UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS FINANCIAMENTO ESTATAL À INDÚSTRIA DE DEFESA BRASILEIRA: UMA ANÁLISE NOS GOVERNOS LULA E ROUSSEFF TRABALHO FINAL DE GRADUAÇÃO Danny Gregory Fonseca Benites Santa Maria, RS, Brasil 2014 CCSH/UFSM, RS BENITES, Danny G. Fonseca Bacharel 2014 FINANCIAMENTO ESTATAL À INDÚSTRIA DE DEFESA BRASILEIRA: UMA ANÁLISE NOS GOVERNOS LULA E ROUSSEFF Danny Gregory Fonseca Benites Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM – RS), como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Relações internacionais. Orientador: Prof. Me. Igor Castellano Silva Santa Maria, RS, Brasil 2014 Universidade Federal de Santa Maria Centro de Ciências Sociais e Humanas Curso de Relações Internacionais A Comissão Examinadora, abaixo assinada, aprova o Trabalho de Conclusão de Curso FINANCIAMENTO ESTATAL À INDÚSTRIA DE DEFESA BRASILEIRA: UMA ANÁLISE NOS GOVERNOS LULA E ROUSSEFF elaborado por Danny Gregory Fonseca Benites como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Relações internacionais COMISSÃO EXAMINADORA: Igor Castellano da Silva, Me. (Presidente/Orientador) Arthur Coelho Dornelles Júnior, Dr. (UFSM) Günther Richter Mros, Me. (UFSM) Santa Maria, 18 de dezembro de 2014. AGRADECIMENTOS Agradeço, antes de tudo, à minha mãe, Maria Fonseca, por seu carinho, dedicação, trabalho e exemplo ao longo dos anos, que tão relevantes se fizeram em minha formação, e sem os quais o caminho até aqui não teria sido possível. Meus agradecimentos aos amigos e colegas que, estando próximos ou a milhas de distância, ofereceram sua amizade, sabedoria, fraternidade e estiveram presentes nos principais passos até aqui. Agradeço igualmente à Santa Maria e à Universidade Federal de Santa Maria por sua acolhida sempre generosa. Ao Curso de Relações Internacionais da UFSM pela oportunidade ímpar de formação e crescimento pessoal e profissional. Meu muito obrigado ao professor Igor Castellano da Silva, que me orientou nesse trabalho, por seus valiosos ensinamentos, conselhos e incentivos à conclusão deste estudo e desta etapa. Agradeço aos professores que fazem ou fizeram parte do Curso de Relações Internacionais por sua contribuição para minha formação. Ao professor e coordenador do Curso de Relações Internacionais, José Renato Ferraz da Silveira, meus sinceros agradecimentos por seu trabalho incansável no objetivo de proporcionar a melhor formação para os acadêmicos do curso e por sua amizade no decorrer deste. RESUMO Trabalho de Conclusão de Curso Curso de Relações Internacionais Universidade Federal de Santa Maria FINANCIAMENTO ESTATAL À INDÚSTRIA DE DEFESA BRASILEIRA: UMA ANÁLISE NOS GOVERNOS LULA E ROUSSEFF AUTOR: DANNY GREGORY FONSECA BENITES ORIENTADOR: PROFESSOR MESTRE IGOR CASTELLANO DA SILVA Data e Local de Defesa: Santa Maria, 05 de dezembro de 2014 A pesquisa terá como tema principal o incentivo Estatal à Indústria Nacional de Defesa e seus reflexos para o desenvolvimento. Neste sentido, a pesquisa busca fazer uma análise sobre a Base industrial de Defesa do país, qual a política Estatal para o setor e os principais incentivos governamentais a ela disponibilizados no período que compreende os governos Lula e Rousseff, isto é, de 2003 a 2014, e os efeitos observáveis de tal política para o desenvolvimento. Tendo tal tema como base, o estudo visa responder as seguintes perguntas que motivaram a realização deste trabalho: – (1) “Como os recentes esforços dos governos Lula e Rousseff na promoção da indústria Nacional de Defesa têm contribuído para reverter o quadro de crise no setor de Defesa no Brasil?”; (2) “Quais as principais semelhanças e diferenças das políticas adotadas por ambos os governos para o setor?” Palavras-chave: Indústria de Defesa, Governo Lula, Governo Dilma, Política Externa. ABSTRACT Senior Thesis International Relations Major Universidade Federal de Santa Maria STATE FUNDING TO BRAZILIAN DEFENSE INDUSTRY: AN ANALYSIS OF LULA AND ROUSSEFF GOVERNMENTS AUTHOR: DANNY GREGORY FONSECA BENITES ADVISER: PROFESSOR MESTRE IGOR CASTELLANO DA SILVA Defense Date and Place: Santa Maria, December 5th, 2014 The study will have as its main theme the State incentive to the National Defense Industry and its consequences for development. In this sense, the research seeks to make an analysis of the country's defense industrial base, which the State policy for the sector and key government incentives available to it in the period comprising the Lula and Rousseff governments, that is, 2003 to 2014 and the observable effects of such a policy for development. Having such a theme as a basis, the study aims to answer the following questions that motivated this work: - (1) “How have the recent efforts of Lula and Rousseff governments in promoting national defense industry contributed to reverse the situation of crisis in Defense industry in Brazil?"; (2) "What are the main similarities and differences of the policies adopted by both governments for the sector?". Key-words: Defense Industry; Lula governments; Rousseff government; Foreign policy. LISTA DE QUADROS E TABELAS Gráfico 1. Exportação de produtos de defesa brasileiros (1970-1999) – em US$ milhões.............................................................................. 22 Tabela 1. Tabela Comparativa – Políticas públicas e BID nos governos Lula e Dilma....................................................................... 41 Gráfico 2. Orçamento da FINEP para a área de Defesa - em R$ milhões................................................................................................ 45 Tabela 2. Comércio Exterior de Equipamentos Militares por governo - (em US$ milhões)............................................................................ 49 Gráfico 3. Exportações e importações totais de equipamentos de defesa por governo – em US$ milhões........................................... 50 Gráfico 4. Volume de Exportação de Produtos de Defesa Brasileiros por Região de Destino (2002-2013) - em US$ milhões.................... 51 Gráfico 5. Principais economias de origem de produtos de defesa exportados à América do Sul, excetuando-se o Brasil – em US$ milhões................................................................................................ 52 SUMÁRIO INTRODUÇÃO....................................................................................... 7 1. POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA E A BASE INDUSTRIAL DE DEFESA.............................................................................................. . 13 1.1 Base Industrial de Defesa: do auge à crise......................................................... 15 1.2 A Defesa na Política Externa recente.................................................................. 23 1.2.1 África Do Sul – A-Darter.................................................................................. 25 1.2.2 Conselho Sul-Americano De Defesa.............................................................. 26 1.3 Conclusão ao capítulo 1...................................................................................... 28 2. POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A INDÚSTRIA DE DEFESA NO BRASIL.................................................................................................. 30 2.1 Políticas Públicas para a Indústria de Defesa: breve histórico........................... 30 2.2 O ressurgimento da Indústria de Defesa na pauta governamental..................... 32 2.3 Conclusão ao capítulo 2..................................................................................... 39 3. GOVERNOS LULA E ROUSSEFF: REFLEXOS PARA A BASE INDUSTRIAL DE DEFESA BRASILEIRA............................................ 42 3.1 Financiamentos à Indústria de Defesa................................................................42 3,2. A primeira das soluções: BID e o mercado externo............................................47 3,3. BID e a transferência de tecnologia...................................................................................................................53 3,4 Conclusão ao capítulo 3..................................................................................... 55 CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................. 57 REFERÊNCIAS.................................................................................... 60 7 INTRODUÇÃO Desenvolvendo e produzindo produtos caros à segurança e defesa de um país, a indústria de defesa é por definição uma indústria estratégica para o Estado que a possui. Em termos de Brasil, a indústria de defesa já viveu momentos de amplo crescimento, passando a uma crise profunda no momento seguinte e chegando aos dias atuais onde se busca a retomada da competitividade e viabilidade. Sua importância estratégica e suas características singulares despertam o interesse não apenas dos mais altos quadros do governo, mas também da sociedade como um todo, da classe empresarial e acadêmica. É crescente o número de produções acadêmicas sobre a Indústria de Defesa. No ambiente acadêmico internacional, são frequentes os trabalhos que buscam verificar inter-relações entre investimentos em indústria de defesa e gastos militares com os índices de desenvolvimento ou crescimento econômico de um país num dado período de tempo. Com resultados muitas vezes discordantes, autores como Benoit (1973, 1978), Smith (1980), Feder (1982), Ram(1986), Deger (1986) são alguns dos pesquisadores que se destacam nas produções sobre o tema. Centrando suas discussões mais especificamente em indústrias de defesa em países em desenvolvimento e, portanto, em um debate mais próximo ao objeto de estudo do presente trabalho, dois autores se destacam por seus estudos e contribuições ao tema: Hoyt (1997) e Maldifassi e Abetti (1994). Ambos os autores buscam em seus respectivos estudos a construção e apresentação de um modelo para a indústria de defesa em países em desenvolvimento. Hoyt em sua obra “Rising Regional Powers: New Perspectives In Indigenous Defense Industries and Military Capability in the Developing World” apresenta considerações importantes antes de explicitar seu modelo em si. Para Hoyt haveria três principais razões para a produção endógena de produtos de defesa por países em desenvolvimento, quais sejam: buscar ou deter os instrumentos necessários para um eventual confronto militar prolongado com vizinhos ou países de regiões próximas; a capacidade de deter uma intervenção multinacional com armas localmente produzidas; e a diminuição dos impactos de sanções impostas por outros 8 países1 (HOYT, 1997, p 4). De fato a preocupação quanto à dependência do país frente a potências externas em matéria de defesa seria unânime dentre os países em desenvolvimento. Seu Modelo de Produção de Armamentos em Países em Desenvolvimento Baseado em Defesa apresenta o que ele considera serem as quatro obrigações de uma indústria de defesa em um país em desenvolvimento: demanda de sustentação2; manutenção da qualidade3; habilidade de produzir sistemas não disponíveis por outros fornecedores4; e produção de armamentos específicos à região e produção de nicho5 (BOHN, 2014, p 34). Hoyt ainda versa sobre as áreas de atuação da indústria de defesa em países em desenvolvimento, a saber: manutenção de capacidades; produção adaptada à região; priorizar a atuação industrial em nichos em que se verifique vantagem comparativa (BOHN, 2014, p 37-38). Maldifassi e Abetti, no entanto, em sua obra “Defense Industry in Developing Countries: Argentina, Brazil and Chile” apresentam seu modelo a partir de seis variáveis e da discussão de como estas se relacionam entre si no que tange à indústria de defesa em países em desenvolvimento. As variáveis são: Indústria de Defesa, Influência Nacional, Influência Internacional, Capacidade Tecnológica Nacional, Forças Armadas e Impacto Econômico da Indústria de Defesa (BOHN, 2014, p 44). Cabe ressaltar, ainda, um dos pontos principais em que ambos os modelos convergem e conversam entre si: a necessidade de integração da indústria de defesa com as demais indústrias. 1 Tradução livre do original, “First, these states often seek or possess the means to engage in and prolong military conflict with neighbors or states in adjoining regions; second, they may seek the capability to deter multinational intervention with locally produced weapons; and third, local arms production reduces the impact of supply constraints on their foreign and military policies” (HOYT, 1997, p. 4). 2 Segundo Bohn, esta se resumiria a dispor de infra-estrutura que possa dar sustentação às Forças Armadas em suas necessidades tanto em tempos de paz quanto nos tempos em que há crise e se faz necessária uma maior escala de produção desta indústria. (BOHN, 2014, p 34) 3 Manutenção da qualidade refere-se à aplicação de programas de modernização com fins a obter elevada qualidade dos equipamentos atuais e com pouco dispêndio de recursos. (BOHN, 2014, p 34) 4 Produção de materiais sensíveis à Defesa e que não se encontram disponíveis para aquisição devido a contendas políticas, sanções, embargos ou por conta do rígido controle de venda destes materiais no mercado internacional. (BOHN, 2014, p 34) 5 Produção com foco nas características específicas da região ou que amplie as vantagens comparativas associadas a estas características. (BOHN, 2014, p 34) 9 Levados em consideração todos estes elementos, os três autores concordam que uma ID em um país em desenvolvimento deve ser o mais integrada possível com a indústria em geral , sob o risco de tornar-se um peso para a sociedade. (BOHN, 2014, p 51) É neste ponto em que se tem uma das principais características desta indústria e das tecnologias que nela são desenvolvidas: seu caráter dual. O caráter dual da indústria de defesa se refere à possibilidade de emprego de tecnologias desta indústria para objetivos outros que não os de conteúdo militar. Neste sentido, tecnologias desenvolvidas com fins de atuação na área militar podem eventualmente ser adaptadas e utilizadas no campo civil. A este fenômeno dá-se o nome de spin-off. Seria segundo Bohn (2014) uma operacionalização de um conceito mais amplo, o de spill over, à medida que este se refere a externalidades que uma determinada ação de uma agente produz sobre outros agentes, podendo tais externalidades possuírem caráter positivo ou negativo. O spin-off seria, portanto, uma externalidade positiva, ao passo que transfere tecnologia e conhecimento de uma área da economia para outra, quais sejam, da área militar para a área civil (BOHN, 2014, p. 28). Entre os exemplos comumente citados deste fenômeno estão a telefonia móvel, GPS e a internet. Tal fenômeno é, aliás, um dos principais argumentos daqueles que defendem os investimentos na indústria de defesa, tendo em vista os transbordamentos potenciais que os investimentos em pesquisa e desenvolvimento para este setor podem gerar para os demais setores da economia. Motivo de debates no ambiente acadêmico, a indústria de defesa vem paulatinamente despertando o interesse público. A importância central do setor de Defesa Nacional para o Brasil e sua política levou ao desenvolvimento de diversos documentos e programas direcionados à Defesa Nacional pela esfera pública, dentre os quais, merecem especial destaque: a Política Nacional de Defesa6, a Estratégia Nacional de Defesa e o Livro Branco de Defesa Nacional. 