Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Diálogos entre os Estudos de Televisão e os Estudos Visuais: a terra na obra de Benedito Ruy Barbosa e a busca por uma metodologia de análise televisual Dialogues between the Television Studies and Visual Studies: the land in the work of Benedito Ruy Barbosa and the search for a methodology of televisual analysis 1 Reinaldo Maximiano Pereira Resumo: O nosso objetivo é refletir sobre o diálogo possível entre os Estudos Visuais e os Estudos de Televisão, no aspecto teórico e metodológico. Nós buscamos uma metodologia de análise televisual que nos permita examinar a forma textual televisiva, dimensão ainda pouco valorizada no campo da pesquisa. Cremos que a análise formal desse texto abre um campo de investigação que permite estudar o meio e o contexto, isto é as relações entre a materialidade televisual e o regime de visibilidade para questões sócio-culturais. Os dados serão colhidos a partir de um fragmento da obra de teledramaturgia de Benedito Ruy Barbosa: a cena que um senador defende a reforma agrária em plenário vazio, na telenovela O rei do gado (TV Globo, 1996). Constatamos, em recuo histórico, que a obra de Barbosa é caracterizada por um tema transversal, a terra. Assim, a questão que nos move metodologicamente é: quais as matrizes culturais que emergem e que sustentam a temática terra quando da análise televisual? Palavra chave: Telenovela. Terra. Análise televisual. Abstract: Our aim is to reflect on the possible dialogue between the Visual Studies and the Television Studies, theoretical and methodological aspect. We seek a televisual analysis methodology that allows us to examine the television textual form, still undervalued dimension in research. We believe that the formal analysis of that text opens a field of research that allows us to study the medium and the context, the relationship between televisual materiality and the visibility regime for socio-cultural issues. Data will be collected from a fragment of the television drama Benedito Ruy Barbosa work: the scene that a senator defends agrarian reform in empty plenary, in the soap opera O rei do gado (TV Globo, 1996). Found in historical retreat, that the work of Barbosa is characterized by a theme, the land. So the question that drives us methodologically is: which cultural matrices that emerge and that support this theme when televisual analysis? Keywords: Soap opera. Land. Televisual analysis. 1 – Introdução – a terra: um tema transversal O nosso objetivo é refletir sobre o diálogo possível entre os Estudos Visuais e os Estudos de Televisão, no aspecto teórico e metodológico. Nós buscamos uma metodologia de análise televisual que nos permita examinar a forma textual televisiva, dimensão ainda pouco valorizada no campo da pesquisa. Cremos que a análise formal desse texto abre um campo de investigação que permite estudar o meio e o contexto, isto é as relações entre a materialidade televisual e o www.compos.org.br - nº do documento: 3F1FC66D-FB0B-4E06-84D7-7CE2E7C4F9E7 Page 1 Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação regime de visibilidade para questões sócio-culturais. Os dados serão colhidos a partir de um fragmento da obra de teledramaturgia de Benedito Ruy Barbosa: a cena que um senador defende a reforma agrária em plenário vazio, na telenovela O rei do gado (TV Globo, 1996/97). Constatamos, em recuo histórico, que a obra de Barbosa é caracterizada por um tema transversal, a terra. Assim, a questão que nos move metodologicamente é: quais as matrizes culturais que emergem e que sustentam a temática terra quando da análise televisual? A teledramaturgia de Barbosa é reconhecida por pesquisadores (LOPES, 2003. FANTINATTI, 2004. SOUZA, 2004. PORTO, 1994) como a que mais lida com a temática rural. Se recuarmos, historicamente, nessas produções, entre as décadas de 1960 e 2010, encontraremos em Meu pedacinho de chão (1971) a “pedra fundamental”, se assim podemos dizer, sobre a qual Barbosa edificaria um modo de apresentar o universo campesino, os elementos da cultura popular e as relações de poder. Podemos verificar nesta telenovela um investimento em de cenas externas e locações, em detrimento da produção em estúdio, prática comum à época. Esta telenovela retratava, ainda, os contrastes dos costumes entre o meio rural e o meio urbano, alem de incorporar temáticas sociais ao enredo. As telenovelas seguintes desse autor, sob a direção de diferentes profissionais, ficariam notabilizadas pelo arranjo visual a partir do relevo, da hidrografia, da fauna e da flora de uma determinada região do interior do Brasil. Nesse contexto, essas operações ressaltam: o desafio tecnológico, no âmbito da produção, à época, para o registro audiovisual. Esse foi o caso, nos anos 1970 e 1980, período da paleotelevisão (CALDWELL, 1995), das telenovelas Cabocla (1979) e Os imigrantes (1981/82). Segundo Arlindo Machado e Beatriz Becker (2008), a reorientação da tessitura audiovisual, no gênero telenovela, tendo a natureza como recurso cenográfico, ocorre na Rede Manchete com Pantanal (1990), de Barbosa, sob direção de Jayme