e o biossistema planetário continue a sofrer profundas alterações.
NÃO OBSTANTE... Tal conclusão pode não ser definitiva. A China e outras nações em desenvolvimento demonstram hoje uma maior preocupação ambiental do que há 10 ou 15 de
anos. Se a nova “consciência verde” realmente for implantada e se traduzir em efetivas
ações de redução das emissões – como há décadas ocorre na Europa e na América do Norte
–, então a catástrofe pode ser evitada – tanto no papel quanto na realidade.
CONCLUSÃO: Os que pelejam pela conservação ambiental terão de conquistar força política mais eficaz a nível internacional, e não apenas a nível local ou nacional. Aqueles que
se preocupam com o bem-estar da Terra terão de levar os agentes públicos mundiais a se
tornar responsáveis pelos progressos tangíveis contra as mudanças climáticas e outros
males ambientais provocados pelos seres humanos.
por The Futurist
Fonte://www.guardian.co.uk/commentisfree/2011/may/23/pollution-developing-world-emissions
4PREVISÃO: MAIS DA METADE DAS ESPÉCIES PROTEGIDAS EM SANTUÁRIOS EUROPEUS PODEM
Biodiversidade: espécies ameçadas de extinção
Memotions
PERECER EM 2080.
QUEM AFIRMA: Miguel B. Araújo et al, pesquisadores da ecologia e da biodiversidade europeia.
ANTECEDENTES: Segundo os pesquisadores, os santuários de biodiversidade não estão se
preparando para as mudanças climáticas. “Os modelos prevêem que, no final do século
21, cerca de 58% dos vertebrados terrestres e plantas europeias podem não ter mais
condições climáticas adequadas para sobreviver nas áreas protegidas de cada país”,
afirma Miguel B. Araújo, autor principal do estudo e pesquisador do departamento de
Biodiversidade e Biologia Evolutiva do Museu Nacional de História Natural da Espanha.
MAGNITUDE: Os pesquisadores descobriram que enquanto as altitudes mais elevadas
oferecem maior proteção contra as alterações climáticas, a europeia Red Natura 2000 é
tão vulnerável que pode perder mais espécies do que áreas não protegidas.
NÃO OBSTANTE... Mesmo em altitudes mais elevadas, como na Escandinávia, as espécies
se tornarão vulneráveis. As alterações climáticas levarão ao extremo norte temperaturas
mais amenas, provocando redução dos habitats das espécies tolerantes ao frio.
CONCLUSÃO: Os investigadores incitam os conservacionistas a focar na construção de
habitats de proteção mais resistente às mudanças climáticas e a integrar ambientes
naturais protegidos e desprotegidos de modo a tornar mais fácil a dispersão de espécies
locais quando os habitats se tornarem intoleráveis.
geradoras de eletricidade:
80% das emissões até 2020
Monterrey
Fonte: Miguel B. Araújo, Diogo Alagador, Mar Cabeza,; David Nogués-Bravo, e Thuiller
Wilfried, Climate change threatens European conservation areas,” Ecology Letters 14(5):
484-492, May 2011. (via PlatformaSINC, serviço de notícias científicas e de informação
com sede em Madrid).
PREVISÃO: 80% DAS PROJEÇÕES DE EMISSÕES DE CO2 RELACIONADAS À ENERGIA EM 2020 ESTÃO
“FECHADAS” E PROVIRÃO DE GERADORAS DE ELETRICIDADE JÁ EM USO OU EM CONSTRUÇÃO.
QUEM AFIRMA: A Agência Internacional de Energia /IEA.
MAGNITUDE: O relatório é tristemente impressionante e honesto em sua avaliação. Segundo a IEA, há pouca chance de se alcançar o ambicioso objetivo fixado na Conferência
sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas, em dezembro de 2010, para limitar o
aumento da temperatura global a 2oC (3.6°F) ou menos pelos próximos dez anos. Para
cumprir essa meta, o aumento percentual das emissões, de hoje até 2020, deve ser
menor que o percentual verificado entre 2009 e 2010.
NÃO OBSTANTE... O fato de o aumento das emissões estar diretamente ligado à saída da
economia global da recessão, uma dupla queda levaria tais emissões a novamente despencar.