6 É neste documento que se encontram os principais conceitos de Defesa Nacional e Segurança. Nele, a segurança é compreendida como “a condição que permite ao País a preservação da soberania e da integridade territorial, a realização dos seus interesses nacionais, livre de pressões e ameaças de qualquer natureza, e a garantia aos cidadãos do exercício dos direitos e deveres constitucionais”; enquanto a defesa nacional é tida como “o conjunto de medidas e ações do Estado, com ênfase na expressão militar, para a defesa do território, da soberania e dos interesses nacionais contra ameaças preponderantemente externas, potenciais ou manifestas.” (BRASIL, 2008) Para efeitos de pesquisa, este trabalho se valerá de tais conceitos, uma vez que, são estes os conceitos adotados pela administração pública e considerados em suas políticas. 10 Neste contexto, políticas de apoio à indústria de defesa vêm tomando forma nos últimos anos e possibilitando um novo crescimento a uma indústria que operava à sombra do potencial que um dia já teve. É na Estratégia Nacional de Defesa, na diretriz 22, que são definidas as bases iniciais da promoção à Indústria Nacional de Defesa. Com o escopo de se chegar à independência tecnológica do setor, a diretriz assevera que ”regimes jurídico, regulatório e tributário especiais protegerão as empresas privadas nacionais de produtos de defesa contra os riscos do imediatismo mercantil e assegurarão continuidade nas compras públicas” (Brasil, 2008, p. 18). Os incentivos visam fortalecer a Base Industrial de Defesa (BID) e torná-la mais competitiva e avançada tecnologicamente. Logo, percebe-se que o esforço na promoção da Indústria de Defesa Nacional se dá por meio de políticas, programas e ações estratégicas por parte da administração federal. São estes os objetos de estudo desta pesquisa. Logo, se faz importante compreender quais são tais políticas, programas e ações estratégicas desenvolvidas nos governos Lula e Rousseff, suas características, seu avanço ou declínio no período recente e seus efeitos para o setor de Defesa. A análise dos programas e políticas adotadas nos últimos governos com vistas à revitalização da BID ainda é incipiente na academia brasileira. Ademais, compreender as políticas para a Indústria de Defesa e seus reflexos contribui para melhor compreender as dinâmicas de segurança e defesa nacionais. O estudo também aproxima a comunidade civil de conceitos e políticas por vezes pouco presentes na rotina de parte da população de forma direta. Busca assim, contribuir para o entendimento da importância do setor e de tais políticas para a garantia da soberania e do desenvolvimento. O presente estudo, ao ser realizado na Universidade Federal de Santa Maria, em Santa Maria, Rio Grande do Sul, adquire relevância também para a comunidade local. Santa Maria é uma cidade com localização geográfica privilegiada e estratégica para a atuação militar brasileira na região, como pode ser observado pela alta presença militar no município. Atualmente o município de Santa Maria concentra cerca de 17 instituições militares do exército e uma base aérea, juntamente com suas respectivas áreas residenciais, de laser ou de treinamento militar, distribuídas em sua maior parte na zona urbana, no sentido leste-oeste, norte-sudoeste [...]. Juntas, as duas armas, exército e aeronáutica, em Santa Maria, respondem pela segunda colocação em termos de contingente operacional no país, 11 somando-se um efetivo de aproximadamente 5 mil militares, entre exército e base aérea. (MACHADO, 2008, 107) Dado igualmente importante, é que empresas da BID cada vez mais buscam a cidade e a região para a produção de seus produtos, essenciais à defesa. A recente criação do Comitê do Polo de Defesa de Santa Maria (COMDEFESA/SM), em 27 de fevereiro deste ano, além do próprio Polo de Defesa e do Polo Aeroespacial também atuantes em Santa Maria e região, corroboram a relevância da indústria de Defesa para a cidade e região. Verificar as deficiências, potencialidades, oportunidades e vislumbrar um cenário de médio prazo para o setor, bem como compreender seu impacto na economia e no desenvolvimento se faz importante a nível local, também, por possibilitar a criação de políticas municipais ou estaduais direcionadas ao setor de Defesa de maneira mais clara e precisa. O presente trabalho visa responder as seguintes questões que motivaram a pesquisa aqui desenvolvida: Como os recentes esforços dos governos Lula e Rousseff na promoção da indústria Nacional de Defesa têm contribuído para reverter o quadro de crise no setor de Defesa no Brasil? E quais as principais semelhanças e diferenças das políticas adotadas por ambos os governos para o setor? Para tanto, objetivar-se-á ao longo da pesquisa, estudar como a Política Externa Brasileira se relaciona com a BID; compreender o atual cenário da Indústria Nacional de Defesa, com suas potencialidades e deficiências; compreender as características e dimensões das políticas adotadas durante os governos Lula e Rousseff e analisá-las comparativamente; e, por fim, verificar as consequências das políticas de promoção da Indústria Nacional de Defesa para o setor. O presente estudo, de caráter empírico, se valerá das discussões aqui apresentadas e utilizará fontes primárias e secundárias. Buscar-se-á referências bibliográficas para dar base às questões teóricas e conceituais sobre o tema, além de fatos históricos e dados econômicos pontuais. Documentos oficiais, relatórios e decretos também serão utilizados como fonte primária de busca no que tange, sobretudo, às políticas de governo sobre os principais temas tratados neste estudo. Será utilizado o método comparativo para dar sustentação à análise a que a pesquisa se propõe, de comparar as políticas e as ações concretas de estímulo à Indústria Nacional de Defesa no âmbito dos governos Lula e Rousseff. Segue o cronograma geral do trabalho. 12 O presente trabalho está subdivido, além desta introdução, em três capítulos e uma seção com as considerações finais do trabalho. O primeiro capítulo, Política Externa Brasileira e a Base Industrial de Defesa, trata da interrelação existente entre a política externa do Brasil e sua base industrial de defesa, buscando demonstrar como a política externa brasileira tem afetado nas últimas décadas a base industrial de defesa do país e, em um segundo momento, qual o papel desta hoje para a política externa do Brasil. O segundo capítulo versa sobre a evolução na formulação das políticas públicas desenvolvidas no cerne do governo em direção à base industrial de defesa, do passado e as mais recentes, tomando-as como variável de comparação entre os governos de Lula e Rousseff neste momento. O terceiro capítulo busca trazer uma análise comparativa entre os governos Lula e Rousseff sobre os principais resultados de tais políticas públicas abordadas no capítulo anterior no ambiente concreto da base industrial de defesa, tendo como foco cinco principais variáveis, quais sejam: as questões de financiamento, institucionalização, comércio exterior, transferência de tecnologia e a integração das cadeias produtivas regionais. Por fim, as considerações finais sumarizam o exposto ao longo do trabalho e apresenta os resultados observáveis da comparação realizada nos capítulos precedentes. O trabalho acaba por demonstrar uma positiva contribuição das iniciativas de promoção da indústria de defesa pelo Estado e um avanço relativo dos dados analisados no período de governo de Dilma em comparação com os governos de Lula. 13 1. POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA E A BASE INDUSTRIAL DE DEFESA O Estado nacional, enquanto ator soberano de direito internacional, tem por seu fim último a sua soberania e a garantia de seus interesses. Ao relacionar-se com outros Estados e atores do sistema internacional, por vezes com interesses conflitantes, faz uso de determinadas ferramentas para demonstrar e projetar seu poder. Ferramentas estas que podem ser utilizadas para se construir o que se costuma classificar como soft power, como sua cultura, valores políticos e sua política externa (NYE, 2011, 84); ou de hard power, que tem como exemplo mais clássico as Forças Armadas e o poder bélico de um Estado. Segundo Nye, entretanto, recursos militares ou econômicos podem ser usados para aumentar tanto o soft power como o hard power de um Estado, dependendo da situação. (NYE, 2011, 85-87). Tem-se na defesa da soberania, na projeção de poder e na possibilidade de utilizar o poder militar de forma a ampliar tanto soft power quanto hard power algumas das principais razões que podem motivar um Estado a buscar construir um aparelhamento militar robusto e sólido. Nota-se, porém, que um aparelhamento militar forte e independente passa, na maioria das vezes, por uma indústria de defesa nacional competitiva e consolidada. Logo, torna-se parte fundamental desse prisma a BID, termo que o governo conceitua em sua Política Nacional para a Indústria de Defesa como sendo “o conjunto das empresas estatais e privadas, bem como organizações civis e militares, que participem de uma ou mais das etapas de pesquisa, desenvolvimento, produção, distribuição e manutenção de produtos estratégicos de defesa” (BRASIL, 2005) Conceito igualmente relevante para se compreender o tema é o de produto estratégico de defesa, no mesmo documento entendido por “bens e serviços que pelas peculiaridades de obtenção, produção, distribuição, armazenagem, manutenção ou emprego possam comprometer, direta ou indiretamente, a consecução de objetivos relacionados à segurança ou à defesa do País.” (BRASIL, 2005) 14 Tais conceitos são importantes à medida que são considerados nas políticas governamentais para promoção e regulamentação da indústria de Defesa e adotados nos principais documentos pertinentes à área. Entre tais documentos, a Política Nacional para a Indústria de Defesa, aprovada em 19 de julho de 2005, pelo Ministério da Defesa. O documento tem como objetivo geral o fortalecimento da BID, e, a partir de seus objetivos específicos, ressalta-se a busca por dar prioridade à produção nacional de produtos de defesa, com auxílios fiscais, e por dotar a BID de maior competitividade a nível internacional. Tais esforços na direção de uma indústria de defesa mais forte se justificam a partir da necessidade de suprir uma demanda crescente de um setor que há anos perdeu grande parte de sua relevância no mercado internacional e mergulhou em profunda crise. O período de crise da indústria de defesa brasileira, marcado por falências e perda de competitividade, ocorre anos após as empresas atuantes no setor atingirem seu auge e ter qualidade reconhecida internacionalmente. Em ambos os cenários, a política externa brasileira representou fator importante, com suas ações, ao reagir às mudanças na conjuntura internacional, produzindo efeitos para a BID existente, em maior ou menor intensidade. Em anos recentes, no entanto, observase a tendência do governo brasileiro de fazer uso de sua política externa no sentido de fortalecer a BID nacional. É esta relação, ora positiva, ora negativa, que será objeto de estudo desta seção. Para tanto, o capítulo está estruturado como se segue: em um primeiro momento, será discutido o histórico da BID nacional, com seus períodos de crescimento e crise, e buscar-se-á verificar pontos de inter-relação entre a indústria de defesa e as mudanças na política externa nas últimas décadas, destacando-se a relação do Brasil com o Iraque no período e seus reflexos para a indústria de defesa. Após, será abordado o papel da indústria de defesa na política externa recente, marcada pela cooperação, dando enfoque às relações com seu entorno estratégico, em especial a dois projetos: o projeto A-Darter, em parceria com a África do Sul e o Conselho de Defesa Sul-Americano, no âmbito da UNASUL. 1.1 Base Industrial de Defesa: do auge à crise 15 Nesta seção será abordada a BID à luz da política externa nos principais momentos de sua história e seu desempenho nestes momentos em questões relacionadas ao comércio de seus produtos no mercado internacional. As políticas públicas voltadas para a área serão abordadas no capítulo seguinte. A indústria de defesa tem início no país com o início das atividades da Casa do Trem de Artilharia, fundada em 1762. Instalada no Rio de Janeiro, tinha como objetivo atender às demandas de defesa no Cone Sul. Foi, no entanto, apenas em 1889, com a Proclamação da República que a indústria de defesa nacional daria maiores passos e um novo ciclo se iniciaria 7. O fim da Guerra do Paraguai havia deixado o Exército e a Marinha brasileira em situação de grande desgaste e crescia a necessidade de recuperar o que se tinha anteriormente em termos de aparelhamento. Inicia-se, então, um período de substancial importação de armamentos e a criação, sobretudo após a Revolução de 1930, de diversas Fábricas de produção de materiais de defesa. A BID brasileira, em especial a indústria armamentista, conheceu seu período de maior crescimento apenas anos mais tarde, nos governos militares, mais especificamente no Governo de Emílio Garrastazu Médici (1969-1974). Tal crescimento motivado especialmente pelos incentivos dados à indústria pelo Estado, a partir de políticas públicas que seriam ampliadas no governo seguinte. O auge da Indústria de Defesa, porém, viria no governo Geisel (1974-1979). Nesse período o Brasil produzia cerca de 80% de seu material bélico e parte significativa de sua produção era voltada ao mercado externo, o que demonstra a dimensão que a BID possuía, e que possibilitou, inclusive, a denúncia do tratado de Assistência Militar que mantinha com os Estados Unidos (SILVA, 2012, 164). Foi nessa época - dos governos Médici e Geisel - que alguns dos principais players da BID foram fundados, como a Empresa Brasileira de Aeronáutica SA (Embraer) em 1969; a estatal Indústria de Material Bélico do Brasil (Imbel) em 1975; além do direcionamento e fortalecimento na área de defesa da Engenheiros Especializados SA (Engesa) e da Avibras Indústria Aeroespacial SA, e, impulsionadas pelo bom momento vivido pelo setor, alcançaram posição de destaque no mercado (FERREIRA, 2011, 18-19). 7 AMARANTE (2005) compreende que o histórico da Indústria de Defesa no Brasil é dividido por três ciclos: o Ciclo dos Arsenais (1762-1889); Ciclo das Fábricas Militares (1889 aos anos 40) e o Ciclo da Pesquisa e Desenvolvimento (Anos 40 aos dias de hoje). 