○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Era uma vez 104 E A T R O A companhia “Era uma vez... teatro” da Associação Portuguesa de Paralisia Cerebral (APPC) já tem dez anos e um vasto currículo de peças encenadas. Constituída por actores com este tipo de deficiência demonstra que, ao contrário do que se possa pensar, os elementos do grupo são autênticos profissionais. O corpo e a forma como o utilizam são os principais instrumentos para transmitir emoções, a que se junta a voz, a música e os cenários. Texto: Carla Nogueira Fotos: APPC O “ verdose de vida” é uma das mais mar cantes peças da companhia “Era uma vez... teatro” da APPC. Esta dramaturgia aborda as várias fases da vida do nascimento à morte, dando conta de alguns exces- Ninguém fica indiferente ao trabalho destes jovens, pois as emoções mais primárias, o riso e o choro ficam despertas e bem presentes. E como são feitos os ensaios? Mónica Cunha, directora artística e também actriz, refere que tem como ponto de partida que está a trabalhar com adultos e que nalguns casos há dificuldades motoras e cognitivas, tentado a partir daí explorar as suas potencialidades. “Quando há grupos de teatro constituídos por pessoas com deficiência a tendência é infantilizá-los”, salienta. O trabalho desenvolvido por esta companhia mostra o quanto são capazes de surpreender e de ser tão profissionais quanto os outros grupos. Comentários como “coitadinho” e “não é capaz” frequentemente ouvidos por quem é portador de deficiência, entristecem Mónica Cunha que considera que essa Viva! Local Viva! Local T 105 Expressões corporais sos que, por vezes, são cometidos ao longo desse percurso. Uma das personagens é uma mãe que está com sida e que abandona o filho. A música tem um papel fulcral na peça, mas os movimentos corporais ocupam igualmen- te um lugar de destaque. Algumas das limitações são “aproveitadas” para as coreografias que transmitem sentimentos e vivências. A palavra surge sobre a forma de poesia e funciona como elemento de contextualização. mentalidade deve ser alterada. O “Era uma vez” prova que é possível fazer tanto ou mais do que as outras pessoas, trabalhando com as limitações existentes. “O trabalho deles é exploratório, essencialmente de expressão. Eles têm muitas limitações motoras. Quando leio uma poesia, eles interpretam-na através do corpo”. Viagens sensitivas Foi em 1997 que surgiu esta companhia teatral e des- de esse período já foram levadas a cena mais de uma dezena de produções, na sua maioria adaptações de textos de conceituados escritores como Fernando Pessoa, Ernest Hemingway, Sophia Mello Breyner e Mia Couto. Local Local Local Local Local Local Local Local Local Local Local Local Local Local Local Local ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Era uma vez T E A T R O Viva! Local Existem também textos originais, criados por Mónica Cunha que partindo de uma ideia, ou de uma poesia, constrói uma história. A encenação passa por um trabalho de equipa. Os actores que dão corpo às personagens, dentro das suas limitações vão auxiliando nesse processo. Por vezes acontece que depois de ter 106 sido apresentada uma peça, ela sofra ligeiras mudanças, porque são encontradas outras soluções para alguns diálogos ou personagens. São 34 os elementos do grupo, mas nem sempre todos participam, pois estão divididos por várias produções realizadas ao longo do ano. Para Mónica Cunha, há várias peças marcantes na história da companhia. “Sonho de um mendigo”, com apenas seis actores em palco, contava a história de um pedinte que adormece num banco de jardim e sonha com a sua infância, brincando com os seus brinquedos e revivendo as boas memórias desse tempo. “Fantasma da Ópera”, “Onde Foste hoje” e “Fragmentos de um espelho” são outros dos grandes êxitos. O público do “Era uma vez... ” é hoje bem vasto. Se inicialmente começou pelos pais e familiares mais próximos dos elementos do grupo, actualmente abrange amigos de amigos, curiosos, ou pessoas que simplesmente gostam de teatro. Os convites para participarem em festivais de teatro de pessoas com deficiência (ou não) são uma constante, o que leva Mónica Cunha a brincar com os seus actores, dizendo que “se fartam de viajar graças ao teatro”. A permuta de experiências também é um factor importante para o grupo. Anualmente a APPC organiza o festival Extremos (Expressão de Teatro e Música), em que são convidadas a participar diferentes companhias profissionais de pessoas com deficiência. Local Local Local Local Local Local Local Local Local Local Local Local Local Local Local Local