Coro Gulbenkian Concerto Jorge Matta Maestro Programa Entrai pastores entrai, canto polifónico tradicional Natal da Aldeia Nova de S. Bento, harmonização de Sampayo Ribeiro Nasceu, já nasceu, harmonização de Lopes-Graça O FRIO O Menino nas palhas, harmonização de Lopes-Graça Solistas: Joana Nascimento, Michelle Rollin, Gonçalo Abrantes, Manuel Rebelo O Menino está com frio, harmonização de Sampayo Ribeiro Esta noite, à meia-noite, harmonização de Lopes-Graça Solista: Fátima Nunes O SONO O Menino está dormindo, harmonização de Sampayo Ribeiro José embala o Menino, harmonização de Eurico Carrapatoso Solistas: Mónica Santos, Graziela Lé, Fátima Nunes Eu hei-de dar ao Menino, harmonização de Croner de Vasconcelos Solista: Patrycja Gabrel OS PASTORES Natal de Alferrarede, harmonização de Sampayo Ribeiro Natal de Linhares, harmonização de Sampayo Ribeiro A CAMINHO DE BELÉM O PRESÉPIO Pela noite de Natal, harmonização de Lopes-Graça Natal da Índia Portuguesa, harmonização de Sampayo Ribeiro Do varão nasceu a vara, harmonização de Lopes-Graça Solista: Graziela Lé Ó meu Menino, harmonização de Eurico Carrapatoso Solistas: Marisa Figueira, Mónica Santos, Michelle Rollin Olhei para o céu, harmonização de Christopher Bochmann Natal de Elvas, harmonização de Sampayo Ribeiro 1 Vem cantar canções de Natal com o Coro Gulbenkian A partir da cultura popular O interesse pela cultura popular despoletado por Almeida Garrett com a publicação, em 1843, do Romanceiro e Cancioneiro Geral dá origem a uma atividade de recolha de música tradicional, com destaque para César das Neves e Gualdim Campos, que publicaram uma grande quantidade de exemplares no Cancioneiro de Músicas Populares, entre 1893 e 1899. A partir de Viana da Motta cresce o interesse pela utilização da música tradicional na música erudita, umas vezes integrada nas próprias composições, outras através de harmonizações de melodias para canto e piano, e mais raramente para coro. A partir do desenvolvimento do canto coral, impulsionado sobretudo por Tomás Borba nas primeiras décadas do século XX, as harmonizações de música tradicional surgem no âmbito pedagógico e no repertório de coros amadores. As harmonizações são feitas de acordo com a estética de cada compositor, procurando adaptar melodia, ritmo e harmonia às normas da música erudita, ou mantendo e salientando as características específicas da música tradicional, nomeadamente o caráter modal e a irregularidade rítmica. As abordagens dos compositores As harmonizações de canções tradicionais portuguesas presentes neste concerto são de Mário de Sampayo Ribeiro, Jorge Croner de Vasconcellos, Fernando Lopes-Graça, Christopher Bochmann e Eurico Carrapatoso. A essas harmonizações junta-se ainda um canto polifónico original. A abordagem musical das canções por parte de cada um dos compositores é, de um modo geral, substancialmente distinta. Sampayo Ribeiro não utiliza solistas, optando por uma escrita coral homofónica (todos cantam ao mesmo tempo), quase sempre a quatro vozes. Em duas das canções, Natal de Elvas e Natal da Índia Portuguesa, por vezes cantam apenas as vozes masculinas. A harmonia baseia-se nos principais graus tonais e o ritmo mantém-se sempre regular. Estas canções foram compostas em 1941-42. Lopes-Graça utiliza muitos solistas, que dialogam com o coro, verso a verso ou estrofe a estrofe, ou que se sobrepõem a ele, cantando as melodias principais enquanto o coro os acompanha. A escrita é em geral silábica e homofónica, mas não são raras as células melódicas (pequenas melodias) que se interpõem, criando um ritmo irregular e prosódico (ligado ao texto). A harmonia, mesmo se perfeitamente tonal, não foge às dissonâncias, sempre utilizadas com um objetivo expressivo e emocional. Lopes-Graça, consciente da origem rural da música tradicional afirma: “Povo essencialmente agrícola, o homem cava a terra, semeia-a, cultiva-a, recolhe-lhe os frutos, donde tira, quantas vezes a custo de dificuldades sem conto, a magra subsistência e um ganho incerto. E para todas as fainas, e para todas as estações, e para todas as horas, lá tem a canção dolorida, ou álacre, estimulante ou resignada, que, no alvor da manhã, no pino do dia ou no crepúsculo do anoitecer, ecoa por devesas, vales e oiteiros, dizendo a secular comunhão ou a secular luta do homem com a terra.” Nestas suas harmonizações, feitas entre 1945 e 1961, está presente este caráter rural, rude, frequente em quem vive um dia a dia difícil. 