16 O governo Médici não foi marcado apenas como o governo à frente quando do "milagre brasileiro", período em que a economia brasileira experimentava crescimentos de cerca de 10% ao ano, de 1970-73. Sua política externa também merece certo destaque. Médici posicionou-se, no entanto, na mesma direção de seu antecessor quanto à decisão manter o Brasil como país não signatário do Tratado de Não Proliferação de Armas, recusado anteriormente por Costa e Silva. Apesar de as políticas externas de Médici e de Costa e Silva dialogarem neste aspecto, em outros ambas divergiam consideravelmente. A diplomacia de interesse nacional de Médici diferenciava-se de forma ímpar da chamada diplomacia da prosperidade, empregada nos anos de governos de Costa e Silva. Segundo Vizentini (2003), ambas as diplomacias se diferenciavam a partir de três aspectos principais: ocorrem em Médici abandono da solidariedade terceiro mundista, que era aplicada pelo governo anterior e sua diplomacia de prosperidade; o discurso politizado de antes daria lugar agora a um pragmatismo; e, por fim, a estratégia multilateral anteriormente adotada perderia espaço na diplomacia brasileira em favor do bilateralismo e da via solitária (VIZENTINI, 2003, p. 47). No que tange às relações com a principal potência, Médici manteve em seu governo relações positivas com os Estados Unidos. A boa relação entre os dois países ia ao encontro não apenas aos interesses brasileiros, mas em especial aos de Washington. A Doutrina Nixon, em vigor na época, buscava "um desengajamento relativo dos Estados Unidos e a transferência de determinadas tarefas às potências regionais (Irã, Israel, Brasil, África do Sul)" (VIZENTINI, 2003, p 48). Dentro deste cenário, o Brasil era tido como um país aliado estratégico aos Estados Unidos no que se referia à estabilidade da região. Em seu entorno, Peru e Chile tinham em seu mais alto cargo um governo de esquerda, e Uruguai e Argentina passavam por graves problemas internos. O país, então, chegou a apoiar golpes de estado no Uruguai, Chile e Bolívia nessa mesma época. (VIZENTINI, 2003, p. 48) Recebeu especial atenção, também, a indústria de defesa neste período. Foi no governo Médici que se deu o emprego de um projeto de qualificação tecnológica e de construção de uma indústria armamentista nacional. Logo, são lançadas as bases que sustentariam o crescimento e fortalecimento desta indústria a partir de 1974. (VIZENTINI, 2003, p. 47) 17 As diferenças entre o governo Geisel e seu antecessor, no entanto, iniciam-se na situação econômica de seu governo, que se diferenciava substancialmente do governo de Médici. Aqui, o milagre econômico dava lugar a uma crise econômica associada ao choque do petróleo. O Brasil consumia cada vez mais petróleo importado e o aumento do preço deste no mercado internacional atingiu profundamente a economia brasileira. Além do mercado interno menor, o baixo volume de exportações e de capital estrangeiro em forma de investimento no Brasil contribuiu pra decretar o cenário de crise. Contra a crise, o governo decide centrar suas ações sob a forma do II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND). O II PND almejava alcançar a auto-suficiência em insumos básicos e energia, por meio do processo da substituição de importações, anterior a esse governo e agora se ampliava. A situação interna da economia brasileira nos anos Geisel se faz importante ao passo que é esta, aliada a um cenário internacional adverso, que acaba por levar o país a realizar mudanças em sua política externa. Com a crise econômica internacional decorrente da valorização do petróleo, a partir de 1974, o governo de Ernesto Geisel redefiniu as funções supletivas da política externa ao projeto de desenvolvimento: a diplomacia, convertendo-se em instrumento mais ágil, buscou a cooperação, a expansão do comércio exterior, o suprimento de matérias-primas e de insumos, o acesso a tecnologias avançadas, com a finalidade de dar suporte a grandioso plano interno de auto-suficiência em insumos básicos e bens de capital. (CERVO; BUENO, 1992, p. 385) O mercado interno não mais representava demanda suficiente e coube então ao governo a missão de buscar mercado para a indústria brasileira para além das fronteiras do Estado. Tal quadro se insere dentro do cenário do modelo de desenvolvimento adotado na época, o Modelo Substitutivo de Exportações. Em vigor de 1961 a 1989, no Modelo Substitutivo de Exportações a pauta de exportações era estimulada a conter um maior volume de produtos manufaturados e de maior valor agregado. Foi este modelo o eixo central da relação entre comércio exterior e desenvolvimento no período (SILVA, 2004, p 27). Uma das principais indústrias abarcadas neste contexto foi a indústria de material bélico, que contou com uma política de exportação de seus produtos por parte do Estado, a fim de alcançar uma demanda suficiente para viabilizar uma produção interna em maior escala neste setor. De fato, seria este o primeiro decisivo momento no que se refere à 18 nacionalização da segurança. Segundo Cervo e Bueno, tal processo continuaria em outros três momentos igualmente importantes: a assinatura de o Acordo Nuclear com a República Federal da Alemanha, em 1975, o qual possibilitava a transferência de tecnologia; a denúncia do Acordo Militar com os Estados Unidos, em 1977; e o desenvolvimento interno de um programa nuclear paralelo no mesmo período. (CERVO; BUENO, 1992, p. 405) Nesse período fortaleceu suas relações com países de diversas regiões, dentro das linhas do chamado Pragmatismo responsável e ecumênico, com vistas a diversificar mercados para os produtos de origem nacional e suas parcerias. Retomou relações comerciais e diplomáticas com a República Popular da China em 1974, país com o qual viria a cooperar paulatinamente no âmbito da tecnologia aeroespacial. Incrementou também suas relações comércio com a Europa Ocidental e Japão. Se aproximou da Argentina em primeiro passo bem sucedido para resolver as controvérsia envolvendo as barragens hidrelétricas na Bacia do Prata, a ter solução acordada no governo seguinte. Uniu-se a seus vizinhos na América do Sul para a iniciativa amazônica como foco a reafirmar soberania dos países da região sobre a Amazônia, face os rumores de internacionalização desta (VIZENTINI, 2003, p. 52-53) Tecnologias de maior complexidade também foram exploradas. Foi neste governo que se deu início ao programa nuclear brasileiro, que realizaria suas atividades até meados da década seguinte. Também no âmbito da tecnologia nuclear, foi no governo Geisel que fora assinado o Acordo Nuclear com a Alemanha para transferência de tecnologia, em 1975, motivado, em grande parte, pela decisão dos Estados Unidos em cessar o fornecimento de urânio ao Brasil no ano anterior, componente indispensável à época para o funcionamento das usinas de Angra dos Reis (MENDONÇA; MIYAMOTO, 2011, 22)‟. Os progressos em matéria de segurança e defesa no governo Geisel, fundamentais para a indústria de defesa nacional no período, baseavam-se em uma política externa de caráter autônomo (SILVA, 2012, 164). A relação de alinhamento no eixo Leste-Oeste, característico do período Guerra Fria no ambiente internacional, já não era visto como completamente vantajoso aos interesses do país, pois se considerava que tal alinhamento não havia produzido os efeitos desejados. Neste sentido, a política externa brasileira direcionar-se-ia ao eixo de atuação Norte-Sul, tendo como base as disparidades econômicas e a busca por 19 estender suas relações a novos países e parceiros em potencial, sem limitar-se aos Estados Unidos, ainda que sem romper com o mesmo (MENDONÇA; MIYAMOTO, 2011, 15). Dentro do contexto de uma política externa autônoma, relações Sul-Sul também passam paulatinamente a ganhar certo destaque. Exemplo de tais relações, a relação Brasil-Iraque se confunde em determinados momentos com o próprio histórico da Indústria de Defesa Nacional. Logo, ao entender relação entre esses dois países é possível também melhor compreender as principais dinâmicas da indústria de defesa nacional no período. A aproximação do Brasil com o país árabe ocorreu em um momento no qual o Brasil se encontra altamente dependente de petróleo. Na primeira metade da década de 1970, a produção interna crescia a níveis modestos e aquém do crescimento geral da economia, e sua capacidade de produção não era suficiente para suprir a demanda pelo produto. A solução seria buscar no mercado externo e fora no Iraque que o Brasil encontrou seu parceiro ideal. Nesse momento, o petróleo figuraria como tema primordial da política externa brasileira e do programa de desenvolvimento econômico do País, que continuavam imbricados. De uma importância risível, o Iraque, com o seu petróleo, se tornaria essencial para a economia brasileira. (FARES, 2007, 131) O início da compra de petróleo iraquiano pelo Brasil ocorre em um ambiente político singular. O Brasil foi na ocasião o primeiro país do mundo a apoiar a decisão do governo iraquiano de nacionalizar o petróleo de seu país e importar o produto (SALEH et al., 2010, 13). As boas relações entre os dois países renderam vantagens ao Brasil em termos comerciais, como preços mais baixos para o Brasil e a venda de petróleo a preço internacional, sem sobretaxas, em épocas de crise, como no imediato pós Segundo Choque do Petróleo, em 1979 (FARES, 2007, 137). Naquele ano, 90% do petróleo consumido no Brasil eram provenientes do mercado externo, sendo o Iraque o principal país de origem do produto (FARES, 2007, 135). 20 A relação comercial entre Brasil e Iraque, quase em sua totalidade representada pela simples compra de petróleo por parte do Brasil, seria ampliada nos anos seguintes, sendo a indústria de defesa uma das mais beneficiadas.8 A Guerra Irã-Iraque (1981-1989) marcou importante ponto de inflexão nas relações comerciais dos dois países. Com a guerra, cresce a demanda por armamentos por parte do Iraque e a indústria bélica brasileira passa a exportar grandes volumes desses produtos ao país árabe. Com isso, o Iraque se tornara o principal cliente da Indústria de Defesa brasileira na década de 1980 (FARES, 2007, 138) e é ainda considerado o maior cliente da Indústria de Defesa Brasileira em toda sua história (MORAES, 2012, 27). A relação entre Brasil e Iraque chegou também ao campo da cooperação nuclear. Após meses de negociação, é enfim firmado em 5 de janeiro de 1980 Acordo de Cooperação Nuclear entre Brasil e Iraque, com vias ao uso pacífico da energia. Logo, o Acordo previa a “prospecção, exploração e beneficiamento de urânio; fornecimento de urânio para o abastecimento de reatores nucleares; e fornecimento de serviços de engenharia para a construção de reatores” (SALEH et al., 2010, 18). As iniciativas de cooperação por parte do Brasil não ficaram limitadas, no entanto, às relações com o Iraque na região do Oriente Médio. Desenvolveu-se a cooperação tecnológica no campo nuclear, de mísseis e aviação, bem como na prospecção de petróleo off shore pela Braspetro, subsidiária internacional da Petrobras, que descobriu e explorou em parceria vários lençóis petrolíferos. O Iraque, o Irã, a Líbia, o Egito, a Argélia e a Arábia Saudita eram os principais parceiros brasileiros nesses campos de cooperação. (VIZENTINI, 2003, p. 64) Parte da imprensa da época, inclusive internacional, afirmava haver acordo secreto para fornecimento de urânio do Brasil ao Iraque, com fim último de fabricação de material bélico nuclear. A imprensa chegou a cogitar a utilização de aviões portando produtos da Avibras com destino ao Iraque como pano de fundo para a exportação de urânio brasileiro àquele país. As informações, no entanto, 8 A indústria armamentista não fora, no entanto, a única a ter papel relevante nas relações entre Brasil e Iraque. As indústrias de construção, por meio da construtora Mendes Jr, e a automobilística, representada pela Volkswagen, empreenderam contratos substanciais com o país árabe. Sobre o tema ver SALEH et al., 2010, 1516. 21 foram negadas pelos governos da época e qualquer ligação secreta no campo nuclear entre Brasil e Iraque fora jamais provada oficialmente. Nesse período a BID vislumbrava amplo crescimento e a cooperação na área nuclear e de defesa prometia bons resultados. Todavia, a situação então positiva da BID brasileira duraria pouco tempo. Já nos anos 90 a BID passaria por dificuldades advindas de retrações dos mercados interno e externo, com diminuição significativa das exportações e, no mercado interno, da demanda de produtos de defesa pela Forças Armadas Brasileiras, dadas as baixas no orçamento militar no período (FERREIRA, 2011, 19). Desde os anos 80 as Forças Armadas não representavam demanda suficiente no setor, que tinha no mercado externo seu principal parceiro, com destaque aos países do Oriente Médio (SILVA, 2011, 149). Quando termina a Guerra Irã-Iraque, a demanda por armamentos por parte do Iraque diminui significativamente e causa impacto na indústria de Defesa Nacional, que tinha naquele país seu principal cliente. A situação mostra-se de difícil solução quando, ao fim da Guerra do Golfo em 1991, é imposto embargo comercial pela ONU ao Iraque, que passaria então crescentemente à categoria de Estado pária9. Ao se deparar com o Iraque sem recursos para investir em mercadorias de outros países, o Brasil, agora com maior produção de petróleo e menos dependente do petróleo iraquiano para garantir o crescimento de sua indústria, começa a perder interesse em preservar relações mais estreitas com o país árabe (FARES, 2007, 143). Uma vez que o mercado externo se retraiu, nos anos 90, a crise foi instaurada no setor. 9 Conceito nascido nos Estados Unidos para designar os Estados que representavam ameaça a sua segurança e à ordem internacional , Estado pária seria , segundo Derghoukassian "uma instituição que desafia as regras impostas por outros Estados mais potentes. Em outras palavras, um Estado que desafia o status quo é um Estado pária". Dentre as características passíveis a levar um Estado a ser classificado com Estado pária estão o terrorismo e a busca por obtenção de armas de destruição em massa por países em desenvolvimento (DERGHOUKASSIAN, 2002, p. 274). 22 Gráfico 1. Exportações de produtos de defesa brasileiros (1970-1999) em US$ milhões 300 250 200 150 100 50 1970 1971 1972 1973 1974 1975 1976 1977 1978 1979 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 0 Fonte: Elaborado pelo autor. Dados: SIPRI. O Gráfico 1 demonstra claramente o cenário de crise que se instalara na indústria na década de 1990. De fato, observa-se um crescimento das exportações de produtos de defesa brasileiros a partir de 1974, chegando ao seu ápice dez anos mais tarde, em 1984, com expressivos US$ 269 milhões em produtos de defesa exportados. Na década seguinte o volume de exportações decai substancialmente, chegando a singelos US$ 26 milhões em 1998. Destaca-se, ainda, que a média de exportações de produtos de defesa para o decênio 1990-1999 foi de US$ 48,6 milhões, valor inferior aos registrados na década de 1970 (US$ 58,5 milhões) e representando uma queda de 69,74% comparada à média da década imediatamente anterior, que foi de US$160, 6 milhões. As quedas nas vendas de veículos blindados na década de 1990 podem ser citadas aqui como uma representação da crise que se instalou na indústria de defesa no período. Excetuando-se o ano de 1989, o Brasil exportou veículos blindados em todos os anos da década anterior, atingindo uma soma de US$ 796 milhões em exportações do produto no período. Tal valor é significativamente superior ao volume alcançado com as vendas do produto na década de 1990, que seriam representadas por apenas uma transação no ano de 1994, com a venda de 75 veículos EE-9 Cascavel para a Nigéria ao valor de US$ 54 milhões. Os motivos para a crise do setor nos anos 90, no entanto, não se restringem apenas à retração de mercado. O ambiente político-econômico do país no período 23 também pode ser considerado como um dos principais motivos para a crise. O processo de redemocratização pelo qual o país passava relegou os assuntos de Defesa e Segurança a segundo plano devido às contradições nas relações civilmilitares. O ambiente macroeconômico também se convertia em mais um desafio à indústria frente à instabilidade e inflação alta. Ademais, a falta de uma política de Estado voltada ao setor não seria suprida por mais de uma década, deixando a indústria de defesa do país com a missão de se auto-adaptar ao novo cenário. No entanto, grande parte das empresas atuantes no setor não logrou a adaptação necessária para garantir a competitividade da indústria de defesa, como o avanço em matéria de tecnologia dos produtos aqui produzidos, o que levou a episódios de perda significativa de capital e competitividade e falências, inclusive de empresas que outrora disputavam a liderança do mercado, como a Engesa (SILVA, 2011, 149). Apesar disso, as atenções do governo se voltariam ao setor de defesa, paulatinamente, apenas anos depois, tendo como primeiro passo relevante nesse sentido a criação do Ministério da Defesa, em 1999, no governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). . 