CONCLUSÃO: O clima exige mudanças.
Fonte: http://www.iea.org/index_info.asp?id=1959
6 Previsão: O SOL VAI FICAR MENOS QUENTE ATÉ 2022, OU TALVEZ MAIS. MEDIÇÕES RECENTES
INDICAM UMA QUEDA INESPERADA NA ATIVIDADE SOLAR, QUE SE MANIFESTA COM POUCA OU
Sol: menos quente até 2022
Robrto Rizzato
NENHUMA MANCHA SOLAR E REDUZIDA RADIAÇÃO LANÇADA À TERRA.
QUEM AFIRMA National Solar Observatory e Air Force Research Laboratory.
MAGNITUDE: Até o que se sabe da história da Terra, períodos de atividade solar reduzida
quase sempre levam à refrigeração prolongada do clima do planeta – alguns gerando até
mesmo eras glaciais. Esse resfriamento pode ser uma coisa boa se a temperatura baixar
o suficiente para compensar o aquecimento global planetário. Claro que, se demasiado
forte, pode trazer um novo conjunto de problemas. No mínimo, esse resfriamento
exigirá a reconfiguração de satélites espaciais e dos sistemas de telecomunicações, uma
vez que tais unidades são impactadas pela atividade solar.
NÃO OBSTANTE... As medidas e observações podem estar erradas e o arrefecimento pode
não acontecer. Ou poderia acontecer, mas com efeitos mínimos sobre o clima da Terra.
CONCLUSÃO: Neste caso, lida-se com muitos imponderáveis e fatos desconhecidos que, no
Cidadania&MeioAmbiente
39
entanto, em breve, acabarão por ganhar maior clareza.
Fonte: http://www.physorg.com/news/2011-06-sun-major-solar.html
7 PREVISÃO: A TRÍADE MORTAL POLUIÇÃO–SOBREPESCA– MUDANÇAS CLIMÁTICAS ESTÁ AFETANDO
OS OCEANOS EM MAIOR INTENSIDADE DO QUE ATÉ MESMO OS PIORES CENÁRIOS DO IPCC PREVIAM.
A CONTINUAR O RITMO ATUAL, EM 2050 A VIDA VEGETAL E ANIMAL OCEÂNICA DESAPARECERÁ
NUMA ESCALA SEMELHANTE A DAS CINCO GRANDES EXTINÇÕES GLOBAIS OCORRIDAS NOS ÚLTIMOS
600 MILHÕES DE ANOS.
QUEM AFIRMA: O International Programme on the State of the Ocean (um workshop de
três dias convocado pela União Internacional para a Conservação da Natureza, que reuniu
27 pesquisadores de 18 países..).
MAGNITUDE: Seria uma tragédia perder tantas espécies de peixes, corais, mamíferos aquáticos e demais organismos marinhos não só por eles mesmos, mas pelo fato de muitos seres
humanos dependerem dos oceanos para subsistir. Como o relatório explicita, as grandes e
pequenas indústrias de pescado de todo o mundo podem estar com os dias contados.
NÃO OBSTANTE... A comunidade mundial pode evitar esta inestimável perda, afirma o relatório,
através de uma concertada ação internacional para mitigar as emissões de gases estufa, resgatar
os ecossistemas oceânicos ameaçados e proteger a saúde dos oceanos em escala global.
CONCLUSÃO: A ação internacional concertada até agora apenas gerou um progresso mínimo no
evitamento do aquecimento global. Por que pensar que tal ação concertada seja mais eficaz no
monitoramento dos oceanos da Terra? O futuro pode ser brilhante para alguns poucos ecossistemas oceânicos, graças à ação de conservacionistas locais, que dão o máximo de si e de
algumas nações que, isoladamente, apresentam avanços exemplares no setor. Mas, para os
oceanos como um todo, as coisas provavelmente tenderão a ficar muito pior antes de melhorar.
Fonte: http://www.stateoftheocean.org/pdfs/1906_IPSO-LONG.pdf
8 PREVISÃO: O CANADÁ
VAI SE TORNAR A BOMBA DE DEMOLIÇÃO DO CLIMA.
