XV ENCONTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS DO NORTE E NORDESTE e PRÉ-ALAS
BRASIL. 04 a 07 de setembro de 2012, UFPI, Teresina-PI
Grupo de Trabalho: GT27 - Políticas públicas
Casa de índio, casa pra índio: Política de Habitação Indígena no Paraná
Milton Morato Paraná (UFPR), [email protected]
Introdução
Inicialmente realizei uma pesquisa sobre a Historia do Paraná, sobre os
relatos de viajantes e políticos sobre os grupos indígenas aqui presentes, e
etnografias sobre esses grupos, depois realizei visitas as aldeia para trabalho de
campo.
As visitas as aldeias foram realizadas no intuito de uma observação
participante, e registro fotográfico. Tal procedimento de observação possibilita a
interação entre observador e observado “o método observacional é o início de toda
pesquisa científica, pois serve de base para qualquer área das ciências.”
(LAPLANTINE, 2000). A observação participante basea-se no contato do
pesquisador com o fenômeno observado, para recolher as ações dos atores em seu
contexto natural, a partir de sua perspectiva e seus pontos de vista. A observação,
portanto, deve ser participante, exatamente para que experiências sejam partilhadas
entre o antropólogo e o grupo estudado.
A fotografia, também possibilitou uma forma de ‘reciprocidade’. Luiz Eduardo
Robinson Achutti(1997), que era repórter-fotográfico de um jornal em Porto Alegre,
leva fotos que já tinha tirado em visitas anteriores. para mostrar aos catadores do
lixão de Vila Duque, local em que realizava sua pesquisa.
Mais uma vez, procedo ao ritual de entrega de presentes, assim como alguns
fazem com tribos ainda não acostumadas à presença de forasteiros ou
pesquisadores. Fotografias são muito mais do que espelhos, são espelhos ideais,
são espelhos mágicos, espelhos que espelham para trás, para um tempo anterior
que já passou. De qualquer forma sinto que ofereço algo em troca do ato de
"roubar-lhes as almas". Uma "moderna troca de presentes": a imagem real matéria prima que me oferecem - pela imagem fotográfica - a cristalização de um
momento com um determinado recorte. Ambos decididos por mim. Chego e, além
de atrapalhar o trabalho das catadoras, interfiro em todo o meu campo de
pesquisa. Como vou trabalhar se estão todas a olhar fotografias em vez de
selecionar o lixo? Que etnógrafo mais narciso traz para campo elementos que
levam-no a fazer parte das cenas a serem fotografadas? Passo a fotografá-las
olhando fotografias. A Rose chegou a desmontar uma moldura para colocar as
suas fotos. O quadro foi parar em cima da mesa principal do galpão, perto do lugar
onde fazem o repouso e o acerto de contas. Passo tam-ben a fazer parte do lugar
onde fica uma espécie rara de santuário polissêmico: máscaras, Cristo, Mickey,
cruz, flores. (ACHUTTI, XXVII, 1997)
As fotos ajudaram na aproximação com os índios, afinal muitos conhecem
outras aldeias ou tem parentes nela. Levei fotos da Aldeia Kakane Porá (em
Curitiba) da Aldeia Guarani Araçai, (em Piraquara, região metropolitana de Curitiba),
do time de futebol da aldeia Kaingang, de quando estiveram num evento de etnodesportes indígenas na Universidade Estadual de Maringá, em 2011.
1 - Os Índios antes do Paraná
Os “vicentistas”, assim chamados por virem da Capitania de São Vicente,
foram os primeiros povoadores do atual território paranaense. Moradores de Iguape,
explorando as margens da baia de Paranaguá, descobriram aluviões auríferas nos
córregos e rios que descem a serra do Mar e nos anos de 1630-1640 formavam os
primeiros arraiais litorâneos. O principal deles seria, futuramente, a cidade de
Paranaguá. Simultaneamente mineiros, também vicentistas, progredindo pelo vale
profundo do rio Ribeira alcançaram seu afluente, o Açungui, e pouco mais tarde
atingiram o planalto curitibano.
Nas décadas de 1720-1730 acontece a decadência da mineração na região,
afinal a mineração não gerava um dinheiro garantido e imediato, e a mão de obra
escrava estava sendo deslocada para outras regiões de mineração no Brasil.
Começa a migração para o que seria no futuro os Campos de Curitiba. "A 'bateia' foi
sendo suplantada pelo 'laço, o 'curral' sucedeu à 'lavra' (BERNARDES, 1952). Em
1812 a sede da Comarca era transferida de Paranaguá para Curitiba.