1.2 A Defesa na Política Externa recente Regionalmente, no que tange à política externa, a situação agora se diferenciava em grande medida das décadas anteriores. O ambiente de rivalidade na região, que vigorava na época dos regimes militares, começava a dar lugar à cooperação. A partir de então, a integração entre os países da região “tornou-se a plataforma do desenvolvimento, (...) o que confere hoje à política externa de segurança e defesa nacional uma característica de cooperar na criação de um ambiente regional estável diante das novas ameaças transnacionais” (SENHORAS; CARVALHO, 2008, 137). Neste novo cenário, as ameaças na região adquirem nova forma. As ameaças de conflito interestatal diminuem consideravelmente e, mais recentemente, as atenções acabam por se voltar a novas ameaças que surgem no horizonte político- 24 estratégico dos países da região. Problemas internos como alta taxa de criminalidade e a profunda desigualdade social; e ilícitos transfronteiriços como tráfico de drogas, armas e tráfico humano emergem como ameaças à segurança do Estado e ajudam a justificar a nova onda de investimentos em Defesa (SILVA, 2011, 80). No âmbito da cooperação internacional, ganham destaque as relações de cooperação Sul-Sul. O Brasil tem desempenhado papel de protagonista em matéria deste tipo de cooperação, participando de fóruns mundiais e de iniciativas em âmbito Sul-Sul, como o IBAS, UNASUL e a Cúpula ASPA, e fortalecendo suas relações comerciais com as principais economias emergentes do Sul. A China, por exemplo, se tornou, em poucos anos, um dos principais parceiros comerciais do Brasil, sendo, já em 2009, o principal destino das exportações brasileiras e o segundo mercado de origem das importações do país (PEREIRA, 2012). No tocante à Política Externa Brasileira, cabe observar que em diversas ocasiões o Brasil tem utilizado de suas Forças Armadas como instrumento de política internacional. A participação das Forças Armadas em missões de assistência e cooperação com outros países não auxilia apenas a melhorar a imagem do país internacionalmente. Tais ações podem, também, produzir efeitos positivos sobre a BID, como, por exemplo, aproximação com novos clientes em potencial no mercado externo e aumento das exportações; além de acordos de desenvolvimento de produtos de defesa com outros países (SILVA, 2011, 84). A cooperação, na maioria das vezes de ordem econômica e comercial, aos poucos também ganha forma na área de Segurança e Defesa. Em anos recentes o Brasil vem aumentando sua participação em projetos de cooperação e/ou fabricação de produtos de Defesa com outros países do Sul, sem, no entanto, limitar-se a estes. São exemplos de projetos conjuntos com outros países o projeto KC-390, o veículo militar leve Gaúcho e o projeto A-Darter. As vantagens de um projeto de produção de produtos de defesa com outro país vão além do puro desenvolvimento tecnológico e consequente diminuição de assimetrias para com países tecnologicamente mais avançados na área. Segundo Silva: Visualiza-se [...] possibilidades de reverberações significativas de cunho militar (ex. fomento a intercâmbios, maior interoperabilidade, exercícios conjuntos, novos projetos), comercial (ex. tornar possível a divisão de custos de desenvolvimento, um maior volume de produção, o fortalecimento das empresas envolvidas) e, finalmente, político-diplomático (ex. contribuir 25 para a construção de laços de confiança, abrir caminho para convergências estratégicas em agendas de segurança). (SILVA, 2011,22) Diante desse contexto, analisarão, brevemente, dois exemplos de ações de cooperação em matéria de Defesa em que o Brasil se insere e que têm apresentado efeitos para a BID brasileira ou que tem o potencial para tanto. Para efeitos de pesquisa, destaca-se o projeto de desenvolvimento de produto de defesa, A-Darter, em parceria com a África do Sul e a criação do Conselho de Defesa Sul-Americano, no âmbito da UNASUL. 1.2.1 África Do Sul – A-Darter Exemplo de cooperação na área de segurança e defesa entre Brasil e África do Sul, o projeto A-DARTER prevê o desenvolvimento e fabricação de um míssil arar guiado por infravermelho de 5ª geração. O projeto ficou a cargo da Força Aérea Brasileira; das empresas brasileiras Mectron, Avibras e Opto Eletrônica; do ARMSCOR; e da estatal sul-africana do setor, a Denel. Trata-se, pois, de tecnologia avançada que poucos são os países que dispõem de conhecimento e tecnologia necessários à sua fabricação, como os Estados Unidos, Israel, França, entre outros. A iniciativa de cooperação entre Brasil e África do Sul para além dos grandes foros internacionais dos quais fazem parte, como IBAS e BRICS, vai de encontro ao objetivo com de fortalecer suas respectivas bases industriais de defesa. Fato importante nesse cenário é a situação similar, embora por razões distintas, das indústrias de defesa na África do Sul e no Brasil nos anos 90. Naquele país, os anos 90 marcaram para a indústria de defesa como um período de sérias dificuldades, sobretudo após o fim do Apartheid. Mas a situação política interna figurava como apenas mais uma face deste prisma. Assim como ocorreu na região sul-americana, o cenário internacional do pós Guerra Fria e a situação política dos países da região foram decisivos para traçar o desempenho da indústria de defesa nos anos que se seguiram. A partir do exposto, ressalta-se que o projeto A-Darter e outros de natureza semelhante “contribuem para a atualização tecnológica das Forças Armadas e, simultaneamente, fortalecem os laços de cooperação e de confiança no entorno 26 estratégico brasileiro, além de ajudar a alavancar o desenvolvimento de certas tecnologias” (SILVA, 2011, 84). Como bem observa Aguilar (2008), Há a vinculação da política de defesa com a política externa materializada na explícita disposição de cumprimento dos tratados emanados do direito internacional, da observância dos direitos humanos, das participações em operações de manutenção de paz das organizações internacionais. (AGUILAR, 2008, 109) Os esforços de cooperação com países Sul-americanos, do Caribe e da África, em especial os de língua portuguesa e aqueles banhados pelo Oceano Atlântico, inclusive os mais recentes em matéria de Defesa e Segurança, vão ao encontro com as diretrizes e objetivos da atual política externa brasileira. A cooperação nessas regiões, correspondentes ao entorno estratégico do Brasil, tem o escopo máximo de garantir uma conjuntura duradoura de segurança. Nas palavras de Celso Amorim (2012), Ministro de Estado da Defesa, O Brasil deseja construir em nosso entorno uma “comunidade de segurança”, no sentido que o cientista político Karl Deutsch deu a essa expressão, isto é, um conjunto de países entre os quais a guerra se torna um expediente impensável. (AMORIM, 2012, 2) 1.2.2 Conselho De Defesa Sul-Americano O Conselho de Defesa Sul-Americano, criado no final de 2008, no âmbito da UNASUL, pode ser visto como uma das principais iniciativas de cooperação na área de Defesa na América do Sul. A proposta de criação do Conselho de Defesa Sul-Americano surge de forma substancial em 2008 após a crise diplomática que se instaurava na região. Naquele ano, a Colômbia, com o escopo de prender Raúl Reyes, um dos líderes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, empreendeu ataques em solo equatoriano sem o prévio consentimento deste país. A operação de 1º de março, que terminaria com a morte de Raúl Reyes e outras 16 pessoas, provocou uma crise diplomática 27 entre os dois países.10 À época, o governo do Equador chegou a romper relações diplomáticas com a Colômbia e ganhou apoio do governo de Hugo Chávez, da Venezuela, diante da crise. A situação somente seria contornada depois de pedido formal de desculpas por parte do presidente colombiano em reunião do Grupo do Rio11. O documento constitutivo do Conselho de Defesa Sul-Americano teve adesão dos doze países membros da UNASUL e assinatura em dezembro de 2008. O órgão foi criado com o escopo de ser uma plataforma de diálogo de temas relacionados à defesa. O Conselho tem por principais objetivos: a) a construção de uma Zona de Paz e Cooperação no subcontinente , pois essa seria a base para a estabilidade democrática e para o desenvolvimento integral dos povos sul -americanos, além de contribuir para a paz mundial; b) a construção de uma identidade sul-americana em defesa, que considere as características sub -regionais e nacionais e contribua para o fortalecimento da unidade da América Latina e do Caribe ; e, c) a geração de consensos para fortalecer a cooperação regional em matéria de de fesa. (GALERANI, 2011, 64) De grande importância também são os onze objetivos específicos do Conselho, dentre os quais se destaca aqui: avançar gradualmente na análise e discussão dos elementos comuns de uma visão conjunta em matéria de defesa ; avançar a construção de uma visão compartilhada a respeito das tarefas de defesa e promover o diálogo e a cooperação preferencial com outros pais ́ es da América Latina e do Caribe ; promover o intercâmbio e a cooperação no âmbito da indústria de defesa (GALERANI, 2011, 64). O aprofundamento das relações de cooperação em defesa da América do Sul e especialmente interessante o Brasil à medida que tal avanço pode significar a construção de um ambiente capaz de trazer determinando os benefícios do país. Pode-se citar a configuração de capacidade dissuasória regional, desenvolvimento de uma identidade sul-americana de defesa e a geração de maior confiança entre os países da região, inclusive para com o Brasil (Abdul-Hak, 2013, 193). 10 La muerte de Raúl Reyes desencadena uma crisis diplomática entre Colombia, Venezuela y Ecuador. El País. 2 de março de 2008. http://internacional.elpais.com/internacional/2008/03/02/actualidad/1204412408_850215.html 11 Criado em 1986, o Grupo do Rio é um órgão consultivo internacional. É composto por Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Equador, El Salvador, Guatemala, Guiana, Haiti, Honduras, Jamaica, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana, Suriname, Uruguai, Venezuela, CARICOM. 28 Interessante notar que alguns destes pontos já se faziam presentes na visão do ex-Ministro da Defesa brasileiro sobre as potencialidades e atribuições do Conselho quando das negociações de criação do mesmo Na visão do então ministro de Defesa do Brasil, o CDS deveria contribuir para construir uma identidade de defesa sul-americana e suas atribuições seriam: articular medidas para aumentar a confiança dos países da região, prevendo-se a adoção de políticas de defesa comuns; a realização de exercícios militares conjuntos; a participação conjunta em operações de paz sob a liderança da ONU; a integração das bases industriais de defesa; a análise conjunta dos contextos nacional, regional e sub-regional nas áreas de segurança e defesa, bem como a possibilidade de ações coordenadas no enfrentamento de riscos e ameaças à América do Sul; e articulação e coordenação de posições nos fóruns multilaterais relacionados a esses assuntos. (OKADO, 2012, 103) O caminho para se chegar à criação da capacidade dissuasória regional e de uma identidade sul-americana de defesa passa necessariamente por uma indústria de defesa robusta e competitiva. Neste sentido, o Conselho de Defesa Sulamericano pode vir a ter papel de destaque. A interdependência das bases industriais de defesa na América do Sul tente a abrir amplo espaço à construção de maior confiança entre os atores parte do processo. Ao mesmo tempo, cria oportunidades e incentiva o desenvolvimento tecnológico na região, diminuindo, portanto, a histórica dependência externa que as indústrias de defesa sul-americanas possuem quanto à aquisição de novos materiais e tecnologia. Esta relativa independência frente a outros países na indústria de defesa nacional pode ser vista como importante ferramenta para a construção de uma identidade de defesa sul-americana. Em caráter externo, faz parte da atuação do Conselho a busca de mercado externo às empresas da indústria de defesa da região, bem como avançar na cooperação de Pesquisa e Desenvolvimento militar no subcontinente. 1.3 Conclusão ao capítulo 1 Ao longo do capítulo buscou-se demonstrar a relação entre política externa e BID. Foi abordado no capítulo de que modo a política externa dos governos Médici e, em especial, Geisel fortaleceram a indústria de defesa e contribuíram para levar a BID a viver seu período de maior prosperidade. Abordou-se, também, o exemplo de 29 como a indústria de defesa tem se mostrado relevante à política externa brasileira, em uma conjuntura de cooperação e integração, inclusive produtiva. Logo, foi possível observar que, ainda hoje, a relação entre política externa e BID se mostra positiva para ambos os agentes. Ao passo que a diplomacia age no sentido de buscar mercados para a indústria de defesa nacional e assim contribuir para seu fortalecimento, a indústria de defesa aparece como instrumento para maior integração entre o Brasil e nações amigas, em especial, os países do Sul. 30 2. POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A INDÚSTRIA DE DEFESA NO BRASIL A importância da indústria de defesa em termos econômicos e de desenvolvimento para o país é motivo de amplo debate na academia, com visões e estudos bastante distintos em suas conclusões. Entretanto, seu valor estratégico parece ser consensual entre os principais pesquisadores, empresários e autoridades próximas ao tema. Um dos pontos mais considerados nesse sentido é a diminuição da dependência de tecnologia de outros países, em especial as tecnologias mais avançadas. Não raro, a transferência de tecnologia de ponta e, por vezes, mesmo a venda de produtos militares avançados encontram resistência por parte do país exportador. Uma indústria nacional de defesa confere ao Estado maior número de recursos de poder, reduzindo a dependência no fornecimento de produtos militares oriundos de outros países. As exportações de produtos militares estão sujeitas a variadas formas de controle, as quais impedem o acesso brasileiro a produtos militares com tecnologias avançadas. (MORAES, 2010, p 191) O desenvolvimento de tecnologias internamente e uma indústria de defesa sólida contribuem para diminuir a vulnerabilidade em situações adversas, como o encontro de limitantes á transferência de tecnologia por parte de países mais avançados, e impactam positivamente sobre os rumos da defesa nacional. Tal valor motivou por décadas uma política voltada especificamente ao setor por parte do Estado, que hoje busca retomar ações direcionadas à indústria de defesa ao implantar um novo arranjo de políticas públicas para a Indústria de Defesa. Será tais políticas, do passado e da atualidade, o foco de análise do presente capítulo. No item que segue, serão analisadas as políticas levadas a cabo pelo Estado nas décadas passadas, em especial no período militar e no período que abarca os primeiros anos da década de 1990. No item seguinte, serão tratadas as principais políticas públicas do período recente. 