PLATAFORMA POLÍTICA DA REDE MULHER E HABITAT DA AMÉRICA LATINA Con el apoyo de: PLATAFORMA POLÍTICA DA REDE MULHER E HABITAT DA AMÉRICA LATINA1 Prefácio O presente documento tem por objetivo apresentar a Rede Mulher e Habitat da América Latina e contribuir para o reconhecimento e inclusão nos movimentos sociais, no movimento feminista e nos governos locais da região, dos direitos das mulheres ao habitat, à terra, à moradia e à cidade, como parte integrante dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais - DESC -, os compromissos de Pequim em 95, a Conferência das Cidades (Istambul 96), e as Metas do Milênio. Foi elaborado graças ao apoio do Escritório do Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher, UNIFEM Brasil e países do Cone Sul, no contexto da contribuição que esta Oficina vem realizando para o fortalecimento institucional das redes de mulheres da América Latina. Pretende contribuir a partir da Rede Mulher e Habitat da América Latina para o debate sobre temas que constituem hoje uma preocupação compartilhada com outros movimentos sociais, em países onde os processos democráticos têm pendentes ainda dar respostas à crescente pobreza e exclusão de grande parte da população. Os desalojamentos em massa, serviços urbanos deficientes, desigualdades entre áreas rurais e urbanas e disputas territoriais que confrontam necessidades básicas de setores da população para obter emprego, terra e moradia com interesses baseados na especulação imobiliária e econômica, são algumas das problemáticas comuns aos países da região e que atentam contra a governabilidade democrática. Neste contexto de desigualdade social, a desigualdade de gênero é parte constitutiva da mesma. No entanto, o reconhecimento das discriminações contra as mulheres não é acompanhado por mudanças significativas por parte dos Estados, a partir de ações e políticas públicas que tendam a revertê-la. As debilidades não são somente das políticas de Estado, mas também dos movimentos sociais resistentes a reconhecer a subordinação de gênero, suas causas e conseqüências na vida coletiva, nos modelos de sociedade que nos propusemos construir, e que requerem uma tomada de consciência que se traduza na 1 Este documento contou com as contribuições das integrantes da Rede Mulher e Habitat e especificamente com as contribuições de Alejandra Massolo, Maite Rodigou, Silvana Pissano, Marisol Dalmazzo e Liliana Rainero.Na coordenação da Rede Mulher e Habitat se realizou a compilação e a sistematização deste trabalho. Plataforma política da Rede Mulher e Habitat da América Latina 3 certeza da inclusão em suas agendas políticas das demandas e propostas das mulheres como cidadãs. Temas como a violência contra as mulheres em todos os países da América Latina, que já cunharam termos como "feminicídio", não podem ficar à margem dos debates nos movimentos sociais sobre políticas urbanas, sobre a violência social e a segurança/insegurança nas cidades. Liliana Ribeiro CISCSA Coordenação da Rede Mulher e Habitat - LAC Cidade de Córdoba, Argentina Junho de 2006 O documento que aqui apresentamos se propõe a responder às seguintes perguntas: • Qual é o papel e a responsabilidade dos governos locais em relação às demandas e necessidades das mulheres a respeito do habitat e da cidade? • Por que os movimentos sociais que geram demandas sobre a terra, a moradia e a cidade devem considerar a perspectiva do gênero / as vozes das mulheres? • Por que o direito à terra, à moradia e à cidade são direitos que devem ser incorporados nos movimentos das mulheres e feministas em suas agendas políticas? 4 Plataforma política da Rede Mulher e Habitat da América Latina Contexto dos países da América Latina As manifestações atuais de urbanização crescente mantêm, por um lado a idéia da cidade como âmbito privilegiado de oportunidades para acesso ao trabalho, à educação, à cultura, à informação, aos avanços tecnológicos; em síntese, maior desenvolvimento e qualidade de vida em consonância com as possibilidades que os centros urbanos oferecem. No entanto, ao mesmo tempo, as cidades revelam uma exclusão social e segregação territorial cada vez maior. O processo de globalização incrementou as diferenças entre cidades, e no interior destas, desigualdades entre setores sociais, onde um percentual crescente da popuAs cidades revelam uma lação vê restringido o seu acesso à terra, à exclusão social e segregação moradia e a bens e serviços urbanos básicos. territorial cada vez maior. Esta realidade põe em questão a efetividade dos direitos cidadãos consensuados mundialmente, e especificamente o direito humano à "moradia adequada", como parte do direito a uma "vida adequada", reconhecida a partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e ratificado por distintos instrumentos internacionais, e particularmente no Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. A formulação deste direito implica um conceito não restrito à moradia, (isto é, não limitada a "um teto") e sim abrangente do habitat no sentido integral; quer dizer, o direito a um entorno que garanta serviços, acessibilidade a diversas atividades que possibilitem a vida, qualidade ambiental e segurança, como um direito humano de todas as pessoas. Fotografia: Sebastião Salgado As transformações produzidas no mundo a partir dos anos setenta, configuraram um contexto de mudanças estruturais profundas, a nível econômico, político e social que introduziram uma nova ordem política, novas formas de produção, uma economia internacionalizada e a introdução de novas tecnologias, entre outros. As repercussões geográficas deste processo demonstram a seletividade territorial e revelam, em todas as suas escalas, a distância cada vez maior entre a riqueza e a pobreza, a opulência e a miséria (80% da riqueza mundial está concentrada em 20% da população). Plataforma política da Rede Mulher e Habitat da América Latina 5 A nova ordem mundial, apoiada no pensamento liberal como construção teórica, suas políticas de liberalização e ajuste para os países subdesenvolvidos, combinadas com a crise da dívida e a repercussão da diminuição da responsabilidade do Estado como responsável pela garantia do bem-estar coletivo, provocou uma reestruturação do gasto público que reduziu substancialmente as políticas sociais e especificamente as políticas urbanas de solo e de moradia de interesse social. Como