Bernardes(1952) chama a atenção para o fato de que, em 1854, não se ocupava
1/5(um quinto) da área do Paraná. A área ocupada seria em torno de 35.100 km2 , e
sendo a estimativa da população na época 60.626 hab, temos uma media de 1,7
hab por km2 , ou seja, o processo de ocupação da terra não é acompanhado pela
ocupação humana.A idéia defendida era que "Não se penetra nos territórios
indígenas, e sim no sertão, sinônimo de vazio demográfico" (BERNARDES, 1952,
p.433).
De acordo com o historiador Ruy Wachowicz(1972), é provável que o litoral
paranaense já estivesse sendo freqüentado desde 1554 por grupos de indivíduos ou
isoladamente, bem como, por bandeiras predadoras de índios Carijós. Vieira dos
Santos, que seria o primeiro historiador do Paraná, estimou a existência, nessa
época, de cerca de seis a oito mil índios na região, mas não atribui a esse período o
início de um povoamento permanente dos ibéricos, pois as principais atividades
exercidas pelos comerciantes ou predadores de índios eram “tipicamente nômades”
(WACHOWICZ , 1972)
O médico e naturalista alemão Robert Avé–Lallemant(1998), que percorreu o
Brasil, conta que frequentemente no caminho entre Santa Catarina e Paraná ouvia
comentários e perguntas sobre os ‘bugres’ 1 na ‘Primeira estância no Estado do
Paraná’.
Os senhores não encontraram bugres! Foi essa a primeira pergunta que nos
fizeram quando falamos de nossa expedição. Sempre os selvagens! Há alguma
coisa de terrível na luta entre esses homens-animais da selva e o civilizado da
colônia! Por menos numerosos que sejam os primeiros e por menos civilização
que tenham os últimos, não se pode pensar em transição de uns para as outros,
em nenhum tráfego, acordo ou conciliação. Onde se encontram, espreitam-se e
lutam com toda a certeza. Onde a flecha de um sai, zumbindo, da emboscada, a
espingarda do outro estoura e envia-lhe uma bala sibilante contra o corpo nu. O
bugre não tem direito algum, porque não reconhece nenhum direito. (AVÉLALLEMANT([1887], (1998), p.35-36)
Telêmaco Morosines Borba(1908), que por longo tempo conviveu com os
Kaingang como administrador do aldeamento de São Jerônimo em 1865, e mais
tarde, em 1880, nomeado diretor dos índios da cidade de Tibagi, escreveu uma das
primeiras monografias sobre eles. Borba escreveu: “Dizem, estes índios, que seos
antepassados habitavam o território das actuaes comarcas de Castro e Guarapuava,
de onde dirigiam seos ataques aos habitantes das orlas do sertão e aos tropeiros e
viajantes, que percorriam a estrada que do Estado do Rio Grande do Sul se dirigia a
este.” (BORBA, 1908, p.5)
O primeiro que deu-lhes o verdadeiro e generico nome de Kaingangues penso que
fui eu. Os que aldearam no Jatahy chamam-se 'Kaingangue-pé, isto é,
Kaingangues legitimos, verdadeiros ;mas, entre elles distinguem-se os Camés,
Cayurucrés e Kaingangues. Os que habitam nas imediações de Guarapuava e
Palmas chamam-se Camés. Os da zona comprehendida entre os rios Piquiri e
Iguassu, Xocrés, os da margem direita do Paranapanema 'Nhafkateitei'.
Entretanto, falam todos a mesma lingua, usam as mesmas armas e utensilios e
têm os mesmos costumes. (BORBA, 1904, p.54)
De fontes governamentais também temos relatos sobre a presença indígena
no Paraná. Em 15 de julho de 1854, o primeiro presidente da Província do Paraná,
Zacarias de Góes e Vasconcelos, escrevia em seu relatório sobre os indígena. "He
huma desgraça, mas a verdade obriga-me a dizer-vos que, nesta província, onde os
índios selvagens aos milhares (a câmara municipal de Guarapuava avalia em mais
1 Bugre: O significado primeiro foi de indivíduo herético. Passou depois a designar o índio não
catequizado. (MELO, Osvaldo Ferreira de. Glossário de instituições vigentes no Brasil-Colônia e
Brasil-Império. Brasília: OAB Editora, 2004). de dez mil os que percorrem os sertões do Paraná) habitam o território de certos
municípios." (VASCONCELOS, 1854, p.60)
Alfredo Maria Adriano d'Escragnolle Taunay,2 o Visconde de Taunay,
também fala sobre a presença dos índios no Paraná.
