5910170 – Física II – Ondas, Fluidos e Termodinâmica – USP – Prof. Antônio Roque
Aula 20
Ondas sonoras
Quando o professor fala uma palavra na sala de aula, ele gera uma
breve perturbação no ar em torno da sua boca que se propaga para os
ouvidos dos alunos na sala e sinaliza que algo foi dito. Mesmo que
se coloque um biombo na frente do professor, ainda assim os alunos
ouvirão o que foi dito. Isto decorre do fato de que o som é uma
onda.
O som é uma onda mecânica longitudinal que se propaga em um
meio material. Portanto, na ausência de um meio (como no vácuo)
não há som. O meio material pode ser de qualquer natureza: gasoso
como o ar, líquido como a água ou sólido como uma barra metálica.
Por ser uma onda, o som possui todas as propriedades de ondas já
vistas nas aulas anteriores: velocidade finita de propagação
dependente das características do meio, reflexão e transmissão em
interfaces entre dois meios, e todos os fenômenos decorrentes do
princípio de superposição, como interferência, batimentos e ondas
estacionárias.
Nesta aula, vamos considerar o caso mais simples de onda sonora: a
onda sonora que se propaga em uma dimensão.
1
5910170 – Física II – Ondas, Fluidos e Termodinâmica – USP – Prof. Antônio Roque
Aula 20
As ondas sonoras produzidas no ar quando o professor fala não se
propagam em apenas uma dimensão (e é por isso que todos os
alunos podem ouvi-lo). Elas são, aproximadamente, ondas esféricas
propagando-se em todas as direções a partir da fonte que é a boca do
professor. No entanto, a uma distância muito grande da boca do
professor (em comparação com o comprimento de onda do som
produzido pelo professor) as perturbações do ar (as “frentes de
onda”) atingem o ouvinte como ondas planas que se propagam em
uma única direção. Veja a figura abaixo.
Outro exemplo de onda sonora que se propaga em uma única
direção é a provocada pela membrana esticada de um tambor.
Imagine que o tambor está seguro pelo seu tocador de maneira que a
membrana esteja perpendicular ao eixo horizontal, que chamaremos
de eixo x. Quando o tocador bate na membrana ela vibra para frente
e para trás como na figura abaixo.
2
5910170 – Física II – Ondas, Fluidos e Termodinâmica – USP – Prof. Antônio Roque
Aula 20
Se nos concentrarmos na região central da membrana, para evitar as
curvaturas das frentes de onda nas bordas, teremos frentes de onda
aproximadamente planas que se propagam na direção x.
Para estudar ondas sonoras, precisamos definir claramente o que se
quer dizer por “perturbação” provocada no meio pelo movimento.
Em outras palavras, precisamos determinar o que é que “ondula”
quando ocorre uma onda sonora.
Tomemos o caso do tambor da figura acima como exemplo. Quando
a membrana se move para frente (para a posição indicada por A no
desenho), ela desloca as moléculas de ar em contato com ela para a
direita na figura. Essas moléculas de ar se aproximam das moléculas
de ar que estão mais à frente, causando aumento na densidade do ar
naquela região. Esse aumento na densidade causa aumento da
pressão nessa região. A maior pressão faz com que as moléculas de
ar dessa região se desloquem mais para a direita. Esse deslocamento