Monjardim. Para os autores, essa obra rompeu com o esquema de produção em estúdio e com a padronização temática urbana que caracterizavam as telenovelas da Rede Globo. As produções seguintes desse dramaturgo, dirigidas por Monjardim ( Terra nostra, 1999) e Luiz Fernando Carvalho (Renascer, 1993. O rei do gado, 1996. Esperança, 2002), investiriam, também, em operações técnicas que fazem a natureza alçar a condição de quase personagem. www.compos.org.br - nº do documento: 3F1FC66D-FB0B-4E06-84D7-7CE2E7C4F9E7 Page 2 Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Nesse contexto, a inserção dos temas sociais relacionados ao espaço campesino corrobora com a perspectiva de Maria I. Vassallo de Lopes (2003) de que as telenovelas brasileiras representam e constroem sentidos sobre as vidas pública e privada, conformando uma narrativa sobre a nação. No caso da teledramaturgia de Barbosa, Lopes a caracteriza como produções de temática eminentemente rural e com ancoragem na História do Brasil, sendo acompanhada por Maria C. Jacob de Souza (2004) que analisou a cultura popular; por Márcia M. Corsi Moreira Fantinatti (2004) que investigou a representação dos movimentos sociais; e Mauro P. Porto (1994 e 2007) que pesquisou a representação do discurso político. Nós concordamos, com essas perspectivas, mas constatamos, por meio de recuo histórico, um tema transversal: a terra. Cremos que é a partir da terra que assuntos do contexto sociopolítico e cultural brasileiro são debatidos e fornecem entrechos para o melodrama. Cremos, ainda, que a articulação interna desses assuntos na materialidade do texto televisivo, em termos estéticos, faz uma poética televisual ascender (BORGES, 2009). A terra não está relacionada apenas à circunstância de lugar, em um tempo específico, mas à condição de narradora-personagem, no intratexto, dotada, em certa medida, de onisciência e onipresença. Numa acepção sócio-política, a terra ocupa posição central no debate político brasileiro e fundamental para a mobilização e organização social, sobretudo nas regiões agropecuárias e áreas de reserva ambiental, cenários de diferentes tensões e conflitos, no Brasil. Cremos que analisar a televisualidade da terra, suas ramificações na cultura, pode contribuir para uma compreensão mais complexa das telenovelas e da televisão, hoje. 1.1 – A necessidade da análise formal do texto televisivo Nós acreditamos que ao considerarmos a dimensão das materialidades visuais em diálogo com a cultura, outras matrizes relacionadas ao tema da terra podem vir à tona, nos sugerindo e/ou revelando que essa tematização pode ser mais complexa em uma mesma telenovela. Assim, nosso trajeto de raciocínio parte do meio para a cultura, buscando uma aproximação entre os Estudos de Televisão e os Estudos Visuais para investigar os regimes de visibilidade para as questões da cultura. Partimos, então, de Jason Mittell (2010) e da proposição do Circuito da Televisão que reúne seis dimensões: a indústria comercial, a instituição democrática, a forma textual, a representação cultural www.compos.org.br - nº do documento: 3F1FC66D-FB0B-4E06-84D7-7CE2E7C4F9E7 Page 3 Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação , a prática cotidiana e o meio tecnológico. Dessas a dimensão das formas textuais, segundo o autor, é a menos valorizada no campo de estudos da televisão. No Brasil, pesquisadores, como Renato L. Pucci Jr. (2013) e Simone Maria Rocha (2013b.) consideram a forma textual como fundamental para entender o estilo televisivo e o grau de elaboração dos produtos, hoje. No entanto, os autores avaliam que contemplar uma dimensão desse circuito proposto por Mittell não significa desconsiderar os demais, pois eles tensionam-se mutuamente. No caso da forma textual televisiva ficcional, há uma ramificação de autorias que tracejam a composição de um produto, podendo ser ele uma telenovela, uma minissérie, uma série, um seriado, etc. Essa composição diz não só do indivíduo cujo nome assina a obra, mas, também, de um coletivo de especialidades (direção geral, direção de fotografia, sonoplastia, efeitos visuais, trilha sonora, etc.) que conformam esse produto. De acordo com Mittell (2010), a televisão é, pois, um meio dotado de capacidade de hibridação e de constante aprimoramento técnico e artístico numa dinâmica de conservação e inovação. Buscamos uma abordagem que contemple a televisão em sua complexidade, em seu potencial estético. Segundo Kristin Thompson (2003), a tradição dos estudos das imagens em movimento tem rejeitado esse potencial na TV. Para a autora, a televisão é, historicamente, observada ora com preconceito em considerá-la como forma de arte ou como meio capaz de produzir arte; ora agrupada com outras mídias, sem atentar para suas especificidades técnicas e de linguagem e para seus programas de forma individual. De acordo com Thompson (2003) e Jeremy Butler (2010) é possível listar razões para esse pouco investimento em análise formal: a recusa de reconhecer o potencial estético e artístico do meio; e a dificuldade de aquisição do material de pesquisa e de adentrar no corpus tão extenso (no