Pós -Graduação a Dist ância Sistema Neuro-Imuno-Endócrino nas Doenças Sistema Neuro-Imuno-Endócrino nas Doenças Professor Gabriel Natan Pires www.posugf.com.br 1 Sistema Neuro-Imuno-Endócrino nas Doenças SUMÁRIO Introdução 3 Sistema Nervoso 4 Transmissão de sinal elétrico 5 Comunicação sináptica 6 Neurotransmissores 8 Noradrenalina 8 Serotonina 8 Dopamina 8 Acetilcolina 9 GABA 10 Glutamato 10 Junção neuromuscular 11 Divisão anatômica do sistema nervoso central 12 Divisão funcional ou fisiológica 12 Sistema nervoso simpático 13 Sistema nervoso parassimpático 13 Sistema Imunológico 13 Células do sistema imunológico 14 Macrófago 14 Plasmócito 14 Imunidade natural 15 Fagocitose 15 Ação das secreções ácidas 15 Pele 15 Ação de compostos químicos específicos 15 Imunidade adquirida 15 Imunidade humoral 15 Imunidade celular 16 Sistema Endócrino 16 Tipos de comunicações químicas 16 Neural 16 Endócrino 17 Neuroendócrino 17 Parácrino 17 Autócrino 17 Órgãos envolvidos 17 Tipos de hormônios 17 Principais hormônios 18 Eixos Neuroimunoendócrinos 20 Eixo neuroendócrimo 21 Eixo neuroimunológico 21 Eixo imunoendócrino 21 Sistema de Controle Biológico 22 Exercício Físico: Agente Estressor 23 Conclusões 24 www.posugf.com.br 2 Sistema Neuro-Imuno-Endócrino nas Doenças meio da integração das funções nervosas, imunológicas INTRODUÇÃO e endócrinas é possível manter a maioria das funções do corpo humano, bem como responder a eventos estressantes, distúrbios de homeostase ou qualquer outra O corpo humano é um sistema altamente complexo. De condição que exija uma resposta fisiológica eficiente. um modo geral, o funcionamento global do corpo depende do funcionamento correto de cada órgão que o compõe. Dessa maneira, distúrbios na fisiologia de um órgão específico acarretam em efeitos não apenas ao órgão em questão, mas a um sistema fisiológico integralmente ou, em muitos casos, ao organismo como um todo. Tendo em vista a visão integrativa sobre o corpo humano apresentada acima, nota-se que atualmente o ensino da fisiologia e de assuntos a ela relacionados encontra-se sob um paradoxo. Em sala de aula ensina-se o funcionamento de cada órgão ou de cada sistema fisiológico de maneira separada e independente. Divide-se didaticamente o corpo humano em grandes sistemas (sistema nervoso, sistema cardíaco, sistema endócrino, entre outros), abordando funções que são exclusivas e específicas a eles. Nesse Figura 1: Sistema neuroimunoendócrino. Relação entre seus componentes integrantes caso, a integração entre os sistemas é pouco abordada. Em contrapartida, na prática dificilmente se observa a ação de um sistema sem ativação de outro sistema conjuntamente, Nota-se, contudo, que em muitos casos a ação do sistema tampouco a ação de um órgão sem efeito sobre outros neuroimunoendócrino não envolverá condicionalmente órgãos. Os sistemas fisiológicos são interdependentes e a seus três componentes. De fato eles podem agrupar-se função de cada um depende diretamente da função dos em grupos ou eixos compostos de dois sistemas, os quais outros. desempenharão funções específicas. Assim forma-se o eixo neuroendócrino, o eixo neuroimunológico e o eixo A neuroimunoendocrinologia é uma disciplina que imunoendócrino (Figura 2). Cada eixo apresentará uma busca a transição do ensino clássico da fisiologia à importante atividade adaptativa em condições específicas, abordagem integrativa atual. Parte-se da premissa de as quais serão abordadas posteriormente neste capítulo. que a resolução de qualquer distúrbio de homeostase, de qualquer desequilíbrio entre as funções de um organismo Deve-se e a reação a diversas condições patológicas dependem atentar ao fato de que o sistema neuroimunoendócrino não é exclusivo ao treinamento de mecanismos de correção e compensação fisiológicos. físico. Este é um sistema integrativo e adaptativo genérico, Esses mecanismos dificilmente serão dependentes de um aplicável a todas as condições nas quais há qualquer mínima órgão ou sistema em específico. Ao contrário, dependerão modificação da fisiologia normal do organismo. Todavia, a de diversos sistemas, principalmente o sistema nervoso, atividade e o exercício físico são casos nos quais se observa sistema imunológico e sistema endócrino. corriqueiramente alterações que requerem medidas adaptativas e reparadoras. Em verdade, atividades como o Portanto, a neuroimunoendocrinologia trata da ação exercício resistido, por exemplo, baseiam-se na alteração conjunta dos três sistemas citados acima, constituindo da homeostase normal para obtenção dos resultados. um sistema maior, integrativo e regulatório (Figura 1). Por www.posugf.com.br 3 Sistema Neuro-Imuno-Endócrino nas Doenças Desse modo a disciplina em questão está intimamente Ainda que integrativa, a disciplina aqui tratada baseia- ligada ao treinamento e à atividade física. Especificamente se em conhecimentos fundamentais da fisiologia básica. ao público que requer atividade física adaptada, essa Portanto, primeiramente será feita uma breve revisão relação torna-se ainda mais relevante. Esses indivíduos dos sistemas nervoso, imunológico e endócrino de partem de uma condição fisiológica diferente, sua modo separado. Posteriormente, abordaremos o sistema resposta ao exercício será distinta dos indivíduos padrão neuroimunoendócrino de modo integrativo. Por fim, serão e os mecanismos relacionados a esta resposta poderão discutidas aplicações deste sistema. também ser exclusivos, de modo que todos esses fatores devem ser considerados no momento da prescrição da SISTEMA NERVOSO atividade física adaptada, bem como em sua condução. Portanto, ainda que a neuroimunoendocrinologia não seja uma disciplina exclusiva da atividade física, seu conhecimento proporciona melhor acompanhamento dos Toda atividade relacionada ao sistema nervoso advém indivíduos submetidos à atividade física adaptada, melhor primordialmente de uma célula chamada neurônio. Essa avaliação de riscos e maior eficácia no acompanhamento célula é altamente especializada, apresentando funções de resultados. Em outras palavras, por meio da diversas, tais como condução de energia, produção e neuroimunoendocrinologia o profissional responsável pela liberação de neurotransmissores, modulação de diversas atividade física adaptada tem ciência do que acontece com funções cerebrais, entre outras. seu aluno ou paciente1. Anatomicamente, o neurônio é dividido em três porções principais: dendritos, corpo neuronal (ou soma) e axônio. O corpo neuronal é o local onde se encontra o núcleo da célula bem como a maioria das outras organelas celulares. Os dendritos são ramificações que partem do corpo celular e cuja principal função é receber o sinal elétrico advindo de um neurônio prévio, de um receptor sensorial ou de alguma outra célula. Por fim, o axônio é uma ramificação geralmente única, com menos ramificações e mais longa que os dendritos. Sua função principal é conduzir o sinal elétrico obtido nos dendritos ou no corpo do neurônio até o terminal axonal, ou conduzir vesículas sinápticas até este local. A Figura 3 ilustra a anatomia do neurônio. Como dito anteriormente, o sinal elétrico em um neurônio é recebido nos dendritos (embora possa ser recebido também no corpo celular), e conduzido até o axônio. No axônio esta condução elétrica estimula a liberação de substâncias como neurotransmissores, neuromoduladores ou hormônios. O espaço entre dois Figura 2: Eixos encontrados dentro do sistema neuroimunoendócrino. Trata-se da relação pareada e bidirecional entre dois dos três componentes deste sistema. A: eixo neuroendócrino; B: eixo neuroimunológico; C: eixo imunoendócrino. neurônios é chamado sinapse, a qual é, na grande maioria dos casos, axo-dendrítica (comunicação do axônio do neurônio prévio aos dentritos do neurônio posterior). 