2.1 Políticas Públicas para a Indústria de Defesa: breve histórico 31 Como observado anteriormente, a indústria de defesa no Brasil alcança expressividade apenas a partir dos anos de 1960. E há razões suficientes para tanto. Por um longo tempo, não houve uma política voltada especificamente à indústria de defesa nacional por parte do governo. Assim, tal indústria era colocada sob o mesmo prisma que abarcava as demais indústrias. É seguro dizer que por um longo período as políticas industriais que havia englobavam de forma geral a maior parte dos setores industriais brasileiros, sem contemplar as características específicas de cada setor em particular, incluindo o de Defesa. Logo, pouco avanço foi percebido nessa área. Um dos poucos avanços significativos no que se refere à indústria de defesa no Brasil em seu período de baixa expressividade foi a política de industrialização promovida por Getúlio Vargas em seu período na presidência. O foco da política de industrialização de Vargas não consistia na indústria de defesa em si, era uma política mais ampla e que englobava diversos setores industriais do país. Essa política acabou por fortalecer “setores industriais importantes à produção de artigos militares, sendo esta sua maior contribuição ao setor” (MATHEUS, 2010, p 27). Data desta época, por exemplo, a produção nacional do caminhão FNM, voltado ao uso civil, que encontra com as raízes de seu desenvolvimento no militar-truck (CASTELLANO, 2008, p. 62). É apenas com o golpe militar em 1964 e com os governos militares que se seguiram, entretanto, que a Indústria de Defesa passa a ter papel de destaque na agenda de política industrial do país, com resultados e expectativas crescentes. A partir da Revolução de 1964, a indústria de defesa passou a ocupar uma posição de vanguarda no avanço científico, tecnológico e industrial do país. Esperava-se que outros segmentos fossem arrastados pelo desenvolvimento atingido, ou seja, que a tecnologia decorrente pudesse ser também aplicada em outros setores da economia. (MATHEUS, 2010, p 25) Ao mesmo tempo em que o orçamento para atividades não ligadas à pesquisa nas universidades ficava menor, ocorreriam na época massivos investimentos em pesquisa e desenvolvimento nessas instituições (DAGNINO, 2010, p 186). De fato, em setores considerados estratégicos pelos militares, as ações iam além e se criava um robusto conjunto de medidas que visavam criar condições favoráveis ao pleno desenvolvimento destes setores e de sua competitividade. 32 Para estes setores foi formulada uma estratégia de desenvolvimento científico e tecnológico sistemática, de longo prazo, que ia desde a formação de recursos humanos (no ITA e no IME, por exemplo, no caso em pauta), realização de pesquisa (no CTA, por exemplo) e fomento à P&D etc., aliada a medidas de caráter econômico, tais como subsídios de vários tipos, proteção do mercado nacional, negociação relativamente mais estrita com o capital multinacional etc. (DAGNINO, 2010, p 187) Tais medidas propiciaram as condições necessárias para que a Indústria de Defesa brasileira se consolidasse e ganhasse mercado, inclusive no exterior, como demonstrado no capítulo anterior. Cenário este que se alteraria profundamente dentro de poucos anos. A saída dos militares do poder e a eminente crise pela qual passaria a indústria de defesa, aliados à conjuntura internacional que se formava na época, contribuíram para que houvesse um hiato de políticas públicas para a área. Paulatinamente a indústria de defesa voltou a ser pauta das discussões a cerca da política industrial no âmbito do governo. Tal processo, apesar de ter seu maior alcance a partir do primeiro governo Lula, é uma tendência que encontra o início de seu desenvolvimento ainda no governo de Fernando Henrique Cardoso. (MORAES, 2010, p 176) Foi em seu governo que o Fórum da Indústria de Defesa foi criado, no âmbito do Ministério da Defesa. Criado em 2001, é “um espaço formal destinado ao diálogo do Estado e da indústria de defesa, sendo integrado, além disso, por pesquisadores de instituições públicas e privadas (MORAES, 2010, p 176). É a partir do governo Lula, entretanto, que a Indústria de Defesa assume novamente papel de grande destaque dentre as políticas do governo com a publicação dos principais documentos que hoje norteiam a política de defesa do país. 2.2 O ressurgimento da Indústria de Defesa na pauta governamental É nos últimos 20 anos que observa com maior clareza a evolução no pensamento e no planejamento público para a indústria de defesa. Nesse período, são publicados os principais documentos sobre a política de defesa adotada pelo País e sobre a indústria de defesa nacional, dentre os quais a Política de Defesa Nacional (1996 e revista em 2005), a Política Nacional para a Indústria de Defesa (2005), a Estratégia Nacional de Defesa (2008), e o Livro Branco de Defesa Nacional (2012); bem como se tem nesse período a regulamentação na esfera 33 jurídica por meio de leis e decretos diretamente relacionados à Indústria de Defesa, sendo estes a Lei 12.598/12 e o decreto nº 7.970/13. Uma breve análise do conteúdo presente nestes documentos mostra como a indústria de defesa adquire importância ao longo do período perante o governo. É a esta análise que se dedicará esta seção. Considerado o primeiro grande documento voltado à Defesa publicado pelo Estado brasileiro, a Política de Defesa Nacional (1996) não apresenta em seu conteúdo diretrizes ou considerações específicas para a indústria de defesa nacional. O documento caminha em um viés até então dominante no que se refere à indústria de defesa ao priorizar o desenvolvimento científico e tecnológico na área. Em sua orientação estratégica, o documento afirma: 4.5. É essencial o fortalecimento equilibrado da capacitação nacional no campo da defesa, com o envolvimento dos setores industrial , universitário e técnico-científico. O desenvolvimento científico e tecnológico é fundamental para a obtenção de maior autonomia estratégica e de melhor capacitaç ão operacional das Forças Armadas. (BRASIL, 1996) O foco em ciência e tecnologia tinha por escopo dotar o país de maior independência externa no tocante a recursos de defesa, uma visão que já era compartilhada por militares em anos anteriores e mais uma vez se fazia presente, como fica evidente em suas diretrizes, dentre as quais: R. buscar um nível de pesquisa científica , de desenvolvimento tecnológico e de capacidade de produção , de modo a minimizar a dependência externa do País quanto aos re cursos de natureza estratégica de interesse para a sua defesa; (BRASIL, 1996) A Política de Defesa Nacional seria revista e editada em 2005, já no governo Lula. Sua nova edição representa um avanço significativo no debate acerca da indústria de defesa e sua importância para o País. Aqui, o viés científico-tecnológico da versão anterior do documento também se faz presente12, e proporciona as bases para uma discussão que vai além e acaba por conferir posição de destaque à indústria de defesa, por reconhecer a importância do desenvolvimento na área, em 12 No documento, em suas diretrizes, por exemplo, tem-se que ”XVII - estimular a pesquisa científica, o desenvolvimento tecnoló gico e a capacidade de produção de materiais e servi ços de interesse para a defesa” 34 especial às tecnologias de uso dual (civil e militar) e o papel do Estado como apoiador nesse processo. 6.9 O fortalecimento da capacitação do Pais ́ no campo da defesa é essencial e deve ser obtido com o envolvimento permanente dos setores governamental, industrial e acadêmico , voltados à produção científica e tecnológica e para a inovação . O desenvolvimento da indústria de defesa , incluindo o domínio de tecnologias de uso dual , é fundamental para alcançar o abastecimento seguro e previsível de materiais e serviços de defesa. (BRASIL, 2005a) A indústria de defesa encontra a política externa à medida que o documento trata como prioridade a integração regional, incluindo nesta o campo de defesa. Aqui, a integração regional torna-se o pilar central em matéria para as políticas para a indústria de defesa e seu fortalecimento. 6.10 A integração regional da indústria de defesa , a exemplo do Mercosul, deve ser objeto de medidas que propiciem o desenvolvimento mútuo, a ampliação dos mercados e a obtenção de autonomia estraté gica. (BRASIL, 2005a) A integração aqui é entendida não apenas como mais uma forma de aumentar o comércio de produtos de defesa com os países da região ou de se fortalecer a indústria de defesa brasileira e sul-americana, mas também como uma ferramenta para o desenvolvimento dos países envolvidos e legitimar cada vez mais o projeto de integração que assegure capacidades soberanas. Logo, neste prisma a integração regional e a busca por mercados podem ser entendidas como respostas à crise vivida pela indústria de defesa brasileira e como um primeiro passo à criação de uma identidade sul-americana de defesa, desejo expresso pelo governo brasileiro em variadas oportunidades. Aqui, vale ressaltar, não apenas o comércio é objetivo quando se fala em integração, mas também o desenvolvimento conjunto com países parceiros de produtos de defesa. XXIV- criar novas parcerias com países que possam contribuir para o desenvolvimento de tecnologias de interesse da defesa; (BRASIL, 2005a) Neste sentido, observa-se um profundo amadurecimento no pensamento em matéria de indústria de defesa nas políticas públicas do Estado brasileiro em um período relativamente curto. As ações voltadas à indústria de defesa se estenderiam 35 ainda mais naquele ano, com a publicação da Política Nacional para a Indústria de Defesa. Parte de um programa mais amplo para a o fortalecimento da indústria, a Política Nacional para a Indústria de Defesa, aprovada em 19 de julho de 2005, possui caráter mais específico à indústria de defesa, e tem como objetivo geral o fortalecimento da BID. Com tal objetivo, é interessante observar neste documento que pela primeira vez se tem ações de ordem interna específicas para a indústria de defesa e sua melhor atuação. Entre seus objetivos específicos encontra-se a redução da carga tributária para as empresas da BID, como auxílio a um melhor desempenho tanto no mercado interno quanto no externo. Ao tratar-se de mercado interno, o governo também sinaliza para maior aquisição por parte das Forças Armadas dos produtos de defesa produzidos nacionalmente. A diminuição da carga tributária e a garantia de mercado interno para tais produtos seriam, portanto, ações concretas e diretas do governo em direção a uma BID forte e competitiva. O documento não detalha de que forma ou qual a abrangência de tais políticas, ou mesmo o tempo de duração destas, mas representa mais um passo na consolidação da indústria de defesa como uma indústria de importância central para o Estado e para a sociedade. Documentos mais amplos de defesa e política voltariam a ter em seu conteúdo políticas voltadas à indústria de defesa com a publicação da Estratégia Nacional de Defesa, em 2008. A Estratégia Nacional de Defesa destina amplo espaço para o que chama de “reestruturação da indústria brasileira de materiais de defesa”. De fato, como observa Dagnino (2010) ao analisar o documento, a reestruturação da indústria de defesa é colocada como condição essencial para um projeto de defesa nacional sólido. A importância da ID no documento já fica evidente na carta por meio da qual o ministro da Defesa e o chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos encaminham ao presidente. Ao colocar que „a reestruturação da indústria brasileira de materiais de defesa tem como propósito assegurar que o atendimento das necessidades de equipamento das Forças Armadas apóiese em tecnologias sob domínio nacional‟, está-se indicando que este „atendimento‟, que é condição para a existência da defesa do país, depende da „reestruturação‟ da ID. (DAGNINO, 2010, pg. 213-214) 36 O documento coloca em posição central o objetivo de alcançar determinada independência em tecnologias essenciais à defesa e ao País. Para tanto, são elencadas ações com o objetivo de dotar a indústria de defesa nacional de domínio de tecnologias de valor estratégico para o Brasil e contribuir para seu crescimento e fortalecimento. Cabe aqui ressaltar, o Estado atuaria ativamente na concretização de tais ações. Logo, a Estratégia Nacional de Defesa destaca o fomento à pesquisa dentre as ações a serem tomadas a partir de então. Uma das formas para tanto citadas pelo documento seria o estímulo à inter-relação entre as principais instituições de pesquisa das Forças Armadas, universidades e do capital privado nacional para projetar a um novo nível o desenvolvimento de tecnologia avançada e, se possível, de uso dual, ao integrar esses atores e construir o que o documento define por “complexo militar-universitário-empresarial”. Resguardados os interesses de segurança do Estado quanto ao acesso a informações, serão estimuladas iniciativas conjuntas entre organizações de pesquisa das Forças Armadas , instituições acadêmicas nacionais e empresas privadas brasileiras. O objetivo será fomentar o desenvolvimento de um complexo militar - universitário-empresarial capaz de atuar na fronteira de tecnologias que terão quase sempre utilidade dual , militar e civil.” (BRASIL, 2008, pg. 37) Todavia, o desenvolvimento de tecnologias consideradas indispensáveis à defesa não se daria exclusivamente por meio de agentes nacionais. Parcerias com outros países aparecem como mais uma forma de se atingir os objetivos propostos. Além de buscar clientes para a indústria de defesa brasileira no exterior, o Estado atuaria no sentido de costurar parcerias com outros países, condicionando contratos, sempre que possível e desejável, à realização de parte da pesquisa e/ou do desenvolvimento do produto em território brasileiro. Desse modo, como constante na Estratégia Nacional de Defesa, o Brasil passaria a priorizar o papel de parceiro em suas aquisições de produtos de defesa no exterior, e não mais o de cliente ou comprador de um produto já concebido e fabricado. O interesse do Estado neste tipo de relação repousa na transferência de tecnologia e na capacitação da indústria de defesa nacional com vistas ao domínio de tais tecnologias para que progressivamente possa se verificar o aumento da produção nacional dos produtos de defesa necessários aos interesses do País e a consequente queda nas importações de materiais de defesa. 