caso das narrativas seriadas). Segundo Rocha (2013a), considerar o potencial artístico dos produtos televisivos e contemplar a análise estilística requer: a) rejeitar as concepções que o consideram o estilo como uma marca individual e/ou mero adorno visual para a narrativa seriada; b) considerar que o estilo existe e está nos textos televisivos e que a TV é texto e prática cultural. De acordo com Pucci Jr. (2013), os produtos televisivos, por décadas, foram caracterizados como “insatisfatórios frente às exigências da intelectualidade e do público com pretensões ao refinamento cultural” (PUCCI JR, 2013, p. 676). Para Pucci Jr., no caso específico das telenovelas, www.compos.org.br - nº do documento: 3F1FC66D-FB0B-4E06-84D7-7CE2E7C4F9E7 Page 4 Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação muitas das críticas, em comparação ao cinema, estavam e, em certa medida ainda estão, embasadas no argumento falacioso da falta de qualidade estética e da baixa resolução da imagem das produções na época da tecnologia analógica. Outro argumento refere-se à banda sonora e a forte dependência dos diálogos. Ainda segundo o autor, o ritmo industrial imposto para uma produção diária de um capítulo (cerca de 50min) poderia atestar o baixo potencial artístico do meio, não fosse a capacidade de a TV reelaborar seus esquemas e assimilar novas tecnologias que dinamizam o processo criativo. 2 – Das contribuições dos Estudos Visuais Nosso esforço se orienta, fundamentalmente, na busca por uma metodologia de análise da forma textual televisiva ficcional, assim, nosso trajeto reflexivo parte do meio, da compreensão dos produtos televisivos como prática cultural, para as referencialidades na cultura. Para isso, precisamos, também, de um método coerente de observação das materialidades visuais. Destacamos, então, a proposta de W.J.T. Mitchell (2005), no campo dos Estudos Visuais. O autor distingue “Estudos Visuais” de “Cultura Visual”, definindo o primeiro como o campo e o segundo como o objeto de estudo. Para Mitchell, essa diferença “evita a ambiguidade que assola temas como história, nos quais o campo e as coisas abrangidas por ele levam o mesmo nome” (MITCHELL, 2005, p. 337 – tradução nossa). O autor considera que os Estudos Visuais seriam um campo acadêmico que busca entender as materialidades simbólicas (fotografias, esculturas, filmes, etc.) como práticas sociais, culturais e políticas. Assim estão envolvidas nesse campo, a construção visual do social e a construção social do visual. Mitchell (2005) não concorda com a tese de que vivemos em uma era, exclusivamente, visual e de que a “virada pictórica” ou “virada visual” são restritas ao nosso tempo. Para autor, devemos compreender a dinâmica de uma progressão histórica, em que a cultura visual assume formas específicas em nosso tempo, como assumiu em tempos passados, em diferentes regimes escópicos. Por esse raciocínio, os Estudos Visuais não investigam apenas as imagens ou uma mídia e, sim, as práticas e/ou modo cotidianos de ver e de mostrar em diferentes materialidades. Por essa visada, os Estudos Visuais seriam um campo interdisciplinar que envolve de forma mais evidente a estética e a história da arte. O autor se vale da metáfora do "suplemento perigoso" (alusão a Jaques Derrida), pois os Estudos Visuais mantêm uma relação ambígua com essas duas disciplinas. Assim, esses estudos poderiam ser um complemento interno que considera as sensações e as imagens, um www.compos.org.br - nº do documento: 3F1FC66D-FB0B-4E06-84D7-7CE2E7C4F9E7 Page 5 Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação subcampo; mas, também, podem se tornar um campo suplementar, pois contemplaria algumas questões que essas duas disciplinas deixam “de fora” (a televisão, a internet, por exemplos). Outros autores adotam o termo Cultura Visual como por exemplo, Nicholas Mirzoeff (1999), Hal Foster (1988) e Margarita Dikovitskaya (2005). Para Paulo Knauss (2006), um aspecto parece aproximar as perspectivas a cerca dos Estudos Visuais e da Cultura Visual, a intersecção com os Estudos Culturais. Assim, segundo o autor, “o estudo da cultura visual seria um movimento para questionar a cultura em si” (Knauss, 2006, p. 107). Em nosso caso, adotamos as terminologias e as distinções propostas por Mitchell (2005). Assim, o campo dos Estudos Visuais é composto por atravessamentos da história da arte e da estética, mas também dos estudos sobre a ótica física, do cinema, da televisão, da mídia digital, etc. Abrange, ainda, as contribuições da semiótica, da filosofia, da sociologia, da antropologia, da comunicação e outras áreas afins. Observamos as materialidades simbólicas (pintura, fotografia, filme, etc.), em concordância com Marita Sturken e Lisa Cartwright (2001) que as definem como “práticas comuns de um grupo, comunidade ou a sociedade, através do qual o significado é feito, também, fora do mundo visual, auricular e textual da representação” (STURKEN; CARTWRIGHT, 2001, p. 3 – tradução nossa). No entanto, Mitchell (2005) não nos apresenta uma metodologia, mas um gesto de pesquisa, que coloca o investigador em relação com as