Logo que cheguei a Província do Paraná, de que fui presidente pouco mais de
cinco meses, de 28 de setembro de 1885 a 4 de maio de 1886, tive que me avir
com os chamados índios de Guarapuava. Vagava pelas ruas de Curityba uma
turma semi-nua dessa gente, reclamando ferramentas, roupas, dinheiro, etc., e
lamentando-se de haverem sido maltratados por brasileiros e despojados de terras
que lhe pertenciam." Esta nação de indios é chamada pelos brasileiros corôados
pelo costume de cortarem os cabellos á maneira dos frades franciscanos, não
gostam, porém, desse apellido, e a si mesmos se chamam Caingang, que em
lingua portugueza quer dizer indio ou antes aborigene. Tambem se appellidam
Caingang-pé (Indio legitimo) e Caingang-venheré (Indio cabello cortado), mas os
historiadores sempre os tratam pelo nome de Camés, palavra cuja etymologia aind
anão foi nos dado conhecer. (TAUNAY,1888, p.258)
Segundo os estudos arqueológicos, as populações "caçadoras-coletoras"
associadas à Tradição Humaitá, foram as primeiras a ocupar a região do atual
estado do Paraná a partir de 7.000 anos atrás. Essas populações presenciaram por
volta de 2.500 anos atrás a chegada e a ocupação de grupos falantes das línguas
Jê, agricultores ascendentes dos atuais povos Xokleng e Kaingang. Os Xokleng,
conhecidos arqueologicamente como "Tradição Itararé", foram os primeiros a
colonizar o Paraná. Os Kaingang, vinculados pelos arqueólogos à "Tradição Casa
de Pedra", entraram posteriormente no Estado, ocupando as regiões de campo nas
bacias do alto Ivaí e médio Iguaçu. Por sua vez, a partir de pelo menos 2.000 anos
atrás, essas populações Kaingang presenciaram a chegada de outros povos,
falantes das línguas do Troco Tupi ascendentes dos Xetá e Guarani. (
CHMYZ(1968) , MOTTA(2008) )
2 – Os Índios do Paraná: Kaingang, Guaranis e Xetás e suas habitações
Nesse trecho pretendo realizar uma breve apresentação das 3 etnias
indígenas do Paraná: Kaingang, Guarani e Xetá e relatos sobre suas habitações
tradicionais.
2 Alfredo Maria Adriano d'Escragnolle Taunay (Rio de Janeiro, 22 de fevereiro de 1843 — Rio de Janeiro, 25 de
janeiro de 1899), o Visconde de Taunay. Foi escritor, artista plástico, professor, engenheiro militar, político,
historiador. Autor do romance Inocência. Em 1881 é eleito deputado pela província de Santa Catarina e, em
1885, nomeado presidente da província do Paraná, exercendo tal cargo até 3 de maio de 1886. Neste ano, tornase senador por Santa Catarina. 2.1 - Kaingang
Os Kaingang pertencem à família lingüística Jê. Os Kaingang são a terceira
maior etnia indígena do Brasil, e são encontrados no Paraná, Santa Catarina, Rio
Grande do Sul e São Paulo. O habitat preferencial dos povos da Tradição Cerâmica
Taquara (Itararé), antepassados dos Kaingang, seriam regularmente os terrenos
altos e frios com uma vegetação também adaptada à baixa temperatura que são os
campos e as matas mistas com pinheiros. Aí as geadas são comuns nas
madrugadas de inverno e a neve não chega a surpreender (Schmitz, 1991, p.82). No
Paraná, ocuparia os três planaltos que constituem o Estado, em áreas semelhantes
e partes do litoral Atlântico(Chmyz, 1971 p.ll). Esse habitat preferencial fica entre
grandes rios, o Paranapanema e seus afluentes, como o Tibagi, o Itararé, entre
outros; o Paraná com seus afluentes Iguaçu, Piquiri e o Ivaí (Chmyz e Sauner, 1971,
p.13-14).
As culturas cerâmicas identificadas pelos arqueólogos como Tradição Itararé
e Tradição Casa de Pedra, no Paraná, assim como a Tradição Taquara, no Rio
Grande do Sul, representariam a continuidade da ocupação mais antiga de
caçadores-coletores no Sul do Brasil, e são reconhecidas como antecessoras das
atuais sociedades Jê Meridionais (Chmyz 1981, p.94-5). Segundo Jose Loureiro
Fernandes(1941), o território tradicional dos Kaingang era a área entre os rios
Uruguai e Iguaçu. Na medida em que os interesses coloniais facilitaram, no século
XVII, o aniquilamento das populações Guarani aldeadas pelos jesuítas espanhóis,
os Kaingang puderam se expandir para o norte e sul daqueles rios.(FERNANDES,
1941)
Kimiye Tommasino(2000), ao analisar a mobilidade territorial dos Kaingang
chama a atenção para não nomeá-los erroneamente como nômade. “Nomadismo
implica abandono de um território e ocupação de outro e esse não parece ser o caso
dos Kaingang” (MOTA, NOELLI, TOMMASINO, 2000, p.200). Os Kaingang não
abandonavam suas casas fixas, nelas ficavam alguns parentes enquanto outros
saíam para caçar, pescar ou coletar e se estabeleciam nas residências temporais.