produto desta carência, aparecem a desregulamentação, a privatização da moradia social e dos serviços básicos, o aprofundamento do já histórico deslocamento de um setor da população para as periferias não urbanizadas, incrementando os assentamentos precários, informais e estigmatizantes que congelam nos territórios o círculo da exclusão social. A nova ordem mundial, apoiada no pensamento liberal provocou uma reestruturação do gasto público que reduziu substancialmente as políticas sociais e especificamente as políticas urbanas de solo e de moradia de interesse social. Surgem em cena novos atores sociais, movimentos, organizações e redes. A partir deles, se alinha um novo conceito de desenvolvimento que antepõe "o humano" ao "meramente econômico" Surgem em cena novos atores sociais, movimentos, organizações e redes, que são o germe do atual enfrentamento entre Davos e Porto Alegre. A partir deles, se alinha um novo conceito de desenvolvimento que antepõe o humano ao meramente econômico, marcando o contexto de importantes mudanças sociais. Neste marco, aparecem também avanços inquestionáveis sobre os direitos humanos a nível internacional e especificamente para as mulheres, entendendo-as como as principais afetadas por um modelo econômico excludente que as obriga à busca do bem-estar familiar e pessoal de forma a suprir a falta do outrora Estado de Bem-estar. 2 Ver Diane Élson e Nilufer Cagatay (2000) "The Social Content of Macro Economic Policies",World Development, Vol. 28, Nº 7, Elsevier Science Ltd. Great Britain. Citadas por Norma Sanchis em "Del Fundamentalismo Económico al Desarrollo con Derechos Humanos". 6 Neste sentido, diante dos resultados exíguos das políticas sociais que se adicionam às medidas macroeconômicas, é importante recuperar a contribuição de economistas feministas que mostrem as interações entre as políticas econômicas e a eqüidade. Algumas destas economistas2 propõem que no lugar de medir o impacto social das políticas econômicas e adicionar políticas sociais para atenuar seus efeitos negativos, é necessário reconhecer os conteúdos sociais que estão implícitos nas decisões econômicas. Da mesma maneira, questionam que se considere como vetor central o crescimento do PIB e seus efeitos na redução da pobreza, sem levar em consideração as mudanças na distribuição do poder e dos recursos entre setores sociais, incluindo as relações de gênero que derivam das políticas econômicas que se Plataforma política da Rede Mulher e Habitat da América Latina adotem. Enquanto o crescimento é uma condição importante, não garante por si só que se traduza no bem-estar da maioria. Para transformar as situações de iniqüidade social e de gênero na América Latina, é indispensável o compromisso dos diversos atores sociais: dos governos em primeiro lugar, como principais responsáveis pela redistribuição econômica e a garantia dos direitos humanos; dos movimentos sociais, assumindo os direitos das mulheres em suas demandas e propostas sociais; e do movimento de mulheres, como massa crítica aprofundando a articulação da sua ação coletiva com as reivindicações que estão sendo priorizadas pelos movimentos sociais da região. As mulheres são as principais afetadas por um modelo econômico excludente que as obriga à busca do bemestar familiar e pessoal de forma a suprir a falta do outrora Estado de Bem-estar. O movimento de mulheres organizado na região teve força e capacidade para impactar a agenda dos governos com as suas propostas incorporando novos direitos. É necessário agora que a incidência da participação das mulheres nas reivindicações dos movimentos sociais se potencialize para tornar efetivos esses direitos; condição imprescindível para transformar radicalmente nossas sociedades. Plataforma política da Rede Mulher e Habitat da América Latina 7 Qual é o papel e a responsabilidade dos governos locais em relação às demandas e necessidades das mulheres a respeito do habitat e da cidade?3 Os governos locais latino-americanos adquiriram um novo e relevante protagonismo, que anuncia uma mudança necessária e esperada. Em permanente tensão entre a inércia do tradicional e o impulso da modernização emerge o perfil de autênticos governos locais, que baseiam a sua legitimidade não unicamente nas eleições democráticas periódicas das autoridades, mas também em atributos políticos e institucionais de desempenho e liderança orientados à proSobre o terreno municipal se vão moção do desenvolvimento local integral, à enraizando enfoques, conceitos, inclusão social e à eqüidade de gênero, à princípios e práticas que distinguem gestão participativa, ao exercício da autonoos governos locais como instituições mia e à transparência, à responsabilidade de novas competências, à inovação e à promotoras da eqüidade de gênero, inserção no cenário da globalização. dos direitos humanos e da cidadania das mulheres. Sobre o terreno municipal - pouco a pouco e passo a passo - se vão enraizando enfoques, conceitos, princípios e práticas que distinguem os governos locais como instituições promotoras da eqüidade de gênero, dos direitos humanos e da cidadania das mulheres, modificando substancialmente o tradicional (e ainda vigente em muitos municípios e cidades) paternalismo e assistencialismo em relação às mulheres, tratadas como mães, esposas, donas-de-casa, beneficiárias passivas e vulneráveis. Este novo papel do governo local supõe desencadear mudanças inovadoras, principalmente nas dimensões dos comportamentos, valores, idéias, padrões de conduta, e nas relações e formas de interlocução entre o governo local, as mulheres e a sociedade civil em geral. 3 Texto elaborado com base nas contribuições de Alejandra Massolo, integrante da Rede Mulher e Habitat e consultora sobre governos locais e gênero. 