provoca aumento na densidade do ar ainda mais à frente, o que
3
5910170 – Física II – Ondas, Fluidos e Termodinâmica – USP – Prof. Antônio Roque
Aula 20
provoca aumento na pressão e o processo todo vai se repetindo,
gerando um pulso que se propaga para a direita.
Por outro lado, quando a membrana se desloca para trás (posição
indicada por B na figura) após ter empurrado as moléculas de ar para
frente, a densidade de ar na região logo à frente da membrana
diminui. Consequentemente, a pressão também diminui. A
densidade e a pressão nessa região voltarão a aumentar quando a
membrana tornar a se movimentar para frente, provocando o
deslocamento da zona de baixa densidade e baixa pressão para a
direita. Teremos então duas zonas de alta densidade e pressão
separadas por uma zona de baixa densidade e pressão e essas três
zonas se propagarão para a direita. À esquerda delas uma nova zona
de baixa densidade e pressão irá se formar quando a membrana
retornar uma vez mais para a posição B. Essa nova zona de baixa
densidade e pressão se propagará para a direita, seguindo a zona de
alta densidade e pressão à sua frente, quando a membrana uma vez
mais atingir a posição A.
A repetição do movimento da membrana para frente e para trás
provocará uma sucessão de regiões de ar com densidades e pressões
altas e baixas intercaladas (alta, baixa, alta, baixa, etc) que se
propagarão para a direita. Esta é a onda sonora.
4
5910170 – Física II – Ondas, Fluidos e Termodinâmica – USP – Prof. Antônio Roque
Aula 20
Os processos físicos envolvidos quando ocorre uma onda sonora são
os seguintes:
1. O fluido se movimenta e isso aumenta a densidade;
2. A mudança de densidade provoca aumento da pressão;
3. As diferenças de pressão produzem deslocamento do fluido.
Vamos considerar esses três processos para construir uma teoria
quantitativa para o som. Vamos considerar cada um separadamente e
depois combinar as equações obtidas em uma só.
Começaremos pelo segundo processo, que relaciona mudanças de
densidade com alterações na pressão.
Em um dado meio qualquer (gasoso, líquido ou sólido), a pressão
depende da densidade de acordo com certa função f da densidade:
P = f (ρ ) .
(1)
Antes que a onda sonora chegue a uma dada região do meio, esta
região está em equilíbrio e os valores de pressão e densidade de
equilíbrio serão denotados por P0 e ρ0.
No caso do meio em equilíbrio temos então:
P0 = f (ρ0 ) .
(2)
5
5910170 – Física II – Ondas, Fluidos e Termodinâmica – USP – Prof. Antônio Roque
Aula 20
Estudos experimentais nos revelam que as variações de pressão que
ocorrem no meio quando por ele passa uma onda sonora são
extremamente pequenas. Da mesma maneira, as variações na
densidade e os deslocamentos das partículas em relação ao
equilíbrio são também muito pequenos.
Por causa disso, vamos sempre escrever:
P = P0 + δP
e
ρ = ρ0 + δρ ,
(3)
onde δP e δρ são grandezas muito pequenas em comparação com P0
e ρ0 respectivamente.
Substituindo (3) em (1) temos
P0 + δP = f (ρ 0 + δρ ) ,
e usando o fato de que δρ é muito pequeno podemos expandir a
função do lado direito acima em série de Taylor em torno de ρ0 até
primeira ordem em δρ:
P0 + δP = f (ρ0 ) + δρ
df
dρ
ρ =ρ0
 dP 