materialidades simbólicas, antes de se envolver com questões de significado. Nesse percurso, Mitchell introduz o conceito de picture, isto é, o “conjunto complexo de elementos virtuais, materiais e simbólicos, e de significantes virtuais e reais, em uma situação de contemplação”[1] (MITCHELL, 2005, p.68 – tradução nossa). Assim, poderíamos entender as pictures como a situação na qual uma imagem faz a sua aparição, e por extensão, a imagem em situação. Importante ressaltar que, de acordo com o autor, o entendimento dessa situação é amplo, ou seja, a imagem pode se expor em diferentes regimes artísticos (cinema, literatura, fotografia, pintura, artes gráficas, animações, televisão, etc.). De acordo com Mitchell, as pictures são coisas animadas e exibem ambos os corpos físicos e virtuais. Nas palavras do autor: “elas falam para nós, às vezes, literalmente, às vezes, em sentido figurado [...]. Elas não apresentam apenas uma superfície, mas uma face voltada para o observador” (MITCHELL, 2005, p.30). Assim, Mitchell argumenta que há uma rede de elementos virtuais, materiais e simbólicos www.compos.org.br - nº do documento: 3F1FC66D-FB0B-4E06-84D7-7CE2E7C4F9E7 Page 6 Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação relacionados às pictures que, geralmente, na literatura, na estética e na história da arte orientam o ato interpretativo. O autor sugere, então, que o pesquisador, ao se defrontar com as pictures, não lance significados de antemão, mas se questione sobre o desejo delas. Esse gesto de pesquisa não refuta os procedimentos da psicanálise, da semiótica ou da lingüística, por exemplos, trata-se, antes, de um deslocamento sutil do alvo de interpretação. De acordo com Mitchell (2005), é crucial não confundir o desejo das pictures com os desejos do artista ou de quem as produziu. Como as pessoas, as pictures podem não saber o que querem; elas têm que ser ajudadas a lembrar o que querem dizer, por meio, talvez, de um diálogo com outras pictures. Nesse aspecto, outro conceito importante entra em cena: a visualidade que, para o autor, vem a ser um conjunto de práticas de ver o mundo em que se processam os regimes de visibilidade (o modo como as questões socioculturais são representadas). Segundo José Luis Brea (2005), no campo dos Estudos Visuais a visualidade é um objeto de estudo e está compreendida num jogo que se processa entre os operadores (textuais, mentais, imaginários, sensoriais, mnemônicos, midiáticos, técnicos, burocráticos, institucionais) e os interesses de representação (de raça, gênero, classe, diferença cultural, grupos de crenças e afinidades etc.). Para o autor, os modos ver e de fazer ver resultam de uma complexa construção cultural, conforme Mitchell, também, sinaliza. Por esse raciocínio, a visualidade é uma prática política e cultural, pois depende precisamente da sua força performativa, “do seu poder de produção da realidade e potencial de geração de efeitos de subjetividade e os processos de socialização de identificação/diferenciação com os imaginários (hegemônicos, minoritários e contra-hegemônicos)” (BREA, 2005, p. 9 – tradução nossa). www.compos.org.br - nº do documento: 3F1FC66D-FB0B-4E06-84D7-7CE2E7C4F9E7 Page 7 Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Assim, a partir do exposto, podemos pensar a visualidade na dupla face da construção visual do campo social e da construção social do campo visual, pois no diálogo entre as dimensões materiais e culturais instauram-se os regimes de visibilidade. Rocha e Alves (2014) explicam que o conceito de televisualidade (a partir de visualidade) nos auxilia na percepção das formas como o texto televisivo, especificamente, compõem modos de tornar visíveis as questões da cultura. Nosso esforço de pesquisa se orienta neste sentido, ao observar a terra nas telenovelas de Barbosa nós estamos tentando analisar a construção televisual desse tema e seus regimes de visibilidade, essas duas instâncias podem nos revelar as estruturas sociais e as matrizes culturais envolvidas nessa composição Desse modo, o gesto de olhar para as pictures, para as materialidades simbólicas, proposto por Mitchell (2005),[2] pode nos ajudar a compreender a composição visual na televisão por uma chave que atente para este meio como prática cultural, com potencial estético. Auxilia-nos, também, a compreender que a TV está em movimento e em diálogo com outros meios, assim ela reelabora suas estratégias sincréticas de composição das narrativas – montagem e edição de áudio e vídeo que realçam múltiplas temporalidades - (PUCCI JR, 2014), por meio, ainda, das mediações e das mestiçagens no campo da vivência social (MARTÍN-BARBERO, 2009). Por conseguinte, para reunir instrumentais metodológicos capazes de operacionalizar a análise televisual, recorremos a Butler (2010) que amplia a proposta de análise fílmica de Bordwell (2008) para propor modos de analisar o estilo televisivo. Nesse sentido, foi de nossa inquietação, em consonância com as investigações do Grupo de Pesquisa Comunicação e Cultura em Televisualidades (COMCULT/UFMG)[3], localizar no rol das pesquisas em Comunicação um espaço