O Potencial Universal da Língua Portuguesa no
Século XXI
por
Luís Aguilar
Professor do Departamento de Línguas e Literaturas Modernas da Universidade de Montreal e Docente do
Camões, Instituto da Cooperação e da Língua.
Comunicação apresentada no Dia da Língua Portuguesa e da Cultura na CPLP, a 8 de maio de 2015,
na Universidade de Montreal, Carrefour des arts et des sciences.
Cabe-me a honra e o privilégio de hoje, Dia da Língua Portuguesa e da Cultura na CPLP,
apresentar-vos, com grande satisfação, alguns dados sobre a última flor do Lácio, feliz expressão
usada no soneto Língua Portuguesa do poeta brasileiro Olavo Bilac, a doce e agradável língua, na
opinião açucarada de Miguel de Cervantes, a língua de Camões, em homenagem ao célebre
escritor lusitano Luís Vaz de Camões, obreiro de Os Lusíadas, a nossa magna língua portuguesa,
como a nomeou Fernando Pessoa.
Introdução
A exposição bilingue, Potencial Económico da Língua Portuguesa / Potentiel Économique de la
langue portugaise, exibida pela primeira vez na América do Norte por iniciativa conjunta dos
Estudos Lusófonos da Universidade de Montreal e da Caixa Desjardins Portuguesa, no hall do
edifício dessa instituição financeira, a 3 de junho de 2014, está, de novo, aqui presente. A
exposição resulta de um estudo encomendado pelo, então, Instituto Camões (IC) em setembro de
2007 e desenvolvido por uma equipa de investigadores do Instituto Superior de Ciências do
Trabalho e da Empresa (ISCTE), cuja principal conclusão é a de que as indústrias e os serviços
em que a língua Portuguesa é um elemento-chave representam 17% do Produto Interno Bruto
(PIB) de Portugal. Deu esse estudo origem à publicação de um livro coordenado pelo dr. Luís
Reto, intitulado O Potencial Económico da Língua Portuguesa e à realização da presente
exposição com o mesmo nome, organizada pelo Camões, Instituto da Cooperação e da Língua,
composta por 17 painéis.
Não vamos reproduzir os dados exibidos nos painéis da exposição que, esses, foram sobejamente
apresentados pelos estudantes finalistas do Curso Estudos Lusófonos Daniel André e Sabrina
Domingues. Vamos, isso sim, dar a conhecer alguns elementos complementares provindos de
vários estudos sobre a língua portuguesa e tecer algumas considerações sobre as várias
comunidades de falantes de português e os oito séculos de história de língua portuguesa que ora
se comemoram também.
O Potencial Universal da língua Portuguesa no Século XXI
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Origens do português
A nossa magna língua portuguesa pertence à família linguística indo-europeia, uma das oito
grandes famílias de línguas do mundo que compreende mais de 200 idiomas dos grupos latino,
germânico, eslavo, céltico, indo-ariano, iraniano e ainda o grego, o arménio e o albanês, por entre
cerca de seis mil línguas do mundo, das quais duzentas e vinte e cinco se falam na Europa.
A língua de Camões é originária do latim vulgar lusitânico, tendo o seu locus nascendi na velha
Gallaecia romana, andando a par com o galego, com o nome de galaico-português e só no século
XV ganha plena autonomia. Com efeito, só depois do francês, do italiano, do romeno, do espanhol,
do catalão e de outras filhas da língua do povo do Lácio (região da Itália Antiga, onde fica
atualmente Roma), que, com a queda do Império Romano definiram uma via linguística
independente, o português foi a última língua a iniciar esse trajeto distintivo. E não custa a aceitar
que assim tenha sido, dado que é de todas as filhas de Lácio a mais impertinente, brejeira,
rebelde, imprevisível, vadia, desregrada, poética, características de uma filha mais nova e que,
naturalmente, a tornam mais propensa à liberdade de criar, inventar e inovar: Liberdade de
flexionar os agradecimentos, de fazer o plural no meio da palavra, de colocar o pronome ora antes,
ora depois ou mesmo no meio do verbo, de conjugar infinitos e outras idiossincrasias que, no
entender de muitos, a tornam mais bela e, no de outros, impura.