= f (ρ0 ) + δρ 
 dρ 0 . (4)
Note que o índice 0 no lado direito da expressão acima indica que a
derivada dP/dρ é calculada no equilíbrio.
6
5910170 – Física II – Ondas, Fluidos e Termodinâmica – USP – Prof. Antônio Roque
Aula 20
Comparando a equação (4) com a equação (2), vemos que:
 dP 

 dρ  0 .
δP = δρ 
(5)
A variação da pressão é proporcional à variação da densidade e a
constante de proporcionalidade é (dP/dρ)0.
Vamos passar agora para o primeiro processo e buscar uma relação
entre deslocamento e mudança de densidade.
Vamos considerar que a posição de uma camada de fluido não
perturbada pela onda seja x e que o seu deslocamento1 no instante t
devido à onda seja u(x, t). Portanto, a nova posição dessa camada de
fluido no instante t é x + u(x, t), como mostrado na figura abaixo.
Vamos também considerar que a posição não perturbada de uma
camada vizinha de fluido seja dada por x + ∆x e que a sua nova
posição no instante t seja (x + ∆x) + u(x + ∆x, t)
1
O deslocamento dá o desvio entre a posição instantânea da camada de fluido e a sua posição de equilíbrio.
7
5910170 – Física II – Ondas, Fluidos e Termodinâmica – USP – Prof. Antônio Roque
Aula 20
Para facilitar os cálculos dos volumes deslocados, vamos supor que
o fluido que se movimenta está contido em um tubo cilíndrico
imaginário cuja área da seção reta é A e cujo eixo que passa por seu
centro é o eixo x (veja a figura abaixo).
O volume inicial de fluido, antes de ser perturbado é o volume
antigo da figura acima, dado por
Va = A[(x + ∆x ) − x ] = A∆x .
(6)
Como a densidade do fluido em equilíbrio é ρ0, a quantidade de
fluido dentro do volume Va é
M = ρ 0Va = ρ 0 A∆x .
(7)
Essa quantidade de fluido, após ser deslocada pela passagem da
onda, passa a ocupar o novo volume dado por
Vn = A{[( x + ∆x ) + u ( x + ∆x, t )] − [x + u ( x, t )]}.
Desenvolvendo esta expressão:
Vn = A{∆x + [u ( x + ∆x, t ) − u ( x, t )]} ⇒
8
5910170 – Física II – Ondas, Fluidos e Termodinâmica – USP – Prof. Antônio Roque
Aula 20
  u ( x + ∆x, t ) − u ( x, t )  
⇒ Vn = A∆x 1 + 
 .
∆
x