1 Ainda que a neuroimunoendocrinologia não seja uma disciplina exclusiva ao treinamento físico adaptado, sempre que possível, são fornecidas referências relacionando os temas tratados ao treinamento. Ademais, ao decorrer do texto e em quadros separados são discutidos brevemente a importância de alguns tópicos exclusivamente à atividade física. www.posugf.com.br 4 Sistema Neuro-Imuno-Endócrino nas Doenças Figura 3: Anatomia detalhada do neurônio. Podem-se notar as três estruturas básicas do neurônio (corpo celular, dendritos e axônio). Além disso, estão representadas esquematicamente as sinapses e a bainha de mielina. As sessões abaixo abordarão, em sequência, a intracelular (citosol) do neurônio é carregado positivamente. transmissão de sinal elétrico e as sinapses. A diferença de potencial, conceito fundamental para condução do sinal elétrico, é obtida por meio da Transmissão de sinal elétrico diferença de voltagem entre o meio extra e intracelular. Toda transmissão elétrica baseia-se primordialmente na Grande parte da fisiologia do sistema nervoso se baseia inversão do caráter elétrico de cada um desses meios e na na transmissão de sinal elétrico através de suas células. despolarização da membrana, o que é possível pelo fluxo Cabe salientar que essa não é uma função específica de íons tanto positivos quanto negativos (principalmente dos neurônios, mas que essas células são altamente sódio, potássio e cloro), por meio da membrana celular. especializadas nessa tarefa. A condução do sinal elétrico é Essa transmissão se dá quando despolarização atinge em um processo dinâmico, que ocorre concomitantemente em pico certo limiar de diferença de potencial. A esse pico inúmeros neurônios no sistema nervoso. Ainda que abaixo de diferença de potencial se dá o nome de potencial de seja explicada brevemente cada etapa desse processo, é ação. Assim, a condução do sinal elétrico e, portanto, toda aconselhável que os Vídeos 4 e 5 sejam consultados antes, atividade do sistema nervoso, depende da condução do para que se tenha uma visão geral processo. potencial de ação através dos neurônios. Simplificando: por meio de uma informação química recebida nos dendritos Quando considerado um neurônio em repouso (não ou no corpo neuronal gera-se um potencial de ação que ativo), sabe-se que o meio extracelular encontra-se “caminha” pelo neurônio por meio do axônio até o terminal carregado negativamente, ou seja, os íons encontrados axonal pré-sináptico, estimulando, por fim a liberação de nesse espaço o conferem carga negativa. Já o meio neurotransmissores que agirão no próximo neurônio. www.posugf.com.br 5 Sistema Neuro-Imuno-Endócrino nas Doenças Dentre Deve-se salientar que boa parte da alta efetividade as principais doenças desmielinizantes dos neurônios na condução do sinal elétrico deve-se à destacam-se a esclerose múltipla, a síndrome de Guillain- presença da bainha de mielina, a qual envolve o axônio Barré e as leucodistrofias (o filme Óleo de Lorenzo das células. Essa bainha de caráter lipídico age como aborda interessantemente umas das leucodistrofias, a um isolante elétrico, permitindo que o potencial de ação adenoleucodistrofia). seja transmitido de modo mais rápido pelo neurônio. Em todos os casos o exercício físico adaptado é Essa bainha é constituída por dois tipos de células não- recomendado às doenças desmielinizantes, tanto para neuronais, mas que também compõem o sistema nervoso: retardar os sintomas, para melhor a funcionalidade dos oligodendrócitos no sistema nervoso central e células de pacientes perante os efeitos da doença e para melhorar Schwann no sistema nervoso periférico (Figura 4). sua qualidade de vida. Comunicação sináptica As sinapses são os espaços entre dois neurônios, pelo qual se dá a comunicação neuronal. Existem basicamente dois tipos de sinapses, a elétrica e a química. A maioria absoluta das sinapses é química, de modo que a comunicação entre duas células se dá por mediadores químicos que são liberados no espaço sináptico. As sinapses elétricas são raras no sistema nervoso humano e se dão por meio de contato e transmissão elétrica direta entre dois neurônios. Devido prevalência maior de sinapses químicas em relação às elétricas no sistema nervoso humano, abaixo será abordado apenas o primeiro tipo. Mesmo assim a Tabela 1 compara os dois tipos de Figura 4: Representação da bainha de mielina de um neurônio periférico. Nesse caso, diversas células de Schwann, ricas em mielina, dispõemse em volta do axônio. Visto que a mielina é uma molécula lipídica, essa estrutura age como um isolante. Entre as células de Schwann encontram-se espaços denominados nódulos de Ranvier. Uma vez que esses espaços não estão sob influência do isolamento promovido pela mielina, o potencial de ação “salta” de nódulo em nódulo, motivo pelo qual a transmissão elétrica é tão rápida e eficiente nos neurônios. Nos neurônios centrais a bainha de mielina tem a mesma função, contudo é feita por outra célula, o oligodendrócito. Ao passo que são necessárias várias células de Schwann para a bainha de mielina de um único axônio periférico, um único oligodendrócito pode envolver e isolar diversos axônios centrais. Fonte: http://www.afh.bio.br/nervoso/nervoso1.asp. sinapses. Tabela 1: Características de sinapses químicas e elétricas Sinapse química >> DOENÇAS DESMIELINIZANTES A importância da bainha de mielina à função neuronal pode ser observada nas doenças desmielinizantes. Nessas doenças, cuja causa pode ser genética, infecciosa ou 0,3 a 5ms Direcionalidade Unidirecional, do neurônio pré para o póssináptico Bidirecional Efeito Excitatório ou inibitório Excitatório Modo de transmissão de informação Liberação de substâncias químicas na fenda sináptica Transferência de íons de um neurônio diretamente ao próximo Tamanho da fenda sináptica 20 a 40nm 3nm autoimune, a bainha de mielina é danificada, prejudicando a condução elétrica e causando efeitos neurológicos diversos. www.posugf.com.br 6 Sinapse elétrica Tempo para ≈ 0ms transmissão entre neurônio pré e póssináptico (retardo) Sistema Neuro-Imuno-Endócrino nas Doenças A transmissão de informação entre o neurônio pré (estimulando a geração de um potencial excitatório pós- e pós-sináptico na sinapse química se dá pela liberação sináptico), inibição da atividade deste neurônio (por meio de neurotransmissores, neuromoduladores ou neuro- de um potencial inibitório pós-sináptico) ou ação sobre hormônios na fenda sináptica. Essas substâncias são processos metabólicos e bioquímicos dentro do neurônio classicamente compostas por três estruturas básicas: receptor. Essas ações dependem de alguns fatores aminoácidos (glutamato, glicina, ácido gama-amino- principais: características do neurotransmissor em questão butírico (GABA)), aminas (ex.: dopamina, acetilcolina (abordadas em seção específica abaixo) e, principalmente, e serotonina) e cadeias polipeptídicas (ex.: ocitocina, tipo de receptor envolvido. Receptores acoplados a canais somatostatina e endorfina). Contudo, pesquisas recentes iônicos (ou ionotrópicos) estão relacionados à estimulação têm descrito neurotransmissores e neuromoduladores ou inibição da condução de corrente elétrica pelo neurônio. com estruturas diversas, tais como moléculas orgânicas Nesse caso, os neurotransmissores se ligam a receptores complexas (ex.: anandamida) e mesmo gases (ex.: óxido específicos acoplados a canais iônicos, os quais são nítrico). exclusivos para alguns íons. Dependendo da característica do fluxo iônico é promovida a excitação ou inibição da Estas moléculas são estocadas no terminal sináptico, célula pós-sináptica. Já os receptores metabotrópicos são envoltos em partículas chamadas vesículas sinápticas. acoplados a proteínas G, estruturas que estão relacionadas Cada vesícula é preenchida com apenas um tipo de a diversos processos metabólicos intracelulares. Nesse neurotransmissor. Ademais, classicamente cada neurônio caso não há influxo de íons para a célula pós-sináptica. Em é predominantemente produtor de um único tipo de verdade, o acoplamento do neurotransmissor ao receptor neurotransmissor, contudo essa visão tem sido questionada promove uma mudança conformacional na estrutura dessa e modificada nos últimos anos. Nota-se ainda que, embora molécula, ativando a proteína G e levando a cascatas de os neurotransmissores sejam sempre estocados em reações diversas no espaço citoplasmático da célula. vesículas presentes no terminal axonal, a produção difere entre as moléculas derivadas de aminas e as peptídicas. Os A ação do neurotransmissor depende de sua neurotransmissores aminérgicos são produzidos no próprio disponibilidade na fenda sináptica. Além do receptor, terminal axonal, onde são envelopados e estocados. Já os outras moléculas são importantes na modulação desta neurotransmissores peptídicos são produzidos no corpo função. Dentre estas se destacam: celular, por meio de mecanismos clássicos produção protéica. Ainda no corpo celular os neurotransmissores Bombas ou proteínas de recaptação: São estruturas polipeptídicos são envelopados e transportados até o que promovem a recaptação do neurotransmissor da fenda terminal axonal para estocamento. sináptica de volta ao terminal pré-sináptico. Auto-receptores: São receptores metabotrópicos O principal estímulo para a liberação do conteúdo da vesícula sináptica é o influxo de cálcio no terminal axonal. encontrados no terminal axonal pré-sináptico, ou Esses canais são do tipo voltagem-dependente, ou seja, seja, na própria célula