Expansão da língua portuguesa
Não fossem as Descobertas Portuguesas e a língua de Camões e Pessoa seria hoje falada por
não mais de 20 milhões de pessoas. Levada a dois terços do planeta pelos navegadores
portugueses nos séculos XV e XVI, na altura em que Portugal criava o primeiro império colonial e
comercial europeu, o português espalhou-se pelo mundo, estendendo-se da costa africana à Ásia,
passando pelo Brasil, na América do Sul e Timor na Oceânia e se mais mundo houvera lá
chegara. O Português foi língua franca, nessa Época de Ouro de Portugal, ocupando o lugar que
hoje tem o inglês.
Fruto dessa expansão, o português é hoje língua oficial de nove pátrias (Portugal, Brasil, Angola,
Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Guiné Equatorial e Timor-Leste), é
falado, ainda, na antiga Índia Portuguesa, sobretudo em Goa, e em Macau, na China, sem
esquecer os cerca de vinte crioulos de base lexical portuguesa resultantes do contacto do
português com outras línguas, da Ásia Oriental, da América Central e do Sul e de África e como
língua materna ou segunda ou de herança é falada pelos membros das várias comunidades
lusófonas de emigrantes, num total de cerca de sete milhões e meio de indivíduos, dos quais 4,5
milhões são de origem portuguesa, espalhados pela Europa (França, Alemanha, Suíça, Andorra,
Luxemburgo, Espanha, Inglaterra...), América do Sul (Venezuela, Uruguai Paraguai...), África
(África do Sul, Namíbia), América do Norte (Estados Unidos e Canadá), Japão, etc. No Canadá
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Luís Aguilar
vivem mais de quatrocentas mil pessoas de origem portuguesa, das quais metade em Toronto e
cerca de cinquenta mil no Quebeque. Há ainda que referir os emigrantes brasileiros e angolanos,
cujo número não cessa de aumentar.
A importância atual da língua portuguesa no sistema mundial
Em consequência da expansão portuguesa dos séculos XV e XVI, o português é hoje uma das
quatro línguas mundiais, a par do inglês, do francês e do espanhol, é uma das 12 línguas
supercentrais da galáxia das línguas do mundo, segundo o modelo gravitacional proposto pelo
linguista Louis-Jean Calvet, girando à volta do Inglês, língua hipercentral, juntamente com o
alemão, árabe, chinês, espanhol, francês, hindi, japonês, malaio, russo e suaíli; é língua oficial de
nove países, presentes em quatro continentes, possui cerca de 250 milhões de locutores (3,7 % da
população mundial) espalhados por cerca de 7,25 % da superfície continental da Terra, é a língua
mais falada no hemisfério sul, a terceira língua europeia depois do inglês e do espanhol, a quarta
língua materna, depois do mandarim, do inglês e do espanhol, é a quarta língua com maior taxa de
crescimento na Internet, no período entre 2000 e 2012 (990%), depois do árabe (2501%), do russo
(1826%) e do chinês (1479%), é a terceira língua mais usada no Facebook depois do inglês e do
espanhol e, também, a que registou, neste domínio, o maior crescimento, passando do índice 6
para 59 (1000 %) enquanto o espanhol, por exemplo, passou de 61 para 143 (300%), é a 6ª língua
do mundo mais utilizada nos negócios, depois do Inglês, do mandarim, do francês, do árabe e do
espanhol, é uma língua de trabalho da União Europeia (EU), do Mercosul, da Unidade Africana
(UA), da União Latina (UL) e, mais cedo do que tarde, tornar-se-á num dos idiomas de trabalho da
Organização Mundial do Turismo e, sobretudo, da Organização das Nações Unidas (ONU) e é,
como havia predestinado Fernando Pessoa, uma das poucas línguas potencialmente universais do
século XXI.