 
Como ∆x é pequeno, podemos escrever
u ( x + ∆x, t ) − u ( x, t ) ∂u
( x, t ) ) ,
≈
∆x
∂x
o que implica que
 ∂u

Vn = A∆x 1 +
( x, t ) 
 ∂x

(8)
A quantidade de fluido dentro do novo volume é a mesma que
estava contida no volume inicial (pois matéria não foi perdida ou
adicionada durante o deslocamento). Chamando de ρ a densidade do
volume de fluido deslocado, temos então:
 ∂u

M = ρVn = ρA∆x 1 +
( x, t )  .
 ∂x

(9)
Igualando (7) a (9):


ρ 0 A∆x = ρA∆x 1 +
∂u

( x, t )  ,
∂x

ou


ρ 0 = ρ 1 +
∂u

( x, t )  .
∂x

(10)
9
5910170 – Física II – Ondas, Fluidos e Termodinâmica – USP – Prof. Antônio Roque
Aula 20
Substituindo ρ por ρ0 + δρ obtemos


ρ 0 = (ρ 0 + δρ )1 +
∂u

( x, t )  ,
∂x

que, ao ser desenvolvida, dá
δρ = − ρ0
∂u
∂u
( x, t ) − δρ
( x, t ) .
∂x
∂x
(11)
Note que na equação acima o termo δρ(∂u/∂x) é de segunda ordem
em termos de perturbações.
Estamos supondo que todas as variações (na densidade ρ, na pressão
P e no deslocamento u) são pequenas e, por isso, vamos seguir em
nossas manipulações matemáticas o critério de desprezar todos os
termos de ordem igual ao superior a 2 nessas variações.
Para deixar claro, os termos de segunda ordem nessas três
perturbações são: δPδP; δρδρ; uu; δPδρ; δPu; e δρu. A lógica que
estamos seguindo nas deduções feitas aqui é a de desprezar todos
esses termos e os de ordem superior que aparecerem.
Por causa disso, podemos desprezar o segundo termo do lado direito
da equação (11) em relação ao primeiro e escrever
10
5910170 – Física II – Ondas, Fluidos e Termodinâmica – USP – Prof. Antônio Roque
Aula 20
δρ = − ρ 0
∂u
( x, t ) .
∂x
(12)
Esta é a relação entre deslocamento e variação na densidade que
procurávamos.
Note que a equação (12) satisfaz a nossa compreensão intuitiva de
como a densidade deve variar com o deslocamento: se o
deslocamento for positivo (∂u/∂x > 0) isso significa que partículas
do fluido estão saindo da região onde se mede a densidade ρ.
Portanto, a densidade nessa região deve diminuir quando ∂u/∂x > 0 e
é este o significado do sinal de menos na equação acima.
Falta agora determinar uma expressão quantitativa para o terceiro
processo, que relaciona variações de pressão com deslocamento.
As partículas do fluido se movem porque forças atuam sobre elas.
Essas forças são devidas à variação de pressão entre diferentes
pontos do fluido. Isto sugere que podemos obter a expressão
desejada a partir da aplicação da segunda lei de Newton à
quantidade de fluido que se desloca, ou seja, a partir da
determinação da equação de movimento para essa quantidade de
fluido.
11
5910170 – Física II – Ondas, Fluidos e Termodinâmica – USP – Prof. Antônio Roque
Aula 20
Vamos continuar considerando a situação do desenho anterior em
que o fluido se movimenta no interior de um tubo imaginário de
seção reta A. A massa de fluido que se desloca (equação 7) é
M = ρ 0 A∆x .
Como essa massa está se deslocando no tempo e o deslocamento é
indicado pela variável u, a aceleração da massa M é
∂ 2u
∂t 2 .
Precisamos agora encontrar a força atuando sobre a massa M que
produz essa aceleração. No instante t, o volume cilíndrico de massa
M do fluido está submetido a uma pressão P(x, t) atuando sobre sua
face da esquerda (posição x) e a uma pressão P(x + ∆x, t) atuando
sobre sua face da direita (posição x + ∆x). Veja a figura abaixo (note
que as forças atuando sobre as duas faces têm sentidos contrários).
As forças atuando sobre as faces da esquerda e da direita do cilindro
são, respectivamente
Fe = P ( x, t ) A
e
Fd = − P ( x + ∆x, t ) A ,
12
5910170 – Física II – Ondas, Fluidos e Termodinâmica – USP – Prof. Antônio Roque
Aula 20
de maneira que a força total atuando sobre o volume cilíndrico é
F = Fe + Fd = A[P ( x, t ) − P ( x + ∆x, t )] .
(13)
A derivada de P em relação a x é dada por
∂P P ( x + ∆x, t ) − P ( x, t )
≈
,
∂x
∆x
de maneira que a equação (13) pode ser escrita como
F = − A∆x
∂P
∂x .
(14)
Como estamos escrevendo a pressão alterada pela presença da onda
sonora como P = P0 + δP, temos
∂P ∂P0 ∂ (δP ) ∂ (δP )
=
+
=
∂x ∂x
∂x
∂x ,
(15)
pois P0 é constante. Logo,
F = − A∆x
∂ (δP )
∂x .
(16)
A segunda lei de Newton aplicada à massa M de fluido em
deslocamento é então
∂ (δP )
∂ 2u
− A∆x
= ρ 0 A∆ x 2 ,
∂x
∂t
ou
∂ 2u
∂ (δP )
ρ0 2 = −
∂t
∂x .
(17)
13
5910170 – Física II – Ondas, Fluidos e Termodinâmica – USP – Prof. Antônio Roque
Aula 20
Esta é a terceira relação que estávamos procurando, entre
deslocamento e variação de pressão.
Vamos agora combinar as três equações obtidas (5, 12 e 17) para
obter uma única equação. Note que podemos combinar essas três
equações de maneiras diferentes para que a única equação resultante
seja para a variação da pressão δP, ou para a variação da densidade
δρ, ou para o deslocamento u.
Vamos começar obtendo a equação para o deslocamento u.
Substituindo (5) em (17) eliminamos δP:
 ∂P  ∂ (δρ )
∂ 2u
∂   ∂P  