responsável pela liberação do abrem-se quando o estímulo elétrico conduzido desde o neurotransmissor. Podem ser inibitórios, inibindo a corpo neuronal chega até o axônio. Por meio do estímulo liberação do neurotransmissor em questão, ou excitatórios, promovido pelo cálcio as vesículas sinápticas fundem-se estimulando a liberação do neurotransmissor. à membrana plasmática e liberam seu conteúdo na fenda Enzimas sináptica. de degradação: São enzimas que degradam o neurotransmissor, bloqueando sua atividade. De um modo geral, a transmissão sináptica pode gerar Podem estar presentes tanto na fenda sináptica quando três tipos de efeitos: estimulação direta da transmissão intracelularmente, degradando as moléculas que foram de corrente elétrica para o neurônio pós-sináptico recaptadas. www.posugf.com.br 7 Sistema Neuro-Imuno-Endócrino nas Doenças Essas estruturas são comumente encontradas para simpático (o sistema nervoso autônomo será abordado em todos os sistemas de neurotransmissores, embora algumas seção específica adiante). especificidades possam ocorrer em alguns casos. Serotonina Neurotransmissores A serotonina é uma indolamina (neurotransmissor cuja Diversos neurotransmissores são encontrados no estrutura possui um anel indol), sintetizada a partir do sistema nervoso. Conforme já abordado, eles são aminoácido triptofano. Sua síntese se dá nos núcleos da distribuídos de acordo com suas estruturas básicas em três rafe, nove núcleos dispostos ao longo do tronco encefálico categorias principais: aminoácidos, aminas e peptídeos (Figura 5B). Destes núcleos, os mais caudais projetam suas (Tabela 2). Abaixo são discutidos os principais sistemas de fibras à medula espinhal, sendo relacionadas à modulação neurotransmissores, sua localização no sistema nervoso da dor. Já os mais rostrais projetam-se difusamente ao central e suas principais funções. encéfalo (de modo semelhante à noradrenalina). No sistema nervoso central a serotonina está relacionada Tabela 2: Principais neurotransmissores, classificados segundo estrutura química. Aminoácidos Aminas Peptídeos Ácido gamaamino-butírico (GABA) Acetilcolina Colescistocinina Glutamato Dopamina Endorfinas / dinorfina Glicina Epinefrina Encefalinas Histamina Neuropeptídio Y Noradrenalina Somatostatina Serotonina Substância P ao ciclo vigília-sono, ao controle do humor e modulação comportamental. Dentre os principais neurotransmissores, a serotonina é a substância com maior variedade de receptores. Existem sete classes de receptores (5-HT1 a 5-HT7). Além disso, a classe dos receptores 5-HT1 apresenta seis receptores diferentes (A-F) e a classe dos receptores 5-HT2 apresenta três tipos de receptores distintos (A-C). Deste modo o sistema serotonérgico possui até o presente momento 15 receptores descritos, sendo todos metabotrópicos, com Peptídeo intestinal vasoativo exceção do receptor 5-HT3, um canal exclusivo para íons positivos. Ocitocina Dopamina Vasopressina A dopamina é uma catecolamina (neurotransmissor Noradrenalina cuja estrutura química possui um grupamento catecol), A noradrenalina é um neurotransmissor sintetizado a derivada do aminoácido tirosina. Encontra-se espalhada partir da descarboxilação da dopamina, sendo, portanto, uma por todo sistema nervoso central, contudo, alguns núcleos catecolamina. No sistema nervoso central, a noradrenalina dopaminérgicos mesencefálicos são mais importantes é sintetizada principalmente no locus ceruleus (Figura 5A). à atividade do sistema dopaminérgico (Figura 5C). A Este núcleo, localizado na ponte, possui tanto projeções substância negra, um importante núcleo dopaminérgico, ascendentes direcionadas a diversas porções do encéfalo possui projeções ao estriado principalmente ao núcleo (córtex, tálamo, hipotálamo, bulbo olfatório, mesencéfalo e caudado e ao putâmen. Essa via, denominada via nigro- cerebelo) e descendentes direcionadas à medula espinhal. estriatal, está envolvida com o início e controle de A noradrenalina está envolvida em funções como atenção, movimentos voluntários, ao passo que sua degeneração é alerta, vigília, aprendizado e memória, por exemplo. Além intimamente ligada à doença de Parkinson. disso, a noradrenalina é relacionada ao sistema nervoso www.posugf.com.br 8 Sistema Neuro-Imuno-Endócrino nas Doenças >> DEPENDÊNCIA, EXERCÍCIO E DOPAMINA Já as vias mesolímbicas e mesocorticais, cujo início se dá na área tegmental ventral com projeções ao córtex frontal e ao sistema límbico, são relacionadas ao sistema de A relação entre dependência e exercício é bastante recompensa, à motivação, à adição e diversos transtornos interessante. Em primeira instância, diversos estudos têm psiquiátricos. A ação da dopamina se dá por meio de duas abordado o exercício físico como uma ferramenta capaz de classes de receptores: classe D1, que inclui os receptores prevenir o estabelecimento da dependência química ou do D1 e D5, e a classe D2, que inclui os receptores D2, D3 uso de drogas de abuso, ou de atuar de modo adjuvante e D4. Ambas as classes são compostas de receptores no tratamento. Esse fato seria devido ao aumento da metabotrópicos. liberação dopaminérgica causada pelo exercício, a qual supriria em parte a liberação ocasionada pelo uso de O exercício físico, assim como diversas outras drogas de abuso. Em contrapartida, alguns autores têm atividades que ativam o sistema de recompensa, é capaz descrito a dependência ao exercício. Nesse caso, o papel de aumentar os níveis centrais de dopamina. Essa é a base reforçador da liberação de dopamina devido à atividade para os efeitos benéficos do exercício físico às doenças física ocasionaria a dependência. que cursam com déficit dopaminérgico, tais como doença Deve-se de Parkinson e síndrome das pernas inquietas. notar que em ambos os casos, o estabelecimento da dependência tem relação com Acetilcolina mecanismos dopaminérgicos. Devido a esse fator comum, há quem argumente que o estabelecimento da dependência No sistema nervoso central, a acetilcolina é produzida ao exercício seria uma alternativa para a dependência de por diversos núcleos, agrupados em dois complexos substâncias de abuso, pois a primeira acarreta em menores principais (Figura 5D). O complexo prosencefálico basal conseqüências sociais e à saúde. é composto principalmente pelo núcleo basal de Meynert, Para saber mais, consulte: com projeções para o hipocampo, e pelos núcleos do septo medial, os quais projetam difusamente para o neocórtex. Já o complexo pontomesencefálico-tegmental Fontes-Ribeiro CA, Marques E, Pereira FC, Silva atua principalmente no tálamo dorsal e no telencéfalo. As AP, Macedo TR. May exercise prevent addiction? Curr funções centrais da acetilcolina não são completamente Neuropharmacol. 2011 Mar;9(1):45-8. elucidadas, contudo relata-se atividade relacionada ao ciclo vigília-sono, à memória, aprendizado e à doença de Modolo VB, Antunes HK, Gimenez PR, Santiago ML, Alzheimer. Além disso, a acetilcolina está relacionada ao Tufik S, Mello MT. Negative addiction to exercise: are sistema nervoso autônomo (simpático e, principalmente, there differences between genders? Clinics (Sao Paulo). parassimpático), bem como à placa motora, ambos os 2011;66(2):255-60. assuntos tratados em seções específicas. Antunes HKM, Andersen ML, Tufik S, de Mello MT. O estresse físico e a dependência de exercício físico. Rev Existem dois tipos de receptores para acetilcolina: Bras Med Esporte. 