O Suicídio
Estudo de Sociologia
O livro é a porta que se abre para a realização do homem.
Jair Lot Vieira
Émile
Durkheim
O Suicídio
Estudo de Sociologia
Tradução de
Andréa Stahel M. da Silva
O Suicídio
Estudo de Sociologia
Émile Durkheim
Tradução: Andréa Stahel M. da Silva
1ª Edição 2014
© desta tradução: Edipro Edições Profissionais Ltda. – CNPJ nº 47.640.982/0001-40
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida ou transmitida de qualquer forma ou por quaisquer meios, eletrônicos ou mecânicos, incluindo fotocópia,
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por escrito do Editor.
Editores: Jair Lot Vieira e Maíra Lot Vieira Micales
Coordenação editorial: Fernanda Godoy Tarcinalli
Editoração: Alexandre Rudyard Benevides
Revisão: Fernanda Godoy Tarcinalli
Diagramação e Arte: Karine Moreto Massoca
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Durkheim, Émile, 1858-1917.
O suicídio: estudo de sociologia / Émile Durkheim; tradução de Andréa Stahel M. da Silva. – São
Paulo : EDIPRO, 2014.
Título original: Le suicide
ISBN 978-85-7283-861-0
1. Suicídio – Aspectos sociológicos I. Título.
13-08571
Índices para catálogo sistemático:
1. Suicídio : Aspectos sociológicos : Costumes 394.8
CDD-394.8
Sumário
Prefácio ....................................................................................
7
Introdução ..........................................................................................
13
Livro I – Os fatores extrassociais ...................................
27
Capítulo I – O suicídio e os estados psicopáticos ..........................
29
Capítulo II – O suicídio e os estados psicológicos normais:
A raça – A hereditariedade ..........................................................
59
Capítulo III – O suicídio e os fatores cósmicos ..............................
83
Capítulo IV – A imitação ..................................................................
105
Livro ii – Causas sociais e tipos sociais ....................
131
Capítulo I – Métodos para determiná-los ......................................
133
Capítulo II – O suicídio egoísta .........................................................
141
Capítulo III – O suicídio egoísta (continuação) ................................
161
Capítulo IV – O suicídio altruísta ....................................................
209
Capítulo V – O suicídio anômico .....................................................
235
Capítulo VI – Formas individuais dos diferentes tipos de suicídio ................................................................................................
275
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O Suicídio
Livro iii – Do suicídio como fenômeno social em
geral ................................................................................................. 293
Capítulo I – O elemento social do suicídio ......................................295
Capítulo II – Relações do suicídio com os outros fenômenos sociais ..................................................................................................323
Capítulo III – Consequências práticas ..............................................361
Lista de mapas
Mapa I – Suicídios e alcoolismo ........................................................54
Mapa II – Suicídios na França, por Distritos (1887-1891) ............118
Mapa III – Suicídios na Europa Central ...........................................124
Mapa IV – Suicídios e densidade familiar ........................................192
Mapa V – Suicídios e riqueza .............................................................241
Prefácio
Há algum tempo, a sociologia está na moda. A palavra, pouco conhecida
e quase depreciada há cerca de dez anos, hoje é de uso corrente. As vocações
se multiplicam, e há entre o público uma espécie de prejulgamento favorável
à nova ciência. Espera-se muito dela. No entanto, é preciso admitir que
os resultados obtidos não correspondem plenamente à quantidade de trabalhos publicados nem ao interesse em prossegui-los. Os avanços de
uma ciência são reconhecidos pelo fato de as questões de que ela trata
não permanecerem estacionárias. Dizemos que ela progride quando são
descobertas leis até então ignoradas, ou pelo menos quando fatos novos,
sem impor ainda uma solução que possa ser vista como definitiva, vêm
modificar a maneira como se colocavam os problemas. Ora, infelizmente
há uma boa razão para que a sociologia não nos ofereça esse espetáculo:
na maioria das vezes ela não formula para si questões determinadas. Ela
ainda não superou a era das construções e das sínteses filosóficas. Em vez
de atribuir como tarefa sua iluminar uma porção restrita do campo social,
a sociologia busca, de preferência, as brilhantes generalidades, em que
todas as questões são percorridas, sem que nenhuma seja expressamente
analisada. Esse método permite enganar um pouco a curiosidade do
público ao lhe proporcionar, como se diz, entendimento sobre todos os
tipos de assunto; não pode levar a nada de objetivo. Não é com exames
sumários e com rasgos de intuição rápida que chegamos a descobrir leis de
uma realidade tão complexa. E, principalmente, generalizações ao mesmo
tempo tão amplas e tão precipitadas não são suscetíveis de nenhum tipo
de prova. Tudo o que se pode fazer é citar, se necessário, alguns exemplos
favoráveis que ilustram a hipótese apresentada, mas uma ilustração não
constitui uma demonstração. Além disso, quando se aborda tantas coisas
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O Suicídio
diferentes, não se é competente em nenhuma, e então só se é possível
utilizar informações fortuitas sem nem sequer ter meios para criticá-las.
