GT 1 – JUVENTUDES, PROCESSOS EDUCATIVOS E TRABALHO. TÍTULO: “HÁ UMA GRANDE DESORDEM SOB O CÉU, A SITUAÇÃO É EXCELENTE” - jovens, trabalho e futuro. Autora: Maria Isabel Silva Bezerra Linhares (UFC/UVA-GEPCJU) [email protected] Co-autora: Ana Margarete Pereira (UVA-GEPCJU) [email protected] “ HÁ UMA GRANDE DESORDEM SOB O CÉU, A SITUAÇÃO É EXCELENTE” 1 jovens, trabalho e futuro. Maria Isabel S. Bezerra Linhares (UFC/UVA-GEPCJU)2 Ana Margarete Pereira (UVA-GEPCJU)3 RESUMO As referências teórico-metodológicas para tomar as trajetórias juvenis como perspectiva metodológica nas reflexões que apresentamos neste artigo, apoiam-se nas produções de Giovanni Alves , Jessé Souza e Richard Sennet e, principalmente, nas produções e reflexões de Machado Pais (2001), daí, adotar a compreensão dos sociólogos da juventude, que adjetivam as transições dos jovens para a vida adulta, de modo a acentuarem a sua vulnerabilidade e imprevisibilidade. O substrato empírico que motivou a busca da compreensão dos caminhos investigativos, que tomam o cotidiano como alavanca para o conhecimento da realidade, ancoram-se na pesquisa sob o título “Trajetórias juvenis face aos desafios do mundo do trabalho: experiências sociais e interpretações individuais de jovens sobralenses que buscam o primeiro emprego”, da autora deste artigo. O foco de análise da referida investigação centrou-se na questão da juventude das periferias da vida, prováveis trabalhadores precários, que em seu cotidiano, constroem trajetórias, nem sempre lineares, quando enfrentam os desafios do mundo do trabalho na sociedade contemporânea. Palavras-chave: trajetórias juvenis. Primeiro emprego. Mundo do trabalho. 1 INTRODUÇÃO No seu livro intitulado “Ganchos, tachos e biscates: jovens, trabalho e futuro”, Machado Pais (2001) analisa a trajetória de jovens portugueses a partir de uma multiplicidade de trabalhos precários, cujas inserções provisórias se constituem as próprias expressões das dificuldades que têm em se integrarem no mercado de trabalho, o que tem levado muitos deles a recorrerem à estratégias cuja singularidade e expressão abala os modos tradicionais de entrada na vida ativa. As experiências vivenciadas por esses jovens, entendidas como vivência precária do emprego e do trabalho, que compreendem “trabalho doméstico, eventual, temporário, parcial, oculto ou ilegal, pluriemprego, formas múltiplas de desenrascanço a que a 1 Expressão de Mao Tsé Tung citada por Slavoj Zizek em seu livro “Vivendo nos fins dos tempos” (2012) ao afirmar que, podemos distinguir os cinco padrões no modo como nossa consciência social trata o apocalipse vindouro. “A primeira reação é a negação ideológica de qualquer ‘desordem sob o céu’; a segunda aparece nas explosões de raiva contra as injustiças da nova ordem mundial; seguem-se tentativas de barganhar (‘Se mudarmos aqui e ali, a vida talvez possa continuar como antes...’); quando a barganha fracassa, instalam-se a depressão e o afastamento; finalmente, depois de passar pelo ponto zero, não vemos mais as coisas como ameaças, mas como uma oportunidade de recomeçar. Ou, como Mao Tsé-Tung coloca: ‘Há uma grande desordem sob o céu, a situação é excelente’”. 2 Doutoranda em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Professora da Universidade Estadual do Ceará (UVA) e pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Culturas Juvenis (GEPCJU) 3 Graduanda em Pedagogia pela Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA). Pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Culturas Juvenis (GEPCJU) linguagem comum se refere com as sugestivas expressões de ganchos, tachos, e biscates” (MACHADO PAIS, 2001, p. 7). O autor propõe uma nova reflexão sociológica em torno dos percursos profissionais dos jovens abordando uma nova concepção de sociologia – A Sociologia da Pós-linearidade. A análise linear desenvolve interpretações que abordam o presente e o futuro de forma homogênea, parecendo haver uma necessidade implícita de analisar as descontinuidades através das continuidades. Para as relações que se pretendeu estabelecer aqui, foi dado ênfase ao diálogo com Machado Pais, evocando, por