2006;12(5):234-8. receptores nicotínicos e muscarínicos. Os receptores nicotínicos são ionotrópicos e situam-se principalmente nos músculos esqueléticos, juntos às placas motoras. Já os receptores muscarínicos são encontrados na musculatura cardíaca, principalmente. Quanto ao sistema nervoso central, ambos os receptores são encontrados. www.posugf.com.br 9 Sistema Neuro-Imuno-Endócrino nas Doenças Figura 5: Principais sistemas de neurotransmissão, suas origens e projeções. A: sistema noradrenérgico; B: sistema serotonérgico; C: sistema dopaminérgico; D: sistema colinérgico GABA Glutamato O GABA é um neurotransmissor com ação difusa em Assim como o GABA, o glutamato também apresenta todo o sistema nervoso. Possui estrutura de aminoácido, atividade difusa no sistema nervoso central, sendo um sendo o principal neurotransmissor inibitório. Sua principal neurotransmissor com estrutura de aminoácido. Este é ação é inibir ou bloquear a geração do potencial de ação, o principal neurotransmissor excitatório, promovendo por meio da hiperpolarização da membrana plasmática. a geração de potenciais excitatórios pós-sinápticos e, consequentemente, do potencial de ação. Este Existem três tipos de receptores gabaérgicos. O receptor neurotransmissor possui três tipos básicos de receptores, GABAA é o principal receptor para esse neurotransmissor. todos ionotrópicos permeáveis tanto a sódio quanto Trata-se de um canal iônico permeável a cloro. Como potássio: AMPA, NMDA e cainato. esse íon possui carga negativa, seu influxo leva a hiperpolarização da membrana plasmática, à geração do Receptores AMPA e NMDA (cujos nomes derivam de potencial inibitório pós-sináptico e, consequentemente, seus agonistas, respectivamente alfa-amino-3-hidroxi- à inibição do potencial de ação. Os outros dois tipos metil-5-4-isoxazolpropiónico de receptores – GABAB e GABAC – possuem menor densidade no sistema nervoso central, sendo encontrados são geralmente co-existentes nos terminais sinápticos, principalmente na região central e periférica do sistema também a cálcio e dependem de voltagem. e N-metil-D-aspartato) diferindo por dois fatores: receptores NMDA são permeáveis nervoso autônomo e na retina. www.posugf.com.br 10 Sistema Neuro-Imuno-Endócrino nas Doenças >> RESUMO DA ATIVIDADE NEURONAL A atividade neuronal começa com a geração de potencial de ação, responsivo ao fluxo iônico e à despolarização da membrana celular. Este potencial de ação percorre toda a membrana plasmática, chegando até o terminal axonal do neurônio. O potencial de ação fará com que vesículas sinápticas, contendo neurotransmissores, se fundam à membrana plasmática. Assim, os neurotransmissores são liberados na fenda sináptica, podendo atuar em Figura 6: Junção neuromuscular. Trata-se de uma sinapse entre um motoneurônio e uma fibra muscular. Neste tipo de sinapse os motoneurônio são colinérgicos, atuando sobre os receptores nicotínicos pós-sinápticos. Pode-se observar invaginações na membrana plasmática da fibra muscular, adaptação que aumenta a superfície de contado da sinapse, bem como a densidade de receptores, aumentando a eficácia sináptica. Fonte: http://www.afh.bio.br/nervoso/nervoso2.asp receptores específicos do neurônio pós-sináptico. A ação feita sobre o neurônio pós-sináptico dependerá do tipo de neurotransmissor liberado e do receptor ativado. Junção neuromuscular >> MIASTENIA GRAVIS A junção neuromuscular é uma sinapse especial que ocorre entre um motoneurônio colinérgico e a musculatura Miastenia gravis significa, em grego, “fraqueza muscular estriada esquelética. Trata-se de uma das sinapses mais severa”. Trata-se de uma doença auto-imune na qual o efetivas encontradas no sistema nervoso, devido a algumas corpo produz anticorpos contra os receptores nicotínicos características específicas. Dentre estas se salienta a de acetilcolina. A ligação do anticorpo ao receptor diminui grande densidade de receptores colinérgicos nicotínicos, a eficácia da neurotransmissão. Os efeitos disto são vistos pela extensão da zona ativa no neurônio pós-sináptico principalmente nas junções neuromusculares, nas quais (denominada placa ou unidade motora) e pelas dobras o déficit na transmissão somado a alterações estruturais na membrana plasmática pós-sináptica, aumentando a secundárias causam danos à contração muscular. superfície de contato entre os neurotransmissores e seus O treinamento físico e, sobretudo o treinamento receptores. respiratório possuem efeitos positivos sobre a miastenia Por se tratar de receptores nicotínicos, o acoplamento gravis. Salienta-se a importância do treinamento com o neurotransmissor promove a despolarização da inspiratório, da respiração diafragmática e da respiração membrana plasmática da célula muscular. No caso de frenada. músculos pequenos, de reação rápida e com movimentos Para saber mais, consulte: precisos, cada unidade motora é responsável pela inervação de poucos feixes musculares. Em contrapartida, nos músculos de grandes proporções, cujos movimentos não Cup EH, Pieterse AJ, Ten Broek-Pastoor JM, Munneke M, requerem refinamento ou precisão, cada unidade motora van Engelen BG, Hendricks HT, van der Wilt GJ, Oostendorp inerva uma grande quantidade de feixes musculares. RA. Exercise therapy and other types of physical therapy Detalhes da junção neuromuscular são fornecidos pela for patients with neuromuscular diseases: a systematic Figura 6. review. Arch Phys Med Rehabil. 2007 Nov;88(11):1452-64. Noda JL, Sonoda, LT, Sangean M, Fávero FM, Fontes SV, Oliveira ASB . O efeito do treinamento muscular respiratório na miastenia grave: revisão da literatura. Rev Neuros. 2009:17(1):37-45. www.posugf.com.br 11 Sistema Neuro-Imuno-Endócrino nas Doenças Assim, diversos sistemas, como o sistema cardiovascular, Divisão anatômica do sistema nervoso central pulmonar, urinário e gastrointestinal estão sob controle autônomo. Do ponto de vista da neuroimunoendocrinologia, o sistema autônomo é extremamente importante, devido Anatomicamente, o sistema nervoso é dividido em sistema ao seu caráter adaptativo. Esse sistema é dividido em três nervoso central e periférico. O sistema nervoso periférico tipos: parassimpático, simpático e neuroentérico. Neste é composto pelo encéfalo e pela medula espinhal, sendo capítulo serão abordados apenas o sistema simpático e o integralmente protegido por estruturas ósseas. Já o sistema parassimpático. nervoso periférico não apresenta estrutura de proteção óssea integral e é composto principalmente por nervos, mas De um modo geral, sistema simpático e o parassimpático também por outras estruturas como os gânglios. apresentam atuações antagonistas sob os mesmos órgãosalvo. Por exemplo, em relação à pupila, o sistema simpático Divisão funcional ou fisiológica promove midríase enquanto o sistema parassimpático promove miose, enquanto sobre o a frequência cardíaca, os Com base nas funções desempenhadas pelo sistema efeitos são de taquicardia e bracidardia, respectivamente. nervoso, pode-se dividí-lo em sistema nervoso somato- Ambos os sistemas baseiam-se em vias bissinápticas, ou sensorial (ou voluntário) e sistema nervoso autônomo seja, compostas de dois neurônios principais, sendo um (ou neurovegetativo). O sistema nervoso voluntário está pré e outro pós-ganglionar. As principais diferenças entre relacionado a toda ação voluntária ou consciente do sistema esses sistemas, além da função que desempenham, podem nervoso e às percepções sensoriais. Já o sistema nervoso ser observadas na localização da emergência dos axônios autônomo diz respeito a respostas adaptativas e vegetativas pré-ganglionares na medula espinhal, na localização dos no corpo todo. A atividade deste sistema se dá sobre três gânglios e nos neurotransmissores envolvidos. Estas tipos de tecidos: glândulas, músculo liso e músculo cardíaco. distinções podem ser vistas na Figura 7. Figura 7: Sistema nervoso autônomo. Estão representados o sistema nervoso parassimpático, à esquerda, e o sistema nervoso simpático, à direita. Pode-se notar que no sistema nervoso simpático, os nervos emergem da porção tóraco-lombar da coluna vertebral, fazendo sinapses principalmente nos gânglios da cadeia látero-vertebral. Já o sistema nervoso parassimpático possui nervos que emergem da porção cervical e da porção sacral da coluna vertebral. Suas sinapses se dão em gânglios que ficam próximos ao órgão-alvo. www.posugf.com.br 12 Sistema Neuro-Imuno-Endócrino nas Doenças Sistema nervoso simpático parassimpáticos são colinérgicos como os pré-ganglionares, ativando receptores muscarínicos no órgão alvo. No sistema simpático, os axônios pré-ganglionares emergem da porção tóraco-lombar da medula espinhal. Em geral, as ações do sistema nervoso parassimpático Nesse caso, o axônio pré-ganglionar é relativamente são antagonistas às do sistema nervoso simpático. Assim, curto, fazendo sinapse nos gânglios presentes na cadeia ao passo que o sistema simpático é relacionado à resposta látero-vertebral bilateralmente comportamental aguda e fisiológica relacionada à luta e e paralelamente à coluna vertebral, ou em gânglios fuga, o sistema parassimpático é relacionado a processos colaterais localizados na cavidade abdominal. Este primeiro mais lentos e de longo prazo, tais como digestão, neurônio é colinérgico e atua sobre receptores nicotínicos crescimento, resposta imunológica e armazenamento encontrados no neurônio pós-ganglionar. O segundo de energia. Destacam-se como funções do sistema neurônio é mais longo que o primeiro, sendo que seu nervoso parassimpático a estimulação da salivação e da axônio vai desde o gânglio até o órgão-alvo. O neurônio lactação, bradipnéia e bradicardia, aumento da atividade pós-ganglionar no sistema simpático é noradrenérgico, gastrointestinal e da contração da bexiga e estimulação da ativando diversos tipos de receptores, de acordo com o libido. Quanto ao exercício físico, o sistema parassimpático órgão em questão. está relacionado diretamente ao período de recuperação. simpática, localizada BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA A ação do sistema nervoso simpático é relacionada a Kapczinski F, Quevedo J, Izquierdo I. Bases biológicas uma resposta comportamental denominada de luta ou fuga. Isso de deve ao fato deste sistema ocasionar respostas dos transtornos psiquiátricos – uma abordagem fisiológicas que promovem adaptações a condições de translacional. 