Telêmaco Borba(1908) diz que os Kaingang viviam
reunidos aos magotes de 50, 100 e mais individuos, sob a direção de seos
caciques. Não teem habitação permanente; geralmente se mudam todos os
annos, à proporção que vão rareando os meios naturaes de sua subsistencia.
Quando encontram local abundante em caça e mel, constroem grandes ranchos,
de 25 a 30 metros de extensão, cobertos e cercados com folhas de palmeira, sem
nenhuma divisão interna, [...] no centro desses ranchos accendem os fogos para
cada família.(BORBA, 1908, p.7-8)
Sobre as casas construídas pelo SPI (Serviço de Proteção ao Índio) em
Palmas, no Paraná, no Toldo das Lontras, Jose Loureiro Fernandes (1941) diz que
algumas casas eram próximas entre si, e em torno de uma praça central. Outras
casas estavam dispersas nas terras da reserva de acordo com a melhor
conveniência de moradores, isoladas ou agrupadas em pequenos grupos. Isso nos
permite pensar numa certa liberdade oferecida aos seus moradores ou ao cacique
ou grupo ligado ao cacique.(Loureiro Fernandes, 1941, p.l68). Diz também que
"sobre as cabanas de base retangular que têm cobertura em duas vertentes,
constituídas por camadas superpostas de folhas de palmeira, mas já não é com
essas folhas que constroem, como outrora, paredes laterais; substituídas que foram
pelos troncos das palmáceas fendidas ao meio, que são fincadas no solo, lado a
lado, constituindo anteparo seguro e duradouro". Os índios mais velhos de Palmas
contaram a Loureiro Fernandes que as antigas habitações eram grandes ranchos
cobertos de folha de palmeira Jerivá, com paredes do mesmo material.
2.2 - Guaranis
Os Guaranis do Brasil Meridional3 segundo Schaden(1962), podem ser
divididos em três grandes grupos: os Nandéva, os Mbya e os Kayowá.
Acredita-se que eles utilizaram 2 rotas no território brasileiro. A primeira, vindo
da Argentina, chegando ao Brasil pelo Rio Grande do Sul, ao se deslocar para o
norte formou os aldeamentos de Rio Branco, em São Paulo; a segunda, que do
Paraguai atingiu o Paraná, formou vários aldeamentos. (Ladeira & Azanha,
1988.p.16). Os Guarani possuíam um padrão para ocupar novas áreas sem
3 Segundo Aldo LITAIFF, o número de Guarani em toda a América do Sul é de aproximadamente
65.000 indivíduos, sendo que 36.000 vivem no Brasil, mas, devido aos constantes deslocamentos de
populações, é difícil precisar o número de Guarani Mbya. abandonar as antigas. Os grupos locais se dividiam com o crescimento demográfico,
ou por problemas políticos, indo habitar áreas próximas, levando consigo seus
objetos e plantas. Assim como trouxeram suas casas, vasilhas cerâmicas e outros
objetos, os Guarani também traziam diversas espécies de vegetais úteis para vários
fins (alimentação, remédios), contribuindo para o aumento da biodiversidade.
As aldeias tinham tamanhos variados, podendo comportar mais de mil
pessoas organizadas socialmente por meio de relações de parentesco e de
aliança política. Essas famílias extensas viviam em casas longas, e cada
aldeia poderia ter até sete ou oito casas. As casas eram construídas de
madeira e folhas de palmáceas, podendo abrigar até trezentas ou
quatrocentas pessoas e alcançar cerca de trinta ou quarenta metros de
comprimento por até sete ou oito metros de altura. Algumas aldeias,
dependendo de sua localização, poderiam ser fortificadas, estando cercadas
por uma paliçada. (MOTA, 2008, p.27)
Os domínios territoriais Guarani, denominados de guará (conjunto de diversas
Tekoá) eram subdivididos em unidades territoriais sócio-economicamente aliadas,
denominadas de tekoá. Cada tekoá era possui 3 espaços - a vegetação, as roças e
a aldeia(NOELLI, 1993). Sem o espaço tekoá não se consegue reproduzir a vivencia
tradicional Guarani, o tekó, segundo Meliá(1989) “sem tekoá não há tekó”. Azanha &
Ladeira (1988) definem o tekoá como sendo “o lugar onde existem as condições de
se exercer o modo de ser/estar Guarani”.
