Versão online: http://www.lneg.pt/iedt/unidades/16/paginas/26/30/185 Comunicações Geológicas (2014) 101, Especial I, 229-232 IX CNG/2º CoGePLiP, Porto 2014 ISSN: 0873-948X; e-ISSN: 1647-581X Dados geoquímicos e radiométricos preliminares dos granitos da região de Vila Real, Norte de Portugal Preliminary geochemical and radiometric data of granites from Vila Real area, Northern Portugal R. J. S. Teixeira1*, L. M. O. Martins1, M. E. P. Gomes1, A. J. C. M. Pereira1, N. Ferreira2, A.J .S. C. Pereira3, L. J. P. F. Neves3 Artigo Curto Short Article © 2014 LNEG – Laboratório Nacional de Geologia e Energia IP Resumo: Na região de Vila Real ocorrem diversos granitos que se instalaram entre as fases de deformação dúctil (F3) e frágil (F4) da orogenia Varisca. Os granitos sin-F3 intruíram formações metassedimentares do Grupo do Douro, de idade Neoproterozóica – Câmbrica Inferior, ocupando essencialmente o núcleo de uma antiforma NW-SE, resultante das fases de deformação F1 e F3. Por outro lado, a instalação dos granitos tardi- a pós-F3 é controlada pela fracturação NNE-SSW e ENE-WSW. Todos os granitos são constituídos por quartzo, microclina, plagioclase, biotite, moscovite zircão, apatite, monazite e ilmenite. Contudo, os granitos sin- a tardiF3 possuem moscovite (em quantidades superiores à biotite) e podem conter turmalina, silimanite e rútilo, enquanto os granitos pós-F3 são biotíticos e podem apresentar alanite e esfena. Os granitos sin- a tardi-F3 apresentam quase sempre encraves sobremicáceos e, mais raramente, xenólitos e “schlieren”, enquanto os granitos pós-F3 contêm essencialmente encraves microgranulares. Os granitos sin- a tardi-F3 são dominantemente alcalino-cálcicos e peraluminosos, com ASI variando entre 1,29 e 1,67, apresentam perfis de terras raras enriquecidos em LREE em relação às HREE, com anomalias negativas de Eu e são do tipo S. As análises químicas de rocha total de U e Th e as análises radiométricas de campo revelaram-se geralmente equivalentes e mostram que os granitos moscovítico>biotíticos de Vale das Gatas e Felgueiras são mais ricos em Th do que os restantes granitos moscovítico>biotíticos e do que os granitos biotíticos. Os valores da dose de radiação externa medidos nas rochas e respectivos solos confirmam o elevado potencial radiométrico dos granitos moscovítico>biotíticos de Vale das Gatas e Felgueiras, ocorrendo anomalias de intensidade elevada, que superam o valor de referência para os granitóides da Zona Centro Ibérica (200 ηGy/h). Palavras-chave: Granitos, Radiação gama, Radão, Vila Real, Portugal. Abstract: The Vila Real area contain several granites that were emplaced between the ductile deformation phase (F3) and brittle phase (F4) of the Variscan orogeny. The syn-F3 granites intruded metasedimentary rocks of Douro Group in the core of a NW-SE trending antiform, which has resulted from superimposed folding during F1 and F3 deformation. On the other hand, the installation of tardi-F3 to post-F3 granites was controlled by NNE-SSW and ENEWSW fracture systems. All granites contain quartz, microcline, plagioclase, biotite, zircon, apatite, monazite and ilmenite. However, syn- to late-F3 granites contain muscovite (in higher amounts than biotite), tourmaline, sillimanite and rutile, whereas the post-F3 granites are biotitic, containing allanite and sphene. The syn- to lateF3 granites contain surmicaceous enclaves and more rarely xenoliths, schlieren, while the post-F3 granites essentially have microgranular enclaves. Syn- to late-F3 granites are mainly alkali-calcic and peraluminous, with ASI ranging between 1.29 and 1.67, show REE patterns enriched in LREE relatively to HREE, have negative Eu anomalies and are of S-type. The total rock chemical analysis and radiometric analysis in the field proved to be generally equivalent and show that muscovite> biotite granites of Vale das Gatas and Felgueiras are richer in Th than other muscovite granites> biotite and than biotite granites. The values of the measured dose of external radiation in rocks and their soils confirm the high radiometric potential of muscovite> biotite granites of Vale das Gatas and Felgueiras occurring anomalies of high intensity, which exceed the reference value for the granitoids of the Central Iberian Zone (200 ηGy / h). Keywords: Granites, Gamma radiation, Radon, Vila Real, Portugal. 1 Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, UTAD, Quinta de Prados, 5000-801 Vila Real, Portugal e Centro de Geociências. 2 Laboratório Nacional de Energia e Geologia, IP, Apartado 1089, 4466-956 São Mamede de Infesta, Portugal. 