3a ed. Porto Alegre: Artmed; 2011. crise ou ameaça. Assim, mediante ativação do sistema Bear MF, Connors BW, Paradiso MA. Neurociências – simpático observa-se midríase, taquicardia, vasodilatação, desvendando o sistema nervoso. 2a ed. Porto Alegre: taquipnéia, secreção de hormônios adrenérgicos, liberação Artmed; 2002. Rang HP, Dale MM, Ritter JM, Flower Rj. Farmacologia. de glicose pelo fígado e supressão da ação do sistema 6a ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2007. gastrointestinal e do sistema urinário. Além disso, outras Guyton AC, Hall JE. Tratado de fisiologia médica. 11a respostas não diretamente ligadas ao binômio luta e fuga ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2002. são devidas ao sistema nervoso central, tais como indução de orgasmo e ejaculação. Seus efeitos são diretamente relacionados ao exercício físico, preparando o corpo à SISTEMA IMUNOLÓGICO atividade. Sistema nervoso parassimpático A função fisiológica básica do sistema imunológico é Quanto ao sistema nervoso parassimpático, os axônios a defesa contra agentes infecciosos. Contudo, mesmo pós-ganglionares emergem da porção cervical e da substâncias não infecciosas são capazes de desencadear a porção sacral da coluna vertebral. Estes axônios são bem ação deste sistema. Além disso, sua ação é relacionada a mais longos do que os encontrados no sistema nervoso outras funções, tais como inflamação e resposta alérgica. simpático, uma vez que os gânglios parassimpáticos Nesta seção primeiro serão abordadas as diferentes células encontram-se junto aos órgãos-alvo ou muito próximo que compõem o sistema imunológico, para depois abordar deles. Nestes gânglios os neurônios pré-ganglionares a resposta imunológica em si, dividindo-a entre imunidade parassimpáticos, colinérgicos como os simpáticos, ativam natural e adquirida. receptores nicotínicos. Os neurônios pós-ganglionares www.posugf.com.br 13 Sistema Neuro-Imuno-Endócrino nas Doenças Células do sistema imunológico Diversas células compõem o sistema imunológico. As principais células são os leucócitos (ou glóbulos brancos), encontrados tanto no sangue quanto impregnados nos tecidos. Contudo, seus precursores e células derivadas destas também desempenham papéis importantes. Existem cinco tipos de glóbulos brancos: neutrófilos, eosinófilos, basófilos, monócitos e linfócitos. Neutrófilos, Figura 8: Lâmina histológica das principais células imunológicas. eosinófilos e basófilos são referidos conjuntamente como polimorfonucleares ou granulócitos, devido ao núcleo Macrófago celular multilobulado e pela presença de grânulos no citoplasma. Os macrófagos são células altamente especializadas na fagocitose, sendo intimamente relacionadas à imunidade inata. Todos os granulócitos juntamente com os monócitos São derivados do monócito, sendo menos móveis que seus são denominados de linhagem mielocítica, pois são progenitores, mas mais estáveis e especializados. Encontram- derivados de células prévias denominadas mieloblastos, se difusamente espalhados pelos tecidos. Algumas células situadas na medula óssea. Já os linfócitos fazem parte com função análoga e, por vezes, diretamente derivadas da linhagem linfocítica, derivados dos linfoblastos. Essas do macrófago, recebem denominações específicas a algum células são encontradas nos órgão linfóides, como tecido, como células de Kupffer (no fígado), célula gigante de os gânglios linfáticos, o baço, o timo, as tonsilas e em Langhans (quando fundidos em granulomas), micróglia (no diversas outras concentrações de tecido linfático pelo sistema nervoso) e osteoclasto (no tecido ósseo). corpo. As principais características dos leucócitos e suas funções estão listadas na Tabela 3 e a morfologia destas Plasmócito células pode ser consultada na Figura 8. Além das células listadas acima, outras ainda são importantes ao sistema Células derivadas dos linfócitos B, especializadas na imunológico, conforme segue abaixo. produção de anticorpos. Tabela 3: Características principais dos glóbulos brancos. Tipo celular Núcleo Grânulos Linhagem Porcentagem citoplasmáticos no leucograma Principais funções Neutrófilos Multilobulado Presentes Mielocítica 62% Células fagocíticas, atuam na imunidade inata. Eosinófilos Multilobulado Presentes Mielocítica 2,3% Células importantes à resposta a infecções parasitárias e reações alérgicas. Basófilos Multilobulado Presentes Mielocítica 0,4% Importante papel nas reações alérgicas. Monócitos Unilobulado Ausentes Mielocítica 2,3% Células fagocíticas de baixa eficiência, originam os macrófagos. Linfócitos Unilobulado Ausentes Linfocítica 30% Divididos entre linfócitos T, responsáveis pela imunidade celular e linfócitos B, responsáveis pela imunidade humoral. www.posugf.com.br 14 Sistema Neuro-Imuno-Endócrino nas Doenças Imunidade natural Imunidade adquirida A imunidade natural (ou inata) diz respeito às primeiras Ao contrário da imunidade inata, a imunidade adquirida barreiras impostas pelo organismo à ação de agentes é extremamente específica e direcionada. A partir de um externos, patogênicos ou não. Trata-se de mecanismos contato prévio com o antígeno, o sistema imune é capaz gerais e inespecíficos, contudo bastante eficientes, mesmo de desenvolver um certo tipo de memória celular, fazendo sem contato prévio ao antígeno. A imunidade inata é com que a resposta às próximas infecções seja muito mais composta é composta de quatro meio de ação distintos: eficiente. Essa resposta se dá de dois modos principais, pela imunidade humoral, dependente dos linfócitos B Fagocitose e da produção de anticorpos, e pela imunidade celular, dependente da ativação e ação de linfócitos T. Bactérias e outros patógenos invasores são fagocitados indiscriminadamente por glóbulos brancos Imunidade humoral (como monócitos e neutrófilos) e principalmente por macrófagos teciduais. A imunidade humoral é dependente da produção de anticorpos. Nesse caso, mediante a entrada de um Ação das secreções ácidas patógeno pela primeira vez no organismo, o antígeno é apresentado aos linfócitos B nos órgão linfóides. Isso faz Organismos cuja entrada no organismo se deu por via com que o linfócitos B específicos para o antígeno em oral podem ser destruídos pelas secreções ácidas gástricas questão multipliquem-se. Algumas das células resultantes e pela ação de enzimas digestivas. mantêm-se como linfócitos, propiciando mecanismos de memória celular, ao passo que outras se diferenciam em Pele plasmócitos, as células responsáveis pela produção e liberação de anticorpos. A pele atua como barreira primária contra a invasão de patógenos ou toxinas. De fato, o rompimento da Os anticorpos são moléculas extremamente específicas. integridade da pele dá acesso à instalação de diversas Essas moléculas são chamadas de imunoglobulinas, infecções. distribuídas em cinco classes (A-E). Elas podem agir de duas maneiras: por ação direta sobre os antígenos ou por Ação de compostos químicos específicos meio das moléculas do sistema do complemento. As ações diretas podem se dar por quatro maneiras: aglutinação Alguns compostos, enzimas e mesmo células são (anticorpos aglomeram partículas grandes, como capazes de se ligarem e destruírem patógenos, sejam bactérias), precipitação (quando o complexo antígeno- eles microorganismos ou toxinas. Dentre estes, destaca- anticorpo torna-se grande e insolúvel), neutralização se a lisozima (molécula de ação mucolítica), polipeptídeos (quanto o anticorpo cobre os sítios tóxicos do antígeno) básicos (que inativam bactérias Gram-positivas), complexo ou lise (quando anticorpos levam à lise celular do invasor). do complemento (explicado na seção de imunidade adquirida) e linfócitos citotóxicos (ou NK, do inglês, Natural Apesar da ação direta dos anticorpos, a maior parte da Killer, por serem capazes de destruir células estranhas ação do sistema de imunidade humoral se dá por meio do indistintamente). sistema do complemento. Esse sistema é um complexo de diversas moléculas, as quais se envolvem em cascatas de reações que, de modo simplificado, findam na lise celular ou neutralização de vírus. www.posugf.com.br 15 Sistema Neuro-Imuno-Endócrino nas Doenças >> AUTO-IMUNIDADE as linfocinas secretadas pelas células T de ajuda ativam dois outros tipos de linfócitos: as células T citotóxicas As respostas imunológicas são direcionadas (ou células NK) e as células T supressoras. Os linfócitos naturalmente à patógenos e antígenos externos. Durante T citotóxicos se ligam diretamente à membrana do o desenvolvimento do sistema imunológico, o qual se patógeno ou da célula infectada, e transfere diretamente principalmente no período intra-uterino, as células de ao citoplasma moléculas substâncias citotóxicas. Já as defesa “aprendem” a reconhecer substâncias e moléculas células T supressoras funcionam em um sistema de próprias do organismos das não-próprias. Contudo, em retroalimentação negativa, inibindo a atuação dos linfócitos alguns casos o sistema imunológico cria anticorpos contra T de ajuda e citotóxicos. seus próprios componentes, caracterizando as doenças auto-imunes. BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA Abbas AK, Lichtman AH, Pillai S. Imunologia celular e Este é o caso da miastenia gravis (no qual são produzidos molecular. Rio de Janeiro: Elsevier; 2008 anticorpos contra receptores colinérgicos), da síndrome Guyton AC, Hall JE. Tratado de fisiologia médica. 