O
CARBONO
EMITIDO PELAS AREIAS BETUMINOSAS ORA EM EXPLORAÇÃO VAI EXTRAPOLAR OS LIMITES ATMOSFÉRICAS ACEITÁVEIS, CAUSANDO DANO IRREPARÁVEL AO CLIMA ATÉ 2100.
poluição, sobrepesca e mudanças climáticas:
Areia betuminosa: bomba de demolição do clima
Manchesterfoe
QUEM AFIRMA: James Hansen, climatologista da NASA.
ANTECEDENTES: O solo de Alberta possui reservatórios de betume, uma forma endurecida
de petróleo. Com os preços do petróleo do Oriente Médio em alta, o Canadá e os EUA
correram a construir plantas de perfuração, oleodutos e outras infra-estruturas para
extrair esta alternativa de petróleo. Toda essa atividade é um mau presságio para o clima
global. Hansen adverte que a concentração de 350 partes por milhão de dióxido de
carbono na atmosfera poderia alterar o clima o suficiente para prejudicar significativamente a vida em todo o planeta. No momento, estamos em 390 partes por milhão. Se todo
o betume canadense fosse queimado em um dia, a concentração atmosférica aumentaria
para 600 partes por milhão. Claro que essa combustão ocorrerá de forma gradual, o que
significa que vai elevar a pegada de carbono da humanidade no longo prazo.
MAGNITUDE: A atmosfera da Terra já sofre o suficiente com a maciça pegada de carbono da China
e dos EUA. O fato de o Canadá também se tornar um forte emissor de CO2 seria um desastre3.
NÃO OBSTANTE... Sempre há a esperança de a consciência ambiental prevalecer. Tanto os
governos canadense quanto americano priorizam a criação de emprego em detrimento da
preservação ambiental. Mas tal quadro pode mudar gradualmente quando diminuírem as
dores da atual recessão econômica. Além disso, como observa o artigo, o Brasil tem feito
progressos notáveis na redução de suas emissões de carbono, não obstante Canadá e EUA
estarem aumentando as suas. Quem sabe agressivas ações conservacionistas em outras partes
do mundo possam compensar a imprudência climática perpetrada na América do Norte.
CONCLUSÃO: Ao perseguir o crescimento econômico em lugar do bem-estar ambiental,
Canadá e EUA podem vir a perder nos dois campos.
Fonte: Comunicado em Climate Progress, http://thinkprogress.org/romm/2011/06/29/
256025/brazil-rainforest-canada-tar-sands/ # more-256025
9PREVISÃO: TORNADOS, ONDAS DE CALOR, SECAS E OUTROS EVENTOS CLIMÁTICOS EXTREMOS
2100. UMA CONSEQUÊNCIA DA ATIVIDADE HUMANA AO INDUZIR A MUDANÇA CLIMÁTICA GLOBAL.
QUEM AFIRMA: Gary McManus, climatologista adjunto para o governo do estado de
Oklahoma, EUA.
ANTECEDENTES: Padrões climáticos extremos de todos os tipos vêm ocorrendo com mais
frequência desde 1980, segundo a Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos EUA.
O estado onde vive McManus tem enfrentado mais do que era esperado. Somente em 2010,
o Oklahoma bateu mais recordes climáticos do que o climatologista pensaria algum dia contábilizar: a mais baixa temperatura registrada (-31oF), a mais forte tempestade de neve de 24
horas (27 polegadas) e o maior número de furacões em um mês (50 em abril de 2011), para citar
apenas alguns exemplos de extremos climáticos. Os climatologistas afirmam que a influência
40
Santosh
CONSTITUEM A “NOVA NORMALIDADE” A OCORRER COM RECORRENTE FREQUÊNCIA POR VOLTA DE
eventos climáticos extremos: a “nova normalidade”
indireta da civilização nos padrões do clima da Terra está por trás de tudo isso.
MAGNITUDE: Condições meteorológicas extremas matam pessoas. Basta perguntar aos
moradores de Nova Orleans, que testemunharam o furacão Katrina. Devasta a vida de
outros, como qualquer agricultor indiano pode testemunhar acerca das monções. Mortes,
fome, saúde precária e perda de moradia vão ocorrer de forma desenfreada em todo o
mundo se as advertências dos climatologistas provarem ser verdadeiras.