Para Ladeira (1989) dificilmente hoje a área de uma aldeia guarani consegue
suprir o verdadeiro significado geográfico e ecológico de um tekoá, porque seus
limites físicos muitas vezes são insuficientes para conter neste espaço todos os
elementos imprescindíveis para a plena vivência da tradição sócio-cultural.
A mobilidade faz parte do modo de vida dos Mbyá e, se por um lado implica
em se manterem dispersos por comunidades formadas por famílias extensas num
amplo território. Os deslocamentos são uma estratégica para manter a ligação entre
as aldeia, a troca de semestes, alem de visita aos familiares, participação de festas,
eventos, jogos de futebol etc. A boa caminhada (oguatá porã), também esta
baseada no mito da busca da Terra Sem Mal, “Yvy marã eÿ” (CLASTRES, 1978).
Alem disso, a mobilidade dos Mbyá acabou por dificultar seu contato mais direto
com o Jurua(branco), o que ajudou a manter sua cultura tradicional mais preservada.
Schaden(1974) refere-se a eles como “os guarani menos aculturados”.
Litaiff & Darella (2000,p.20) observaram que as habitações encontradas nas
aldeias Mbyá são pequenas construções com telhados de duas águas, recobertas
com travessas de bambu ou finos barrotes de madeira e revestidos com folhas, e a
estrutura é formada por troncos de árvores cortados a machado de forma
longitudinal, fincados no chão, amarrados a uma travessa no sentido horizontal, com
cipó.
Quando se referiam a casa guarani os missionários espanhóis utilizavam o
termo "choza", uma palavra que conota a construções humildes e precárias, o que
implica num juízo de valor de marginalidade e improvisação. Entretanto as "chozas"
guaranis possuíam uma tradição construtiva, que incluía rituais para a seleção e
retirada das madeiras.
Segundo Bartolome Melia, as casas guaranis
eram orientadas a leste, eram pequenas cabanas com a porta para leste. A casas
ficavas do lado de um campo e de um córrego, esses córregos fazem uma nevoa.
Uma espécie de lugar onde está a forca e a energia divina, e aos poucos essa
nevoa se dissipa, e o sol entra na casa. A casa tem 3 portas, a da frente pra leste,
a do lado pro norte, e outra pro sul, a Oeste não tem porta, a oeste ficam as
marakas, os bastões, as varas. (conversa pessoal realizada em 2011)
Se os materiais das antigas casas eram muito simples, isso também tinha
relação com uma facilidade maior que eles possuíam em mudar o local de
residência, mudando-se para mais perto da roça, para outras áreas mais produtivas.
O antropólogo Silvio Coelho dos Santos(1975), alertava, já na década de
1970, que na região sul não existia nenhum posto indígena criado especificamente
para atender os Guaranis, todos os postos foram, originariamente, criados para
atender aos Kaingang ou aos Xokleng.
Segundo Tommasino(1992) o fato dos Guaranis viverem em algumas Terras
Indígenas (Tis) kaingang se explica por razões históricas: de um lado, os Guarani
não receberam terras próprias do governo e, de outro, os Guarani (já pacificados
anteriormente) foram utilizados pelos governos imperial e republicano como
anteparo estratégico nos processos de conquista dos Kaingang arredios de toda a
região. Uma vez conquistados os Kaingang, os Guarani permaneceram nas mesmas
terras delimitadas das colônias indígenas do Império (colônias indígenas de São
Pedro de Alcântara e São Jerônimo) e, depois, das reservas indígenas criadas no
início do século XX pelo governo republicano.
2.3 - Xetás
Os Xetá pertencem ao tronco lingüístico Tupi-Guarani. Habitavam
tradicionalmente o noroeste paranaense, às margens do rio Ivaí, no distrito de Serra
dos Dourados, e os municípios de Umuarama, Douradina e Ivaté. Havia notícias da
existência de grupos indígenas na região da Serra de Dourados entre o final dos
anos de 1940 e no início de 1950, o que levou a uma série de investigações para
manter contatos com os grupos que habitavam a região. Foram encontrados
vestígios materiais que confirmavam a presença indígena, e em 1956, a
Universidade do Paraná, hoje UFPR, formou uma equipe de pesquisa. O
reconhecimento da presença Xetá não impediu que o governo do estado
desenvolvesse sua política de colonização, atingindo diretamente o território e a
população Xetá.
