DOIS DOCUMENTOS, UMA REGIÃO, NOSSA HISTÓRIA Ana Stela Negreiros OLIVEIRA** Cris BUCO** Elaine IGNÁCIO*** *Doutora em História do Brasil Chefe do Escritório Tecnico I, 19º SR / BR [email protected] **Doutoranda da UTAD-PT ( Affiliation THE CAPES FOUNDATION,MINISTRY OF EDUCATION OF BRAZIL) Pesquisadora Instituto Terra e Memória – Grupo “Quaternário e Pré-Histórica” do Centro de Geociências (uID73 – Fundação para a Ciência e Tecnologia). Mação/Portugal & FUMDHAM / Brasil [email protected] *** Mestre Erasmus Mundus – IPT/UTAD – PT Profa. da UNIVASF – Campus de São Raimundo Nonato / Piauí-Brasil [email protected] Resumo Faz pouco mais de 3 anos que temos acesso a dois documentos importantes para a região do Parque Nacional Serra da Capivara e entorno. A cópia do “Diário de Antonio do Rego Castelo Branco sobre a entrada de 1779” e “Serra da Capivara, e como o prefeito de Petrolina foi parar no Museu do Ipiranga”, um relatório elaborado por Monica M Fernandes. Ambos, em suas viagens, relatam o contacto com a arte rupestre da região do Parque Nacional Serra da Capivara e seu entorno, auxiliando-nos a reconhecer a história da pré-história esta associada diretamente a arte rupestre. Nesta comunicação apresentaremos esses dois documentos evidenciando a importância da história e a arqueologia trabalharem lado a lado para a reconstrução da nossa história. Palavras-chave: arte rupestre, documentos históricos, Parque Nacional Serra da Capivara e entorno, Memória brasileira Ana Stela OLIVEIRA, Cris BUCO & Elaine IGNACIO Os primeiros documentos que temos referência a existência de arte rupestre no Brasil, são na sua grande maioria associados às gravuras. Apesar de serem diversos e de períodos distintos, há um problema quando vamos fazer pesquisa sobre este tema, são muitos os nomes citados, assim como as citações de pesquisadores que citam, porém são poucas as citações copiadas da documentação original, são na maioria, cópias de autores mais recentes que escreveram sobre os autores mais antigos. Só teremos a compreensão da veracidade dos fatos se fizermos pesquisa historiográfica nas fontes originais, primárias. Salienta-se aqui dois documentos, um de 1779 e outro atual, associados à arte rupestre da região estudada, no nosso caso, a região sudeste do Estado Piauí que compreende a área do Parque Nacional Serra da Capivara e entorno. 378 O primeiro documento, que faz menção a existência de pinturas rupestres no Estado do Piauí, mais precisamente na região sudeste do Estado é o “Diário de Antonio do Rego Castelo Branco sobre a entrada de 1779”. Este documento, apesar de ser conhecido por alguns pesquisadores, esteve perdido e não foi publicado até ser descoberto e estudado recentemente pela pesquisadora Ana Stela de Negreiros Oliveira em sua tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) intitulada: „O Povoamento Colonial do Sudeste do Piauí: Indígenas e Colonizadores, conflitos e resistência”. Ele fornece informações relacionadas ao conhecimento de muitos aspectos da vida do homem do Sudeste do Piauí no sec.XVIII tendo como referência os homens que participaram da tropa. São relatadas situações do cotidiano, os problemas enfrentados, a bravura, as fraquezas, a capacidade de adaptação a terra hostil desses homens e são descritas as serras, as lagoas, a terra e por fim, a relação do homem com a natureza e com os povos indígenas, os outros habitantes do local. (OLIVEIRA, 2007: 118) A comitiva era formada por mais de 130 homens, tendo a frente o comandante João do Rego Castelo Branco, que por ser comandante e estar praticamente cego ia a cavalo, com mais alguns – poucos militares, enquanto todos os outros iam a pé. Andavam em média três ou quatro léguas por dia adentrando o sertão. Participaram da entrada, seus filhos, Félix do Rego Castelo Branco e Antonio do Rego Castelo Branco, autor do diário.