NÃO OBSTANTE… Esta prevalência de clima severo pode ser apenas o “chute” de que a
humanidade precisa para adotar medidas agressivas e parar de poluir e alterar o clima com
seu comportamento. Os “céticos das mudanças climáticas” podem discutir com os climatologistas o que quiserem sobre as hipóteses de anéis de árvores, núcleos de gelo e tacos de
hóquei. Mas não há como negar os furacões que destruíram uma cidade, a monção que tem
destruído os campos agrícolas ou a onda de frio que ceifa a vida de moradores de rua. As
pessoas vão perceber a profundidade do problema e exigir que seus líderes finalmente ajam.
CONCLUSÃO: Sem dúvida, nos tornamos reféns de condições meteorológicas terríveis. Mas
o sol irá brilhar novamente se atuarmos de forma objetiva para mitigar essas catástrofes.
Fonte: http://www.latimes.com/news/nationworld/nation/la-na-extreme-weather-20110824,
0,940647 história.
David Burdik-Noa
morte dos oceanos
PREVISÃO: SERÁ POSSÍVEL ALIMENTAR TODOS OS 9 BILHÕES DE HABITANTES DA TERRA EM 2050.
QUEM AFIRMA: O relatório “Agrimonde 1”, apresentado por duas organizações francesas:
o Instituto Nacional de Investigação Agrária e o Centro de Cooperação Internacional em
Pesquisa Agronômica para o Desenvolvimento,
MAGNITUDE: Um relatório que conclui haver maneiras viáveis de se acabar com a fome no
mundo é uma boa notícia. As duas organizações relatam que a produtividade agrícola da
África duplicou entre 1961 e 2003, e que também dobrou ou triplicou em outros continentes. Mesmo assim, a produtividade agrícola da África é ainda a mais baixa do mundo.
NÃO OBSTANTE… Ainda se tem de encontrar respostas para a melhor forma de se enfrentar
a escassez de alimentos de maneira sustentável e a longo prazo.
CONCLUSÃO: O relatório analisa dois cenários possíveis. O primeiro enfatiza o crescimento
econômico sobre as preocupações ambientais, fato que exige um aumento de 80% na produção agrícola. O segundo leva em conta a ecologia global e requer apenas um aumento de 30%
na produção agrícola, ao mesmo tempo em que preconiza a redução no consumo de alimentos
pelos países desenvolvidos. Os relatórios subsequentes analisarão mais de perto outras
questões, como a alteração dos padrões de vida, as mudanças climáticas e o uso da terra.
Fonte: http://www.nature.com/news/2011/110112/full/news.2011.14.html
PREVISÃO: NESTA DÉCADA, A COBERTURA DE GELO DO ÁRTICO VAI AUMENTAR PARA EM SEGUIDA
PÓS
alimento: 9 bilhões de bocas em 2050
Trokilinochch
DESAPARECER PARA SEMPRE.
RIO
Ártico:cobertura de gelo desaparecerá
Pranav
+20
QUEM AFIRMA: O Centro Nacional de Pesquisa Atmosférica (NCAR).
ANTECEDENTES: Os modelos climáticos informatizados do NCAR prevêem que mesmo se
as temperaturas continuarem a subir, a calota de gelo estival do Ártico vai parar de
contrair, podendo até mesmo expandir nos próximos 10 anos. Depois disso, no entanto,
o aquecimento vai ganhar a queda de braço. Por volta de 2070, os verões árticos ficarão na
maior parte do tempo sem gelo.
MAGNITUDE: Espere até que os “céticos das mudanças climáticas” se apossem da constatação de que a camada de gelo ártico está sólida e até aumentando… Eles dirão: como se
vê, o planeta está indo muito bem; não há problema de aquecimento! As alegações dos
céticos repercutirão em muitas cabeças, e os já morosos esforços globais contra as mudanças climáticas tornar-se-ão ainda mais morosos. Não importa que a permanência da
calota seja apenas temporária e que o desastre ainda espreite ao final. As pessoas comuns
não verão o problema, e os defensores do meio ambiente enfrentarão ainda mais dificuldades para tornar a verdade visível.