37 Nota-se, no entanto, que não se observa no documento maior inclinação à integração com os países da América do Sul frente aos demais países, uma vez que o documento não especifica qual região ou grupo de países deveriam ser foco da estratégia baseada na construção de parcerias no setor de defesa, diferentemente do discurso adotado na Política Nacional de Defesa de 2005. Cabe ainda enfatizar que é na Estratégia Nacional de Defesa que se faz claro o papel das empresas estatais de defesa na produção de produtos de defesa. Estas deveriam atuar em produtos de alta complexidade tecnológica, no que pode ser chamado de teto tecnológico, produzindo aqueles produtos que as empresas de capital privado do setor de defesa carecem de condições para produzir em larga escala e de forma rentável. Outra importante contribuição da Estratégia Nacional de Defesa para a indústria de defesa é a criação da Secretaria de Produtos de Defesa (SEPRODE), um espaço institucionalizado no âmbito do Ministério da Defesa para a formulação de políticas de compra de produtos de defesa e, como especificado mais tarde no Livro Branco de Defesa Nacional, a Secretaria de Produtos de Defesa atua no mesmo sentido quanto à Política Nacional da Indústria de Defesa e a Política Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação de Defesa. Esta última, no que tange à indústria de defesa, busca compor condições favoráveis ao desenvolvimento de tecnologias indispensáveis á defesa por parte do capital privado, com o objetivo de ampliar a autonomia do país frente às tecnologias necessárias a sua defesa. A Secretaria de Produtos de Defesa também tem a função de normalizar e supervisionar o controle de importações e exportações de produtos de defesa. Também é a Secretaria de Produtos de Defesa o órgão responsável por representar o Ministério da Defesa em eventos nacionais e internacionais que tratam sobre o tema Defesa, perante os demais ministérios e na agenda sobre ciência, tecnologia e inovação. Compete, ainda, à Secretaria de Produtos de Defesa auxiliar o governo federal no estabelecimento de normas especiais com vistas ao incentivo à indústria de defesa, com objetivo de desenvolver-la e tornar-la mais competitiva. Como exemplo destas está a Lei 12.598/12, que será abordada com maiores detalhes mais adiante. O Livro Branco de Defesa Nacional (2012), por sua vez, não apresenta um conjunto novo de políticas destinadas à indústria de defesa, mas reafirma as 38 sinalizações anteriores. De fato, o Livro Branco dedica parte de seu conteúdo para reafirmar a importância da Estratégia Nacional de Defesa para a indústria de defesa brasileira. Em realidade, a Estratégia Nacional de Defesa simboliza para a indústria de defesa um marco em relação aos investimentos no setor. Com o objetivo de enfatizar tal importância, o Livro Branco de Defesa Nacional apresenta as cinco principais ações tomadas pelo Ministério da Defesa a partir das políticas determinas em 2008, quando da publicação da Estratégia Nacional de Defesa. A primeira ação citada no documento refere-se ao Núcleo de Promoção Comercial (NPC-MD), criado em abril de 2012 com a função de traçar políticas de promoção ao desenvolvimento e comércio de produtos de defesa nacionais. Outra iniciativa destacada no Livro Branco de Defesa Nacional é o levantamento realizado sobre a BID, juntamente com a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) tendo como escopo trazer à tona um amplo relatório sobre as potencialidades da indústria de defesa nacional. Ainda segundo o documento, a BID é composta por aproximadamente 500 empresas, e um relatório de abrangência ímpar como o proposto se faz de grande relevância ao permitir um melhor entendimento sobre esse conjunto de indústrias e, então, desenvolver políticas que melhor atendam à indústria de defesa. Ponto igualmente importante é o incentivo à pesquisa e ao desenvolvimento de produtos de defesa pelo Ministério da Defesa. Este tem buscado atuar de forma conjunta com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação com vistas elevar os incentivos ao desenvolvimento de tecnologias de ponta para a defesa. Aumentou-se também nesse período a interlocução entre empresas brasileiras de defesa e o Ministério da Defesa, principalmente, por meio de órgãos como o Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial, da Associação Brasileira das Indústrias de Materiais de Defesa e Segurança e demais federações das indústrias envolvidas com o tema. Tais espaços propiciam um melhor diálogo entre o governo e o setor industrial de defesa e uma aproximação dos mesmos, alem de contribuir para a formulação de melhores políticas voltadas à indústria de defesa, como se verá no capítulo seguinte. A quinta das iniciativas destacadas pelo Livro Branco de defesa Nacional refere-se ao marco regulatório construído em torno do tema indústria de defesa, composto por documentos como a Política Nacional da Indústria de Defesa e a Política Nacional de Exportação de Produtos de Defesa, e pela lei 12.598/12, que será abordada na sequência. Tal iniciativa conclui um 39 conjunto de iniciativas para fazer da política para a indústria de defesa nacional uma política melhor alinhada às ambições do Brasil no cenário externo e com a conjuntura econômica atual do país. De autoria recente, leis e decretos têm contribuído para inserir no campo jurídico o tema indústria de defesa. Entre estes, a lei 12.598/12 e o decreto 7970/13. A lei 12.598/12, de 21 de março de 2012, sanciona pela presidente Dilma Rousseff, dá passos importantes no campo conceitual e define em seu conteúdo o que o governo entende por produto de defesa, produto estratégico de defesa e empresa estratégica de defesa. Estabelece, ademais, as normas para compra, contratação e desenvolvimento de produtos de defesa. Porém, seu principal avanço se dá ao definir os termos dos incentivos dados pelo Estado às empresas da indústria de defesa. O documento institui o Regime Especial Tributário para a Indústria de Defesa (RETID) que é composto por um conjunto de incentivos fiscais e isenções de pagamentos de determinados tributos por empresas da área de defesa. Neste mesmo sentido, o Decreto 7.970/13, de 28 de março de 2013, regulamenta dispositivos da lei anterior, cria a Comissão Mista da indústria de Defesa, com suas atribuições e composição, e coloca como um dos pontos centrais de seu conteúdo o financiamento destinado às empresas da indústria de defesa. Tem-se aqui um compromisso claro e formalizado do Estado em disponibilizar condições favoráveis ao desenvolvimento e consolidação da indústria de defesa brasileira. Tais dispositivos contribuem não apenas para a consolidação da indústria de defesa como tema de grande relevância para o País, como também garante que a política desenvolvida em anos recentes com vistas à indústria de defesa seja uma política do Estado brasileiro, e não uma política de governo pura e simplesmente, propiciando, assim, maior solidez e segurança quanto ao projeto e o planejamento que o País possui para sua indústria de defesa. Conclusão ao capítulo 2 Demonstra-se a partir do exposto que houve ampla evolução das políticas voltadas à indústria de defesa no período. Estas abrangem hoje um conjunto maior de ações por parte do Estado e evidenciam não apenas a evolução no debate acerca da indústria de defesa, como também o avanço na percepção da indústria de 40 defesa como indústria de importância estratégica para o Estado, suas Forças Armadas e para a sociedade. A partir do exposto na Tabela 1, ao analisar-se comparativamente a construção de políticas públicas formais entre os governos de Lula e de Dilma Rousseff, é possível observar que a maior parte das políticas voltadas ao tema foi constituída no período de governo de Lula. No entanto, observa-se o interesse em demonstrar no Livro Branco de Defesa os principais resultados alcançados até então a partir da Estratégia Nacional de Defesa. Tem-se, portanto, a reafirmação e o compromisso com a continuidade das políticas adotadas por Lula. 41 Tabela 1. Tabela Comparativa - Políticas Públicas e BID nos governos Lula e Dilma Documento Prioridade Aspecto BID Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010) Política de Defesa Nacional (2005) Destaca a importância da BID e do Voltada essencialmente para domínio de tecnologias de uso dual ameaças externas, estabelece no abastecimento de materiais de objetivos e orientações para o defesa. Relaciona a BID brasileira à preparo e o emprego dos setores integração regional, à medida que militar e civil em todas as esferas do vê a integração das bases industriais Poder Nacional, em prol da Defesa de defesa da região como Nacional. ferramenta para o desenvolvimento. Política Nacional para a Indústria de Defesa (2005) Objetiva especificamente a redução da carga tributária para as empresas da BID. Demonstra preocupação com a necessidade de ampliar as quantidades de produtos de defesa de origem nacional adquiridos pelas Forças Armadas. Estratégia Nacional de Defesa (2008) Objetiva, de modo geral, o fortalecimento da BID. Os três eixos prioritários do Reorganização da indústria de documento são: melhor organização defesa, a partir do desenvolvimento e orientação das Forças Armadas; de tecnologias sensíveis em âmbito reorganização da indústria nacional nacional, transferência de de material de defesa; e a tecnologia, maior produção composição dos efetivos militares. nacional. Cria-se a SEPRODE. Dilma Rousseff (2011-2014) Livro Branco de Defesa (2012) Não apresenta novas políticas voltadas á indústria de defesa. Colocar a disposição da comunidade Apresenta os avanços pontuais nacional e internacional a visão do tomados na questão desde a governo sobre o tema de defesa. publicação da Estratégia Nacional de Defesa. 42 3. GOVERNOS LULA E ROUSSEFF: REFLEXOS PARA A BASE INDUSTRIAL DE DEFESA BRASILEIRA No capítulo anterior, foram abordadas as políticas anunciadas em matéria de defesa nos períodos de governo de análise do presente estudo. Neste momento, faz-se importante verificar os resultados práticos de tais políticas. Os avanços da posição da indústria de defesa nacional como prioridade do governo federal não ficou restrita apenas ao campo das políticas públicas formais e do arcabouço normativo, também atinge o campo concreto quando consideradas variáveis como programas de financiamento público à indústria de defesa, o volume de exportações no período e a cooperação em defesa com outros países parceiros do Brasil. É a dinâmica envolvendo tais variáveis e as mudanças nestas no dado período que será o foco de análise deste capítulo. 3.1 Financiamentos à indústria de defesa A indústria de defesa vem ano a ano ampliando seus espaços de diálogo, debate e sua representatividade junto aos principais órgãos e do governo. Como exemplo, é possível citar a criação de núcleos de defesa em federações de indústria espalhadas pelo país, como na FIESP (SP), FIERGS (RS), FIRJAN (RJ), FIEP (PR) e FIEM (MG). No período do governo de Dilma Rousseff podem-se observar ainda outras ações que vão ao encontro de uma maior institucionalização da indústria de defesa. É nesse período que a indústria de defesa alcança o campo jurídico e a Lei n° 12.598/2012, citada no capítulo anterior, toma corpo. A partir de então é criado no Ministério da Defesa o chamado Sistema de Cadastramento de Produtos e Empresas de Defesa (SisCaPED). Isso possibilitou o cadastro de produtos e de pessoas jurídicas como um primeiro passo para o reconhecimento destas como Empresas Estratégicas de Defesa pelo Ministério da Defesa e, logo, garantir o acesso aos devidos benefícios e apoio público destinados ao setor e garantidos pelas recentes diretrizes de políticas públicas adotadas pela mais alta esfera do governo. Atualmente, estão cadastrados 1949 produtos de defesa e 236 empresas no sistema. O cadastramento, caminha, cabe salientar, em ritmo acelerado. Apenas 43 no período compreendido entre os meses de julho a outubro de 2014 cerca de 300 produtos foram agregados ao cadastro. Com a nova lei em vigor, passou-se a exigir o status de Empresa Estratégica de Defesa (EED) para licitação e projetos, o que motivou de parte das empresas da base industrial de defesa uma adequação às novas normas. Isto é, para ser classificada como EED junto ao governo era necessário o cumprimento cumulativo de alguns pré-requisitos, entre os quais possuir sua sede instalada no Brasil e Assegurar, em seus atos constitutivos ou nos atos de seu controlador direto ou indireto, que o conjunto de sócios ou acionistas e grupos de sócios ou acionistas estrangeiros não possam exercer em cada assembleia geral número de votos superior a 2/3 (dois terços) do total de votos que puderem ser exercidos pelos acionistas brasileiros presentes. (BRASIL, 2012) Tal fato obrigou empresas a modificarem suas estruturas societárias, caso desejassem participar de licitações. Foi o caso de algumas joint ventures do setor de defesa no Brasil. A Harpia, por exemplo, empresa destinada à fabricação de aeronaves não tripuladas e simuladores, iniciou suas atividades em 2011 como uma joint venture fruto das relações entre as empresas Embraer e AEL Sistemas, subsidiária da israelense Elbit. Para melhor se adequar à nova lei, a estrutura societária passou, em 2013, a incluir a Avibras, que comprou na época 9% de participação na empresa, antes de posse da AEL Sistemas. A Embraer permaneceria, então, como dona de 51% do capital da empresa, totalizando 60% do capital em mãos de empresas de capital nacional. Outras, todavia, optaram por algo mais definitivo e encerram parcerias em joint ventures. Foi o caso da OdebretchCassidian Defesa S/A. Também no ano de 2013, três anos após o início da parceria entre Odebretch Defesa e Tecnologia e a Cassidian, ficou acordado por ambas as partes o fim da parceria com a venda pela Cassidian de sua participação de 50% à Odebretch Defesa e Tecnologia. O avanço na institucionalização da indústria de defesa aos poucos aparece também como um facilitador para a obtenção de financiamento junto a bancos públicos. É o caso de convênios regionais. Recentemente, o Arranjo Produtivo Local de Defesa do Grande ABC, de São Paulo, contando com o apoio do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, encontrou na Caixa Econômica 44 Federal a oportunidade de financiamento por meio de uma linha específica para a defesa. A parceria, firmada em setembro de 2014, possibilita empréstimos de até R$ 100.000 com taxas especiais, e que deve atender projetos de empresas de menor porte presentes na região, é apenas um pequeno exemplo de como a indústria de defesa tem logrado se articular e encontrado apoio na esfera pública. De fato, no decorrer dos anos dos governos de Lula e Dilma Rousseff, as instituições públicas tiveram papel singular no que tange o apoio via o financiamento de projetos à indústria de defesa nacional. Destacam-se neste sentido a Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico E Social (BNDES). Uma das mais tradicionais instituições públicas de apoio e financiamento no que tange ao desenvolvimento científico e tecnológico, a FINEP tem atuado de maneira expressiva na área de defesa. Criada em julho de 1967 e ligada ao Ministério da Ciência e Tecnologia, a FINEP passou no final da década de 1990 a oferecer linhas de financiamento por meio de fundos setoriais. Tendo início com a elaboração do Fundo Setorial CT-PETRO, voltado à pesquisa e desenvolvimento na área petrolífera, a lista dos fundos setoriais foi continuamente ampliada desde então e, hoje, conta com 17 categorias, sendo 14 destas específicas. Entre os 14 setores específicos que compõem a lista dos fundos setoriais, a área de defesa é representada primariamente por dois destes: CT-AERO e CT-ESPACIAL. Desenvolvidos com o escopo de promover o investimento em pesquisa e desenvolvimento em seus respectivos setores, o CT-AERO e o CT-ESPACIAL contam com a atuação e representação do Ministério da Defesa junto às equipes que compõem os mesmos. (ACIOLI, 2013, p. 35) De fato, tais fundos se destacam perante os demais no investimento na pesquisa e desenvolvimento de inovações e tecnologias com foco em aplicações duais (civil e militar) (ACIOLI, 2013, p.46). Na primeira década dos anos 2000 a área de defesa foi destino de significativas somas de recursos por parte da FINEP para seus projetos. À exceção do ano de 2009, os volumes destinados pela FINEP a projetos de empresas da área de defesa se comportaram de forma ascendente em relação ao ano imediatamente anterior, passando de menos de R$ 50 milhões no ano de 2005 a cifras superiores a R$ 300 milhões em 2010, como pode ser observado no Gráfico 2. Em realidade, apenas no período que se estende de 2004 a 2011, a área de defesa recebeu valores superiores a R$ 1 bilhão (MILESKI, 2013). 