8 Já é lugar comum dizer que os municípios são a instância do governo mais próxima às necessidades e demandas da população que melhor conhece os problemas e as potencialidades de seus territórios, portanto, que se encontra na melhor posição para Plataforma política da Rede Mulher e Habitat da América Latina Os municípios são o âmbito privilegiado para desenhar e implementar políticas sociais eficazes, facilitar o desenvolvimento local, e articular consensos entre distintos atores e setores da sociedade local. É um mito ou ingenuidade que o princípio de proximidade garanta por si só o reconhecimento da existência de problemáticas de gênero ou a incorporação à agenda municipal de políticas e ações de eqüidade entre homens e mulheres. desenhar e implementar políticas sociais eficazes, facilitar o desenvolvimento local e articular consensos entre distintos atores e setores da sociedade local, em função do bem-estar coletivo. No entanto, a partir da perspectiva de gênero se questionam ditas afirmações e se fazem outras leituras às "virtudes" atribuídas mecanicamente ao governo municipal, seja de grandes cidades ou de pequenas localidades. É um mito ou ingenuidade que o princípio de proximidade - que distingue o governo local frente a outros níveis de governo - garanta por si só o reconhecimento da existência de problemáticas de gênero, de necessidades específicas das mulheres ou a incorporação à agenda municipal de políticas e ações de eqüidade de gênero. A convicção que sustentamos de que o âmbito municipal é potencialmente o mais adequado e privilegiado, para construir e desenvolver políticas e ações eficazes de igualdade de oportunidades entre gêneros e para fomentar a cidadania real das mulheres, não nos faz ignorar que é também o âmbito onde se apresentam as resistências mais retrógradas e as hostilidades mais diretas contra os direitos e conquistas das mulheres. Fotografia: Sebastião Salgado As políticas públicas locais de As políticas públicas locais de gênero são tributárias das lutas e conquistas das mugênero são tributárias das lutas e lheres ao longo do tempo, contribuindo conquistas das mulheres ao longo com bagagem de conhecimentos, condo tempo. ceitos, metodologias e experiências à nova institucionalidade municipal, sensível e aberta aos assuntos de eqüidade de gênero e direitos da mulher. Bagagem reforçada e legitimada também por agências do sistema das Nações Unidas, como UNIFEM, INSTRAW, HABITAT, e o extinto PGU-ALC; por agências de cooperação descentralizada; associações internacionais de municípios e cidades, como FLACMA e CGLU; e redes internacionais de promoção de participação das mulheres na tomada de decisões locais, como a Rede URB-AL 12. Plataforma política da Rede Mulher e Habitat da América Latina 9 No entanto, é necessário que apareçam oportunidades de coincidência entre mudanças políticas significativas que estimulem a vinculação entre os movimentos e organizações de mulheres, com projetos democráticos inovadores de governo local, de modo a estabelecer pontos de interlocução e organização de demandas e propostas, das mulheres para as mulheres com perspectiva de gênero. Não são comuns essas coincidências no panorama Os casos de sucesso e consolidados municipal latino-americano - mas são honde políticas públicas locais de rosas exceções para o momento - inclusive gênero mostram que são resultantes nas grandes cidades onde se espera uma da articulação entre a oferta e a vonmaior modernização das instituições e particitade política efetiva das autoridades pação mais influente da sociedade civil. Entretanto, o desafio se mostra a todos os e a participação comprometida da governos locais, tanto quanto às organizações sociedade civil. e movimentos de mulheres. Os casos de sucesso e consolidados de políticas públicas locais de gênero mostram que são resultantes da articulação entre a oferta e a vontade política efetiva das autoridades - principalmente do prefeito/a ou chefe de Governo como nas cidades de Buenos Aires e México - e a participação comprometida da sociedade civil representada pluralmente em ONGs de muA transversalidade das políticas municlheres, outros tipos de organizações, instituiipais de gênero, assim como a instituções acadêmicas e profissionais, etc., outorcionalização das mesmas na agenda e gando-lhe à política um autêntico caráter de pública, quer dizer, não exclusivamente na estrutura municipal, constituem o estatal. A importância do compromisso e a maior grau de dificuldade e desafio co-gestão participativa das políticas e prograque se há de enfrentar. mas, também se enfatiza para gerar uma capacidade de pressão social e "massa crítica" local que permita certa garantia de continuidade ante as habituais descontinuidades de políticas e programas, os riscos de desaparecimento, que provocam as mudanças de governo e disputas políticas, inclusive permanecendo o mesmo partido. 10 Plataforma política da Rede Mulher e Habitat da América Latina A transversalidade das políticas municipais de gênero, assim como a institucionalização das mesmas na agenda e na estrutura municipal, constituem o maior grau de dificuldade e desafio que se há de enfrentar, sejam grandes ou pequenos governos locais. A argumentação da transversalidade aponta a que a eqüidade entre os gêneros seja um assunto de competência intersetorial e coordenação, que requer o envolvimento de todas as áreas componentes e planos da organização políticoadministrativa municipal, e que é um critério básico oposto à segregação dos temas das mulheres a um lugar isolado e desarticulado do resto da instituição, como assuntos de competência exclusiva "das mulheres" e de menor É necessário desmontar lógicas, rotihierarquia entre as competências municipais. nas e dispositivos que formal e É necessário desmontar lógicas, rotinas e informalmente atentem contra o dispositivos que formal e informalmente princípio de eqüidade de gênero e atentem contra o princípio de eqüidade de não discriminação das mulheres. gênero e não discriminação das mulheres. A institucionalização bem fundamentada poderia ser um antídoto às ameaças que representa a instabilidade atípica e a descontinuidade da gestão municipal como uma espécie de "seguro de permanência" diante das vicissitudes políticas e mudanças de governo. Uma medida preventiva necessária é a aprovação de Ordenança, Regulamento e Acordo da Câmara dos Vereadores que outorgue a base normativa da nova institucionalidade local de gênero, extremamente frágil na maioria dos casos. Para a institucionalidade de gênero nos governos das cidades e municípios, são requeridas certas condições básicas: a) um projeto político democrático e inovador de governo local, disposto à inclusão social e à promoção dos direitos da mulher e à eqüidade de gênero; b) uma proposta consistentemente argumentada de políticas, ações e programas com perspectiva de gênero, que lhe dê consistência de conteúdo na forma da institucionalização; c) uma equipe de recursos humanos (mulheres