que considere a televisualidade. Nosso esforço assinala, ainda, a possibilidade de constituirmos outras formas de olhar para a televisão e para as telenovelas, especificamente, em termos da experiência do visual. Diante disto, tentamos delinear uma metodologia em três tempos que nos permita adentrar o objeto, analisar suas operações técnicas e narrativas de conformação da forma textual televisiva e seus diálogos com a cultura e sair dele para proceder à interpretação e avaliação dos dados alcançados. Nesse aspecto, nós situamos o nosso esforço de pesquisa no campo dos Estudos de Televisão em diálogo com os Estudos Visuais, pois se eles se ajustam à perspectiva interdisciplinar que objetivamos. www.compos.org.br - nº do documento: 3F1FC66D-FB0B-4E06-84D7-7CE2E7C4F9E7 Page 8 Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Assim, a se considerar a televisualidade e o estilo televisivo (BUTLER, 2008), estamos considerando que a textura tangível do produto televisivo (o que vemos, o que ouvimos, o que sentimos) diz de uma construção de sentidos por meio de convenções estilísticas do meio (em relação com outros meios também) e de estruturas socialmente compartilhadas. Esse esforço se dará em três movimentos analíticos, a saber: a análise televisual, a análise cultural e a leitura valorativa. Na análise televisual, partimos da complexidade do texto televisivo, num gesto de contemplação e de indagação sobre a vocação das pictures, como propõe Mitchell, sem aprisionálas numa teoria cultural dada de antemão. Corresponde ao olhar metodológico a guisa de elementos que compõem os regimes de visualidade e de visibilidade. Assim, nos apoiamos Butler (2010) e nas dimensões de análise do estilo televisivo para investigar os processos criativos e a composição das materialidades televisivas. O autor propõe quatro dimensões: Descritiva: corresponde ao procedimento de descrever a materialidade visual posta em análise. Envolve um esforço de “engenharia invertida”, ou seja, a desconstrução de elementos que compõem essa materialidade em seus aspectos audiovisuais como os movimentos de câmera, os recursos técnicos do equipamento (zoom), os enquadramentos, os efeitos especiais e de computação gráfica, a trilha sonora, a posição dosa atores no cenário, a composição desse cenário, etc. O objetivo é encontrar unidades estilísticas em cada unidade de análise. Funcional: reconhecidos esses da materialidade em apreço, o passo seguinte é analisar como eles elementos funcionam no texto televisivo. Por exemplo, se em uma determinada sequência observarmos que a montagem consegue operar a construção de diferentes temporalidades e ações simultâneas, qual seria a sua funcionalidade. Então, a teoria montagem é o operador de análise daquela unidade específica. Butler (2010) enumera oito funções: denotar; expressar; simbolizar; decorar; persuadir; chamar ou interpelar; diferenciar; significar “ao vivo”. Histórica: se estende para a investigação de padrões e, para isso, é preciso um recuo nos programas televisivos com o objetivo de reconhecer marcos do estilo em determinados produtos e possíveis transformações do padrão. Destacamos a importância desta dimensão, mas não iremos adentrar em suas minúcias, neste artigo. www.compos.org.br - nº do documento: 3F1FC66D-FB0B-4E06-84D7-7CE2E7C4F9E7 Page 9 Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Avaliativa ou Estética: um estágio crítico, pois para essa avaliação ainda não há, segundo Butler (2010), normas estéticas definidas que compreendam a televisão. É, pois, possível descrever e analisar, mas faltam parâmetros para avaliar. O autor crê que, talvez, essas normas ou diretrizes estéticas para a dimensão avaliativa sejam distintas dos métodos de avaliação da história da arte, da literatura e do cinema. Para Butler, até que estudos de televisão desenvolvam sistema de avaliação estética, devemos admitir a noção de Foucault e Bourdieu de que fazer julgamento estético seria impor normas culturais de setores sociais poderosos. Por isso, para os termos deste artigo, não trataremos desta dimensão. Na análise cultural o movimento parte dos regimes de visibilidade em que os fenômenos sociais (no caso, a questão da terra) são figurados. Este, por sua vez, é um movimento para fora do domínio televisual, ou seja, é o encontro com a cultura, com as matrizes culturais que sustentam a figuração da terra na teledramaturgia de Barbosa. Essa análise que depende do primeiro movimento e que vem a ser o diferencial desta metodologia, pois não queremos ver os produtos televisivos como meros exemplos de uma teoria cultural dada de antemão. Compreendemos a leitura valorativa como o movimento de chegada das análises anteriores. Nossos objetivos são organizar os dados alcançados e interpretar como as estruturas sociais e as matrizes culturais se prestam a assentar a tematização e a composição televisual da terra. Aqui, caberá avaliar em que medida a análise televisual e a análise cultural possibilitam verificar os regimes de visibilidade. Em nosso case, caberá, ainda, uma leitura da questão da terra em nossa sociedade e em nossa cultura e em que medida isso nos conecta ou nos afasta com outras realidades e culturas. 