3 IMAR e Universidade de Coimbra, 3000-272 Coimbra, Portugal. * Autor correspondente / Corresponding author: [email protected] 1. Introdução Na região de Vila Real, mais especificamente na área das Folhas 88 e 102 da Carta Militar de Portugal, à escala 1:25000, ocorrem diversos granitos que se instalaram entre as fases de deformação dúctil (F3) e frágil (F4) da orogenia Varisca (Fig. 1). Neste estudo são apresentados resultados preliminares sobre a geologia, petrografia e geoquímica de doze granitos, bem como dados de geoquímica de rocha total, com especial incidência nas determinações de U e Th por três diferentes metodologias. A execução de estudos radiométricos em rochas graníticas é atualmente uma prática comum, pois alguns tipos de granitos contribuem significativamente para as elevadas doses de radiação que são recebidas pelos seres humanos. Com efeito, durante o processo de cristalização magmática, os radionuclídeos primordiais são incorporados na estrutura cristalina de determinados minerais portadores de elementos radioativos, sendo a sua acumulação e 230 R. J. S. Teixeira et al. / Comunicações Geológicas (2014) 101, Especial I, 229-232 distribuição maioritariamente dependente dos processos de diferenciação magmática. Numa fase posterior, os granitos podem também sofrer processos de meteorização e erosão e os minerais portadores de elementos radioativos acabarão por ser parte integrante dos solos. A radioatividade natural é produzida principalmente através do decaimento dos radioisótopos de potássio (40K), urânio (238U) e tório (232Th) existentes em rochas e solos de determinado ambiente natural e, como tal, os seres humanos devem estar conscientes dos efeitos resultantes de uma exposição prolongada, que se podem manifestar sob a forma de doenças como a leucemia e outras neoplasias. Desta forma, o presente estudo permitirá reconhecer o potencial radioativo dos diversos granitos, utilizando equipamentos de campo e de laboratório na determinação da concentração dos radionuclídeos U e Th nessas rochas. 2. Enquadramento geológico Os dez granitos moscovítico>biotíticos estudados localizam-se na Zona Centro Ibérica e integram-se no sector central do arco magmático Monção – Vila Real – Torre de Moncorvo, onde ocuparam o núcleo de uma antiforma NW-SE resultante das fases de deformação F1 e F3 (Vilela de Matos, 1991; Fig. 1). Estes granitos intruíram formações metassedimentares do Grupo do Douro, de idade Neoproterozóica – Câmbrica Inferior, e originaram micaxistos com biotite e corneanas com andaluzite e silimanite nas zonas de contacto. Os dados estruturais e petrográficos permitem distinguir três grupos de granitos moscovítico>biotíticos. Os granitos do Grupo I (Lordelo, Paredes, Torre de Pinhão e Águas Santas) são considerados os mais antigos e apresentam evidências de deformação dúctil a frágil, típica dos estados tardimagmático e sólido (granitos sin-F3 precoces). Os granitos do Grupo II (Vilar de Maçada, Vale das Gatas, Ragais e Lamares) aparentam ter sido deformados pela fase F3 antes de estarem completamente consolidados, o que justifica a existência de uma estruturação interna magmática planar, com direção NW-SE, concordante com as estruturas regionais (granitos sin-F3), enquanto os granitos do Grupo III (Felgueiras e Sanguinhedo) deverão ser (tardi-F3), estando associados a zonas de falha com direção NNESSW e ENE-WSW. Apresentam uma textura isotópica, embora o granito de Felgueiras tenha sido afetado por uma forte deformação frágil tardia. Os dois granitos biotíticos apresentam uma textura isotópica e ocorrem em maciços discordantes com as estruturas metassedimentares regionais (pós-F3), estando a sua instalação intimamente relacionada e condicionada pela fracturação NNE-SSW associada à Falha RéguaVerin. Estes granitos estabelecem contactos bruscos subverticais com os granitos moscovítico>biotíticos e também com as rochas metassedimentares, onde causaram metamorfismo de contacto. Fig. 1. a) Localização da área em estudo no mapa de Portugal. b) Carta geológica simplificada da região de Vila Real, adaptada da folha 10-B da Carta Geológica de Portugal à escala 1:50 000 (LNEG, em preparação). Fig. 1. a) Location of the studied area on the map of Portugal; b) Simplified geological map of Vila Real area, adapted from the sheet 10-B of the Geological Map of Portugal at the scale 1:50 000 (LNEG, in preparation). Radiação natural de granitos da região de Vila Real 3. Petrografia Todos os granitos são constituídos por quartzo, microclina, plagioclase, biotite, moscovite, zircão, apatite, monazite