algumas vezes, aproximações com a sociologia da Póslinearidade e com outros autores que tratam da análise crítica do que Giovanni Alves (2012) vem denominando de “enigma do precariado e a nova temporalidade histórica do capital”. O substrato empírico que motivou a busca da compreensão dos caminhos investigativos, que tomam o cotidiano como alavanca para o conhecimento da realidade, ancoram-se na pesquisa sob o título “Trajetórias juvenis face aos desafios do mundo do trabalho: experiências sociais e interpretações individuais de jovens sobralenses que buscam o primeiro emprego”, da autora deste artigo. O foco de análise da referida investigação centrou-se na questão da juventude das periferias da vida da cidade de Sobral-Ceará, prováveis trabalhadores precários, que em seu cotidiano, constroem trajetórias, nem sempre lineares, quando enfrentam os desafios do mundo do trabalho, especialmente quando buscam o primeiro emprego. Considerando seus percursos de inserção no mundo do trabalho, das mais diversas formas, seja pela via das políticas públicas, seja como “arranjos”, que vêm construindo em nome de um futuro melhor. Os caminhos investigativos transitaram pelos pressupostos da pesquisa qualitativa, tomando as trajetórias dos jovens e suas experiências pessoais como perspectiva metodológica e agregando as análises sobre a questão do novo precariado, que é produzida e reproduzida numa lógica perversa capitalista de deterioração do indivíduo encarnado no “homo precarius”, que segundo Alves (2012), enquanto “sujeitos monetários” tem aderido a si o fetiche da mercadoria com toda sua carga de intransparência social. 2 JUVENTUDE E TRABALHO: trânsitos pelas “periferias da vida” e pelo mundo do trabalho Ao se falar em juventude e trabalho, inúmeros estudos apontam para um quadro de complexos dilemas e contradições, que tornaram a compreensão de seu imaginário coletivo um verdadeiro desafio. Para Jessé Souza (2006), este sempre foi um motivo para reflexão nas ciências sociais. Daí, minha inquietação nesse artigo é com uma questão específica no mundo do trabalho contemporâneo: a análise da atual situação do jovem no mercado de trabalho brasileiro, remetendo um olhar mais específico para a realidade de Sobral-CE, onde desenvolvo uma pesquisa intitulada “Trajetórias juvenis face aos desafios do mundo do trabalho: experiências sociais e interpretações individuais de jovens sobralenses que buscam o primeiro emprego”. Se há constrangimentos no ingresso e progresso do jovem no interior do mercado de trabalho, o agravamento da condição juvenil aparece como inexorável reproduzido pela decadência educacional e pela degradação social. Nesse sentido, o presente artigo traz à reflexão a questão da juventude face ao mundo do trabalho na sociedade contemporânea, tendo como eixo analítico a qualificação profissional, enquanto condição inicial para a busca do primeiro emprego. O objetivo desse artigo se limita a esclarecer o ponto de vista epistemológico que conduzirá à análise acerca da discussão juventude e trabalho no capitalismo contemporâneo (e seus dilemas), à luz dos dados quantitativos presentes nas análises de alguns autores que tratam da questão do desemprego juvenil e da condição do “precariado” 4 na nova temporalidade histórica do capital. Nos limites desse artigo, tomar-se-á como recorte dessa temática, a reflexão da condição de proletariedade da juventude brasileira, que constroem trajetórias pelo mundo do trabalho, sendo estas ladrilhadas por percursos (in)certos e (in)definidos. Daí, adotar a compreensão dos sociólogos da juventude, que adjetivam as transições dos jovens para a vida adulta, de modo a acentuarem a sua vulnerabilidade e imprevisibilidade (MACHADO PAIS, 2001). Em seu livro “Ganchos, tachos e biscates: jovens, trabalho e futuro”, José Machado Pais (2001) traz uma contribuição aos estudos qualitativos sobre a juventude, apresentando uma metodologia formada por entrevistas profundas e etnografias detalhadas em um cenário de largo alcance temático e precisão analítica. Machado Pais adentra a complexidade do trabalho precário na população jovem, em um estudo