(OLIVEIRA, 2007: 119) A entrada, que buscava encontrar os índios Pimenteira, saiu de Oeiras em 15 de abril de 1779 voltando a 30 de julho deste mesmo ano. Nela, dos 132 soldados, 94 deles eram índios retirados dos aldeamentos de Cajueiro, São João de Sende e São Gonçalo do Amarante, sendo 12 Jaicó, 37 Acoroá e 45 Gueguê. O sucesso dessas entradas era garantido por eles que faziam o papel de guias, intérpretes e soldados para aquela região semi-árida. (OLIVEIRA, 2007: 124) A tropa utilizava o mesmo saber indiciário utilizado pelos povos indígenas, seguindo os rastros deixados pelo caminho. Existia também toda uma preocupação em observar a natureza para entender e seguir. Geralmente essa tarefa de decifrar os sinais era dada aos indígenas arregimentados nos aldeamentos, que seguiam na tropa e sempre eram escalados para ir à frente. Todos os tipos de vestígios encontrados serviam como indicativo de quem passara por ali. Os “sinais” variavam de restos de cerâmica, de matos caídos ou rastros. O documento busca dar ênfase à questão da água, que era de difícil acesso e de péssima qualidade, barrenta e suja. Isto pode ser considerado como causa de moléstias entre soldados. A tropa sempre se dividia, para buscar o melhor caminho e procurar água, e em seguida avisar o restante da Bandeira. Estavam, em tropas distintas, nessa busca quando no dia 16 de junho registra-se que soldados ao voltarem indicam ter visto arte rupestre na serra. 8/ História da Investigacão em arte rupestre:origem e debates DOIS DOCUMENTOS, UMA REGIÃO, NOSSA HISTÓRIA “A 16 se mandaram dois soldados com carnes assadas a suprir os 5 soldados da dita escolta que só faltavam, e os mandamos procurar ao lugar dos altos donde saímos, por supormos lá iriam ter, no que nos enganamos, porque pelas 9 horas chegaram os 5 soldados; com cuja vista nos alegramos muito pelos supormos mortos; e logo se socorreram com o comer, de que vinham com muito faltos, e se mandou ao ajudante Felix carne, e duas cargas de água, e se mataram duas reses para secar e viemos dormir a fralda da serra em um boqueirão distante de uma légua, onde se descobriu água boa, porém só para gente e nenhum pasto para cavalos sendo forçoso mandálos para a tal chamada lagoa, por ter ali bom capim. Deram por notícia os soldados que na serra grande do Norte viram várias pinturas de Tauá, feitas pelo gentio, de pássaros vários, onças, ratos estes tudo muito perfeitos; porém antigo; e também pinturas desonestas”. (OLIVEIRA, 2007a: 14) Não há duvidas de que essas pinturas registradas nesse documento pertencem ao conjunto de sítios arqueológicos da região Sudeste do Estado Piauí pela localização geográfica dessa Bandeira. Independente de não sabermos qual sítio é, podemos dizer, inclusive pela descrição morfológica das figuras e das composições, com destaque para as cenas sexuais, que esse conjunto pictórico faz parte da Tradição Nordeste que pode estar localizada no Parque Nacional Serra da Capivara, Parque Nacional Serra das Confusões, Corredor Ecológico e entorno. Para uma pesquisa futura o ideal será reconstruir esse caminho buscando vestígios da cultura material indígena recente e préhistórica associados a essas informações e quem sabe, descobrir o sítio arqueológico que foi observado em 1779. O outro documento consultado, o manuscrito: Serra da Capivara, e como o prefeito de Petrolina foi parar no Museu do Ipiranga, organizado em 2006 por Monica M. Fernandes, filha de Luiz Augusto Fernandes, prefeito de Petrolina na época, baseado em fotos e lembranças suas e de seus pais sobre a excursão de seu pai acompanhado de João Freitas (Juazeiro, BA) e Aristófanes (município próximo) à Serra das Confusões com passagem pela Serra da Capivara e, visita ao Museu do Ipiranga, em São Paulo. Luiz Augusto Fernandes