e homens) genuinamente interessada e comprometida. Plataforma política da Rede Mulher e Habitat da América Latina 11 Frequentemente se utiliza a desculA governabilidade pa da falta de recursos para não democrática das cidades apoiar a criação da institucionalitem que mostrar a sua dade de gênero. Outro lugar comum marca da promoção e nos governos municipais é a insufidefesa do direito das ciência crônica de recursos financeiros para desempenhar suas mulheres na cidade. funções. É uma meia verdade à qual é necessário dar-lhe a volta e apontar a parte de verdade escondida por trás da desculpa da falta de recursos que revela o dispêndio de verbas em coisas não prioritárias mas que dão um brilho conjuntural às autoridades; a ineficiência e corrupção no manejo dos recursos e bens públicos; a apatia em incrementar a arrecadação das receitas próprias; as contribuições ilimitadas às clientelas políticas. A América Latina tem um alto índice de urbanização: 75% da população vive em cidades (UN-HABITAT), e o índice de feminilidade urbano número de mulheres para cada 100 homens - está entre 109 a 102 mulheres para cada 100 homens (CEPAL); quer dizer que as mulheres representam mais de metade da população das cidades. Portanto, não são nenhum "setor" nem por quantidade demográfica nem por razões de cidadania e direitos humanos universais. Se aos homens não se os concebe nem se os denomina "setor", mesmo sendo a menor proporção da população urbana, também não o são as mulheres. Em conseqüência, a governabilidade democrática das cidades tem que mostrar a sua marca da promoção e defesa do direito das mulheres na cidade. Dos serviços públicos e moradia, à proteção e prevenção contra a violência de gênero na vida privada e pública, à igualdade de oportunidades em todos os espaços, se trata de uma governabilidade urbana includente das cidadãs e com as cidadãs em sua diversidade. 12 Plataforma política da Rede Mulher e Habitat da América Latina Por que o direito à terra, à moradia e à cidade são direitos que devem incorporar os movimentos de mulheres e feministas em suas agendas políticas? Os processos globais e as políticas neoliberais serviram como coadjuvantes no incremento da distância entre o expressado nas declarações internacionais sobre os direitos das mulheres4 e as conquistas alcançadas para seu pleno exercício. As dificuldades aparecem em dois planos que convergem para um aprofundamento da brecha para o alcance dos direitos: uma estrutura de poder que distancia cada vez mais as possibilidades de acesso aos recursos a uma maior quantidade de pessoas e, outra, que atua no plano simbólico, impedindo às mulheres avançar em condições de igualdade. A partir da perspectiva dos direitos, o acesso das mulheres à posse segura da terra, à moradia digna e à cidade, entendendo esta de modo abrangente quantitativa e qualitativamente dos distintos serviços que possibilitem o desenvolvimento da vida cotidiana, se intercepta com as assimetrias sociais e econômicas que exacerbam a incapacidade para materializar o direito de todos e todas a um desenvolvimento eqüitativo. Frente às injustiças sócio-econômicas que o modelo de sociedade vigente produz, excluindo grande parte de mulheres e homens das riquezas produzidas pelo coletivo social, é necessária a redistribuição dos recursos. Mas a redistribuição econômica não é suficiente sem o reconhecimento das diferenças, frente às injustiças sofridas pelas desigualdades de gênero, raça, etnia e geográficas que são imensas no simbólico e cultural. Portanto, a articulação entre a redistribuição e o reconhecimento possibilitará as transformações às situações de injustiça5. A partir da perspectiva dos direitos, o acesso das mulheres à posse segura da terra, à moradia digna e à cidade, se intercepta com as assimetrias sociais e econômicas que exacerbam a incapacidade para materializar o direito de todos e todas a um desenvolvimento eqüitativo. Sem deixar de reconhecer os avanços na situação e posição das mulheres nas últimas décadas, o desafio de enfrentar as desigualdades em detrimento das mulheres é certamente um problema político que exige transformar radicalmente uma cultura patriarcal que lhes impede o alcance e o pleno gozo de seus direitos. 4 Compromissos expressados na CEDAW, as distintas conferências das Nações Unidas: Meioambiente e Desenvolvimento (1992). IV da Mulher, Pequim (1995), Habitat II (1996) e as múltiplas declarações das organizações feministas e de mulheres. 5 Isto é precisamente a proposta de Nancy Fraser, que estabelece que não somente é possível como absolutamente desejável a superação no movimento feminista e de mulheres do "falso dilema entre a política de redistribuição, e a política do reconhecimento". "Política feminista na era do reconhecimento - Uma aproximação bidimensional à justiça de gênero", PRIGEPP, 2002, página 4 Plataforma política da Rede Mulher e Habitat da América Latina 13 É um conhecimento acumulado, o fato de que a multiplicidade de papéis em que se desdobram as mulheres, produtivo, reprodutivo e como gestoras do habitat, (sobretudo em situações de pobreza demandando e exigindo ante os governos melhoras para o desenvolvimento da vida) precisa de uma definição rigorosa do lugar em que se colocam suas demandas, pois geralmente são vistas como intermediárias, mediadoras e únicas responsáveis do desenvolvimento da vida familiar e comunitária (fato que advém do papel atribuído culturalmente às mulheres). A multiplicidade de papéis em que se desdobram as mulheres, produtivo, reprodutivo e como gestoras do habitat, (sobretudo em situações de pobreza demandando e exigindo ante os governos melhoras para o desenvolvimento da vida) precisa de uma definição rigorosa do lugar em que se colocam suas demandas, pois geralmente são vistas como intermediárias, mediadoras e únicas responsáveis do desenvolvimento da vida familiar e comunitária. 