NÃO OBSTANTE... A maneira mais otimista de “ler” a informação sobre o Ártico é que o
aumento temporário de gelo pode nos dar mais algum tempo. Se o mundo realmente agir em
conjunto para combater as alterações climáticas nos próximos 10 anos, então à época em
que se supõe que o derretimento do ártico deverá ocorrer, o pior do aquecimento global já
terá sido evitado. Nesse caso, nós e o Ártico seremos poupados de muita dor de cabeça.
CONCLUSÃO: Não se deixe enganar pela camada de gelo em expansão. A longo prazo, as
perspectivas de mudanças climáticas ainda parecem muito ruins.
■
Fonte: Discovery News, http://news.discovery.com/earth/arctic-sea-ice-could-makecomeback-tour-110812.html
WFS Home – The Futurist, January-February 2012, Vol. 46, No. 1, The Best Predictions of 2011.
Cidadania&MeioAmbiente
41
DESENVOLVIMENTOSUSTENTÁVEL
ÉTICA e mudança climática global
Planetary
boundaries
A bioética é necessária para que as organizações, corporações e instituições possam dialogar sem polarizações políticas e ideológicas. A situação é crítica e o mundo está enfrentando
calamidades sem precedentes.
O
mundo é refém do grave problema da
imprevisibilidade da mudança climática, que exige reconciliar a vida com os
valores básicos, já que o progresso científico não
tem sido acompanhado de rigorosa avaliação ética. O objetivo da avaliação ética é relembrar constantemente aos cientistas e políticos o dever da
ciência em servir à humanidade, não sacrificá-la
em nome do progresso. Portanto, é necessário
manter os valores básicos da vida em perspectiva para garantir a integridade da natureza e a sobrevivência no futuro. A mudança climática, da qual o
aquecimento global é um sintoma, indica a incapacidade da natureza em lidar com as rápidas mudanças
que resultaram da poluição industrial e do desequilíbrio do ecossistema. As formas de vida da vida na
Terra já estão sofrendo os efeitos das “mudanças de
longo prazo na precipitação, no aumento dos níveis
das marés, na salinidade e acidificação dos oceanos,
nos padrões das correntes de vento [imprevisíveis]
e em eventos climáticos extremos, incluindo secas,
precipitações pesadas, ondas de calor e a intensidade dos ciclones tropicais” (IPCC, 2007). Oprimidos
por tais fenômenos, os seres racionais se fazem a
pergunta básica: O que deve ser feito?
As alterações climáticas – fenômeno antropogênico
– ameaça a convivência pacífica entre os povos, a
existência da biodiversidade e a integridade dos ecossistemas. Segundo a Comissão Mundial sobre Ética
do Conhecimento Científico e Tecnológico, “a omissão de não agir pode ter implicações catastróficas,
mas as respostas às mudanças climáticas não vislumbradas com cuidado e à luz de implicações éticas têm o potencial de devastar comunidades inteiras, criar novos paradigmas de desigualdade e má
distribuição, tornando ainda mais vulneráveis os
povos que já se encontravam desenraizados por
lutas políticas e ideológicas engendradas pelo homem. Tem igualmente o potencial de mobiliar conflitos gerados pela busca de recursos escassos.”
(COMEST, 2010). A terra, a atmosfera e as águas
são responsabilidade de todos, e como tal precisam
ser salvaguardadas em sua integridade. Os efeitos de
longo prazo que estamos vivenciando irão afetar o
bem-estar das gerações futuras. Se nada for feito
hoje, a mudança climática vai piorar.
Num esforço para abordar a questão da mudança
climática global, a comunidade internacional elaborou
42
por Claris Zwareva
políticas que instam os países a reduzir suas pegadas
de carbono. Infelizmente, não fizeram isto à luz dos
princípios básicos da bioética. A literatura que aborda
a questão da mudança climática e da ética é escassa.
Uma análise ética de como as questões de mudança
climática se relacionam com a saúde e o bem-estar
precisa permear o diálogo à medida que as nações
elaboram políticas que resultam em ações concretas.
