APENAS UM CONTO?
Era uma vez...
Como toda história começa com “era uma vez...”, esta não será
diferente.
Era uma vez...um menininho simples, de uma região simples, morando
em uma casa simples, nascido em uma família simples.Era a
simplicidade em pessoa.Seu nome: SIMPLESMENTE.Sim, isso
mesmo: SIMPLESMENTE.Era um garotinho ingênuo, singelo, bem
natural, espontâneo.Todos gostavam dele e se encantavam com a
bondade, o carinho q
ue o menininho demonstrava.
SIMPLESMENTE – um menino que apenas via e percebia o lado bom
da vida.Adorava ler.Lia tudo que encontrava pela frente.Fora
alfabetizado pela mãe, dona SIMPLICIDADE. Mulher inteligente, a
quem a vida não oferecera oportunidade de prosseguir o estudo;
apenas fizera o ensino fundamental I e II, em escola pública, na
cidadezinha SINGELEZA.Mas, estudara com afinco; sabia muito
sobre a vida e se inteirava dos acontecimentos; pedia jornais
emprestados, frequentava a biblioteca municipal, onde lia os livros
de autores nacionais clássicos, como Machado de Assis, Graciliano
Ramos,Eça de Queiroz, Carlos Drummond de Andrade, Lima Barreto
e outros. Sua formação lhe permitia, portanto, preparar seu filhoo que foi realizado com sucesso.
SIMPLESMENTE era cercado de amigos.Brincava com bolinhas de
gude; divertia-se com o futebol aos domingos, nas “peladas” do
bairro onde morava; assistia aos filmes de ficção científica(seus
prediletos); encantava-se com os filmes sobre animais(sobretudo
dinossauros).No entanto, em um aspecto diferia dos amigos: tinha
horário para leituras, momentos em que trocava ideias com a mãe e
o pai.Não dispensava os instantes de cultura.A mãe e o pai lhe
diziam sempre que “ a leitura faz o homem” e o conhecimento não é
subtraído em hipótese alguma.Um homem culto consegue superar
obstáculos, tem oportunidades.SIMPLESMENTE ouvia atentamente
as palavras sábias dos pais e as interiorizava como ponto
fundamental de suas atitudes.
Às vezes, reunia os companheiros de diversão para lhes contar
histórias lidas e ouvidas.Encantava a plateia, com imagens, fatos,
narrativas repletas de ação, de imaginário gostoso; os
companheirinhos viajavam em suas palavras, dançavam nos
movimentos que fazia com braços e pernas enquanto representava
passagens das histórias; voejavam em suas andanças por lugares
“nunca dantes navegados” .
Às vezes ,também, ia nadar em uma cachoeira, bem no finalzinho do
bairro onde morava; não ficava longe não; dava para ir a
pé.SIMPLESMENTE gostava de andar de bicicleta.Então, lá ia ele,
de manhãzinha, sozinho ou acompanhado de um ou mais colegas.E se
divertia pra valer.Não havia perigo algum.Afinal, era uma
“cidadezinha qualquer”, dessas onde todos se conhecem, onde as
ruas são estreitas (à antiga), onde qualquer um identifica qualquer
um, onde até as pedras conhecem você, leitor, caso queira aparecer
por lá.
Essa era a vida de SIMPLESMENTE.Até aí os fatos., as
características, as apresentações.
No entanto, SINGELEZA , por sua pacatez e simplicidade, começou
a atrair a atenção de pessoas da “cidade grande”; pessoas cansadas
do dia a dia infernal; esgotadas pelo trânsito caótico;extenuadas
pelos constantes assaltos, violência física e emocional; pessoas em
busca de um lugar aprazível que se assemelhasse ao paraíso, que
tivesse características de mansidão, onde se pudesse dormir em
paz, com a certeza de acordar; onde se pudesse passear longa da
poluição sonora ou visual, onde frutas frescas fizessem parte de
um farto café da manhã, onde legumes e verduras não estivessem
contaminados por uma química qualquer, onde o sol brilhasse mais
forte , onde lua e estrelas fossem vistas à noite e não se
ofuscassem pelo brilho dos luminosos.Enfim, SINGELEZA era o
lugar ideal para essas pessoas. Então...