Assim, os livros de pura sociologia não são utilizáveis para quem adotou a
regra de só abordar questões definidas, pois a maioria deles não se insere
em nenhum campo particular de pesquisas e, além disso, são demasiado
pobres em documentos de alguma autoridade.
Aqueles que acreditam no futuro de nossa ciência devem estar ávidos
por acabar com esse estado de coisas. Se durasse, a sociologia logo voltaria
a cair em seu antigo descrédito e, sozinhos, os inimigos da razão poderiam
rejubilar-se. Pois seria um deplorável fracasso para o espírito humano se
essa parte da realidade, a única que até agora lhe resistiu, a única, também,
que lhe é disputada com paixão, escapasse-lhe, mesmo que apenas por um
tempo. A indefinição dos resultados obtidos não deve desencorajar. É uma
razão para realizar novos esforços, e não para abdicar. Uma ciência, nascida
ontem, tem o direito de errar e tatear, contanto que tome consciência de
suas tentativas e erros para impedir que ocorram novamente. A sociologia
não deve, pois, renunciar a nenhuma de suas ambições, mas, de outro
lado, se quer responder às esperanças nela colocadas, é preciso que aspire
a se tornar algo além de uma forma original da literatura filosófica. Que o
sociólogo, em vez de se comprazer em meditações metafísicas a respeito de
coisas sociais, tome como objeto de suas pesquisas grupos de fatos nitidamente circunscritos que possam ser, de certo modo, apontados, dos quais
se possa dizer onde começam e onde acabam, e que ele se aplique a isso
firmemente. Que indague com cuidado as disciplinas auxiliares – história,
etnografia, estatística – sem as quais a sociologia nada consegue! Se há algo
a temer é que, apesar de tudo, suas informações nunca estejam relacionadas
ao assunto que ele tenta contemplar, pois, por mais cuidado que tenha em
delimitá-lo, a matéria é tão rica e diversa que contém como que reservas
inesgotáveis de imprevisto. Mas não importa. Se proceder assim, mesmo
que seus inventários de fatos fiquem incompletos e suas formulações,
limitadas demais, pelo menos o sociólogo terá feito um trabalho útil que
o futuro levará adiante. Pois concepções que têm alguma base objetiva não
estão estreitamente ligadas à personalidade de seu autor; têm algo impessoal
que faz com que outros possam retomá-las e prossegui-las, são suscetíveis
de transmissão. Assim, possibilita-se uma certa sequência no trabalho
científico, e essa continuidade é a condição do progresso.
Com esse espírito foi concebida a obra que será lida. Se, entre os diferentes assuntos que tivemos oportunidade de estudar durante nosso curso,
Prefácio
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escolhemos o suicídio para a presente publicação, é porque, como poucos
deles são facilmente determináveis, pareceu-nos ser um exemplo particularmente oportuno; foi necessário ainda um trabalho prévio para definir
bem seus contornos. Mas também, em compensação, quando há tal concentração, chega-se a encontrar verdadeiras leis que provam melhor do
que qualquer argumentação dialética a possibilidade da sociologia. Serão
vistas aquelas que esperamos ter demonstrado. Com certeza, aconteceu
mais de uma vez de nos enganarmos, de excedermos em nossas induções
os fatos observados. Mas, pelo menos, cada afirmação é acompanhada de
suas provas, que nos esforçamos por multiplicar tanto quanto possível. Sobretudo, preocupamo-nos em sempre separar bem o que é raciocínio e interpretação do que são os fatos interpretados. Desse modo, o leitor pode
avaliar o que há de fundado nas explicações que lhe são submetidas, sem
que nada turve seu julgamento.
De resto, não quer dizer que, ao restringir assim a pesquisa, estejam
necessariamente vedadas as visões globais e as ideias gerais. Pelo contrário,
acreditamos ter conseguido estabelecer algumas proposições – relativas ao
casamento, à viuvez, à família, à sociedade religiosa etc. – que, se não estamos enganados, nos instruem mais do que as teorias usuais dos moralistas
sobre a natureza dessas condições ou dessas instituições. Depreender-se-ão
de nosso estudo até mesmo algumas indicações sobre as causas do mal-estar
geral de que sofrem atualmente as sociedades europeias e sobre os remédios
que podem atenuá-lo. Pois não se deve crer que um estado geral só possa
ser explicado com generalidades. Ele pode provir de causas definidas possíveis de serem identificadas apenas quando cuidamos de estudá-las por meio
das manifestações, não menos definidas, que as exprimem. Ora, o suicídio,
em sua situação atual, é justamente uma das formas pelas quais se traduz a
afecção coletiva de que sofremos; por isso ele nos ajudará a compreendê-la.
Enfim, ao longo desta obra, serão encontrados, de forma concreta e aplicada, os principais problemas de metodologia que levantamos e examinamos de modo mais específico em outro lugar.* Entre essas questões, há uma
à qual o que se segue traz uma contribuição demasiado importante, e não
podemos deixar de chamar imediatamente a atenção do leitor para ela.