11a de Sjögren (no qual existem anticorpos direcionados ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2002. às glânculas exócrinas) e da artrite reumatóide e da psoríase (no qual existem reações auto-imunes difusas no SISTEMA ENDÓCRINO organismo). Diversos estudos têm sido conduzidos visando os efeitos benéficos e os cuidados necessários para a prescrição do A principal função do sistema endócrino é a manutenção exercício físico para pacientes nessas condições. Ainda da homeostase e regulação de processos fisiológicos que se possa afirmar, de modo genérico, que as doenças em todo o corpo. Por meio de mensageiros químicos, auto-imunes requerem exercício adaptados, deve-se notar este sistema integra a atividade de diversas células, que as adaptações dependem da natureza da doença. tecidos e órgãos. Nas próximas seções serão discutidas peculiaridades do sistema endócrino, como os tipos de Para saber mais, consulte: comunicações envolvidas, os principais órgãos desse sistema e os principais hormônios e suas funções. Külkamp W, Dario AB, Gevaerf MS, Domenech C. Artrite Tipos de comunicações químicas reumatóide e exercício físico: resgate histórico e cenário atual. Rev Bras Atividade Física e Saúde. 2009;14(1):55-64 A comunicação entre duas células pode ser feita de diversas maneiras. Os principais modos de comunicação Imunidade celular celular são discutidos abaixo: A imunidade celular é feita diretamente pelos linfócitos Neural T em contato com o antígeno. A ativação deste tipo de imunidade de dá por meio das células T de ajuda Nesse tipo de comunicação ocorre a liberação de (também conhecidas como T helper). Essas células substâncias (geralmente neurotransmissores) na fenda fazem o reconhecimento primário do antígeno e secretam substâncias químicas denominadas linfocinas. sináptica. Essa comunicação geralmente se dá entre dois Estas neurônios, mas também pode ser observada entre neurônios substâncias ativam os linfócitos B e, consequentemente e fibras musculares e entre neurônio e glândulas. Nesse caso a produção de anticorpos (portanto, a imunidade humoral a comunicação se dá a nível estritamente local, limitado à pode ser dependente da imunidade celular). Além disso, fenda sináptica, com objetivo de controlar a função celular. www.posugf.com.br 16 Sistema Neuro-Imuno-Endócrino nas Doenças Endócrino renais, as ilhotas de Langerhans no pâncreas e as gônadas (ovários e testículos), conforme pode ser visto na Figura 9. Nesse caso, glândulas ou células secretoras especializadas liberam hormônios na corrente sanguínea. Pode-se notar que os órgãos listados acima são Estes hormônios agirão em outras regiões do corpo, especializados na produção e secreção hormonal. Contudo, influenciando a atividade celular da estrutura-alvo. Nota- outros órgãos também são capazes de apresentar atividade se, portanto, que essa comunicação se dá à distância e endócrina, ainda que essa não seja sua principal função. depende da circulação para que seja realizada. Trata-se Nesse sentido, salienta-se o fígado, coração, estômago e do sistema de comunicação mais importante ao sistema intestino, rim, pele, tecido adiposo, entre outros. Todos endócrino. esses órgãos, apesar de não serem primordialmente endócrinos, estão relacionados à produção de alguma Neuroendócrino substância cuja ação se dá de modo endócrino. No sistema de comunicação neuroendócrino, neurônios liberam substâncias químicas na corrente sanguínea, as quais agirão como hormônios, afetando a função celular de alvos em diferentes regiões do corpo. Este modo de comunicação é especialmente importante no eixo neuroendócrino, sendo observado, por exemplo, em neurônios da neuro-hipófise. Parácrino Células secretam substâncias diretamente no meio extracelular. Por difusão, estas substâncias atingem e agem sobre as células próximas. Esse modo de comunicação não depende da circulação, contudo sua ação é estritamente local. Esse tipo de comunicação pode ser observada, por exemplo, entre as células das ilhotas de Langerhans, no pâncreas. Autócrino Nesse caso a função de célula é afetada pela ação de substâncias secretadas pela mesma célula. Esse tipo de Figura 9: Principais órgãos do sistema endócrino comunicação pode ser observado no pâncreas, entre as células das ilhotas de Langerhans, e na derme e epiderme Tipos de hormônios em função da secreção de fatores de crescimento. Existem Órgãos envolvidos basicamente três tipos de hormônios: hormônios protéicos ou polipeptídicos, esteróides e aminérgicos, derivados do aminoácido tirosina. Diversos órgãos são diretamente relacionados ao sistema endócrino. Dentre estes, destacam-se a hipófise, a pineal, a tireóide, as paratireóides, o timo, as supra- www.posugf.com.br 17 Sistema Neuro-Imuno-Endócrino nas Doenças Os hormônios protéicos são sintetizados de modo Por fim, os hormônios aminérgicos derivados de tirosina comum a todos as proteínas, valendo-se dos mecanismos são produzidos no citoplasma das células produtoras. As de síntese protéica clássicos. Em geral são sintetizados propriedades químicas são distintas entre os hormônios na forma de moléculas maiores e inativas, sendo clivados desta classe. Desse modo, por exemplo, hormônios e modificados para se tornarem hormônios ativos. Estas tireóideos circulam no sangue apenas acoplados a proteínas substâncias são armazenadas em vesículas intracelulares de transporte, ao passo que hormônios catecolaminérgicos nos órgãos produtores e são liberados de acordo com a (adrenalina e noradrenalina) podem ser encontrados no demanda. Devido à estrutura protéica, a molécula destes plasma em forma livre. hormônios é polar e hidrossolúvel. Por este motivo, estas Principais hormônios substâncias não conseguem difundir-se passivamente pela membrana celular, contudo, não precisam de moléculas transportadoras no sistema circulatório. Como explicado anteriormente, não apenas os órgãos clássicos, mas todo órgão capaz de secretar alguma Os hormônios esteróides são derivados do colesterol, substância na corrente sanguínea possui alguma atividade sendo, portanto, lipofílicos Essas endócrina. Assim, a ação desse sistema não é restrita características os tornam capazes de atravessar a membrana a alguns órgãos apenas, ao corpo todo. Os principais plasmática transporte hormônios são listados na Tabela 4, juntamente com seus pelo sangue depende de proteínas transportadoras. Em órgãos sintetizadores, principais funções e estruturas geral, não há reservatório de hormônios esteróides, mas químicas. difusamente, e hidrofóbicos. entretanto seu apenas de colesterol. Mediante demanda, o colesterol é rapidamente convertido no hormônio necessário. Tabela 4: Principais hormônios e suas características. Hipotálamo Hipófise anterior Hormônios Funções principais Estruturas químicas Hormônio liberador de tireotropina (TRH) Estimula a secreção de TSH e prolactina Peptídeo Hormônio liberador de corticotropina (CRH) Estimula a liberação do ACTH Peptídeo Hormônio liberador do hormônio de crescimento (GHRH) Induz a liberação de hormônio do crescimento Peptídeo Hormônio liberador de gonadotropinas Estimula a liberação de LH e FSH (GnRH) Peptídeo Dopamina Inibe a liberação de prolactina Amina Somatostatina Inibe a liberação de hormônio do crescimento Peptídeo Hormônio de crescimento (GH) Estimula a síntese protéica e o crescimento celular e tecidual Peptídeo Hormônio tireoestimulante (TSH) Induz