14 Neste sentido, as demandas "atribuídas" às mulheres vinculadas à cotidianidade da vida (e sua relação com o uso da moradia e dos serviços básicos), requerem um olhar crítico já que não vão acompanhadas de mudanças nas relações de poder entre homens e mulheres. Conhecemos o significado que a moradia, o habitat e os serviços urbanos têm para as mulheres o que não impede estar alertas a concepções que vinculam as mulheres exclusivamente com a casa, o bairro, a comunidade, enquanto "naturalizam" interesses excludentes da participação das mulheres nos âmbitos de decisão das políticas habitacionais e urbanas, ou da atribuição orçamentária que define a disputa de interesses no território, e somente as Plataforma política da Rede Mulher e Habitat da América Latina O espaço não é neutro de gênero; o uso, usufruto e acesso à moradia, à terra e à cidade, também reproduzem as relações de poder que mantêm as mulheres em planos de múltiplas desigualdades. considera como valiosos recursos que contribuem com tempo, energia e trabalho para a comunidade.Como muitas autoras o vêm assinalando, é necessário advertir acerca do risco da "clausura na comunidade" das mulheres, muito próximo à clausura doméstica, se suas necessidades e demandas não se transformam em políticas públicas globais. Posto que o espaço não é neutro de gênero, o uso, usufruto e acesso à moradia, à terra e à cidade, também reproduzem as relações de poder que mantêm as mulheres em planos de múltiplas desigualdades. A divisão sexual do trabalho requer mudanças culturais profundas encaixadas em sociedades patriarcais, ao mesmo tempo que a planificação da infra-estrutura para a cotidianidade da vida deve possibilitar e acompanhar as transformações nas relações entre os gêneros. Isto se traduz em transporte público e descentralização de serviços para compatibilizar as atividades socialmente necessárias de cuidado e reprodução com os trabalhos remunerados. Tempo e espaço, duas dimensões estritamente ligadas que se traduzem em qualidade de vida. Promover uma política pública compartilhada com as responsabilidades do lar aponta para mudanças estruturais nas relações de gênero em um processo no tempo, que deve ir acompanhado de serviços de cuidado, para garantir igualdade de oportunidades de mulheres e homens para participar da vida pública e política. O espaço não é neutro de gênero; o uso, usufruto e acesso à moradia, à terra e à cidade, também reproduzem as relações de poder que mantêm as mulheres em planos de múltiplas desigualdades. Promover a apropriação da cidade por parte das mulheres, remete a considerar o incremento da violência social e a insegurança cidadã, especialmente a violência contra as mulheres no âmbito privado e público, apenas pelo fato de serem mulheres. A violência de gênero atenta contra a cidadania das mulheres e a igualdade de oportunidades de exercer seus direitos, participar na vida pública e gozar das liberdades democráticas. A apropriação do espaço público por parte das Plataforma política da Rede Mulher e Habitat da América Latina 15 mulheres encontra na percepção de insegurança um limite concreto para efetivá-lo, que vincula estreitamente condições sócio-culturais que desconhecem e relativizam a violência contra as mulheres na cidade e os atributos do espaço urbano que exclui as mulheres como destinatárias e usuárias do mesmo. É necessário então, a partir do movimento organizado de mulheres, a organização de demandas específicas com as demandas e propostas que impliquem mudanças substanciais nas relações sociais e de gênero. Mudanças na divisão sexual do trabalho no âmbito do lar, na valorização das atividades desenvolvidas pelas mulheres, e segurança nas cidades para todos/as. Políticas públicas que abordem as distintas dimensões que implicam transformações no plano da eqüidade de gênero. As políticas urbanas e territoriais são parte dessas políticas e a perspectiva das mulheres deve incorporar-se às mesmas, em seus programas e projetos. Pensar na articulação das demandas implica compreender, por exemplo, que: • Para as mulheres e em particular de setores mais pobres, a moradia constitui em muitos casos um recurso econômico enquanto nela se desenvolve o único trabalho gerador de renda, pelo qual a segurança da posse é um fator protetor da pobreza extrema. • Em situações de violência conjugal, a insegurança na posse ou usufruto da mesma, constitui um fator condicionante para a ruptura do ciclo de agressão e é habitual a perda da moradia por parte das mulheres em caso de separação, quando se trata de uniões de fato. • Do mesmo modo, o bairro constitui um recurso ao garantir um tecido ou rede de serviços solidários para as mulheres, pelo qual em caso de re-assentamentos quando isto não é contemplado reforça o isolamento e exclusão das mulheres e em particular em situações onde sofre violência conjugal. 16 Plataforma política da Rede Mulher e Habitat da América Latina A incorporação destes temas nas agendas políticas dos movimentos de mulheres e feminista renova a necessidade de localizar as mulheres em um papel protagonista frente a quem implementa as políticas sociais urbanas, reivindicando um lugar que as situe como destinatárias por si mesmas e como cidadãs, mais à frente do papel de intermediárias da família e da comunidade. O movimento feminista é um dos âmbitos prioritários para colocar os direitos das mulheres à moradia, à terra e à cidade, na agenda social e política, e interpelar os governos para que implementem ações positivas que permitam efetivar os princípios da eqüidade. O Pacto Internacional DESC deixa expressamente estabelecido os compromissos dos governos para com as mulheres em relação ao acesso à moradia. Direitos que, é importante destacar, se incluem na CEDAW, que adquire status constitucional em muitos países da região. Também, se incorporam nas distintas Plataformas das Conferências das Nações Unidas, em particular na IV Conferência Internacional sobre a Mulher (Pequim, 1995), Meio-ambiente (ECO 1992), Habitat, Conferência das Cidades (1996). Compromissos que são consensos dos governos e produto do trabalho de organizações de mulheres e feministas, articulando demandas e propostas em torno da ampliação de seus direitos cidadãos. Por outro lado, os governos locais ratificaram compromissos para com as mulheres em espaços específicos internacionais como a Declaração Mundial de IULA (União Internacional de Autoridades Locais) sobre as Mulheres no Governo Local (1998) e a recente Declaração do Congresso Fundador de "Cidades e Governos Locais Unidos" (Paris, 2004). É necessário, também, mencionar outros consensos que emergem da sociedade civil tais como as Cartas pelo Direito à Cidade das Mulheres: a Carta Européia e a surgida no Fórum Mundial das Mulheres (Barcelona, 2004), no contexto do Fórum Mundial das Culturas; a Declaração de Montreal sobre a segurança