qualitativo, no qual a rastreia em seus caminhos de redes simbólicas e “transjetivas”. O autor dá-nos conta de como, segundo ele, a Sociologia deve encarar a realidade que analisa e retrata. De acordo com o autor “não é mais possível que se encare o 4 Expressão utilizada por Giovanni Alves para referir a uma camada social da classe do proletariado tardio. Para o autor, trata-se de uma camada social e não não uma classe social (2012) tratamento da realidade juvenil segundo uma visão linear”. No desafio de biografar jovens na contemporaneidade, depara-se com o avesso das histórias de vida, do tipo “nasceu, frequentou a escola, chegou à universidade, publicou sua primeira obra”, ou, pelo contrário, “nasceu pobre, desde cedo entrou para as drogas e o crime”. Na concepção do autor, é perigoso falar em inclusão em uma sociedade que exclui. Neste aspecto, a realidade é, ao mesmo, tempo sombria e animadora; sombria pela presença constante da ineficácia da Escola em produzir perspectivas, na precariedade e perversidade das relações de trabalho e emprego. O fio de esperança parece justamente refletido na grande energia inventiva dos jovens em batalhar por ideais que quase sempre são incertos ou inexistentes, ou na luta pela própria sobrevivência. Quais esperanças e expectativas movem os jovens na contemporaneidade? Quais planos traçam para seu futuro? Se há um horizonte promissor, quais meios e caminhos traçam para suas vidas? Em entrevistas realizadas pela autora, no final de 2011, com jovens sobralenses 5, que participam do Projeto Primeiro Passo6, ao serem indagados sobre seus planos para futuro, no que diz respeito à família, escola e ao trabalho, assim responderam: “Estudar muito e ter uma boa formação, para que os meus filhos e pais se orgulhem de mim” (J1)7 “Ter um bom emprego, fazer faculdade e exercer no mercado de trabalho” (J2) “conseguir um bom futuro para mim, é dar algo de melhor para minha família e sempre ter a harmonia que tenho com minha família e comigo mesmo. […] para meu futuro quero me formar na área de enfermagem” (J3) “pretendo terminar os estudos, me formar e ter uma vida bem sucedida” (J4) “não sei” (J5) Entre expectativas e incertezas, esses jovens sobralenses creditam no futuro a realização de sonhos, manifestos no emprego e na formação profissional, já que vivenciam no 5 Projeto de pesquisa “Trajetórias juvenis face aos desafios do mundo do trabalho: experiências sociais e interpretações individuais de jovens sobralenses que buscam o primeiro emprego”, realizado pela autora desse artigo, desde abril de 2011. 6 PROJETO PRIMEIRO PASSO é uma inciativa do Governo do Estado do Ceará, que se propõe criar oportunidades voltadas à cidadania, a inclusão social e profissional, proporcionando o aprendizado prático e experiências que possibilitam o crescimento profissional e pessoal dos jovens de comunidades vulneráveis, entre 16 e 22 anos, que estão cursando o Ensino Fundamental II, Educação Especial, Ensino Médio ou que tenha concluído o Ensino Médio na tentativa de promover uma melhoria na qualidade de vida do publico focalizado. De acordo com a idade e nível escolar, o jovem será oportunizado em uma das três linhas de ação: Jovem Aprendiz, Jovem Estagiário e Jovem Bolsista para conquistar sua primeira oportunidade no mercado de trabalho (http://www.stds.ce.gov.br/index.php/projetos/63-projetos/282-pimeiro-passo ) 7 Utilizo as sigla J1, J2, J3, J4, J5, para preservar a identidade dos jovens entrevistados. Importante ressaltar que selecionei apenas cinco entrevistas e algumas respostas desses jovens, como amostra para conduzir as reflexões contidas nesse artigo. presente um emaranhado de desventuras, exclusões e impedimentos, o que inviabiliza a constituição de uma cidadania ativa. No Brasil, temos de 6 a 7 jovens na faixa de 15 a 24 anos no mercado disputando uma vaga. São justamente os jovens filhos de pobres, porque os filhos de ricos, em geral, só ingressam no mercado de trabalho depois dos 25 anos, já concluído o Ensino Superior. Frente a essa realidade torna-se fundamental se ter grandes programas de bolsas de estudo, em escala nacional, para que