3 – Análise da cena: Pela terra, uma voz ecoa no vazio www.compos.org.br - nº do documento: 3F1FC66D-FB0B-4E06-84D7-7CE2E7C4F9E7 Page 10 Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Para o exercício da metodologia de análise televisual, ora proposta, colhemos uma cena do capítulo 171, da telenovela O rei do gado, exibido em 1º de janeiro de 1997. Nomeamos essa cena como O senador discursa sobre reforma agrária em plenário vazio, seu contexto no enredo: após testemunhar, pessoalmente, uma série de conflitos entre milicianos e trabalhadores rurais sem-terra (desarmados) e de constatar que a questão da terra parece insolúvel, no Brasil, o senador Caxias (Carlos Vereza) tenta interceder, pela última vez, junto aos pares, em favor da reforma agrária. Diante do senador um plenário, praticamente, vazio ouve o seu discurso. Para a economia deste artigo, fracionamos os 6min39seg (duração total da cena) em quatro excertos, neles podemos observar mudanças sensíveis, não apenas em termos do enquadramento (elemento notável em toda a cena), mas, também, da fotografia, da trilha sonora e do posicionamento do ator em cena. Este último aspecto, por sua vez, assume importância fulcral para o desenvolvimento da cena e para a expressão do isolamento político que a personagem Caxias vive, naquele momento, em específico, bem como ao longo de todo o enredo. Observamos, ainda, que essas mudanças acompanham o estado de espírito da personagem no decurso de seu proferimento, enquanto representante político eleito, em um país democrático. Para tornar a leitura exeqüível iremos parear as analises televisual e cultural. No primeiro excerto (Ilustração 1), destacamos os primeiros 28seg da cena. O senador está cabisbaixo e é enquadrado, pelas costas, em plano fechado. A câmera está posicionada ao nível da mesa, nesta perspectiva, vemos, sobre a cabeça da personagem, as luzes do teto escuro do plenário que se projetam em profundidade de campo, tal estrelas em um vasto universo de ideias. O ângulo explorado pela câmera não nos permite ver se o plenário está cheio ou vazio. Dois elementos técnicos relativos à banda sonora parecem sugerir o caráter de lugar despovoado: os poucos burburinhos e o eco. www.compos.org.br - nº do documento: 3F1FC66D-FB0B-4E06-84D7-7CE2E7C4F9E7 Page 11 Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Ilustração 1 - a câmera acompanha o movimento da personagem enquadrado-a, ao final, em contra-plongée Na mesa do plenário, vemos, à direita de um senador introspectivo, uma pequena bandeira www.compos.org.br - nº do documento: 3F1FC66D-FB0B-4E06-84D7-7CE2E7C4F9E7 Page 12 Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação do Brasil. Para expressar que o Senado está em pleno exercício, um político cruza o quadro, da esquerda para direita, segurando uma pasta, o que parece indicar que outros temas estavam na pauta. É, neste momento, com a câmera, ainda ao nível da mesa, que se inicia um plano sequência: a câmera deriva para a direita do quadro acompanhando o movimento do senador. Ele caminha munido apenas de seu caderno de anotações, lentamente, passando por outra bandeira brasileira, até chegar o parlatório, onde testa o microfone e se apresenta para discursar. Cumpre registrar que nesse plano sequência, o senador Caxias foi enquadrado plano americano, contra-plongée, quase perfil. A partir deste momento teremos o primeiro corte. No segundo excerto (Ilustração 2), vemos, em plano detalhe, o discurso do senador anotado e os pontos sublinhados desse proferimento. Há outro corte, o senador inicia o discurso, em primeiro plano. Cessam-se, neste momento, os burburinhos e o efeito sonoro de eco passa a predominar. Novamente, desta vez à esquerda do quadro, está a bandeira nacional, que vem a expressar e/ou sustentar, na ficção, o lugar de fala da personagem e sua função de representante eleito. O discurso do senador Caxias visa pontuar que, no Brasil, as políticas de reforma agrária se caracterizam em um longo processo de luta não apenas contra a concentração de grandes extensões de terras. Ao mencionar a expressão “esta casa”, isto é o Senado Federal, o político insere o grau de responsabilidade desta instância representativa do poder legislativo e alude ao conflito de representação política, operada de forma desigual (URBINATI & WARREN, 2008, p. 405), ou seja, há um problema, um choque, de correspondência entre os interesses dos representantes políticos e os interesses dos representados. www.compos.org.br - nº do documento: 3F1FC66D-FB0B-4E06-84D7-7CE2E7C4F9E7 Page 13 Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Ilustração 2 - detalhe para o manuscrito e o plano aberto que mostra o isolamento da personagem Nos frames que mostram a personagem bebendo água e tirando os óculos (nós chegamos a ouvir, por sonoplastia, o toque desses objetos no balcão), começamos a ter a noção desse problema. É o instante em que o senador lança a seguinte questão para o plenário: “Até quando, senhores, vamos chorar os cadáveres espalhados em nossos campos, nesta luta entre irmãos que nos envergonha a todos, perante as nações mais civilizadas de todo o mundo?”