e ilmenite. Contudo, os granitos sin- a tardi-F3 têm mais moscovite do que biotite e podem conter turmalina, silimanite e rútilo. Por outro lado, os granitos pós-F3 são biotíticos e podem apresentar alanite e esfena. De uma forma geral, os granitos moscovítico>biotíticos do Grupo I (Lordelo, Paredes, Torre de Pinhão e Águas Santas) apresentam evidências de deformação no estado sólido, em regime dúctil-frágil, que terá proporcionado a orientação dos cristais de quartzo, evidenciado pela extinção ondulante e/ou subgranulação intensa, extinção ondulante nas micas e feldspatos, encurvamento dos planos de clivagem das micas e de macla na plagioclase e a microfraturação de fenocristais de feldspato e de cristais de quartzo e feldspato. Nas amostras mais deformadas dos granitos de Lordelo e Paredes há desenvolvimento de pequenas estruturas C-S que obliteram completamente a foliação magmática, sendo acompanhadas pela deformação plástica intracristalina dos vários minerais do granito e recristalização dinâmica do quartzo. Nos granitos moscovítico>biotíticos do Grupo II (Vilar de Maçada, Vale das Gatas, Ragais e Lamares) há, de uma forma geral, evidências de uma foliação magmática conferida pela orientação dos fenocristais de feldspato, biotite e, mais raramente, moscovite. O quartzo da matriz apresenta uma ténue deformação, que é evidenciada pela extinção ondulante. No granito de Ragais os fenocristais de feldspato apenas estão orientados próximo das zonas de contacto. Os granitos moscovítico>biotíticos do Grupo III (Felgueiras e Sanguinhedo) e biotíticos (Telões e Souto) apresentam uma textura isotrópica, sem orientações preferenciais na orientação dos seus minerais. 231 apresentam uma concentração de terras raras baixa a moderada (ΣREE = 48,97 a 266,02 ppm), um enriquecimento generalizado em LREE em relação às HREE (LaN/LuN = 13,55 a 56,68) e anomalias negativas de Eu, sugerindo que derivaram da fusão parcial de materiais metassedimentares (granitos do tipo S). No entanto, os granitos sin- a tardi-F3 de Vale das Gatas e Felgueiras mostram uma concentração de terras raras mais elevada (ΣREE = 325,40 a 487,10 ppm), provavelmente por conterem maiores quantidades de minerais acessórios como a monazite (concentradora de LREE) e zircão (concentrador de HREE), e um enriquecimento de LREE em relação às HREE (LaN/LuN = 66,53 a 200,08). Por outro lado, os granitos pós-F3 são calco-alcalinos e fracamente peraluminosos, com ASI variando entre 1,06 e 1,22, apresentam uma concentração de terras raras moderada (ΣREE = 123,92 a 219,52 ppm) e possuem perfis de terras raras com espectros menos fraccionados (LaN/LuN = 3,99 a 7,14) e com menores anomalias de Eu do que os granitos do tipo S, sugerindo uma cristalização a partir de fundidos de anatexia crustal com alguma contaminação mantélica ou da crusta inferior. O maior enriquecimento relativo em HREE nos granitos pós-F3 relativamente aos granitos sin- a tardi-F3 poderá ser explicado por uma maior abundância de zircão. Nos granitos estudados, os elementos U e Th estarão essencialmente concentrados nos seguintes minerais acessórios: monazite (principalmente Th, mas pode conter U), alanite (pode conter algum Th), esfena e zircão (principalmente U, mas podem conter Th) (Bea, 2001). 4. Metodologia A área estudada foi sujeita a um levantamento radiométrico (sessenta e três medições) utilizando um espectrómetro portátil de raios gama (modelo Gamma Surveyor da GF Instruments) equipado com detetor de NaI (Tl), sendo esta metodologia descrita em pormenor por Martins et al. (2013). Posteriormente, foram efetuadas quarenta medições no espectrómetro laboratorial do Laboratório de Radioatividade Natural da Universidade de Coimbra (ORTEC), sendo estes métodos enunciados em Pereira et al. (2013), e quarenta e sete análises químicas realizadas no Laboratório Nacional de Energia e Geologia por Fluorescência de Raios-X, sendo selecionadas amostras representativas de cada tipo de granito para a obtenção do teor de terras raras por ICP-MS. 5. Resultados e discussão Os granitos sin- a tardi-F3 são dominantemente alcalinocálcicos e peraluminosos, com ASI variando entre 1,29 e 1,67. De uma forma geral, os granitos sin- a tardi-F3 Fig. 2. Representação gráfica dos teores de: a) urânio (ppm) e b) tório (ppm) nos granitos estudados. Fig. 2. Graphical representation of the: a) uranium (ppm) and b) thorium (ppm) contents in the studied granites. Os resultados das análises químicas de rocha total (por fluorescência de raios-X e ORTEC) e as análises radiométricas