2 A canção Eu hei-de dar, harmonizada em 1974 por Croner de Vasconcellos, começa com uma melodia muito ornamental, cantada por uma solista soprano. O coro, a seguir, é rítmico e homofónico. Em Olhei para o Céu, de Christopher Bochmann, para coro a quatro vozes sem solistas, sucedem-se secções baseadas na imitação de pequenas melodias nas várias vozes, secções silábicas e homofónicas, ou secções em que uma melodia principal numa das vozes é acompanhada em acordes pelas outras. Esta harmonização foi feita em 1997. As duas canções de Eurico Carrapatoso, concluídas em 1997, são muito diferentes entre si: em José embala o Menino, só para vozes femininas, as três estrofes correspondem a outras tantas secções, para uma, duas ou três solistas, que cantam paralelamente, tal como nos cantos polifónicos (a várias vozes) tradicionais. O ambiente lento e sonolento é muito bem traduzido pela (só aparente) repetição de pequenas melodias, com intensidades sonoras muito suaves; em Ó meu Menino, para coro a quatro vozes e várias solistas, cada verso é traduzido por uma diferente textura musical: coro silábico e homofónico, coro em que umas vozes cantam o texto e outras acompanham em acordes, solistas acompanhados pelo coro, ou ainda o coro cantando o texto enquanto solistas em notas agudas criam ambientes leves e etéreos. Entrai, pastores entrai é um canto polifónico tradicional a duas vozes femininas. Característicos de quase todo o país, em intervalos de terceiras, ou de terceiras e sextas paralelas, estes cantos originais a várias vozes são sempre cantados por mulheres, excepto no Alentejo, em que quase sempre os cantam os homens. Curiosamente, este canto é de Pero Guarda, Ferreira do Alentejo, e são mulheres a cantá-lo. Os temas As canções de Natal tradicionais têm invariavelmente como tema o nascimento do Menino Jesus. Os textos populares contam episódios muito variados, como José e Maria cuidando do seu filho, o Menino dormindo, a sua formosura, o sono, o frio, a fome, o choro, as roupas, os presentes, os problemas à chegada a Belém, a descrição do presépio, as estrelas anunciadoras no céu, os anjos, o papel do Menino como Salvador do mundo. Os episódios são singelos, como “Maria à beira do rio lavando os cueiros do bendito filho, Maria lavava São José estendia”, e podem mesmo ser contados numa linguagem humorística, como em “O Menino chora com muita razão, fizeram-lhe a cama curta tem os pezinhos no chão”, ou alegórica, como em “Nossa Senhora faz meia com linha feita de luz, o novelo é lua cheia, as meias são para Jesus”, mas nunca se afastam do acontecimento central, o nascimento do Menino. Por Jorge Matta 3 Os compositores Mário de Sampayo Ribeiro (1898-1966) Nasceu em 1898. Estudou piano, violoncelo e composição. Notabilizou-se como historiador, musicólogo, etnólogo e crítico musical. Nas suas obras sobre História da Música em Portugal destacam-se os estudos sobre os grandes polifonistas portugueses dos séculos XVI e XVII. Dedicou-se também à investigação e recolha do folclore musical português. Compôs para piano, canto, violino e orquestra, e harmonizou inúmeras melodias tradicionais, que divulgou através de publicações e das suas próprias interpretações. Em 1941 fundou o Polyphonia Schola Cantorum, que dirigiu até à sua morte, em 1966. Fernando Lopes-Graça (1906-1994) Nasceu em Tomar, em 1906. Estudou com Adriano Mereia (Piano), Tomás Borba (Composição) e Luís de Freitas Branco (Ciências Musicais), e mais tarde com o pianista Viana da Motta, na sua aula de Virtuosidade. Ganhou um concurso para professor no Conservatório, mas foi impedido de exercer essas funções por motivos políticos. De regresso a Portugal, depois de passar dois anos em Paris e estudar Musicologia, desenvolveu