Mas, será que a língua portuguesa, face aos dados que acabamos de revelar, ocupa o lugar que
lhe é próprio no espaço linguístico mundial? Claramente que não ocupa. Com efeito, ainda que o
português seja uma língua mundial, que o alemão, o italiano ou o russo não são, estas línguas têm
uma importância superior à língua de Camões, no ranquingue das línguas, estabelecido pelo BCL
(Barómetro Calvet das Línguas) de 2012, em que o português ocupa apenas a 9a posição, atrás do
italiano (8 a), do holandês (7a), do japonês (6a), do russo (5a), do alemão (4a), do francês (3a), do
espanhol (2a) e do inglês (1a), entre mais de quinhentas línguas analisadas. Mas prevê-se que
continue a subir neste ranquingue, uma vez que saltou já do 16o lugar que detinha no início do
século para o 9 o que hoje ocupa.
O Potencial Universal da língua Portuguesa no Século XXI
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Homenagem àqueles que por feitos valorosos nos domínios da língua portuguesa e
das culturas lusófonas se vão da lei da morte libertando mas não da lei da
ingratidão
Nos painéis 7, 8 e 9 da exposição aqui presente exibem-se 71 caras-símbolo da língua
portuguesa, onde muitos visitantes se surpreendem com a ausência de algumas personalidades
que, ironicamente, são as que mais puseram o Português e a Lusofonia na ribalta do universo
linguístico: Marquês de Pombal, Gonçalves Viana, José Apparecido de Oliveira, Eduardo Lourenço
e Agostinho da Silva, para já não falar de Chico Buarque ou de Sophia de Melo Breyner Andresen.
Aproveitamos esse incidente para lembrá-las.
Em primeiro lugar, o Marquês de Pombal, o sempiterno esquecido mas paradoxalmente
omnipresente em todas as grandes realizações portuguesas, que com a Lei do Diretório de 3 de
maio de 1757 impôs a todos os habitantes do Brasil que falassem obrigatoriamente a “Língua do
Príncipe” ou seja a Língua portuguesa, sendo punidos, presos ou expulsos os que não
respeitassem a lei, enviando para o Brasil Francisco Mendonça Furtado, seu irmão para garantir a
observância e cumprimento do que houvera estipulado, o Marquês expulsou do território brasileiro
os jesuítas que persistiram na utilização do Nheengatu uma língua derivada do tupi-guarani,
considerada a língua geral no Brasil, até então e utilizada pelos índios, jesuítas e colonos. Na
passada, aproveitou para, com a sua astúcia e manha política, aumentar o território brasileiro em
mais de 30%, destacando-se o Estado de Santa Catarina para onde enviou açorianos para povoar
o território, a revés do Tratado de Tordesilhas. Não fora esta política pura e dura do Marquês de
Pombal e hoje não faríamos parte de uma comunidade linguística com cerca de 250 milhões de
locutores e o Brasil não seria mais que mais um país da América Latina e não o gigante país
continente que é hoje. Mas a ingratidão essa não tem tamanho.
Gonçalves Viana é a segunda figura esquecida, que levou a cabo não a reforma como se diz, mas
a revolução ortográfica do português de 1911, época em que cada um escrevia como bem queria e
inventava como soía e dela expurgou a pseudoetimologia e disciplinou a escrita ao mesmo tempo
que definia critérios fonológicos para a aproximar da fala e que perdurou até aos nossos dias.