o jovem se insira no mercado de trabalho mais tardiamente e melhor preparado. Para Alves não se trata apenas de um problema social – os vínculos laborais precários, baixos salários, falta de direitos laborais – mas sim de um problema existencial que corrói a individualidade pessoal. “Na verdade, a precariedade interdita a vida pessoal do sujeito de classe” (2012, p. 8), afirma o autor. Para os trabalhadores jovens-adultos escolarizados ou não, que não conseguem se inserir na cidadania salarial construída pelo Estado de Bem-estar social, o principal problema da precariedade é esse futuro incerto, nos dizeres de Alves, um “futuro hipotecado”. Esta percepção de futuro hipotecado é um traço recorrente no discurso de indignação de jovens/ adultos que construíram sua individualidade pessoal de classe baseada na perspectiva da carreira e perspectiva de consumo. Jessé Souza (2006), em sua obra “A invisibilidade da desigualdade brasileira”, problematiza a questão da condição psicossocial dos trabalhadores socialmente desqualificados na modernidade periférica, contextualizando tal questão em um universo de intersubjetividade moral e simbólica que naturaliza e perpetua sua condição objetiva precária. Para ele, esta perspectiva tem como pressuposto central o fato de que as relações intersubjetivas modernas são estruturadas por uma hierarquia moral pré-reflexiva do trabalho que naturaliza e reproduz situações objetivas de desigualdade social. No texto organizado por Fabrício Maciel “Todo trabalho é digno? Um ensaio sobre moralidade e reconhecimento na modernidade periférica” (2006), o autor apresenta uma questão específica no mundo do trabalho contemporâneo, que diz respeito a condição psicossocial de trabalhadores socialmente desqualificados na modernidade periférica, contextualizados em um universo de intersubjetividade moral e simbólica que naturaliza e perpetua sua condição objetiva precária. Esta perspectiva tem como pressuposto central o fato de que as relações intersubjetivas modernas são estruturadas por uma hierarquia moral préreflexiva do trabalho que naturaliza e reproduz situações objetivas de desigualdade social. Segundo o autor, os estudos sobre a desigualdade atualmente têm se dividido em torno das temáticas do trabalho e da exclusão como meios para uma explicação cabal da pobreza material de milhões de pessoas no mundo inteiro. Para ele, os estudos de autores consagrados na temática do trabalho no Brasil também não conseguem avançar de suas interpretações materialistas, que muitas vezes são reafirmação assumida da posição marxista, com o objetivo claro de intervenção política na realidade, o que relega a explicação sociológica a segundo plano. Conforme o autor, estes trabalhos se limitam a descrever a forma como a miséria se agravou a partir da queda do Welfare State na Europa e com o processo de reestruturação produtiva que afetou especialmente a América Latina. O mesmo autor ao buscar entender a divisão do trabalho na vida moderna e, conseqüentemente, os efeitos causados por ela nos indivíduos, se ampara aos estudos de Cunha e Torres (2004), que por sua vez recorrem a Norbert Elias. Este mostrou que na modernidade o trabalho deixou de ser uma atividade vil e passou a ser gerador de dignidade e reconhecimento social, causando assim o surgimento de uma moral única e válida para todos. Os referidos autores entenderam que se filiar ao mercado de trabalho coloca-se como regra universal na busca pelo que Taylor ( 2005) chamou de “dignidade”. Isso ajuda a explicar por que a dimensão econômica da realidade social não determina, sozinha, a configuração das relações sociais. Afirmam que é preciso entender que o conjunto de valores que se institucionalizou na modernidade nos diz o tempo todo que qualquer forma de reconhecimento pessoal, e conseqüentemente dignidade e auto-estima, só é possível quando conseguimos provar nossa utilidade prática na sociedade de mercado (MACIEL, 2004). Ao analisar a tríade trabalho, identidade e cidadania, Fabrício Maciel afirma que um desafio para a identidade moderna é derivado da lógica de isolamento dos indivíduos modernos acirrada