Na época do contato, em 1940, já seriam poucos. Estavam debilitados pela
redução de sua área de domínio, ocupada pela agricultura cafeeira. (SILVA, 1998)
Em 1872, a expedição do engenheiro Bigg-Wither, próximo ao Rio Bonito, afluente
do rio Ivaí, encontra um grupo de 26 indígenas chamados chamados "botocudos".
Em 1956, uma expedição do Serviço de Proteção ao Índio(SPI) chefiada pelo
professor Jose Loureiro Fernandes, contatou um grupo de 30 Xetás em 3
acampamentos. Segundo Vladimir Kozak, que participou da expedição, este grupo
desapareceu logo depois deste contato, mortos por uma epidemia de gripe. Kozak
realizou gravações dos cantos e mitos e alem de fotografias e gravações em vídeo.
Entre 1955 e 1961 esse trabalho etnográfico prossegue com um grupo de 18 Xetás
na fazenda Santa Rosa. Em 1958, uma das expedições da Universidade do Paraná
a Fazenda Santa Rosa, o linguista Chestmir Loukotka recolheu um vocabulário de
aproximadamente 500 palavras Xetás.
Os índios Xetá costumavam dormir ao relento, sobre esteiras posicionadas
em tomo de uma fogueira central. Ao redor das pessoas eram fincadas pequenas
estacas no solo para evitar que alguém pudesse rolar sobre o fogo. Os pequenos
abrigos denominados tapuy eram utilizados somente como proteção para o sol, a
chuva ou o frio, e eram habitações que comportavam de quatro a seis pessoas. Para
a montagem do tapuy faziam-se necessário no mínimo 2 homens, que amarravam
galhos transversalmente a uma estrutura previamente montada com 12 galhos de
árvores ou troncos novos e flexíveis, e hastes de bambu, formando uma espécie de
cúpula. O teto era recoberto com folhas de palmeira de jerivá, ticando aberta a parte
inferior da habitação. Somente nos dias mais frios de inverno o tapuy permanecia
totalmente vedado. (Museu Paranaense, SD)
FIGG 1: Aldeia Xetá - Fonte Jornal Gazeta do povo 5-03-2005
No Paraná, os descendentes dos Xetás vivem nas comunidades indígenas
Guarani e Kaingang. São Jerônimo da Serra é a aldeia com maior número de
famílias Xetá no Brasil. No Paraná, além de São Jerônimo da Serra e Curitiba, há
Xetá em Guarapuava e Umuarama. Os estados de Santa Catarina e São Paulo
também possuem famílias Xetá. Atualmente, os Xetá somam aproximadamente 300
pessoas.(2010)
3- A experiência da COHAB-Curitiba: Kakané Porá
Em março de 2004, aproximadamente 100 índios chegaram a Estação
Ecológica do Cambuí, que fica numa área de proteção ambiental no interior do
parque Iguaçu ,na divisa entre Curitiba e São José dos Pinhais, na Avenida
Comendador Franco 9553.. No início do ano de 2004 o grupo estava acampado num
terreno das Faculdades Espírita, em Piraquara, mas tiveram de deixar o local por
determinação da Justiça. As construções da estação ecológica estavam desocupada
há alguns anos e serviram de abrigo para as famílias indígenas. "Quando chegamos
aqui, estavam nas paredes várias fotos e cartazes sobre os índios, mas índio
mesmo é a primeira vez que aparecia", disse o cacique Carlos Alberto Luiz dos
Santos, o “Kajer”, da etnia Kaingang. No local funcionou o Museu Ecológico da
Reserva Biológica do Cambuí, organizado pelo geólogo, ex-professor da UFPR, e
ambientalista João José Bigarella que foi desativado a aproximadamente 17 anos,
depois de uma enchente, mas parte do material ficou lá..
"Somos todos artesãos e é isto que torna complicada nossa permanência no
interior, precisamos que alguém compre o que produzimos. Lá(em Mangueirinha)
temos uma área grande para viver, mas não conseguimos renda suficiente para
sobreviver ", disse o Cacique Carlos. Parte do grupo veio de uma aldeia indígena em
Mangueirinha (interior do Paraná). "Lá temos uma área grande para viver, mas não
conseguimos renda suficiente, disse o Cacique Carlos.
No Cambuí os índios dividiam pequenas casas e 1 barracão. Havia apenas 3
banheiros, e
2 chuveiros, sendo que 1 deles estava estragado e só podia ser
utilizado para banho de água fria. As roupas eram lavadas em uma caixa de água
antiga compartilhada por toda a comunidade. Havia sinais de umidade, falta de
saneamento e grande quantidade de insetos.