era engenheiro e foi prefeito da cidade de Petrolina, Pernambuco, no periodo de 1959 a 1963, quando a cidade tinha 15 mil habitantes. Ela dista 300 quilômetros da Serra da Capivara. Ele costumava fazer excursões em buscas de achados paleontológicos e arqueológicos, e em uma viagem, nos anos 60, à Serra das Confusões ficou sabendo de inscrições na Serra da Capivara, foi vê-las e fotografou. No caminho encontraram uma pedra pintada e pelas fotos desse documento percebemos que uns dos sítios arqueológicos visitados é a Toca do Paraguaio, o primeiro a ser cadastrado pela equipe da missão francobrasileira, chefiada pela Dra Niède Guidon, arqueóloga responsável pela missão e atual Diretora Presidente da FUMDHAM. Em 1963, por ocasião de uma visita a São Paulo e Rio de Janeiro, ele aproveitou para ir mostrar as fotografias ao Museu do Ipiranga e lembra que falou com uma mulher. Na época, Niède Guidon, era funcionária do Museu do Ipiranga, também conhecido como Museu Paulista da USP, e foi com ela que eles conversaram. Realizou-se um primeiro contato que rendeu o que hoje conhecemos como Patrimônio Cultural da Humanidade reconhecido internacionalmente – O Parque Nacional Serra da Capivara. Esse documento evidencia mais uma história dos inícios da pesquisa nessa região. Era conhecido o fato de que, alguém da “família de Gaspar Ferreira”, na época e outras vezes mais, prefeito de São Raimundo Nonato, que tinha se encantado com uma exposição no Museu do Ipiranga e dito que havia pinturas parecidas com aquelas na sua cidade. Esses contatos fizeram com que em 1963, Niède Guidon e Vilma Chiara tentassem vir pela primeira vez a região da Serra, chegando até a cidade de Casa Nova, Bahia, mas só foi possível um tempo depois, 1970, pois as estradas estavam cortadas, eram muito ruins. Congresso Internacional da IFRAO 2009 – Piauí / BRASIL 379 Ana Stela OLIVEIRA, Cris BUCO & Elaine IGNACIO O que realmente importa é que foram dados, entre 1962 e 1963 pontapés iniciais desse imenso projeto, no qual fazemos parte ativamente construíndo uma nova história, ou melhor, histórias desde a Pré-história Agradecimentos A todos que contribuíram, direto e indireto, para a construção da história das descobertas dos sítios arqueológicos do Parque Nacional Serra da Capivara, especialmente a Monica Fernandes e seu pai, que tomaram a iniciativa de escrever a Dra Niede Guidon enviandonos o seu relatorio e a própria que informalmente nos elucidou questões desse primeiro contato e teve a curiosidade e coragem de atravessar esse sertão faz mais de 35 anos. Placa pintada encontrada no caminho para os sítios da Serra da Capivara (FERNANDES.2006: 1) 380 Fotos das pinturas da Serra da Capivara (Toca do Paraguaio)(FERNANDES.2006: 8) Bibliografia Consultada Oliveira, Ana Stela de Negreiros. 2007. O Povoamento Colonial do Sudeste do Piauí: Indígenas e Colonizadores, conflitos e resistência. [Tese de Doutorado apresentada ao Programa de PósGraduação em História do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)] Não publicado. Oliveira, Ana Stela de Negreiros.2007a. “Diário de Antonio do Rego Castelo Branco sobre a entrada de 1779” [Cópia do Diário dos mais notáveis acontecimentos da guerra aos Pimenteiras, por Antonio do Rego Castelo Branco. Lagoa do Tabuleiro, 30 de julho de 1779. IHGB, Coleção Instituto Histórico, lata 222, pasta 27] In: Tese de Doutorado apresentada ao Programa de PósGraduação em História do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Não publicado. Fernandes, Monica M. 2006. Serra da Capivara, e como o prefeito de Petrolina foi parar no Museu do Ipiranga [ Relatório de viagem] Não publicado. Vista atual da Toca do Paraguaio, primeiro sitio a ser visitado por Niede Guidon (Fotos: Cris Buco. Arquivo Próprio) 8/ História da Investigacão em arte rupestre:origem e debates