a síntese e secreção de T3 e T4 Peptídeo Hormônio adrenocorticotrópico (ACTH) Induz a síntese e secreção de hormônios adrenocorticais Peptídeo Prolactina Promove desenvolvimento mamário e secreção de leite Peptídeo Hormônio folículo-estimulante (FSH) Estimula o crescimento folicular nos ovários e a maturação dos espermatozóides nos testículos Peptídeo Hormônio luteinizante (LH) Induz a síntese de testosterona nos testículos, a formação do corpo lúteo e a síntese de estrogênio e progesterona nos ovários Peptídeo www.posugf.com.br 18 Sistema Neuro-Imuno-Endócrino nas Doenças continuação tabela 4: Principais hormônios e suas características. Hipófise posterior Tireóide Pineal Córtex adrenal Medula adrenal Pâncreas Paratireóide Testículos Hormônios Funções principais Estruturas químicas Hormônio antidiurético (ADH) ou vasopressina Aumenta a reabsorção de água nos rins e promove vasoconstrição e aumento de pressão arterial Peptídeo Ocitocina Promove ejeção de leite e contrações uterinas Peptídeo Tiroxina (T4) e triiodotironina (T3) Aumenta o metabolismo corporal Amina Calcitonina Induz deposição de cálcio nos ossos Peptídeo Melatonina Sincronização de ritmos biológicos Amina Cortisol Ação sobre metabolismo de gorduras, proteínas e carboidratos e efeitos antiinflamatórios Esteróide Aldosterona Aumenta reabsorção de sódio e secreção de potássio Esteróide e hidrogênio nos rins Norepinefrina e epinefrina Efeitos idênticos à estimulação simpática Amina Insulina Controla o metabolismo de carboidratos por promover entrada de glicose em muitas células Peptídeo Glucagon Aumenta a síntese e liberação de glicose pelo fígado Peptídeo Hormônio paratireóideo (PTH) Regula a concentração plasmática de cálcio, Peptídeo promovendo absorção intestinal e renal e o liberando dos ossos Testosterona Desenvolvimento do sistema reprodutor masculino e das características sexuais masculinas secundárias Estrogênios Estimula o crescimento e desenvolvimento do Esteróide sistema reprodutor feminino e dos caracteres sexuais femininos Progesterona Induz secreção de leite e desenvolvimento do aparelho secretor mamário Esteróide Gonadotropina coriônica humana (HCG) Estimula o crescimento do corpo lúteo e secreção de estrogênio e progesterona Peptídeo Renina Enzima conversora de angiotensinogênio em angiotensina I Peptídeo 1,25-diidroxicolecalciferol Aumenta a absorção intestinal de cálcio e mineralização óssea Esteróide Eritropoietina Aumenta a produção de glóbulos vermelhos Peptídeo Peptídeo natriurético atrial Aumenta a excreção renal de sódio e reduz a pressão arterial Peptídeo Gastrina Induz a secreção de ácido clorídrico pelas células parietais Peptídeo Grelina Estimula o apetite Peptídeo Secretina Estimula a secreção de bicarbonato e água pelos ácinos pancreáticos Peptídeo Colecistocinina (CCK) Promove a contração da vesícula biliar e a liberação de enzimas pancreáticas Peptídeo Ovários Placenta Rins Coração Estômago Intestino delgado www.posugf.com.br 19 Esteróide Sistema Neuro-Imuno-Endócrino nas Doenças BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA de modo integral é em relação à resposta ao estresse Guyton AC, Hall JE. Tratado de fisiologia médica. 11a comportamental (Figura 10). Outro caso importante diz ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2002. respeito à resposta ao exercício, tomando este como um fator estressante que implica em distúrbios homeostáticos (assunto discutido em seção própria). Contudo, por vezes EIXOS NEUROIMUNOENDÓCRINOS os sistemas agirão em pares em uma mesma atividade neuroimunoendócrina. De fato, a ação do sistema neuroimunoendócrino pode ser abordada em eixos, Conforme já sabido, o sistema neuroimunoendócrino conforme apresentado na Figura 2. Ainda, mesmo no caso é um sistema adaptativo. Sua ação se dá conjuntamente de envolvimento dos três sistemas, a divisão em eixos pelos sistemas nervoso, imunológico e endocrinológico. pode ser oportuna, por tornar a avaliação do tema mais Uma das condições clássicas nas quais este sistema atua clara. Nesta seção serão discutidos cada um destes eixos. Figura 10: Resposta ao estresse. O estresse ativa duas importantes vias fisiológicas: o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal e o sistema nervoso simpático. O eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, sob influencia do estresse, leva a liberação de cortisol, o qual inibe o sistema imunológico e promove ajustes cardiovasculares e metabólicos. Já no sistema nervoso central, o estresse induz ativação do sistema nervoso simpático, levando à clássica reação de luta e fuga, bem como a alterações autônomas gerais. CRH: hormônio liberador de corticotropina; ACTH: hormônio adrenocorticotrópico; NA: noradrenalina. Adaptado de Danucalov et al., 2008. www.posugf.com.br 20 Sistema Neuro-Imuno-Endócrino nas Doenças Em contrapartida, existem casos nos quais o sistema Eixo neuroendócrimo O eixo neuroendócrino imune desempenha papéis no sistema nervoso central. possui ações Um exemplo se dá sobre a biologia do sono. Nesse bastante caso, algumas linfocinas pró-inflamatórias, tais como a conhecidas. Suas principais atuações são dadas nas interleucina 1 e o fator de necrose tumoral, promovem o interações entre hipotálamo, hipófise e glândulas, como é o sono, ao passo que as interleucinas 4 e 10 o inibem. caso dos eixos hipotálamo-hipófise-adrenal e hipotálamohipófise-gônadas. Eixo imunoendócrino No eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, a ação do hipotálamo influencia a ação hipofisária que leva à Em doenças auto-imunes, como a tireoidite de secreção dos hormônios do córtex da adrenal. Dentre Hashimoto, a disfunção no eixo imunoendócrino pode estes hormônios, cita-se o cortisol, diretamente ligado à resultar em graves consequências, sendo essa uma prova proteólise e ao estresse. Já no eixo hipotálamo-hipófise- da importância desse eixo. gônadas, a mesma relação é observada, contudo em relação aos hormônios gonadais, tais como a testosterona. A ação deste eixo pode ainda ser observada no efeito Pode-se notar que em ambos os casos o exercício físico de alguns hormônios sobre o sistema imunológico. Em influencia e é influenciado pela ação destes eixos. geral, hormônios catabólicos, tais como o cortisol, causam déficits imunológicos, ao passo que hormônios anabólicos, Outra interação neuroendócrina se dá por meio como o hormônio do crescimento favorecem a ação desse sistema. do sistema nervoso autônomo. Esse sistema está diretamente ligado à função de diversas glândulas, tais BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA como o pâncreas. Nesse caso, o controle da glicemia, algo Kauer-Sant’Anna diretamente ligado à endocrinologia, depende da ação do M, Brietzke E, Quevedo J. sistema autônomo. Mediante o exercício físico, o sistema Psiconeuroendocrinologia. In: Kapczinski F, Quevedo J, simpático ativa-se, ao passo que o sistema parassimpático Izquierdo I. Bases biológicas dos transtornos psiquiátricos é silenciado. Esse fato deve ser levado em consideração na – uma abordagem translacional. 3ª ed. Porto Alegre: prescrição do exercício físico e em sua recuperação, pois Artmed; 2011. p. 55-76. os efeitos podem ser observados na função de diversas Bauer ME, Teixeira AL. Psiconeuroimunologia. In: glândulas e na secreção hormonal. Kapczinski F, Quevedo J, Izquierdo I. Bases biológicas dos transtornos psiquiátricos – uma abordagem translacional. Eixo neuroimunológico 3a ed. Porto Alegre: Artmed; 2011. p. 77-86. Diversos distúrbios psiquiátricos acarretam em alterações Danucalov MAD, Simões RS, Teixeira L, Aoki MS. no sistema imunológico. Esse é o caso, por exemplo, dos Interação fisiológica: eixo neuroimunoendócrino. In: transtornos de ansiedade, sobretudo do transtorno de Teixeira L. Atividade física adaptada e saúde – da teoria à estresse pós-traumático. Nesses casos, o leucograma normalmente apresenta leucopenia. Deve-se prática. São Paulo: Phorte; 2008. p. 21-38. admitir nesse caso alguma participação do sistema endócrino, visto que parte dos efeitos imunológicos dos transtornos de ansiedade se devem ao aumento nos níveis séricos de cortisol. Situação semelhante pode ser observada em pacientes com Alzheimer, nos quais se observa acentuada atividade inflamatória e de imunidade inata. www.posugf.com.br 21 Sistema Neuro-Imuno-Endócrino nas Doenças Por fim, os efetores dizem respeito aos mecanismos SISTEMA DE CONTROLE BIOLÓGICO responsáveis pelo restabelecimento da homeostase. Geralmente envolvem o sistema nervoso autônomo e o sistema endócrino, afetando o sistema imunológico. A aplicabilidade do eixo neuroimunoendócrino pode Contudo, por vezes o sistema