Agostinho da Silva pode bem considerar-se o percursor da lusofonia, pois lutou pela liberdade do
Homem e do Espírito tanto em Portugal como no Brasil, em África e Ásia. No mesmo espírito
universalista e visionário de Agostinho da Silva, há que lembrar, num dia em que se invocam as
culturas da CPLP, Apparecido de Oliveira, por muitos considerado "o pai da CPLP", um grande
político, um homem de visão, um homem de cultura e um homem fraterno como o referiu Mário
Soares, outra das caras ausentes no painel já referido.
O Português no Espaço Lusófono
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Luís Aguilar
Sejamos pela unidade da língua portuguesa e não façamos com que naturais diferenças o
prejudiquem. Falemos o português com sal ou com açúcar ou mesmo com pimenta e deixemos as
consoantes assobiar em Portugal, cantar em África e dançar no Brasil porque a república do
português não tem uma capital demarcada. Não está em Lisboa, nem em Coimbra; não está em
Brasília, nem no Rio de Janeiro. A capital da língua portuguesa está onde estiver o meridiano da
cultura, sábias palavras estas de Celso Cunha, linguista brasileiro tão sábias quanto as de Mari
Alkatiri, ex-primeiro-ministro de Timor-Lorosae, um dos mais jovens países do mundo: Neste
mundo global deve haver um esforço em definir novas fronteiras globais, fronteiras da língua e da
cultura. Como meia ilha que é, Timor-Leste ganha com a língua portuguesa essa fronteira global e
ampla, que atravessa oceanos e une continentes. Com a língua portuguesa deixamos de nos
sentir apenas como esta ilha para nos sentirmos parte deste mundo global. De resto, a CPLP
(Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), como há já algum tempo lembrou Jorge Couto,
ex-presidente do Instituto Camões, dada a sua dispersão continental, não poderá aspirar a formar
um bloco político ou econômico, mas, sim, um bloco em que a língua e os laços efetivos, históricos
e culturais constituirão o cimento. Esses três elementos língua, identidade cultural e afetividade
constituem um poderoso antídoto no mundo globalizado de hoje, que não é suscetível de ser
transformado em mercadoria e que pode constituir para todos nós, dispersos pelos quatro
continentes, um elemento extremamente importante de afirmação, de identidade língüística e
cultural.
Conclusão: O Português é uma língua de e com futuro
Concentremo-nos no essencial: A expansão do Português no mundo surgirá naturalmente, quando
em língua portuguesa mais ciência se fizer, quanto mais cultura for criada, quanto mais arte for
produzida, quanto mais golos lusófonos se marcarem em campeonatos europeus africanos e
mundiais e quando os países integrantes da CPLP se afirmarem nas relações económicas
internacionais. Estes fatores serão essenciais para que falantes de outras línguas necessitem e
queiram aprender a falar Português. São estes índices que podem vir a colocar a nossa magna
língua como língua internacional que, neste momento, está longe de o ser, porque ainda que vá,
soberba e altiva … até aqui tem andado baixa e sem louvor, culpa é dos que a mal exercitaram.
Esquecimento nosso e desamor, como dizia já António Ferreira no século XVI.
Não temos dúvidas de que a causa da língua portuguesa representa um grande desígnio nacional.
Se o não soubermos agarrar, estamos verdadeiramente a falhar uma responsabilidade primordial
do presente, a desperdiçar uma enorme riqueza que recebemos do passado e a descuidar o
futuro, palavras proferidas recentemente por Jorge Sampaio, ex-Presidente da República de
Portugal.
O Potencial Universal da língua Portuguesa no Século XXI
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Pelo que aqui ficou dito, tudo aponta para que o português venha a ser uma das línguas
internacionais deste século com um desígnio crucial na génese das culturas e civilizações, mas o
Português só desempenhará esse papel neste século, na medida em que se impuser como língua
de ciência, de expressão cultural e artística e que seja um «meio de afirmação e uma poderosa
vertente da economia de um país, como recentemente escreveu a linguista portuguesa Helena
Mira Mateus num artigo no semanário Expresso.
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por Luís Aguilar - Teia da Língua Portuguesa