de campo são semelhantes (Figs. 2a e 2b), mostrando que os granitos moscovítico>biotíticos de Vale das Gatas e Felgueiras são mais ricos em Th do que os granitos biotíticos e restantes granitos moscovítico>biotíticos, que são os mais pobres neste elemento químico (Fig. 2a), apresentando geralmente teores de Th inferiores à média da crusta continental superior (Th = 10,7 ppm; Lima et al., 2004). Relativamente aos teores de U, verifica-se que não há diferenças significativas entre os vários tipos de granitos, os quais apresentam um teor médio (obtido por fluorescência de raios-X) de 11 ppm, excetuando duas amostras do granito de Lamares que 232 R. J. S. Teixeira et al. / Comunicações Geológicas (2014) 101, Especial I, 229-232 apresentam valores bastante superiores (25 e 32 ppm; Fig. 2b). Estes valores de U, bem como os seus elevados teores em Th, poderão ser explicados pela ação de fluidos hidrotermais na greisenização de alguns domínios do batólito de Lamares e que foram impercetíveis no momento de colheita das referidas amostras para estudos geoquímicos. Os teores de U dos granitos estudados são muito superiores à média da crusta continental superior (U = 2,8 ppm, Lima et al., 2004). Os valores do fluxo de radiação gama medido em contacto com as rochas graníticas e solos revelam um elevado potencial radiométrico, ocorrendo anomalias de intensidade elevada nos granitos de Felgueiras e Vale das Gatas e intensidade moderada nos restantes granitos, pois os valores da dose de radiação externa são, respetivamente, superiores ou ligeiramente inferiores ao “background” de referência para os granitóides da Zona Centro Ibérica (200 ηGy/h) (Fig. 3). acordo com dados do Laboratório de Radioatividade Natural, existe uma tendência para os granitóides biotíticos portugueses apresentarem teores mais elevados de U e Th que os granitos de duas micas. Contudo, neste trabalho tal facto não se verificou, pois os granitos moscovítico>biotíticos de Vale das Gatas e Felgueiras são mais ricos em Th do que os granitos biotíticos de Telões e Souto, muito provavelmente devido aos processos magmáticos envolvidos na sua génese, que favoreceram a incorporação deste elemento nos seus minerais acessórios. A utilização de diversas metodologias analíticas (fluorescência de raios-X, espectrómetro de campo e ORTEC) permitiu a posterior comparação das determinações de U e Th, verificando-se que, de uma forma geral, existe uma boa correlação nos valores obtidos para as diversas litologias estudadas. Agradecimentos Este trabalho é financiado pelo Centro de Geociências e pelo Programa Operacional Fatores de Competitividade – COMPETE e pelo QREN- Quadro de referência Estratégico Nacional através da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia no âmbito de uma bolsa de doutoramento com a referência SFRH/BD/87336/2012. Referências Fig. 3. Representação gráfica do fluxo de radiação gama total (cps) e da dose de radiação externa (ηGy/h) dos diversos granitos estudados. Fig. 3. Graphical representation of the total gamma radiation flux (cps) and external radiation dose (ηGy/h) in the studied granites. 6. Conclusões De todas as litologias da região, os granitos moscovítico>biotíticos de Vale das Gatas e Felgueiras apresentam os teores médios de Th mais elevados, pelo que não constitui surpresa que o fluxo de radiação gama seja também o mais elevado, sendo superior ao próprio “background” dos granitóides da Zona Centro Ibérica. De Bea, F., 2001. Una compilación geoquímica (elementos mayores) para los granitóides del macizo Hesperico. In: M. Lago San José, E. Arranz Yagüe, C. Galé Bornao, (Eds). Volúmen de actas del Congreso Ibérico de Geoquímica – Congreso de Geoquímica de España. INO Reproducciones S.A., Zaragoza, 17-34. Lima, A., Albanese, S., Cicchella, D., 2004. Geochemical baselines for the radioelements K, U and Th in the Campania region, Italy: A comparison of stream- sediment geochemistry and gamma ray surveys. Applied Geochemistry, 20, 611–625. Martins, L., Teixeira, R., Pereira, A., Neves, L., Gomes M.E.P., 2013. Dados radiométricos em rochas e solos das regiões de Amarante e Vila Real (Norte de Portugal). In: III CJIG, LEG 2013 e 6th PGUE, Estremoz, 85-88. Pereira, A., Pereira, D., Neves, L., Peinado, M., Armenteros, I., 2013. Radiological data on building stones from a Spanish region: Castilla y León. Natural Hazards and Earth System Science, 13(12), 3493-3501. Vilela de Matos, A., 1991. A Geologia da Região de Vila Real. Tese de doutoramento, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (não publicada), 312 p.