imunológico pode fazer as ser atestada por meio do emprego do sistema de controle vezes de efetor. biológico. Este sistema é uma ferramenta usada para a análise de funções fisiológicas é composto de quatro A Figura 12 apresenta exemplos da aplicação do componentes: distúrbio (ou estímulo), receptor, unidade sistema de controle biológico. de controle integrado e mecanismo efetor (Figura 11). Figura 11: Componentes do sistema de controle integrado. CCI: centro de controle integrado. Adaptado de Danucalov et al., 2008. Neste sistema o distúrbio é definido como a alteração da homeostase, provocado pela presença de algum fator estressante. Aumento da temperatura corporal, alterações na glicemia, e mudanças na secreção de hormônios (exemplos relacionados à prática de atividades físicas) podem ser considerados estímulos que desequilibram a homeostase. O receptor é o órgão ou estrutura responsável por receber e perceber as alterações homeostáticas. Em geral, Figura 12: Exemplos da aplicabilidade do sistema de controle biológico a dois distúrbios da homeostase: exercício e refeição. Adaptado de Danucalov et al., 2008. são neurônios especializados do sistema nervoso somatosensorial. Destaca-se o papel dos mecanoceptores, nociceptores, termoceptores, quimioceptores e fotoceptores. Contudo, salienta-se que células do sistema O sistema de controle biológico é aplicável a qualquer imunológico também podem ser tomadas como receptores condição no qual há um distúrbio ou desequilíbrio para as finalidades do sistema de controle integrado. homeostático. Isso é válido para condições de alteração fisiológica aguda (ex.: taquicardia, alteração de glicemia) O centro de controle integrado é a estrutura responsável e condições crônicas patológicas ou não (ex.: hipertensão pela tomada de decisões, a partir das informações arterial sistêmica, diabetes). O que difere estas condições é passadas pelos receptores. Geralmente está localizado no que no primeiro caso a correção do distúrbio homeostático sistema nervoso central. é feita em curto prazo. www.posugf.com.br 22 Sistema Neuro-Imuno-Endócrino nas Doenças Em contrapartida, nas condições crônicas, a tentativa Danucalov MAD, Simões RS, Teixeira L, Aoki MS. de compensação fisiológica é um mecanismo constante e Interação fisiológica: eixo neuroimunoendócrino. In: de longo prazo, havendo um equilíbrio entre os distúrbios Teixeira L. Atividade física adaptada e saúde – da teoria à e os mecanismos efetores. Nesses casos, no momento prática. São Paulo: Phorte; 2008. p. 21-38. da prescrição do exercício físico, deve-se considerar a condição fisiológica do aluno/paciente e os mecanismos EXERCÍCIO FÍSICO: AGENTE ESTRESSOR de compensação homeostática plausíveis. Deve-se inferir que, além da condição esperada, o exercício pode ser um distúrbio adicional à homeostase. Ao se conhecer às prováveis respostas neuroimunoendrócrinas do paciente/ aluno à sua condição primária e ao exercício prescrito, a Conforme já dito anteriormente, o exercício físico é atividade física pode tornar-se uma importante atividade um promotor de alterações homeostáticas e os resultados terapêutica. Entretanto, caso essas condições não sejam obtidos são devidos, em grande parte, à reação do sistema consideradas e a prescrição do exercício seja feita de neuroimunoendócrino a essas alterações. Por exemplo, a modo inadvertido, os efeitos da atividade podem ser hipertrofia obtida por meio do exercício resistido é fruto contraproducentes outras dos processos de recuperação muscular que visam reparar palavras, o exercício físico atuando sobre o sistema as microlesões causadas pela atividade em questão. De neuroimunoendócrino pode modular a saúde do indivíduo modo semelhante, a melhora a longo prazo nas variáveis positiva ou negativamente e o caráter dessa modulação ventilatórias após o exercício aeróbio se dá pelo constante depende do sucesso na prescrição da atividade física desafio imposto pelo aumento da demanda de oxigênio adaptada. pelos tecidos. Ou seja, os benefícios obtidos por meio da ou mesmo danosos. Em atividade física dependem de processos adaptativos. O exercício físico e condições relacionadas fazem, por muitas vezes, o papel de distúrbio homeostático, conforme De fato, a exposição gradual do organismo ao pode ser checado na Figura 12. De fato, o exercício físico, estresse promovido pela atividade física torna-o mais na grande maioria dos casos, acarreta alterações no resistente, sobretudo por mecanismos adaptativos que equilíbrio homeostático e os resultados são advindos da ocorrem durante o período de recuperação. O estresse resposta, adaptação e recuperação a estes desequilíbrios. representado pelo exercício físico envolve o sistema Os resultados referentes à atividade física são, portanto, neuroimunoendócrino de modo integral. Ademais, os uma função do sistema neuroimunoendócrino. A próxima efeitos sobre esse sistema dependem de variáveis como o seção diz respeito aos efeitos diretos do exercício sobre tipo de exercício, o período e a intensidade. o sistema neuroimunoendócrino, tomando-o como um agente estressor. Os efeitos do exercício físico sobre o sistema imune são bem descritos na literatura científica. Sabe-se que BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA Kauer-Sant’Anna M, Brietzke o exercício promove alterações no sistema imunológico, E, Quevedo J. os quais são dependentes da intensidade. Exercício de Psiconeuroendocrinologia. In: Kapczinski F, Quevedo J, intensidade moderada (a partir de 60% da capacidade Izquierdo I. Bases biológicas dos transtornos psiquiátricos aeróbia máxima) promove leucocitose (aumento no – uma abordagem translacional. 3a ed. Porto Alegre: número de leucócitos), sobretudo representada por Artmed; 2011. p. 55-76. aumento no número de neutrófilos, além de aumento Bauer ME, Teixeira AL. Psiconeuroimunologia. In: na atividade dos macrófagos. Esses efeitos se dão Kapczinski F, Quevedo J, Izquierdo I. Bases biológicas dos principalmente para promover a recuperação muscular, transtornos psiquiátricos – uma abordagem translacional. degradando os metabólitos das microlesões causadas pela 3a ed. Porto Alegre: Artmed; 2011. p. 77-86. atividade física. www.posugf.com.br 23 Sistema Neuro-Imuno-Endócrino nas Doenças Além disso, alterações neuroendócrinas podem ser traz conhecimentos estritamente novos, contudo, integra observadas, como ativação do sistema nervoso autônomo, conhecimentos fundamentais da fisiologia básica, unindo- alteração na temperatura corporal e na secreção de os em um contexto adaptativo e aplicável. hormônios, como a adrenalina, hormônio do crescimento e beta-endorfina. Já exercícios altamente intensos, crônicos Por meio desta disciplina, espera-se que os alunos sejam e extenuantes promovem déficit no sistema imunológico. capazes de usar a neuroimunofisiologia na abordagem dos Mediante esse tipo de exercício, a ativação exacerbada do capítulos vindouros. Por fim, de modo mais abrangente, eixo hipotálamo-hipófise-adrenal acarreta no aumento dos espera-se que os conhecimentos gerais adquiridos sejam níveis plasmáticos de cortisol, um hormônio relacionado funcionais à rotina prática individual. ao estresse e conhecidamente imunossupressor. BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA Danucalov MAD, Simões RS, Teixeira L, Aoki MS. Interação fisiológica: eixo neuroimunoendócrino. In: Teixeira L. Atividade física adaptada e saúde – da teoria à prática. São Paulo: Phorte; 2008. p. 21-38. Guyton AC, Hall JE. Tratado de fisiologia médica. 11a ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2002. Heyward VH, Avaliação física e prescrição do exercício. 4ª ed. Porto Alegre: Artmed; 2004. CONCLUSÕES Em uma perspectiva fisiológica integrativa, o sistema neuroimunoendócrino torna-se essencialmente importante. Por meio da abordagem desse sistema, podese entender os mecanismos de compensação fisiológica presentes em diversas doenças e condições, sejam elas crônicas ou agudas. Por meio desse entendimento, é possível tornar a prescrição do exercício físico cada vez mais adaptada, sendo possível prospectar seus efeitos específicos sobre a condição do paciente/aluno. Além disso, pode-se entender efeitos do exercício e da atividade física per se os tomando como fatores estressantes natos e causadores de alterações homeostáticas. Como dito no início deste tópico, a neuroimunoendocrinologia não é uma disciplina exclusiva ao treinamento físico. Buscou apresentá-la claramente como algo aplicável a toda condição na qual há algum fator estressante à homeostase e à fisiologia normal. Além disso, em análise imparcial, essa disciplina não www.posugf.com.br 24