45 Gráfico 2 - Orçamento da FINEP para a área de Defesa em R$ milhões 350 300 250 200 150 100 50 0 2005 2006 2007 2008 2009 2010 Fonte: Adaptado de Acioli (2011). São diversos os exemplos bem-sucedidos da atuação da FINEP no apoio a importantes projetos na indústria de defesa ao longo de sua história. A Embraer, por exemplo, contou com recursos da instituição para o desenvolvimento da aeronave de treinamento EMB-312 Tucano, que seria na sequência um caso de êxito da indústria de defesa nacional também no mercado internacional (MILESKI, 2013). Em anos recentes, outra grande empresa da BID, a Mectron, hoje pertencente ao grupo Odebretch, já disponibilizou de recursos da FINEP para alguns de seus projetos, dentre os quais um de especial importância não apenas para a própria empresa, como também para o Brasil: trata-se do programa A-Darter (MILESKI, 2013). Apenas para este projeto, foram recebidos 250 milhões de reais pela empresa, o que possibilitou sua atuação neste empreendimento que tem a possibilidade de ir além do desenvolvimento conjunto de um míssil ar-ar e promover a ampliação dos canais de cooperação entre Brasil e África do Sul, como visto no capítulo 1. No âmbito do BNDES, a indústria de defesa encontra recursos disponíveis por meio do programa Pró-Engenharia, que tem por objetivo principal o financiamento à “engenharia nos setores de Bens de Capital, Defesa, Automotivo, Aeronáutico, Aeroespacial, Nuclear, Petróleo e Gás, Químico e Petroquímico, de Moldes e Ferramentas, e na cadeia de fornecedores das indústrias de Petróleo e Gás e Naval, 46 visando estimular o aprimoramento das competências e do conhecimento técnico no País”. (BNDES, 2014) O ápice das ações voltadas à indústria de defesa em termos de financiamento via instituições públicas, no entanto, ocorre em anos recentes, no governo Dilma, quando é lançado programa Inova Aerodefesa. Parte de um programa mais amplo Inova Brasil - o Inova Aerodefesa, criado em 2013, representa importante ponto de inflexão uma vez que se unem em torno de um projeto comum duas das principais instituições públicas atuantes na promoção do investimento em pesquisa e desenvolvimento na área de defesa: a FINEP e o BNDES; além de contar com o Ministério da Defesa e a Agência Espacial Brasileira como parte do projeto. Sua relevância se faz, também, por representar a continuidade do incentivo à área de defesa após um hiato de dois anos (2012 e 2013) em que não houve editais por parte da FINEP. No programa, serão destinados entre os anos de 2013 e 2017 R$ 2,9 bilhões para projetos subdivididos em quatro principais linhas temáticas, quais sejam: Aeroespacial, Defesa, Segurança e Materiais Especiais. Deste montante total disponibilizado, a FINEP participará com R$ 2,4 bilhões e o restante terá sua origem nos cofres do BNDES. O programa tem por objetivo central de sua atuação dar “apoio à pesquisa, ao desenvolvimento e à inovação nas empresas brasileiras das cadeias de produção aeroespacial, defesa e segurança, buscando incentivar seus respectivos adensamentos” (ACIOLI, 2013). Logo, percebe-se, claro avanço nas políticas de financiamento à indústria de defesa uma vez que o programa Inova Aerodefesa será responsável por destinar em um prazo de cinco anos duas vezes o volume de recursos disponibilizados para área de defesa nos nove anos imediatamente anteriores (2004-2012). Entretanto, apesar do expressivo volume de recursos destinados ao programa, autores como Acioli percebem debilidades no programa ao passo em que este a partir de seus requisitos acaba por priorizar empresas de maior porte em detrimento das micro, pequenas e médias empresas do setor. “Apesar de saudado positivamente pela mid ́ ia especializada em face do ineditismo da proposta e dos valores envolvidos , ainda não houve tempo transcorrido suficiente para emissão de juízo de valor sobre o acerto da proposta, a qual claramente alijou as micro, pequenas e médias empresas ao exigir das proponentes uma receita operacional bruta superior a R $ 16 milhões ou patrimônio líquido superior a R $ 4 milhões. Considerando que 47 dados da própria ABIMDE estimam que mais da metade de suas associadas possua até 40 empregados, é possível verificar que elas desempenharão, quando muito , papel acessório no programa .” [ACIOLI, 2013, p. 48] No entanto, a falta de apoio dirigido às pequenas e médias empresas parece estar diminuindo recentemente graças a iniciativas paralelas. É o caso do Fundo de Investimento em Participações Aeroespacial. Criado em maio de 2014 em conjunto com o BNDES, a FINEP, a Agência de Desenvolvimento Paulista (Desenvolve SP) e a EMBRAER, o fundo dispõe de um capital de R$ 131,3 milhões e tem seu foco predominantemente em empresas inovadoras de pequeno e médio portes (aqui consideradas como as de faturamento bruto anual inferior a R$ 200 milhões) da indústria dedicada à atividade aeroespacial. Apesar da concretização de iniciativas como esta, a falta de apoio e crédito direcionado especificamente a empresas de pequeno e médio porte da permanece como importante desafio à indústria de defesa. Outro grande desafio à indústria de defesa, também de origem na esfera pública, responde pelo limitado orçamento destinado à defesa por parte do governo. Orçamento limitado, no tocante à indústria de defesa, significa limitado volume de recursos disponível para investimento e novas aquisições pelas forças armadas do país, principal cliente da indústria de defesa por definição. Há não apenas um limitado orçamento para defesa, como também há baixo percentual de recursos destinados a investimento. A maior parte do orçamento é hoje gasto com o contingente militar ativo e inativo, cerca de 70% do orçamento, a dados de 2014. Em contrapartida, apenas 11% de todo orçamento de defesa é destinado ao investimento. (KATSANOS, 2014) Tal cenário acaba por cercear a demanda por produtos de defesa no mercado interno, exigindo das empresas da base industrial de defesa que queiram se manter no mercado que encontrem novas alternativas para tal desafio. 3.2 A primeira das soluções: BID e o mercado externo Os dados correspondentes ao comércio exterior de produtos de defesa são por vezes escassos e contrastantes entre si. Isto advém do fato de não haver divulgação de forma oficial por órgãos do governo de tais cifras específicas do setor 48 de defesa13 e, também, pelos diferentes conceitos de indústria de defesa empregados por cada instituição. Porém, ainda assim os dados a disposição do público permitem constatar tendências e verificar informações caras ao tema. No ambiente acadêmico, empresarial e mesmo em alguns momentos no próprio governo duas são as principais fontes de dados sobre o comércio exterior de produtos de defesa: o Stockholm International Peace Research Institute (SIPRI) e a Associação Brasileira das Indústrias de Defesa e Segurança (ABIMDE) 14. Segundo a ABIMDE, a indústria de defesa e segurança do Brasil apresenta volumes anuais de exportação bastante elevados. Apenas em 2012 as exportações atingiram US$ 2 bilhões e, com base no crescimento recente da indústria de defesa e dos seus índices, a entidade projeta cifras de US$ 7 bilhões para o ano de 2030. O SIPRI, por sua vez, apresenta números um tanto mais modestos que os anteriormente citados. Segundo o SIPRI, no período 1995-2013 o Brasil exportou, a valores de 1990, um total de US$ 571 milhões, valor muito aquém do valor acumulado em importações no mesmo período – US$ 5,2 bilhões. Tais números evidenciam um baixo desempenho da indústria nacional no mercado externo. Além do baixo volum e exportado, a grande concentração das vendas externas em aeronaves (destaque para a Embraer Defesa e Segurança ) e a grande variação do fluxo c omercial evidenciam uma presença bastante tímida do país no cenário internacional . (CORREA FILHO, 2013, 387) 13 Os dados oficiais acerca do comércio exterior apresentados pelo governo por meio do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior são utilizados por vezes para se analisar aspectos da indústria de defesa nacional. Em recente estudo, por exemplo, o professor Guilherme Oliveira aborda o tema do comércio exterior do setor de defesa a partir dos dados de exportação e importação de produtos sob o NCMs 93; 8526; 8710; 8805; e 8906.10 cujos produtos que representam estariam mais próximos do que se considera hoje a indústria de defesa. No entanto, assim como coloca o autor em seu estudo, os dados não contemplam o destino de tais produtos, podendo estes serem destinados ao uso militar bem como ao uso civil. (OLIVEIRA, 2014, p.4) Logo, são dados gerais e não específicos para a indústria de defesa. 14 Os dados apresentados pela ABIMDE acerca do desempenho da indústria de defesa brasileira em seu comércio exterior não possuem, entretanto, aceitação unânime na academia. Autores como Dagnino (2010) sugerem que tais dados possam ter sofrido alterações com vistas a retratar a situação da indústria de defesa brasileira para além da realidade. Por estarem distantes da proposta de estudo do presente trabalho, os méritos de tais dados não serão aqui objeto de discussão. 49 Tabela 2. Comércio Exterior de Armamentos Militares por Governo (em US$ milhões) Categoria de Produto FHC 1 FHC 2 Aeronaves Sistemas de defesa aérea Veículos blindados Artilharia Motores Mísseis Outros Sensores Navios 95 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 2 17 0 0 0 8 0 Total 95 26 379 0 137 36 40 154 0 11 753 329 0 41 37 21 65 9 221 613 Total 1510 1334 Total 1415 1308 Aeronaves Sistemas de defesa aérea Veículos blindados Artilharia Motores Mísseis Outros Sensores Navios LULA 1 LULA 2 Exportações 81 0 0 0 0 0 0 0 10 DILMA 115 Total 297 0 0 17 0 0 0 8 11 131 0 0 0 0 3 0 0 0 604 0 2 34 0 3 0 16 21 91 333 Importações 133 678 376 0 207 1 56 106 0 44 80 465 39 265 0 41 93 0 96 207 1733 39 650 74 196 448 9 534 1823 583 870 Saldo comercial 1207 5504 1073 4825 184 0 0 0 38 30 0 162 170 492 537 Dados: SIPRI. Elaboração do autor. No entanto, como pode ser visto na Tabela 2, as exportações de armamentos militares brasileiros se comportaram de forma não linear, se observarmos os dados divididos por governo nos últimos cinco governos. De fato, é possível observar uma expansão significativa das exportações de armamentos militares no segundo governo de Lula frente os três governos 15 Para se proceder com a análise dos dados por governo, optou-se por considerar para os dados de 2014 a média aritmética dos três anos anteriores de governo Dilma, uma vez que os dados do presente ano não se encontram disponíveis no momento da construção deste estudo. 50 imediatamente anteriores, incluindo seu próprio. Tal evolução emerge no momento em que se encontram em pleno amadurecimento as políticas desenvolvidas em seu primeiro mandato - Política Nacional de Defesa e Política Nacional para a Indústria de Defesa - e tem-se o desenvolvimento da Estratégia Nacional de Defesa. Percebe-se nesse período a clara importância da venda de aeronaves para outros estados para a balança comercial do setor sendo responsável pela maior parte (ou por seu todo, no caso do primeiro mandato de FHC) do valor acumulado com exportações de armamentos militares em cada governo. As importações, por sua vez, tiveram breve período de queda acentuada no primeiro governo de Lula e voltou a apresentar tendência crescente nos anos seguintes, chegando a US$ 1.2 bilhões de dólares no primeiro governo Dilma, fazendo com que o saldo referente ao período no seu governo alcançasse a casa de US$ 1 bilhão, o que não ocorria desde o segundo governo FHC. As curvas de exportação e importação referentes aos governos FHC, LULA e Dilma, podem ser vistas no gráfico 3. Gráfico 3. Exportações e importações totais de equipamentos de defesa por governo – em US$ milhões 1600 1400 1200 1000 800 Exportações 600 Importações 400 200 0 FHC 1 Dados: SIPRI. Elaboração do autor. FHC 2 LULA 1 LULA 2 DILMA 1 51 Salienta-se, no entanto, que apesar de apresentar queda quando comparado a seu antecessor imediato, o valor das exportações do governo Dilma Rousseff é superior ao acumulado nos dois governos de Fernando Henrique Cardoso. No que se refere ao destino de nossas exportações de defesa, como pode ser visto no Gráfico 4, a América do Sul é o principal destino dos produtos de defesa exportados pelo país, segundo dados do SIPRI. A América do Sul e o Caribe foram responsáveis por importar US$ 310 milhões em produtos de defesa no período, volume significativamente maior às demais regiões do globo, sendo superior, inclusive, ao volume total das outras regiões somadas. As exportações feitas para África, América do Norte, Ásia, Europa, Oriente Médio e Oceania pelo Brasil somam US$ 239 milhões no período. Tal fato, no entanto, não surpreende, visto que os três principais compradores de produtos de nossa indústria de defesa são, em ordem decrescente, Colômbia, com US$ 111 milhões; Equador, com US$ 96 milhões; e o Chile, com US$ 58 milhões, todos, ressalta-se, países em desenvolvimento. Gráfico 4. Volume de exportações de produtos de defesa brasileiros por região de destino (2002-2013) – em US$ milhões 350 300 250 200 150 100 50 0 África Dados: SIPRI. Elaboração do autor. América do América do Norte Sul e Caribe Ásia Europa Oceania Oriente Médio 52 Se é verdadeiro dizer que a América do Sul possui importância central para as exportações de produtos de defesa brasileiros frente os demais mercados, o mesmo não se pode afirmar sobre a importância dos produtos brasileiros frente a outro mercado para a região. Como observado no gráfico 5, o Brasil encontra-se no décimo lugar dos países fornecedores de produtos de defesa à América do Sul entre os anos de 2002 e 2013. A situação aqui apresentada demonstra o ambiente do mercado internacional de produtos de defesa, em que as grandes economias e países avançados tecnologicamente dominam o mercado. Gráfico 5. Principais economias de origem de produtos de defesa exportados à América do Sul, excetuando-se o Brasil (2002 - 2013) - em US$ milhões 3500 3000 2500 2000 1500 1000 500 0 Dados: SIPRI. Elaboração do autor. A posição da Rússia como principal país de origem dos produtos de defesa importados pelos países da América do Sul merece certa atenção. Do valor total acumulado em vendas à América do Sul no período, US$ 3483 milhões, a maior parte se deu das relações comerciais com a Venezuela a partir de 2006. O país sulamericano adquiriu US$ 3269 milhões em produtos de defesa russos no período. A posição desfavorável do Brasil mesmo no comércio com países de sua região é representativa de mais um desafio para a indústria de defesa: a competitividade com países mais desenvolvidos economicamente e tecnologicamente mais avançados. Com vistas a contornar tal cenário ou ao menos 53 minimizar seus efeitos negativos, o Brasil e sua indústria de defesa têm empreendido esforços na cooperação e transferência de tecnologia. 