. A pergunta ecoa pelo plenário e ele continua: “Senhores, vamos culpar a quem, se não a nós mesmos?”. Novamente, podemos inferir sobre um sentido específico do termo “representação”, no campo político, segundo taxonomia de Michael Saward (2006), que seria fazer presente algo que está ausente. O discurso do senador nos enseja, considerando inclusive a sua composição televisual (ele está enquadrado em primeiro plano, ou seja, destacado no quadro), que a ausência está, justamente no Senado Federal e, por extensão, nas demais instâncias de representação eleitoral. Assim, ele defende que a questão da terra não pode ser equacionada apenas por questões ideológicas, mas técnica: quantas terras improdutivas existem no país e quantos trabalhadores rurais sem-terra existem para serem assentados? No momento dessa defesa, o político altera o tom de voz e, no campo televisual, o recurso do eco torna-se mais acentuado, o enquadramento muda para o plano aberto (“long shot”): agora, a câmera está distante do senador (o objeto), ele passa a ocupar uma pequena porção do quadro e o cenário começa a se desvelar. Inicia-se, aos 3min15seg, na banda sonora, um background (a partir daqui o BG irá embalar todo o restante da sequência). O acorde de violão, de violino e vocal, em tom monocórdio, entra quando Caxias lança a pergunta: Senhores, quantas terras devolutas, quantas terras improdutivas temos para oferecer a este povo sem chão?”. Temos, então, a ambiência para o nosso terceiro excerto (Ilustração 3). www.compos.org.br - nº do documento: 3F1FC66D-FB0B-4E06-84D7-7CE2E7C4F9E7 Page 14 Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Ilustração 3 – em plano geral, no cenário metaforiza a terra e o humano ocupa espaço reduzido. Acima, temos a reunião de frames em que ocorre, na composição televisual, a passagem entre o plano aberto (ambientação) e o plano geral, em um movimento de câmera, provavelmente em grua ou trilho, que vai lentamente expandindo o quadro. Podemos observar que o ângulo visual revela o cenário e outras cinco personagens, três delas alheias ao discurso e abandonando o plenário. O senador Caxias passa, então, a ocupar espaço muito reduzido no quadro, como podemos ver no primeiro, terceiro, quarto, quinto, sexto e sétimo frames. O plano para interiores assume grandes proporções e isso é sugestivo, pois cremos, ao observar essa materialidade televisual, que uma dimensão poética ascende. Uma característica comum às telenovelas de Barbosa (independente da direção geral do produto) é a extensão que a terra assume no quadro, em concomitância e concorrência com o humano, como podemos ver na Ilustração 4 que destacam as telenovelas Os imigrantes (1981/82) e Pantanal (1990). Ilustração 4 – Plano geral em Os imigrantes (esq.) e em Pantanal (dir.) Na sequência em apreço, observamos que o elemento terra está presente no discurso do senador e é metaforizado no cenário: os assentos, em profundidade de campo, no conjunto, fazem www.compos.org.br - nº do documento: 3F1FC66D-FB0B-4E06-84D7-7CE2E7C4F9E7 Page 15 Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação predominar o tom de terracota. Algo, ainda, sugestivo é que essa tonalidade é de terra “nua”, ou seja, não cultivada. A força dessa composição poética, obviamente, se deve a leitura que o diretor Luiz Fernando Carvalho, provavelmente, fez do script assinado por Barbosa, fazendo ressaltar por elementos presentes aquilo está ausente na dimensão televisual, a terra. A metáfora aqui assume as rédeas da composição poética e ela não cessa, pois na Ilustração 5 teremos outra amostra da presença na ausência. Ilustração 5 - as metáforas da mancha no discurso político e do sangue sobre a questão da terra. Quando o senador chora, ao fim do discurso, diante de um plenário vazio, uma gota de lagrima cai sobre o caderno de anotações, onde identificamos a palavra “terra” sublinhada. O liquido faz borrar a tinta do manuscrito aludindo ao fato de que o descaso político (há um político dormindo no plenário!) com questão terra no Brasil, isto é, uma mancha que acentua, na democracia, os problemas relativos à distribuição desigual de recursos e aos conflitos e tensões sociais em torno da terra. Quando as luzes do plenário se apagam, sobressai no cenário o tom vermelho-sangue nos mesmos assentos, o que mostra, cremos, as funções da fotografia e da trilha sonora no final desta sequência: metaforizar os massacres provenientes desses conflitos e tensões, isto é, a sombra da morte, como podemos inferir a partir da Ilustração 6. www.compos.org.br - nº do documento: 3F1FC66D-FB0B-4E06-84D7-7CE2E7C4F9E7 Page 16 Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Ilustração 6 – Em cenário sanguíneo, o senador sai de cena seguido por sua sombra, o prenúncio da morte No último excerto, acima, destacamos, justamente, bem ao gosto das narrativas míticas que já adiantam o seu desfecho, o prenuncio da morte, aspecto da metáfora posta em composição poética na telenovela. O senador Caxias caminha pelo cenário em tons de terracota e sangue, sendo acompanhando pelas sombras daqueles únicos políticos que assistiram ao seu discurso, até o fim (primeiro e segundo frames). Vemos, então, a personagem, em seu isolamento e introspecção, sumir em um corredor seguido, unicamente, por sua sombra. No capítulo 185, o senador Caxias morrerá baleando em um assentamento do movimento dos sem-terra. 