das mulheres (2002). Da mesma maneira as Campanhas Regionais de Habitat-UN (Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos), sobre a Posse Segura da Moradia aportam também nesta linha de compromissos. Neste sentido, o protagonismo do movimento de mulheres e feminista como gerador da teoria crítica e fundamentalmente como ator político é substancial no reconhecimento das mulheres como sujeitos de direito, fundamentalmente, como questionador das estruturas de poder que as mantém ainda distanciadas dos recursos como a terra, a moradia e a vida na cidade em condições seguras. Plataforma política da Rede Mulher e Habitat da América Latina 17 Por que os movimentos sociais que realizam demandas sobre a terra, a moradia e a cidade devem considerar a perspectiva de gênero / as vozes das mulheres? E de que maneira a deveria incorporar? Em sociedades onde ainda se mantêm as estruturas patriarcais, os movimentos sociais no campo de direitos cidadãos, são resistentes a reconhecer outras desigualdades que se articulam com as iniqüidades sócioeconômicas, como são as existentes entre homens e mulheres. Nos últimos anos foram incorporados paulatinamente ao discurso sobre os direitos humanos e especificamente vinculados ao habitat, o reconhecimento da complexidade social e de outras identidades e diversidades que rompem com a homogeneidade das demandas: imigrantes, As mulheres são relegadas da esfera população desalojada por conflitos de difepública, e ao mesmo tempo excluírentes tipos, indígenas, ocupam o cenário das das preocupações e vontade social com reivindicações próprias tanto de política daqueles que lideram os redistribuição econômica quanto de reconheprocessos de mudança social. cimento às suas diferenças. Enquanto que com a redistribuição econômica se apela à responsabilidade do Estado para assegurar suas condições básicas de vida, as demandas de reconhecimento implicam demandas de aumento de poder e decisões em um plano de igualdade. Entretanto, as desigualdades produto da subordinação de gênero que se manifestam em ambos planos, o econômico - acesso das mulheres a recursos - e o plano do reconhecimento - as mulheres como sujeito de direitos e como atores políticos -, encontram resistências para serem incorporadas nas agendas dos movimentos sociais que questionam o modelo de sociedade vigente. As mulheres são relegadas da esfera pública, e ao mesmo tempo excluídas das preocupações e vontade política daqueles que lideram os processos de mudança social. Os movimentos sociais consideram as demandas das mulheres de forma excludente a outras reivindicações sociais e subordinadas a uma ordem hierárquica de problemas considerados centrais: a esfera privada subordinada à esfera pública, as lógicas reprodutivas subordinadas às produtivas, e não se reflete sobre as conexões 18 Plataforma política da Rede Mulher e Habitat da América Latina Costuma-se considerar as demandas das mulheres de forma excludente a outras reivindicações sociais e subordinadas a uma ordem hierárquica de problemas considerados centrais. entre elas e a forma como se inter-relacionam para sustentar e reproduzir o modelo social vigente. Como bem sustenta Roxana Vasquez6, uma questão é aceitar a incorporação de algumas suposições dentro de uma lógica já estabelecida, e outra muito diferente é reorganizar os termos da discussão, com a finalidade de fazer uma revisão e redefinição de tipo filosófico, ético, jurídico e político que revise as causas e conseqüências da exclusão, da subordinação e da exploração. Perguntar-se, por exemplo, pelas características do sujeito paradigmático a partir do qual se construiu a noção de cidadania. Neste sentido, pensar na inclusão dos sujeitos historicamente excluídos do plano social moderno e do "banquete oficial" da cidadania, contém pelo menos dois aspectos centrais que todas as agendas de direitos humanos e todas as propostas de desenvolvimento deveriam começar a considerar: em primeiro lugar, avaliar as possibilidades reais de inclusão dos/as excluídos/as em moldes que não foram pensados para eles e elas, suas expectativas, experiências, diferenças e necessidades, ao mesmo tempo que expor as modificações substanciais que a sua inclusão coloca a respeito das visões ou enfoques que conduzimos com As carências de serviços afetam relação ao Estado, à cidadania, à organização diretamente a vida cotidiana das social, política e econômica. mulheres, e o tempo que devem destinar à combinação de jornadas de trabalho. Sabemos que as mulheres representam em média 52% da população latino-americana e nos centros urbanos compõem e constituem a maioria nos movimentos sociais que trabalham de maneira solidária por: melhoria das condições de vida dos bairros, acesso à água e moradia, cuidado com a infância, transporte, segurança, saúde, educação e recreação; devido a que as carências de serviços afetam diretamente a vida cotidiana das mulheres, e o tempo que devem destinar à combinação de jornadas de trabalho: casa, trabalho remunerado, contribuição solidária à melhoria do bairro. Entretanto, esta contribuição coletiva não remunerada das mulheres é comunitária e não se vê refletida na representação política local nem A contribuição coletiva nacional. Desta maneira, as mulhenão remunerada das mures em cargos de prefeitas e em lheres é comunitária e não instâncias políticas não superam na se vê refletida na repreAmérica Latina 15%, nem na sentação política local dotação orçamentária destinada a nem nacional. políticas de eqüidade de gênero. 