Aos poucos, as pessoas da capital foram chegando, comprando
terras, terrenos e construindo casas luxuosas, casas grandes,
mansões.Aos poucos, empresas foram surgindo como num passe de
mágica, ocupando espaços, levantando paredes, paredões, chaminés;
produzindo artefatos diversos, vendendo, obtendo lucros,
oferecendo empregos, atraindo pessoas dos mais variados lugares
do estado.Pareciam moscas no mel.Eram como as formigas em
imensos formigueiros(organizados por dentro) e avançando em
orifícios, em busca de alimento(empregos).Todo minúsculo espaço
foi sendo invadido pelo HOMEM.SINGELEZA deixou de ser aquela
cidadezinha pacata.Tornou-se o retrato do caos, tornou-se
Guernica.
E SIMPLESMENTE? Continuou com seus hábitos de leitura, com
seu desejo de conhecimento, com seus momentos em
família...Amigos?Alguns foram deixados de lado, porque se
contaminaram com as mudanças e frequentavam as lan-houses, as
máquinas caça-níqueis, as baladas aos domingos. E dona
SIMPLICIDADE? Continuava lendo na biblioteca municipal (agora
mais procurada). Conseguia comprar livros para ler em casa visto
que ganhava mais dinheiro(trabalhava em uma lanchonete
importante, onde o movimento de jovens era constante).Mesmo
cansada, encontrava tempo para a leitura em família.As palavras
ditas ao filho eram as mesmas.O incentivo à leitura se
intensificou(agora
havia
empregos
ótimos,
oportunidades
excelentes).SINGELEZA se modificara.
E as brincadeiras? E as histórias? Ora, modificaram-se também. Os
encontros para contar histórias não mais aconteciam, pois havia
outras formas de se divertir .Havia internet.A imaginação não era
mais o ponto fundamental.Havia outros interesses.
E os passeios à cachoeira? Continuavam. SIMPLESMENTE ainda
pegava sua bicicleta (agora mais moderna) e se dirigia ao local onde
ficava em contato direto com a natureza.Era um garoto ingênuo,
simples e não via ou percebia maldade em nada nem ninguém.
Então...
Um belo domingo de dezembro...mês tumultuado pelas festas, pelas
compras, pelo consumismo, pela gastança, pela gula...o sol brilhava
pela manhã, como um convite à vida plena, aos passeios, ao contato
com flores, árvores, pássaros, água, pedras.SIMPLESMENTE
encerrara o ensino médio brilhantemente.Concluíra o curso com
louvor, em primeiro lugar.Fora agraciado com uma bolsa de estudos
em uma faculdade de Direito, próxima de SINGELEZA já que
passara no vestibular em primeiro lugar. Sentiu vontade de
comemorar a vitória à sua maneira- contatando-se com o que mais
apreciava: a natureza. Era como um prêmio: poder desfrutar de
toda a beleza oferecida por Deus.Era como um agradecimento.Era a
glória.
E o jovem SIMPLESMENTE, simplesmente se dirigiu à cachoeira.
Eram oito horas da manhã...
Não houve bolsa de estudos. Não houve curso de Direito. Não mais
houve conversas com os pais.Não mais houve momentos de
leitura.Não mais houve instantes de contar histórias.Não mais
houve
contato
com
a
natureza,
nem
banhos
de
cachoeira.SIMPLESMENTE?Simplesmente não mais apareceu.Só a
bicicleta foi encontrada, simplesmente deixada à beira da
cachoeira, sobre a relva.
Quem conta essa história? Um daqueles amigos a quem
SIMPLESMENTE divertia com suas histórias, “caras e bocas”,
viagens, trejeitos, voejos e danças.A saudade é imensa.A dor é
grande. São oito horas da manhã de um domingo de dezembro.
SINGELEZA
perdeu
a simplicidade,
simplesmente,
sem
estardalhaço, de mansinho, Ficou a imagem de SIMPLESMENTE.
(Guaratinguetá- 13 de dezembro de 2011-19 horas).
Download

Era uma vez... Como toda história começa com “era uma vez...”