O método sociológico, tal como o praticamos, assenta-se por completo
no princípio fundamental de que os fatos sociais devem ser estudados como
coisas, ou seja, como realidades externas ao indivíduo. Não há preceito que
*. As regras do método sociológico.
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O Suicídio
tenha sido mais contestado; contudo não há preceito mais fundamental.
Pois afinal, para que a sociologia seja possível, é preciso antes de tudo que
ela tenha um objeto e que ele seja só dela. É preciso que ela seja capaz de conhecer uma realidade que não seja da alçada de outras ciências. Mas, se não
há nada de real com exceção das consciências individuais, ela desaparece,
por falta de matéria que lhe seja própria. O único objeto ao qual doravante pode dedicar sua observação são os estados mentais do indivíduo, já
que não existe nada além disso; ora, cabe à psicologia tratar desse assunto.
Desse ponto de vista, de fato, tudo o que há de substancial no casamento, por
exemplo, ou na família, ou na religião, são as necessidades individuais às
quais se espera que essas instituições respondam: o amor paterno, o amor
filial, a propensão sexual, o que se chamou de instinto religioso etc. Quanto
às instituições em si, com suas formas históricas, tão variadas e tão complexas, elas tornam-se negligenciáveis e insignificantes. Expressão superficial e contingente das propriedades gerais da natureza individual, são
apenas um aspecto dessa última e não necessitam de investigação especial.
Decerto pode ser curioso, eventualmente, procurar saber como esses sentimentos eternos da humanidade traduziram-se externamente nas diferentes
épocas da história; mas, como todas essas traduções são imperfeitas, não
se pode dar muita importância a elas. E, sob certos aspectos, convém afastá-las para poder apreender melhor esse texto original de onde vem todo
o seu sentido e que elas desnaturam. É assim que, a pretexto de estabelecer
a ciência sobre bases mais sólidas, fundamentando-a na constituição psicológica do indivíduo, ela é desviada do único objetivo que lhe cabe. Não
se percebe que não pode haver sociologia se não há sociedades, e que não há sociedades se só há indivíduos. Tal concepção, aliás, é uma das causas significativas
que mantêm na sociologia o gosto pelas vagas generalidades. Como seria
possível preocupar-se em exprimir as formas concretas da vida social
quando só lhe reconhecem uma existência emprestada?
Ora, parece-nos difícil que, de cada página deste livro, não se depreenda, ao contrário, a impressão de que o indivíduo é dominado por uma
realidade moral que o ultrapassa: a realidade coletiva. Quando virmos que
cada povo tem uma taxa de suicídios que lhe é particular, que essa taxa é
mais constante que a de mortalidade geral, que, se ela evolui, é segundo um
coeficiente de aceleração próprio a cada sociedade, que as variações pela
qual ela passa nos diferentes momentos do dia, do mês e do ano apenas
reproduzem o ritmo da vida social; quando constatarmos que o casamento, o divórcio, a família, a sociedade religiosa, o exército etc. afetam-na
Prefácio
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segundo leis definidas, das quais algumas podem até mesmo se exprimir sob
forma numérica, renunciaremos a ver nessas situações e nessas instituições
disposições ideológicas sem virtude e sem eficácia. Mas sentiremos que
são forças reais, vivas e atuantes que, pelo modo como determinam o indivíduo, demonstram claramente que não dependem dele; pelo menos, se ele
entra como elemento na combinação de que resultam, elas impõem-se a
ele à medida que se formam. Nessas condições, compreender-se-á melhor
como a sociologia pode e deve ser objetiva, já que tem diante de si realidades tão definidas e resistentes quanto aquelas de que se ocupam o psicólogo ou o biólogo.**
*****
Resta-nos saldar uma dívida de gratidão, dirigindo aqui nossos agradecimentos a dois antigos alunos: ao sr. Ferrand, professor na École primaire supérieur de Bordeaux, e ao sr. Marcel Mauss, agrégé de filosofia,
pela dedicação com a qual nos secundaram e pelos favores que nos fizeram. O primeiro elaborou todos os mapas contidos neste livro; e, graças
ao segundo, nos foi possível reunir os elementos necessários para o restabelecimento dos quadros XXI e XXII, cuja importância será avaliada
mais adiante. Para isso foi preciso analisar os dossiês de cerca de 26 mil
suicídios, a fim de levantar separadamente a idade, o sexo, o estado civil, a
existência ou não de filhos. Foi o sr. Mauss quem realizou sozinho esse
trabalho considerável.
Esses quadros foram elaborados com documentos do Ministério da Justiça, mas que não aparecem nos relatórios anuais. Foram colocados à nossa
disposição com a maior boa vontade pelo sr. Tarde, chefe do departamento de
estatística judicial. A ele, expressamos toda a nossa gratidão.
**. E, no entanto, mostraremos (livro III, cap. I, nota 20) como essa visão, longe de excluir toda liberdade, aparece como o único meio de conciliá-la com o determinismo revelado pelos dados
estatísticos.
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