ρ 0 2 = − δρ    = − 
∂t
∂x   ∂ρ 0 
 ∂ρ 0 ∂x .
Substituindo agora (12) nesta expressão eliminamos δρ:
 ∂P  ∂ 
 ∂P  ∂ 2u
∂ 2u
∂u 
ρ 0 2 = − 
 − ρ 0  = ρ 0  
2
∂t
∂x 
 ∂ρ 0 ∂x 
 ∂ρ 0 ∂x ,
ou
∂ 2u  ∂P  ∂ 2u
= 
∂t 2  ∂ρ 0 ∂x 2 .
(18)
Esta equação é formalmente idêntica à equação de onda
unidimensional deduzida na aula 16 para a corda vibrante.
14
5910170 – Física II – Ondas, Fluidos e Termodinâmica – USP – Prof. Antônio Roque
Aula 20
A equação (18) é a equação de onda para ondas sonoras se
propagando em uma dimensão em um meio material qualquer.
Podemos reescrevê-la como
∂ 2u 1 ∂ 2u
= 2 2 ,
2
∂x
v ∂t
(19)
com
 ∂P 
v =  
 ∂ρ 0 .
(20)
A equação (20) nos dá a velocidade de propagação do som no
fluido.
Podemos obter equações de onda similares para as variações de
densidade e de pressão do fluido. Tomando a derivada em relação a
x de ambos os lados de (17):
∂ ∂ 2u
∂ 2 (δP )
∂ 2 ∂u
∂ 2 (δP )
=−
⇒ ρ0 2
=−
ρ0
2
2
∂x ∂t
∂x
∂t ∂x
∂x 2 .
Substituindo (12) nesta equação:
∂ 2  δρ 
∂ 2 (δP )
∂ 2 (δρ ) ∂ 2 (δP )
⇒
=
ρ 0 2  −  = −
∂t  ρ 0 
∂x 2
∂t 2
∂x 2 .
(21)
15
5910170 – Física II – Ondas, Fluidos e Termodinâmica – USP – Prof. Antônio Roque
Aula 20
Podemos combinar a equação (21) com a equação (5) para obter
equações só para δρ ou só para δP. Essas equações são as equações
de onda para essas duas variáveis:
∂ 2 (δP )
1
∂ 2 (δρ ) 1 ∂ 2 (δρ )
=
= 2
2
2
∂x
 ∂P  ∂t
v ∂t 2
 ∂ρ 0
(22)
e
2
∂ 2 (δρ )  ∂P  ∂ 2 (δρ )
2 ∂ (δρ )
=  
=v
2
2
∂t
∂x 2 .
 ∂ρ 0 ∂x
(23)
As equações (19), (22) e (23) nos dizem que as propagações das
perturbações de pressão (δP), de densidade (δρ) e de deslocamento
das partículas de fluido se propagam ao longo do fluido como ondas
com a mesma velocidade v.
Temos, portanto, três maneiras diferentes de visualizar uma onda
sonora: em termos da propagação da perturbação da pressão; em
termos da propagação da perturbação da densidade; ou em termos da
propagação do deslocamento das partículas do meio em relação ao
equilíbrio.
16
5910170 – Física II – Ondas, Fluidos e Termodinâmica – USP – Prof. Antônio Roque
Aula 20
A velocidade do som
A equação (20) nos diz que a velocidade de propagação do som em
um meio depende da taxa de variação da pressão com a densidade
no equilíbrio:
 ∂P 
v 2 =  
 ∂ρ 0 .
(24)
Em geral, essa taxa de variação depende de como a temperatura do
meio varia com as compressões e rarefações do meio. Por exemplo,
intuitivamente podemos dizer que numa região em que o meio se
adensa a sua temperatura deve aumentar; e numa região onde o meio
sofre rarefação a sua temperatura deve diminuir.
Newton foi o primeiro a calcular a velocidade do som num fluido
usando a expressão (24)2. Em seu cálculo, ele supôs que a
temperatura do fluido não varia quando som se propaga por ele. O
argumento de Newton era o de que as transferências de calor entre
os vários pontos do fluido são tão rápidas que não chegam a
produzir variações na temperatura.
2
Newton ainda não conhecia a equação de onda, pois ela só foi obtida por d’Alembert em 1747 (como visto
na aula 13) após sua morte. O que Newton fez nos Principia foi construir um modelo para ondas sonoras em
um fluido baseado em uma analogia com um sistema de molas acopladas oscilantes. Com esse modelo ele
chegou à expressão (24) para a velocidade da onda no fluido.
17
5910170 – Física II – Ondas, Fluidos e Termodinâmica – USP – Prof. Antônio Roque
Aula 20
Usando uma terminologia moderna, diríamos que Newton calculou a
velocidade do som considerando que a propagação do som é um
processo isotérmico.
Considerando que o fluido é um gás ideal que obedece à equação
PV = nRT ,
(25)
temos que num processo isotérmico (T é constante),
P=
n
RT = κρ ,
V
(26)
onde κ é uma constante e ρ é a densidade. Portanto, em um processo
isotérmico
∂P
=κ .
∂ρ
(27)
Como a equação (24) pede esta derivada no equilíbrio, podemos
escrever
 ∂P 
P
v 2 =   = κ 0 = 0
ρ0 .
 ∂ρ 0
(28)
Aplicando a equação acima ao ar nas condições normais de
temperatura e pressão (P0 = 1 atm ≈ 1,013 × 105 N/m2, T = 0oC =
273 K, ρ0 ≈ 1,293 kg/m3) obtém-se
18
5910170 – Física II – Ondas, Fluidos e Termodinâmica – USP – Prof. Antônio Roque
Aula 20
1,013 × 105
v=
= 280 m/s .
1,293
(29)
O valor da velocidade do som no ar é
v = 332 m/s ,
(30)
de maneira que o cálculo de Newton está errado. Mesmo na época
de Newton as medidas experimentais já eram suficientemente