ainda mais pela ideologia da flexibilidade do capitalismo contemporâneo. Diz ser essa uma reflexão empreendida por Richard Sennett em seu livro “A corrosão do caráter” (2000). Para Sennett o caráter dos indivíduos modernos, o que significa sua individualidade subjetiva, é corroído pelo fato de que a flexibilidade não permite a fixação em um emprego e em decorrência a identificação com uma carreira e projetos sólidos e estáveis, o que é indispensável para a identidade individual moderna. Prossegue afirmando que a relação individual com as ocupações é sempre superficial, o que causa uma dificuldade cognitiva de apego a qualquer projeto coletivo. Essa expectativa baseada na obtenção do diploma de curso superior, para construção de carreira profissional a partir de emprego estável, passa a ser uma “miragem” na sociedade contemporânea. Essa esperança é presente na fala dos jovens sobralenses entrevistados ao afirmarem, quando falaram sobre escolarização e perspectiva de futuro, assim responderam Iniciei aos 5 anos de idade, quero um futuro bem melhor tendo um bom emprego” (J2) Comecei a estudar acho que tinha uns 8 anos de idade e sempre procurei dar o melhor de mim, nunca fiquei reprovado e pretendo ir bem mais além, pretendo me formar e ser um bom profissional. (J4) Nos últimos “trinta anos perversos” de capitalismo global, sob a nova temporalidade histórica do capital (ALVES, 2012), ocorreu a troca espúria dos sonhos coletivos e utopias sociais que caracterizaram o movimento juvenil da contracultura nos anos 1960 no período de crise do fordismo-taylorismo, pelas utopias pessoais, expectativas e “valores-fetiches”8 de mercado disseminados pela ordem burguesa neoliberal. Nos locais de trabalho, a ideologia do taylorismo-fordismo deu lugar ao espírito do toyotismo como nova implicação subjetiva da manipulação do capital. Nas condições do capitalismo global, a garantia do emprego interverteu-se na mera empregabilidade. A palavra de ordem no mundo neoliberal é competitividade. É pela concorrência no mercado que o homem burguês tardio, como autoempreendedor, se afirma como individualidade pessoal de classe. 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS Na pesquisa Juventude e Trabalho, sobre jovens, suas trajetórias de vida e horizontes de futuro, presente, em curso na cidade de Sobral (LINHARES, 2011), evidenciou-se que o trabalho é tido mais como uma “oportunidade” do que “escolha pessoal”, além do que tem como objetivo primeiro contribuir para as despesas da família e as pessoais. Quando se trata de despesas pessoais os jovens referem aos desejos de consumo que pretendem adquirir, em especial quando pensam num futuro promissor, idealizado a partir da possibilidade de adquirir bens de consumo, que os tornem participantes ativos da sociedade salarial. Referida pesquisa com jovens, com idade entre 15-24 anos, investiga as suas inquietações de vida, seus tempos de incerteza, tensões que emergem quando o presente se 8 Segundo Alves (2012, p. 5) o plano contingente, o precariado possui afinidades eletivas com a nova ordem do capitalismo manipulatório. Diante das rupturas (ou rachaduras) do metabolismo social da ordem burguesa tardia, surgem novos mecanismos de manipulação e reposição de “experiências expectantes” e valoresfetiches capazes de permitir a reprodução do capital em escala global. Ora, a crise de reprodução social é momento histórico de afirmação de novos valores-fetiches, sonhos e expectativas de mercado capazes de resignificar o controle estranhado do metabolismo social do capital. Deste modo, sob o capitalismo manipulatório com sua “sociedade em rede”, dissemina, numa proporção inaudita na história humana, o tráfico de sonhos e expectativas de mercados capazes de criar um novo horizonte de realização pessoal estranhado. confronta com o futuro, em situações de impasse e de ameaças de desemprego. As dificuldades de emprego e as necessidades de sobrevivência explicam porque os jovens procuram recorrer aos mais diversos expedientes, aproveitando trabalhos precários arranjando dinheiro nos limites do legal e do ilegal, do legítimo e do ilegítimo, do formal