6 Roxana Vasquez Sotelo (2004), Democracia, desenvolvimento e direitos humanos: conceitoschave nas reflexões de uma agenda radical (reflexões para o Fórum Social Mundial, no Painel "Corpos Políticos, as novas lutas emancipatórias que alimentam uma democracia radical"). Plataforma política da Rede Mulher e Habitat da América Latina 19 Nos discursos e práticas políticas dos movimentos sociais e seus líderes homens e em muitos casos mulheres, continua sendo um nó crítico reconhecer que as mulheres não podem disputar suas demandas num mesmo plano de igualdade, embora as legislações e normas assim o estipulem, porque na prática as condições não são iguais para uns e outras. Recursos de diferentes tipos e mandatos sociais e culturais constituem o sustento da reprodução das relações desiguais entre os gêneros. Da mesma forma, as mulheres entre si não têm as mesmas oportunidades: mulheres afro-descendentes, imigrantes, indígenas, de setores pobres e empobrecidos somam à sua condição de pobres e mulheres outras discriminações por pertencerem a grupos étnicos, religiosos ou de orientação sexual. Trata-se de perceber que as relações sociais baseadas na subordinação de gênero constituem a base das relações sociais em geral e que sua eliminação é condição indispensável para pensar a utopia de outra sociedade. Continua sendo um nó crítico reconhecer que as mulheres não podem disputar suas demandas num mesmo plano de igualdade, embora as legislações e normas assim o estipulem, porque na prática as condições não são iguais para uns e outras. Por outro lado, analisar os fatos urbanos a partir do cruzamento das categorias habitat e gênero nos permite explicar como as relações de desigualdade entre homens e mulheres se expressam no território. A interseção diferenciada que homens e mulheres têm na sociedade de acordo com os papéis atribuídos tradicionalmente, se traduz também em rotinas diárias e práticas sociais diferentes. Os impactos das políticas territoriais também são diferentes quer se trate de homens ou de mulheres, tornando complexa por sua vez a diversidade etária, composição dos lares, situação sócio-econômica, etc. A relação entre as necessidades e a localização dos bens e serviços que as satisfazem, a relação entre tarefas domésticas e acesso à água, localização da moradia e acesso ao trabalho, relação com o transporte público, o Analisar os fatos cuidado com a infância e equipamentos urbanos a partir do de saúde, educação e recreação entre cruzamento das cateoutros, percepção de insegurança, etc. gorias habitat e não são neutros de gênero. No entanto, gênero nos permite a planificação da cidade segue as explicar como as regras do zoneamento de atividades e relações de desigualda divisão sexual do trabalho, sem condade entre homens e siderar as lógicas diferenciadas que regem a organização do trabalho e o mulheres se expreuso de tempo de homens e mulheres. ssam no território. Plataforma política da Rede Mulher e Habitat da América Latina 20 As políticas urbanas e habitacionais continuam em grande parte assumindo na prática, apesar das declarações e compromissos dos governos a partir da Conferência da Cidade, Habitat II (1996), um conceito limitado de moradia sem considerar a interdependência da mesma com o acesso ao emprego, à água e demais serviços públicos, às redes de infra-estrutura, à segurança e à qualidade ambiental, com conseqüências para a vida da população e especialmente das mulheres. Com relação à moradia, as mulheres vêem diretamente afetado seu direito a uma moradia adequada e ameaçada a posse da mesma, por uma diversidade de fatores: menores oportunidades de trabalho no setor formal da economia; salários menores que os dos homens; maiores níveis de pobreza e maior quantidade de mulheres no setor informal; aumento do número de mulheres provedoras do lar; desconhecimento e dificuldade de acesso aos direitos econômicos, sociais e culturais; serviços públicos insuficientes, de má qualidade ou com altos custos tarifários; desalojamentos por modernização das áreas centrais da cidades ou pelo não pagamento de serviços e impostos de valorização; e o deslocamento gerado pela violência que golpeia algumas regiões como é o caso colombiano. Apesar de que na maioria dos países há avanços quanto aos marcos legais que reconhecem às mulheres o direito à moradia, à propriedade e à herança, que a maioria das constituições dos países não restringe a igualdade jurídica entre homens e mulheres, e que existem em muitos casos disposições positivas a favor das mulheres chefes de família em relação à atribuição de subsídios, persistem práticas culturais e mecanismos que limitam a efetiva aplicação das leis e o acesso das mulheres pobres à moradia. Algumas considerações e propostas: De acordo com as recomendações da Rede Mulher e Habitat na consulta regional realizada no México, e convocada pelo Relator Especial pelo direito à moradia da ONU7 fazíamos referência a vários desafios que era necessário superar para permitir o direito e o acesso ao solo e à moradia, aos serviços urbanos e à cidade de maneira integral, em condições seguras para as mulheres. • Promover os direitos das mulheres à moradia e à posse segura, exigindo a representação por gênero nas instâncias dos governos 7 Lucy Cardona, Marisol Dalmazzo, e Liliana Rainero (2004), "A moradia como Direito: Igualdade Formal e Desigualdade Real", em Maria Sílvia Emanuelli (comp./ed), Moradia com Rosto de Mulher: Mulheres e Direito a uma Moradia Adequada, Social Watch, Rede Mulher e Habitat Plataforma política da Rede Mulher e Habitat da América Latina 21 nacionais, locais e organizações comunitárias. • Implementar legislações e medidas afirmativas que equiparem os direitos das mulheres aos dos homens, como são a lei de parcelamentos ou cotas e o fortalecimento de lideranças femininas que eliminem as atuais diferenças de oportunidades na participação das mulheres a nível local e nos distintos âmbitos de decisão: poder executivo e legislativo como também em conselhos e associações de vizinhos. • Formular e reforçar políticas e práticas para promover a plena participação das mulheres na planificação dos assentamentos humanos e que garantam um sistema de participação direta de todos os/as cidadãos/ãs e as organizações comunitárias na seleção das prioridades do gasto no orçamento público. • Reconhecer na definição dos orçamentos a existência de diferenças sociais, etárias, culturais, de sexo e gênero, considerando as contribuições econômicas, monetárias e não monetárias no âmbito privado e comunitário que realizam as mulheres e que devem refletir-se na atribuição de recursos para políticas de eqüidade. • Formular e implementar políticas urbanas em que prevaleça o interesse comum sobre o direito individual de propriedade e a segurança na posse. 8 A "Carta Mundial das Mulheres pelo Direito à Cidade" propõe enfatizar os desafios pendentes para obter cidades eqüitativas e demográficas. Retoma a "Carta Européia da Mulher na Cidade" (1995), as declarações do Encontro "Construindo Cidades pela Paz" e a "Declaração de Montreal sobre a segurança das Mulheres" (2002). 