acuradas para que ele soubesse que estava errado. O motivo do erro
de Newton se deve à sua suposição de que a temperatura do fluido
permanece constante quando som se propaga por ele.
O cálculo correto foi feito pelo matemático e físico francês Pierre
Simon Laplace (1749-1827) em 1816, quase um século após a morte
de Newton. A hipótese de Laplace era exatamente a oposta da de
Newton, ou seja, a de que não há trocas de calor entre os diversos
pontos do fluido quando uma onda sonora se propaga por ele. A
idéia é a de que as compressões e rarefações do meio são tão rápidas
que não dão tempo para que calor flua de uma região de compressão
para outra de rarefação e equalize a temperatura do fluido. Na
terminologia moderna diríamos que Laplace supôs que quando uma
onda se propaga por um fluido o processo é adiabático.
19
5910170 – Física II – Ondas, Fluidos e Termodinâmica – USP – Prof. Antônio Roque
Aula 20
Para um processo adiabático no gás ideal, como veremos na parte de
termodinâmica deste curso, a relação entre pressão e densidade é
P = const.ρ γ ,
(31)
onde γ é uma constante (veremos o significado de γ nas aulas sobre
termodinâmica) cujo valor para o ar é 1,4. Derivando P em relação a
ρ:
∂P
γP
= const.γρ γ −1 =
ρ .
∂ρ
(32)
No equilíbrio,
 ∂P 
P
v 2 =   = γ 0
ρ0 .
 ∂ρ 0
(33)
Substituindo nesta expressão os mesmos valores para o ar em
condições normais de temperatura e pressão usados anteriormente
obtemos v = 332 m/s, que está em excelente concordância com o
resultado experimental.
Podemos reescrever a equação (33) de uma maneira mais
conveniente. Considerando que o gás ideal tem massa M e é
composto por moléculas cuja massa molar é m podemos escrever3
M = nm ⇒ m =
3
M
n .
A variável n indica o número de moles.
20
5910170 – Física II – Ondas, Fluidos e Termodinâmica – USP – Prof. Antônio Roque
Aula 20
Multiplicando o lado direito de (33) em cima e em baixo por V e
usando a expressão acima:
v2 = γ
PV
nRT
RT
=γ
=γ
ρV
M
m .
Temos então que
v= γ
RT
m .
(34)
A velocidade do som em um gás não depende da sua pressão ou da
sua densidade, mas apenas da sua temperatura absoluta e da massa
molar do gás.
Por exemplo, a massa molar média do ar é 28,8 × 10-3 kg/mol e a
constante dos gases é R = 8,314 J/mol, o que dá a seguinte
velocidade do som no ar a 20oC (293 K):
v = 1,4
(8,314 J/mol.K)( 293 K)
= 344 m/s
−3
.
28,8 × 10 kg/mol
(35)
Os exemplos dados acima são válidos para um gás ideal. A maioria
dos fluidos, no entanto, está longe de se comportar como um gás
ideal. Nesses casos, para usar a equação (24) para calcular a
velocidade do som no fluido deve-se encontrar outra maneira de
expressar a pressão em termos da densidade.
21
5910170 – Física II – Ondas, Fluidos e Termodinâmica – USP – Prof. Antônio Roque
Aula 20
Para um fluido qualquer cujo volume V sofre uma alteração ∆V sob
ação de uma alteração na pressão ∆P, define-se o módulo de
elasticidade volumétrico B como
∆P
∆V V .
(36)
M
= MV −1 ,
V
(37)
B≡−
Como a densidade do fluido é
ρ=
podemos escrever
∆ρ = − MV −2 ∆V = − ρV −1∆V ⇒
⇒
∆V
∆ρ
=−
V
ρ .
(38)
Substituindo esta expressão na definição de B:
B=ρ
∆P
∆ρ .
(39)
Podemos então escrever a derivada de P em relação a ρ como
∂P B
= .
∂ρ ρ
(40)
A velocidade do som em um fluido pode então ser expressa como
 ∂P 
v =   =
 ∂ρ 0
B
ρ0
.
(41)
22
5910170 – Física II – Ondas, Fluidos e Termodinâmica – USP – Prof. Antônio Roque
Aula 20
Por exemplo, para a água à temperatura ambiente, o módulo de
elasticidade volumétrico é B = 2,2 × 109 N/m2 e a densidade é ρ0 =
1,0 × 103 kg/m3, de maneira que
2,2 × 109
v=
= 1483 m/s .
3
1,0 × 10
(42)
Este valor está de acordo com o valor experimental.
No caso de sólidos, os valores do módulo de elasticidade
volumétrico B e da densidade ρ são, em geral, maiores do que em
fluidos. Para os sólidos também é necessário considerar o chamado
módulo de elasticidade de cisalhamento, o que torna a dedução de
uma expressão para a velocidade do som em sólidos um pouco mais
complicada do que a feita acima para fluidos. Ela não será feita aqui.
De maneira geral, a velocidade do som em sólidos é maior que em
fluidos. Por exemplo, para o aço ela vale 5941 m/s.
Fica como exercício procurar em livros de física e na internet
valores da velocidade do som em diferentes gases, líquidos e sólidos
a diferentes temperaturas.
23
Download

x - sisne.org