intensa atividade como pianista, compositor, crítico e conferencista, tendo produzido também uma enorme obra literária. Investigou e recolheu música tradicional portuguesa, que depois utilizou em inúmeras harmonizações, editadas em vários volumes e interpretadas sob a sua direção pelo Coro da Academia dos Amadores de Música, que dirigiu durante décadas. A sua obra é muito vasta. Para além da música vocal, compôs para piano, grupos de câmara e orquestra. Morreu em 1994. Jorge Croner de Vasconcellos (1910-1974) Nasceu em 1910. Teve grandes professores, entre os quais Luís de Freitas Branco e Francisco de Lacerda, e em Paris Paul Dukas, Nadia Boulanger, Igor Stravinsky e Alfred Cortot. A partir de 1939 foi professor no Conservatório Nacional de Lisboa, lecionando Composição, Canto e História da Música. Colaborou com o Gabinete de Estudos da Emissora Nacional e com o grupo de bailado “Verde Gaio”. A sua obra, pouco extensa, inclui peças para piano, canto e algumas partituras orquestrais, algumas delas ainda inéditas. Morreu em Lisboa, em 1974. Christopher Bochmann De nacionalidade britânica, vive em Portugal desde 1980. Estudou violoncelo com o pai, contraponto e harmonia com Donald Paine, Nadia Boulanger e Kenneth Leighton. Para além da sua atividade como compositor, que lhe granjeou vários prémios internacionais, tem desenvolvido intensa atividade pedagógica, no Instituto Gregoriano, no Conservatório Nacional, na Escola Superior de Música e na Universidade de Évora. Dirige a Orquestra Sinfónica Juvenil. Eurico Carrapatoso Nasceu em 1962, em Mirandela. Para além da formação em Letras estudou composição com José Luís Borges Coelho, Cândido Lima, Constança Capdeville e Jorge Peixinho. É um dos mais prolíficos compositores portugueses do nosso tempo, com obras vocais, orquestrais e de câmara interpretadas em vários países europeus, americanos e asiáticos, que lhe valeram prestigiados prémios nacionais e internacionais. A sua atividade pedagógica (ensinando Composição) tem passado por instituições como o Conservatório Nacional, a Escola de Música do Porto, a Escola Superior de Música de Lisboa e a Academia Nacional Superior de Orquestra. 4 O Coro e o maestro Coro Gulbenkian Fundado em 1964, o Coro Gulbenkian conta atualmente com cerca de 100 cantores. Actua a cappella, em grupos reduzidos, ou em colaboração com a Orquestra Gulbenkian ou outros agrupamentos. Apresenta-se com regularidade na Fundação Gulbenkian e tem realizado com frequência digressões em Portugal e no estrangeiro, sendo convidado para colaborar com prestigiadas orquestras mundiais. Gravou para várias editoras discográficas, registando, ao longo dos anos, um repertório diversificado, com particular incidência na música portuguesa do século XVI ao século XX. Algumas destas gravações receberam prémios internacionais como o Prémio Berlioz da Academia Nacional Francesa do Disco Lírico, o Grand Prix International du Disque da Academia Charles Cros e o Orphée d’Or. Desde 1969, Michel Corboz é o Maestro Titular do Coro, sendo as funções de Maestro Adjunto desempenhadas por Fernando Eldoro e as de Maestro Assistente por Jorge Matta. Jorge Matta Maestro Maestro Assistente do Coro Gulbenkian desde 1976, doutorou-se em Musicologia Histórica pela Universidade Nova de Lisboa, onde ensina atualmente no Departamento de Ciências Musicais. Investigador, editor e intérprete, apresentou em primeira audição moderna numerosas obras vocais e instrumentais de compositores portugueses – a última das quais a ópera Zaira, de Marcos Portugal – além de estreias absolutas de obras de Constança Capdeville, Jorge Peixinho, Fernando Lopes-Graça, Filipe Pires e Miguel Azguime. Com o Coro Gulbenkian, o grupo Cantus Firmus e a Orquestra de Câmara de Lisboa gravou os discos Canções Corais de Filipe Pires, Libera me de Constança Capdeville, Opera Omnia de Diogo Dias Melgás, Música Sacra de Joaquim Casimiro Júnior, Vilancicos negros de Santa Cruz de Coimbra, Música Sacra de Pero de Gamboa e Lourenço Ribeiro e Fernando Lopes-Graça – Música Coral. Em 2000-2001 foi diretor do Teatro Nacional de S. Carlos. 5