4 – Considerações finais Neste artigo, buscamos uma reflexão sobre as contribuições e eventuais benefícios a partir do diálogo entre os Estudos Visuais e os Estudos de Televisão, no aspecto teórico e metodológico. Era nosso objetivo, ainda, apresentar uma proposta de metodologia para análise das televisualidades, no campo específico das telenovelas. Destacamos um recorte do nosso projeto de tese que investiga quais as matrizes culturais que emergem e/ou sustentam o tema da terra na teledramaturgia de Barbosa. Não abordamos aqui o nosso investimento na Dimensão Histórica, proposta por Butler (2010) que será tema de artigo futuro. Esse recuo nos permitiu agrupar as obras de Barbosa,[4] bem como constatar que a terra é um tema transversal nesse universo ficcional televisivo. Na cena analisada, no esforço preliminar de exercitar a metodologia proposta, podemos verificar que a terra está assentada em uma matriz da representação política e dos conflitos em torno da reforma agrária. Foram contribuintes para a construção da materialidade visual: os enquadramentos, a trilha sonora e a fotografia que se prestaram, numa acepção poética, a compor uma metáfora do isolamento, da desigualdade de distribuição dos recursos e dos conflitos e tensões sociais em torno da terra. A partir do discurso do senador Caxias, nós contabilizamos alguns dados: a palavra “senhores” foi repetida por 11 vezes; a palavra “terra” por 9 vezes, incluindo o termo escrito no caderno de notas; por 16 vezes a personagem fez referência a expressões que aludem ao Senado, tais como “esta casa” e “nós mesmos”; por 5 vezes o senador se referiu a expressões como www.compos.org.br - nº do documento: 3F1FC66D-FB0B-4E06-84D7-7CE2E7C4F9E7 Page 17 Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação “questão da terra”, “problema da terra”, “questão agrária” e/ou “matéria; expressões como “semterra” ou “sem chão” foram pronunciadas por 4 vezes; e por 10 vezes a pergunta “Até quando?” foi feita naquele plenário. Constatamos, pois, ainda, preliminarmente, que essa poética televisual acena para o seguinte fato: a questão da terra assume um caráter de insolubilidade, realça, também, o problema de correspondência entre os interesses dos representantes políticos e os interesses dos (pretensos) representados. Esses aspectos, cremos, não colocam em xeque a democracia, em si, mas a função e operação dos órgãos legislativos, no Brasil, em que temas políticos parecem gravitar no espaço vazio. A voz que ecoa, sem encontrar interlocutores no plenário mostra o quanto esse “claim” permanece aguardando por deliberação. O tema da reforma agrária ainda não foi retomado nas telenovelas da Rede Globo. 1 Doutorando do PPGCOM/UFMG, na linha de Processos Comunicativos e Práticas Sociais. Mestre em Literaturas de Língua Portuguesa pela PUC-MG., Bolsista Fapemig e professor do Instituto de Comunicação e Artes (ICA) do Centro Universitário UNA., [email protected] Notas: [1] Preservamos a grafia em inglês, pois a definição envolve elementos que expandem o sentido de “quadro”, “imagem” ou “retrato”, e abarcam materialidades, sensorialidades e contemplação. [2] Muitas das proposições de Mitchell se referem às imagens paradas (fotografia, esculturas, etc.), porém o próprio autor sinaliza a possibilidade de olhar para as materialidades em movimento. [3] Grupo coordenado pela professora Dra. Simone M. Rocha que acolhe o projeto de tese Um bocadinho de chão Uma investigação sobre o tema da terra na teledramaturgia de Benedito Ruy Barbosa e suas ramificações na cultura, a partir de uma análise televisual, deste autor. [4] Os grupos são: Histórias de fazendeiros, Histórias das imigrações, Adaptações literárias, Histórias urbanas, Telenovelas pioneiras e Remakes. Essa proposição preliminar e não tem pretensão normativa. Referências BORDWELL, David. Figuras traçadas na luz: a encenação no cinema. Campinas: Papirus, 2008. BORGES, Gabriela. A poética televisual de Samuel Beckett. São Paulo: Annablume, 2009. BREA, José L. Estudios Visuales: La epistemologia de la visualidad en la era de la globalización. Madrid: Akal Estudios Visuales, 2005. BUTLER, Jeremy. Television style. New York: Routledge, 2010. www.compos.org.br - nº do documento: 3F1FC66D-FB0B-4E06-84D7-7CE2E7C4F9E7 Page 18 Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação CALDWELL, John.T. Televisuality: style, crisis and authority in american television. New Brunswick: Rutgers University Press, 1995. DIKOVITSKAYA, Margarita. Visual culture: the study of the visual after the cultural turn. Cambriedge: MIT Press, 2006. FANTINATTI, Márcia M. C. M. A nova Rede Globo: trabalhadores e movimentos sociais nas telenovelas de Benedito Ruy Barbosa. 2004. 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