3.3 BID e a transferência de tecnologia Dentro do escopo de uma maior cooperação na área de defesa com outros países e alinhados especialmente às diretrizes trazidas pelo Conselho de Defesa da Unasul, começam a ser desenhados projetos de integração das cadeias produtivas regionais do setor de defesa. O principal exemplo atualmente em vigor é o projeto de um avião regional de treinamento. Ainda em estágio inicial, o projeto prevê o desenvolvimento de uma aeronave de treinamento sul-americana com a participação de empresas do Brasil, Argentina, Equador e Venezuela. Para tanto, será criada ainda uma sociedade anônima, a Unasur Aero, pela qual serão realizados os correspondentes contratos com as empresas envolvidas. Cabe salientar, as empresas brasileiras atuantes no projeto são todas reconhecidas pelo Ministério da Defesa como empresas estratégicas de defesa, sendo elas: Avionics, Akaer, Flight Technologic e Novaer. As empresas dos demais países participantes são a Fabrica Argentina de Aviones (FAdeA), da Argentina; a Industria Aeronautica Del Ecuador (DIAF), do Equador; e a Compañia Anónima Venezolana de Industrias Militares (CAVIM), da Venezuela, ambas as três estatais. Apesar de se encontrar em fase de prospecção de financiamento, o futuro avião regional de treinamento, desenvolvido para atuar no treinamento primário básico militar, possui uma demanda inicial de 92 unidades por parte dos países envolvidos. Isso demonstra como os programas de cooperação em cadeia produtiva garantem o fornecimento para países vizinhos, pois países são parte dos projetos. No âmbito regional, a cooperação institucionalizada e a pacificação de rivalidades anteriores garantem a superação de temores quanto a ameaças desse tipo de projeto à soberania nacional. O Brasil, no entanto, foi o único país dentre os participantes que não se manifestou no sentido da aquisição de unidades da aeronave, uma vez que não se encontra em fase de substituição de sua atual frota de treinamento. O interesse brasileiro no projeto, portanto, vai ao encontro do fomento da integração regional, à ampliação da capacidade produtiva das empresas estratégicas de defesa do país, à abertura de novos mercados para tais empresas e 54 a firmar o país como líder regional no setor. Recentemente também foi acordado no âmbito do Conselho de Defesa da UNASUL o desenvolvimento de um veículo aéreo não tripulado (VANT) a ser utilizado em missões de vigilância. A participação dos países membros do Conselho de Defesa da Unasul no projeto (ainda em estágio de reuniões para definição de suas especificações) figura, é possível dizer, como mais um esforço de integração das bases industriais de defesa dos países sul-americanos e na construção de uma identidade de defesa sul-americana16. A aproximação com parceiros regionais do Brasil não é o único exemplo em termos de cooperação na área de defesa no período recente. A necessidade estratégica de desenvolver e capacitar a indústria de defesa nacional e as Forças Armadas e dadas as dificuldades de aquisição de alta tecnologia de países mais avançados, o Brasil tem buscado parcerias com países em desenvolvimento com vistas à transferência de tecnologia, em especial com países do Sul. Dentro deste cenário, podem ser citadas as parcerias do Brasil com Ucrânia e Rússia. A parceria entre Brasil e Ucrânia toma forma no ano de 2003 quando é constituída a Alcântara Cyclone Space (ACS), empresa binacional cujo principal objetivo resume-se no desenvolvimento e lançamento a partir do Centro de Lançamentos de Alcântara (Maranhão) de um foguete de tecnologia ucraniana e domínio desta. O programa, que encontrou resistência junto à comunidade local, contrária ao empreendimento, e dificuldades orçamentárias no período desde sua criação, caminha a passos lentos e poucos avanços concretos podem ser percebidos. Isso, porém, não fez diminuir o interesse na cooperação e integração em defesa entre os dois países. Em outubro de 2011, os países assinaram um acordo de Cooperação Técnico Militar cujos objetivos contemplam, entre outros, a produção, modernização, reparos e aquisição de produtos de defesa, a transferência de tecnologia, além da pesquisa e desenvolvimento conjunto na área de defesa. Também exemplo de parceria de longa data em matéria de defesa, Brasil e Rússia vêm desenvolvendo ao longo das últimas décadas as linhas mestras de uma cooperação em defesa sólida e duradoura. 16 Ministério da Defesa. Países da unasul se reúnem para definir projeto de Vant regional. Brasília, 02/09/2014. Disponível em [http://www.defesa.gov.br/noticias/13610-paises-da-unasul-se-reunem-para-definir-projeto-devant-regional] 55 No ano de 2000 foi assinado entre as partes Tratado Sobre Relações de Parceria. Desde então, vários acordos, memorandos e entendimentos foram firmados. Com destaque para: memorando de entendimento sobre cooperação no domínio de tecnologias militares de interesse mútuo (2002), memorando de entendimento a respeito do programa de cooperação sobre atividades espaciais (2004), acordo entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da Federação da Rússia sobre proteção mútua da propriedade intelectual e outros resultados da atividade intelectual utilizados e obtidos no curso da cooperação técnico-militar bilateral (2010), e o Plano de ação de parceria estratégica entre a República Federativa do Brasil e a Federação da Rússia (2010). No que concerne às indústrias de defesa de ambos os países, alguns momentos merecem destaque neste período. Em 2008, a Rússia acordou em exportar 12 unidades dos helicópteros MI-35M para o Brasil. Quatro anos mais tarde, Brasil e Rússia firmam dois acordos entre as empresas Odebretch Defesa e Tecnologia e Russian Technologies, onde se determinou a criação de uma joint venture no Brasil para a fabricação da linha de helicópteros multiuso MI-171, além da manutenção dos helicópteros de combate MI-35M, de venda acordada anteriormente. Desde 2008, o Brasil foi destino de US$ 165 milhões em produtos de defesa de origem russa, segundo dados do SIPRI. Por fim, em julho último, os dois países acordaram no desenvolvimento da cooperação bilateral em defesa antiaérea, por meio do sistema de tecnologia russa Pantsir-S1. O acordo prevê a transferência irrestrita de tecnologia, em consonância com as linhas estratégicas adotadas pelo país nos últimos anos no que se refere à transferência de tecnologia e à integração em defesa com países emergentes e do sul. 3.4 Conclusão ao capítulo 3 O capítulo buscou apresentar os possíveis avanços e retrocessos no campo prático face às políticas formais adotadas pelo governo e discutidas no capítulo anterior. Analisando comparativamente os dados apresentados, conclui-se que houve avanços, primeiramente, no volume de recursos disponíveis para financiamento das empresas do setor no governo Dilma, se comparado aos 56 governos de Lula. Ainda, conclui-se também que houve queda nas exportações de produtos de defesa no período de governo de Dilma, ao passo que as importações no período aumentaram. Finalmente, tendo em vista as parcerias no setor no período recente e aumento das importações de materiais de defesa pelo Brasil, é possível dizer que se tem uma continuidade na cooperação e integração com vistas à transferência de tecnologia com nações mais avançadas neste quesito, e uma tendência favorável ao aumento das transações de transferência de tecnologia. 57 CONSIDERAÇÕES FINAIS Com o objetivo de melhor compreender as políticas de promoção à Indústria de Defesa desenvolvidas nos governos Lula e Rousseff, suas características, seu avanço ou declínio no período recente e seus efeitos para a indústria de defesa, foi desenvolvido um trabalho comparativo de caráter empírico cujos resultados merecem determinadas considerações. No primeiro capítulo foram apresentadas as relações existentes entre a base industrial de defesa e política externa brasileira nos diferentes momentos de sua história até os dias de hoje. Percebe-se que a indústria de defesa se faz relevante ao país não apenas por sua importância estratégica ou pelo alto valor agregado de seus produtos que auxiliam a balança comercial brasileira a operar positivamente, mas também por ser esta indústria por vezes um instrumento de política externa. O capítulo segundo abordou as principais políticas na área de defesa constituídas no espaço temporal a que se dedica este estudo. Apresentou-se a evolução do pensamento sobre a indústria de defesa na esfera pública a partir da concepção e da dimensão das políticas formais destinadas à indústria de defesa presentes nos principais documentos do período. A partir do conteúdo apresentado, considera-se que as políticas públicas para a indústria de defesa têm avançado de forma constante, sobretudo no período de governo de Lula. A indústria de defesa passou no período de governo de Lula de ator coadjuvante nas políticas e interesses do país, em seu início, a tornar-se um dos atores centrais de uma ampla Estratégia Nacional de Defesa em seus últimos anos à frente do governo. Tal avanço acompanha o fortalecimento da Defesa e da BID como importantes pautas na agenda pública brasileira e os esforços de ter uma indústria de defesa revitalizada e competitiva internacionalmente. O terceiro capítulo buscou verificar os resultados no plano prático das políticas estudadas no capítulo anterior. Como visto anteriormente, parece haver três eixos estratégicos de inserção, quais sejam: integração regional, cooperação sul-sul e o comércio exterior via exportações. Em todos estes é possível observar a atuação conjunta entre governo e indústria de defesa logrando, geralmente, bons resultados para ambos. A atuação do governo em grande parte das vezes se estende para além do campo diplomático e das negociações. A participação do governo se inicia 58 no próprio território nacional ao disponibilizar por meio de suas instituições recursos para pesquisa e desenvolvimento de produtos de defesa e projetos inovadores na área. Este tem avançado consideravelmente nos últimos anos, sobretudo no governo Dilma, quando se tem a criação do programa Inova Aerodefesa que colocou a disposição recursos de valores superiores aos encontrados nos dois mandatos de seu antecessor. No que concerne ao comércio internacional de materiais de defesa, o governo de Dilma Rousseff apresenta queda nas exportações para outros mercados e um aumento das importações de produtos de defesa, quando comparado com os governos Lula. O valor acumulado das exportações no período em que Dilma se encontra a frente do governo é ainda assim superior aos governos de Fernando Henrique Cardoso. Aqui, cabe salientar, o aumento das importações no período está ligado à busca por transações comerciais que permitam a transferência de tecnologia, no sentido de uma maior autonomia em tecnologias sensíveis e imprescindíveis à Defesa do país. A permanência no apoio e na cooperação com países emergentes em projetos chave para a defesa nacional e para a indústria de defesa também merece destaque, visto que não houve ruptura de programas e parcerias na área. Logo, a partir do exposto, observa-se que os esforços federais recentes de promoção da Indústria Nacional de Defesa, em consonância com a Estratégia Nacional de Defesa e a Política Nacional de Defesa, têm contribuindo positivamente para a retomada do crescimento no setor. Ao longo da pesquisa se mostrou haver avanço parcial na promoção da Indústria Nacional de Defesa no governo Dilma em relação a seu antecessor, com o aumento de programas, diretrizes e incentivos para o setor, Não foi possível, no entanto, observar grandes avanços em matéria de exportação de produtos de defesa a partir dos dados disponíveis. Aqui é preciso considerar o caráter recente de grande parte das iniciativas adotadas pelo atual governo e o tempo de maturação destas. Novas pesquisas precisarão ser realizadas no futuro caso seja de interesse mensurar a real amplitude de tais políticas sobre a indústria de defesa. Instrumentos para dinamizar uma maior fração da indústria de defesa e tornar a balança comercial do setor menos dependente da venda de um único produto de expressão, como as aeronaves, poderia ser considerado como tema para futuros debates e desenvolvimento de novas políticas. Considera-se, por fim, a necessidade de se 59 pensar na base industrial de defesa de forma ampla e sistêmica, a fim de englobar em futuras políticas para o setor respostas às demandas e aos principais desafios tanto das grandes empresas, quanto das de pequeno e médio portes. Ademais, a diminuição da carência de recursos federais para a defesa, por meio de um programa conjunto e continuado de compras, mantém-se como desafio aos formuladores de política do país e, espera-se, seja debatida e considerada no futuro próximo. 60 REFERÊNCIAS ABDUL-HAK, Ana Patrícia Neves. O Conselho de Defesa Sul-Americano (CDS): objetivos e interesses do Brasil. FUNAG. Brasília. 2013. ACIOLI, Rodrigo Girdwood. O Papel Da FINEP No Renascimento Da Indústria De Defesa. FINEP. Inovação em pauta, out/nov/dez 2011. ACIOLI, Rodrigo Girdwood. Os Fundos Setoriais Para o Investimento em P&D na Base Industrial de Defesa. Rio de Janeiro. Escola Superior de Guerra. 2013. AGUILAR, Sérgio. 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