No dia 9 de dezembro de 2008, 35 famílias indígenas mudaram-se para
casas de 43 m2 , construídas pela Companhia de Habitação Popular de Curitiba, em
uma área de 44,2 mil metros quadrados (equivalente ao tamanho de pouco mais de
cinco campos de futebol). O terreno fica no bairro Campo do Santana, próximo da
BR-116, na Região Sul de Curitiba, do Caximba, e de algumas olarias, fábrica de
telhas e cerâmicas, o que gera um trânsito pesado de caminhões pelo região. A
aldeia tem 35 casas, ao redor de uma praça. Não ha subdivisão de lotes. As casas
ficam ao lado de um bosque de 9,6 mil metros quadrados, existente no terreno. “Não
é um lugar perfeito, porque a área verde é pequena e índio gosta de mato, mas será
mais fácil receber as pessoas aqui”, disse o cacique Carlos.
O nome da aldeia surge da união das palavras ''kakané'', do kaingang, que
significa ‘fruto da terra’ e ''porã'', do guarani, que significa ‘bom’, um nome que
segundo as autoridades presentes, representaria a multiplicidade dos indígenas da
aldeia – mas não existe nenhuma referência aos Xetás no nome da aldeia.
O então presidente COHAB-Curitiba e atual presidente da COHAPAR
(Companhia de Habitação do Paraná), Mounir Chaowiche, esteve presente, e disse
que foram gastos R$ 705 mil com as casas e benfeitorias., valor esse financiado
pelo Programa de Aceleração do Crescimento(PAC).
De acordo com um termo de comodato entre a Prefeitura de Curitiba e a
FUNAI, as famílias não poderão ceder, nem vender, nem desvirtuar o uso
residencial dos imóveis. Mesmo não tendo que pagar pelos imóveis, cada família
paga os custos com água e energia elétrica. Os índios também se comprometem a
cuidar de um bosque existente na área da aldeia.
Uma das grandes novidades na vida dos índios que vivem na nova aldeia é
a presença de chuveiro elétrico. Antes eles tomavam banho frio ou tinham que
esquentar água para fazer a própria higiene. "Vai ser bom principalmente no
inverno. Minha filha mais velha, de 6 anos, era a que mais sofria com a falta de
chuveiro quente. Ela tinha que tomar banho pela manhã, antes de ir para a escola
e quase morria de frio no inverno", disse Cleuza Fernandes, Guarani que mora
com dois filhos e um irmão. Outra maravilha, na opinião de Elza, é a pia para
lavar louça que finalmente vai poder comprar. "Agora eu posso ter uma pia.
Antes, nem adiantava querer porque não tinha como".
A idéia é criar na aldeia uma atividade que lhes garanta uma certa
sustentabilidade financeira. Tentaram fazer um pomar, mas o primeiro problema foi
como buscar as mudas doadas. Entraram em contato com a FUNAI, mas não
conseguiram um carro com caçamba, somente com a ajuda de uma ONG
conseguiram buscar as mudas, mas, infelizmente as formigas destruíram a
plantação. Foi dito, em 2010, que a FUNAI não os deixou usar o veneno.
As casas, que na época da construção, foram anunciadas que seriam diferentes para
cada etnia indígena, uma casa com um determinado modelo para os Kaingangs, e outro
modelo para os Guaranis, no final eram iguais .
FIG 2: As casas, no centro da aldeia uma
FIG 3: Imagem da aldeia, com as casas e campo de
cobertura para uso comum.
futebol (Googlemaps, 2011) A Secretaria de Educação prometeu para 2013 uma escola indígena na
aldeia. Mas, nem sempre o local que os índios gostariam que fosse erguida a escola
é o local escolhido pelo governo, e isso aconteceu lá também. "Queremos a escola
para que nossas tradições possam ser mantidas. O ideal é que haja uma professora
que fale tanto o português quanto nossas línguas nativas. Assim, dando uma
educação mais específica a nossos filhos, poderemos preservar melhor nossos
costumes e nossa cultura. Além disso, as crianças ficarão mais seguras, pois não
terão que sair da aldeia e se deslocar para ir à escola", afirmou a então vice-cacique
Jovina Renh-gá, índia Kaingang.
Em uma das minhas idas de ônibus até a aldeia, ouvi o motorista falando para
o cobrador da linha Caximba ao se aproximar da aldeia, “porque esses índios não
ficam no mato, tanta gente precisando de casa.” Esse comentário mostra como para
grande parte da população o “lugar de índio é no mato”. Um dos pedreiros que
trabalhou na construção da aldeia contou-me que quase todo dia aparecia alguém
perguntando se era um novo conjunto habitacional, se eram casas pra alugar.