Bioética – “a ciência da sobrevivência” (Potter, 1996)
– é urgentemente necessária como plataforma neutra
na qual as organizações, corporações e instituições
possam dialogar sem polarizações políticas e ideológicas. A situação é crítica e o mundo está enfrentando
calamidades sem precedentes.
É assustador observar que o ecossistema, o habitat
da vida, está agonizando e manifestando o desejo
de ser tratado respeitosamente como faríamos com
um sujeito de direito. Se a humanidade não trata a
Terra com compaixão, os simpósios, as conferências e os debates prosseguirão sem chegar a soluções eficazes. A magnitude do problema exige uma
ação conjunta imediata, bem calculada e eficaz. As
políticas antropocêntricas precisam ser convertidas em ecocêntricas. A realização deste objetivo de
longo prazo exige que os seres humanos se tornem
parte integrante de todo o ecossistema e que as
ações prejudiciais à natureza sejam interrompidas,
uma vez que também afetarão o bem-estar humano
e a coexistência pacífica.
Portanto, o tipo de ética necessária à criação de uma
plataforma neutra na qual os líderes nacionais e a
sociedade civil troquem idéias e busquem soluções
viáveis deve ser definido pelo que agora denominamos de “bioética ecocêntrica”, termo derivado de
“ecocêntrico ou ética ecológica”. Segundo Curry,
uma ética ecocêntrica ou de profundidade ecológica
deve ser capaz de “reconhecer o valor e, portanto,
apoiar a defesa ética, a integridade das espécies e os
ecossistemas, bem como organismos humanos e
não humanos” (Curry, 2011). Neste contexto, a
natureza terá recuperado seu valor intrínseco.
nossa esperança que o desejo de viver com conforto em detrimento da integridade da natureza seja
substituído pelo desejo de viver com menos a fim
de preservar e restaurar a integridade Global Comum, ou seja, nosso patrimônio atual e o das gerações futuras. Isso exige mudanças radicais na relação homem-natureza, porque os problemas que
enfrentamos são resultado do desequilíbrio criado
por nossos hábitos de consumo energético. A análise imparcial e a resolução da tensão naturezahomem podem ser facilitadas por uma análise imparcial que chegue ao cerne da existência da vida e
convoque os humanos a aceitar que os interesses
da natureza prevaleçam para a sobrevivência das
gerações presentes e futuras. Muito especificamente, precisamos mudar nossos hábitos de consumo de energia e recorrer aos recursos renováveis
a fim de salvar a nós mesmos e o planeta.
Nossa esperança nesta breve reflexão é que os líderes mundiais considerem seriamente o destino de
toda a humanidade e, portanto, comprometam seus
governos a mudar radicalmente as fontes nacionais
de energia em prol da sustentabilidade dos recursos renováveis. Por outro lado, o desenvolvimento
necessita ser a partir de agora mensurado pela eficiência na utilização da energia, em vez do “quanto” o país injeta no sistema de mercado.
Enquanto o mundo busca meios de combater as
mudanças climáticas, urge introduzir nessa busca a análise bioética. “A menos que as dimensões éticas sejam consideradas, a comunidade
internacional pode acabar escolhendo soluções
eticamente insustentáveis ou injustas”. (Declaração de Buenos Aires, 2004). O Princípio da
Precaução – diretamente relacionado ao princípio bioético da “não-maleficência” – deve ser
aplicado a fim de antecipar, evitar ou minimizar as causas das mudanças climáticas, bem
como mitigar seus efeitos.
É possível mudar quando há vontade política e
compromissos pessoais caminhando juntos e
guiados pelos princípios que visam preservar a
integridade da vida.
■
Em sentido holístico, “a natureza-como-valor”
engloba os valores individuais previamente existentes. Este movimento irá facilitar a dissolução
dos interesses políticos e, portanto, ajudar a disClaris Zwareva, MM. Artigo publicado em http:/
persar polaridades. Enquanto o mundo antecipava
/www.trunity.net/CoNGOSD/articles/?topic=
de conferências sobre Mudanças Climáticas, é 5766726 em 26/11/2011 e atualizado em 28/02/2012.
Cidadania&MeioAmbiente
43
44
Download

RC&MA ed41 - 16out .pmd