e do informal, situação essa reforçada pela baixa escolarização e pelas ocupações precárias, quando encontram, que são justificadas tanto por essa condição, como pela baixa qualificação 9 para o mundo do trabalho. Para a presidenta do Conselho Nacional de Juventude, Regina Novaes o “casamento entre educação e trabalho”, no Brasil, “vai mal”. Se de um lado há jovens fora do mercado de trabalho porque não estão capacitados, estão fora da escola ou atrasados, de outro, existem jovens que chegam à universidade e também não conseguem se inserir. A incerteza, portanto, está muito mais presente, o que exige tanto novas formas de educação como mecanismos de inserção no mercado de trabalho. O objeto circunscrito na proposta da pesquisa, em curso, remete à discussão contemporânea da crise do trabalho e a inserção de jovens no contexto da “(des) institucionalização” do sistema de educação profissional para formação de jovens trabalhadores em nível técnico, em função das novas exigências do mercado, relacionando o acesso ou não ao primeiro emprego à qualificação ou desqualificação do trabalhador. As análises apontam que o agravamento do desemprego é um fenômeno que compõe a atual etapa de acumulação capitalista, não sendo uma decorrência direta da qualificação ou da desqualificação do trabalhador. Entende-se que a concepção de qualificação, hoje vigente assume uma dimensão ideológica de configurar-se como condição de possibilidade de trabalho, desviando o eixo das determinações estruturais do desemprego e da precarização do trabalho. Tal concepção revela a atual configuração do Estado e das políticas públicas sociais, de caráter neoliberal, que vêm se distanciando do ponto de vista da efetividade do discurso difundido. Para uma compreensão do debate acerca da qualificação e da requalificação dos jovens e sua condicionada inserção no mundo do trabalho, impõe-se a reconstrução de cenários político-econômico e sociocultural, relacionando processos de qualificação no Brasil a fenômenos mais gerais e remetendo às suas determinações fundamentais. É preciso adentrar em uma reflexão crítica acerca da reestruturação do mundo do 9 A esse repeito ver Erivã Velasco (2007) trabalho, para ingressar naquilo que se considera o eixo central desta pesquisa: a idéia que vem se difundindo de que o fenômeno do desemprego entre jovens pobres é conseqüência da desqualificação técnica do trabalhador e da sua pouca ou inexistente escolarização. Tal idéia vem justificando os altos investimentos de recursos públicos, a exemplo do programa de inclusão de jovens, em suas diversas modalidades (PROJOVEM ADOLESCENTE, PROJOVEM URBANO, PROJOVEM TRABALHADOR e PROJOVEM DO CAMPO), dentre outras iniciativas e políticas públicas, cujo foco principal é a qualificação e formação profissional. REFERÊNCIAS ALVES, Giovanni. O enigma do precariado e anova temporalidade histórica do capital. Disponível em: http://boitempoeditorial.wordpress.com/2012/07/13/o-enigma-do-precariadoe-a-nova-temporalidade-historica-do-capital-parte-3/ . Acesso em 15/09/2012. CARRETEIRO, Tereza Cristina. A doença como projeto: uma contribuição à análise de formas de filiações e desfiliações sociais. In: Sawaia, Bader. (Org). As Artimanhas da Exclusão: análise psicossocial e ética da desigualdade social. Petrópolis: Vozes, 1999. GOVERNO DO ESTADO DO CEARÁ/SECRETARIA DO TRABALHO E DESENVOLVIMENTO SOCIAL (STDS). Projeto Primeiro Passo. 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A batalha pelo primeiro emprego: a situação atual e perspectivas do jovem no mercado de trabalho brasileiro. 2. ed. São Paulo: Publisher Brasil, 2007 SENNETT, Richard. A corrosão do caráter: conseqüências pessoais do trabalho no novo capitalismo. Tradução Marcos Santarrita. Rio de Janeiro, Record, 1999. SOUSA, Jessé (0rg.). A invisibilidade da desigualdade brasileira. Belo Horizonte, MG: Editora UFMG, 2006. TAYLOR, Charles. As fontes do self. São Paulo: Loyola, 2005. VELASCO, Erivã Garcia. Jovem e qualificação profissional: programas e trajetórias de jovens em busca do primeiro emprego em Mato Grosso. Tese de doutorado em Políticas Públicas. São Luís, MA, 2007.