22 • Promover o uso socialmente justo com eqüidade entre os gêneros e ambientalmente equilibrado do espaço e solo urbano e em condições seguras que previnam a violência exercida sobre as mulheres e meninas em todas as suas formas. • Integrar à planificação da cidade e aos programas e projetos setoriais o tema da segurança urbana como atributo do espaço público, promovendo também campanhas de sensibilização sobre a violência contra as mulheres. • Reconhecer a estrita interdependência entre moradia, acesso ao solo, aos serviços públicos e comunitários, ao transporte, ao emprego e à qualidade ambiental, cujas carências afetam em maior medida às mulheres e lhes limita seu tempo e possibilidades de participação como cidadãs. • Adotar medidas de desenvolvimento urbano, em especial de reabilitação de habitat degradados ou marginais, promovendo uma cidade integrada e eqüitativa.8 Plataforma política da Rede Mulher e Habitat da América Latina Desta maneira, a partir da Rede Mulher e Habitat da América Latina instalamos as organizações comunitárias de direitos humanos e movimentos sociais em geral a: • Incorporar em suas agendas próprias e internacionais (fóruns sociais mundiais, etc.), os temas que permitam visualizar os obstáculos das mulheres para exercer o direito a um habitat integral em igualdade de oportunidades aos homens. • Incidir nas agendas governamentais, mediante propostas de ação e investigação a partir de onde exercer o "controle cidadão", gerando a necessidade de que se integrem ao âmbito legislativo os direitos das mulheres em distintos planos, e nas práticas concretas revertendo os obstáculos culturais, mediante políticas de ação afirmativa que assegurem às mulheres um acesso eqüitativo à moradia e à terra como recursos. • Promover a articulação dos Estados com outros atores da sociedade civil, a partir dos eixos temáticos: "democracia e cidadania", posto que os direitos à terra, à moradia e à cidade, em condições de eqüidade, formam parte do exercício da cidadania, de igual maneira que a participação das mulheres nas decisões sobre políticas habitacionais e urbanas, são condição necessária para cidades democráticas. • Unir suas demandas em articulação com outros movimentos, especificamente com o movimento de mulheres, para incorporar estes temas nas agendas internacionais sociais e dos governos. • Apoiar as redes regionais de mulheres em volta do habitat, potencializando estratégias de ação e de articulação entre países, incorporando estes objetivos nas alianças e metas conjuntas. Nas políticas habitacionais e urbanas, se avançou em consensos, legislações e instrumentos graças à mobilização organizada do movimento de mulheres. É necessária, agora, a efetivação na prática desses direitos conquistados, o que demanda não somente reconhecimento, mas também atribuir recursos econômicos por parte dos governos, procedimentos que assegurem a participação das mulheres nas decisões que concernem às políticas habitacionais e urbanas, desenvolver indicadores para monitorar o avanço dos compromissos e estabelecer os mecanismos punitivos para o não cumprimento dos mesmos. Neste sentido os movimentos sociais têm um papel relevante a cumprir. Plataforma política da Rede Mulher e Habitat da América Latina 23 REDE MULHER E HABITAT NA AMÉRICA LATINA A Rede Mulher e Habitat tem como objetivo a promoção dos direitos das mulheres e a eqüidade de gênero no campo do habitat. Sua organização é formada por uma instância de coordenação regional, por representantes de instituições de diversos países da América Latina, e por sócias individuais. A Rede Mulher e Habitat está ligada à Coalizão Internacional para o Habitat - HIC, articulando trabalhos e compartilhando enfoques e metas com "Women and Shelter - WAS". Rede ligada à HIC que conta com referentes no Caribe de língua inglesa, Europa, Ásia e África. INSTITUIÇÕES E PESSOAS DE REFERÊNCIA ARGENTINA CISCSA - Coordinación Regional Liliana Rainero 9 de julio 2482 - B° Alberdi X 5003 CQR Córdoba - Argentina Tel. y Fax: +54 (351) 489 1313 [email protected] BOLIVIA RED HÁBITAT - FUNDAPROVI Anelise Melendez Lundgren Av. Juan Pablo II Nº 606 Villa Tunari - El Alto, Bolivia Casilla de correo: 4009 Tel: 591-2-2865350 / 591-2-2845515 Fax: 591-2-2864230 / 591-2-2845515 Red Hábitat: [email protected] FUNDAPROVI: [email protected] BRASIL IBAM Delaine Martins Costa Largo Ibam No 1. Humaitá 22271-070 Río de Janeiro - Brasil Tel.: 55-21 2536 - 9751 Fax: 55-21 2527 - 5146 [email protected] / [email protected] UNIÃO NACIONAL POR MORADIA POPULAR María das Graças de Jesus Xavier Vieira Rua João de Barros N° 76 - Barra Funda São Paulo - SP - Brasil Código Postal: 01151-030 Tel.: 55-11-3825-5725 / 3667-2309 Fax: 3822-0090 [email protected] / [email protected] [email protected] COLOMBIA AVP - Asoc. Vivienda Popular Marisol Dalmazzo Av. 39 No 14-66 Bogotá – Colombia Tel: 57 1 2883271/2872213 Fax: 2883281 [email protected] CUBA Selma Díaz [email protected] CHILE SUR, Corporación de Estudios Sociales y Educación Marisol Saborido José Manuel Infante 85. Providencia Santiago - Chile Tel: 56 2 235-8143/236 0470 Fax: 2359091 [email protected] www.sitiosur.cl ECUADOR Centro de Investigaciones CIUDAD Henriette Hurtado Fernando Meneses 265 y La Gasca Quito - Ecuador Tel: 593 2 225198 y 2227091 Fax: 2500322 [email protected] EL SALVADOR Colectivo Feminista para el Desarrollo Local Morena Herrera Colonia Buenos Aires, Calle Gabriela Mistral, casa 224 San Salvador.- El Salvador Tel: 503 22 26 03 56 [email protected] [email protected] GUATEMALA Fundación Guatemala Maite Rodríguez Blandon 7ª Calle A 20-53, Zona 11 Mirador Ciudad de Guatemala Telefax: (502) 2 4753470 / 2 4753474 Tel. (502) 5 2942490 [email protected] / [email protected], [email protected] MEXICO Alejandra Massolo [email protected] NICARAGUA Programa Feminista La Corriente María Teresa Blandón Apartado Postal 18-33. Managua Tel.: 505 – 222 4803 y 222 5355 [email protected] PARAGUAY María Molinas [email protected] PERU CMP Flora Tristán Programa de Participación Política y Descentralización Diana Miloslavich Tupac, coordinadora Parque Hernan Velar Nº 42 Lima 1, Perú Tel.: 511 4339060 / 4332765 Fax: 511 4339500 [email protected] [email protected] www.flora.org.pe URUGUAY Cotidiano Mujer Silvana Pissano San José 1436 - 11200 Montevideo - Uruguay Tel (598 2) 9018782 - 9020393 Fax: (598 2) 9020398 [email protected] [email protected] Maiores informações sobre a Rede Mulher e Habitat da América Latina em www.redmujer.org.ar