Para Stephen Baines, a dúvida popular quanto a ser possível preservar a
comunidade indígena no contexto da cidade "baseia-se no preconceito humilhante
de que o índio pertence à mata e deve permanecer em sua aldeia". Nessa
discussão, a própria designação "índios urbanos" normalmente utilizada para essas
populações é criticada por alguns sob a alegação de reforçar a associação da
identidade indígena com o pertencimento a este ou aquele lugar.(BAINES, 2001)
Quando fiz o relatório do Componente Indígena para a duplicação da BR-116,
em 2010, a grande preocupação dos indígenas era com o aumento do volume de
caminhos e ônibus na estrada que passa na frente da aldeia. Diziam que quando
passa um caminhão muito grande parece que a casa treme. Realmente a rua é
bastante movimentada, passam ônibus de Curitiba, ônibus que vão para outros
municípios, caminhos que desviam da BR-116, caminhos das fábricas de telhas e
olarias da região. Naquele partir daquele momento percebi que nenhum programa
de construção de casas para comunidades tradicionais , e ate conjuntos populares
para não-índios, realiza vistorias e manutenção das casas. E mesmo que os
indígenas tenham uma experiência com construção civil – já ouvi de vários, em
diferentes aldeias, que trabalharam como servente de pedreiro, pedreiro – não
dispõem do equipamento nem de material similar aos das casas para reparar
pequenas avarias. Diferente das casas tradicionais, em que podiam retirar a
madeira, taquaras, folhas de palmeiras da mata.
Das 35 famílias que vieram para a aldeia, 27 estavam em Cambuí, as outras
famílias estavam espalhadas pela cidade. Muitos moraram nos velhos prédios, de 1
cômodo, no centro de Curitiba. Então, foi uma oportunidade de morar num local
melhor, com outros indígenas, numa casa, então sempre foram muito comedidos em
criticar as casas, mas as comparações com os modelos de casas do governo
estadual apareciam: “aqui o banheiro é dentro da casa” , “a varanda é maior”. Alias a
varanda, eventualmente, virava garagem quando estavam com um carro
emprestado, com alguma visita que vinha de carro. Com isso a porta que fica na
frente da casa, ao lado da varanda, ficava inutilizável, pois a porta não abria, e as
pessoas tinham que entrar pela porta dos fundos. Em algumas casas construíram
um ‘puxadinho’ pra guardar coisas. E como no inicio todas as casas estavam
ocupadas, as cestarias e o artesanato ficavam na casa de alguns índios.
4- O Programa Estadual ‘Casa da Família Indígena’
A companhia de Habitação do Paraná(COHAB-PR) possui, desde 2003,
um programa de construção de casas em comunidades indígenas, chamado
‘Casa da Família Indígena’, que, segundo o Governo do Estado do Paraná,
respeita a individualidade de cada etnia.
FIG 4: Casa guarani
FIG 5: Casa kaingang
São 2 projetos de casas diferentes, um para os Kaingangs, um para os
Guaranis. As casas possuem 52 m², são construídas em alvenaria com esquadrias
em madeira, 2 quartos, sala, cozinha, banheiro externo, varanda, e cobertura em
telhas de cerâmicas. O investimento do Governo em cada casa é de
aproximadamente R$ 10 mil. Na década de 1980 o governo do Paraná construiu
casas pré-moldados em algumas aldeias.
Uma queixa que ouvi dos indígenas que moram nas novas casas é que, com
a grande variação de temperatura no estado do Paraná, no verão, essas casas são
muito quentes, e no inverno, muito frias.
Segundo indígenas que moram nas novas casas, com a mudança diminuíram
os casos de doenças respiratórias acarretadas pela umidade e frio nas antigas
casas, também os problemas com insetos teriam diminuído.
Interessante perceber que mesmo tento a nova casa, muitos não
abandonaram, totalmente, a casa antiga, às vezes usando-a como depósito, e as
vezes usando as 2 casas.
FIG 6 e FIG 7: Casa nova e antigas
Conclusão
Mesmo que os projetos de casas não sejam totalmente adequados as
diferentes culturas indígenas, são importantíssimos. A lógica cultural dos povos
indígenas faz com que os espaços sejam utilizados da ^maneira indígena”.
As políticas públicas melhoraram nas últimas décadas, mas ainda existe
muito o que realizar. A construção de casas para os indígenas não basta por si,
precisa estar acompanhada de outros programas. Não existe um modelo de casa
indígena “melhor” e outro “pior”, mas, cada um tem certas características, mas que
podem ser aprimorados tendo em vista o perfil atual dos indígenas no Paraná. Referências bibliográficas
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