UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII
CURSO DE DIREITO
NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA
COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA
ASPECTOS DESTACADOS DO CRIME DE EMBRIAGUEZ AO
VOLANTE À LUZ DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO
Monografia apresentada como requisito parcial
para obtenção do grau de bacharel em Direito
na Universidade do Vale do Itajaí.
ACADÊMICO: JOSUÉ REITZ
São José (SC), maio de 2004
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII
CURSO DE DIREITO
NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA
COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA
ASPECTOS DESTACADOS DO CRIME DE EMBRIAGUEZ AO
VOLANTE À LUZ DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO
Monografia apresentada como requisito parcial
para obtenção do grau de Bacharel em Direito,
sob orientação do Prof. Hélio Callado.
ACADÊMICO: JOSUÉ REITZ
São José (SC), maio de 2004
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII
CURSO DE DIREITO
NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA
COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA
ASPECTOS DESTACADOS DO CRIME DE EMBRIAGUEZ AO
VOLANTE À LUZ DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO
JOSUÉ REITZ
A presente monografia foi aprovada como requisito para a obtenção do grau
de bacharel em Direito no curso de Direito na Universidade do Vale do Itajaí –
UNIVALI.
São José, 06 de julho de 2004.
Banca Examinadora:
_______________________________________________________
Prof. Dr. Hélio Callado de Oliveira - Orientador
_______________________________________________________
Prof. Dr. Eduardo Mendonça Lima - Membro
_______________________________________________________
Prof. Dr. Giovani de Paula - Membro
Dedico este texto:
Aos meus pais, Benedito e Terezinha, pelo apoio e
ajuda necessária, em todos os sentidos, principalmente
por tornarem possível a realização deste meu sonho;
A minha irmã Thais, por me confortar e incentivar
quando tudo parecia tão complicado;
Aos meus amigos, Luis Gustavo e Júlio, pessoas
de caráter e honestidade irretocáveis e de coração
gigantesco;
E, em especial, à Joelma, único e eterno amor de
minha vida, pessoa presente em todos os meus sonhos
futuros.
AGRADECIMENTOS
Ao professor, Dr. Hélio Callado de Oliveira, pessoa de caráter
irreparável e moral ilibada, de simplicidade cativante e de uma sabedoria
incomparável, por todo o apoio na elaboração , confecção e finalização deste
trabalho.
A todos os professores e aos amigos que, de uma maneira direta ou
indireta, contribuíram para a realização desta pesquisa.
O álcool não faz as pessoas fazerem melhores
as coisas; ele faz com que elas fiquem menos
envergonhadas de fazê-las mal.
(William Osler)
SUMÁRIO
RESUMO
LISTA DE ABREVIATURAS
INTRODUÇÃO
1 TRÂNSITO E EMBRIAGUEZ: ASPECTOS INICIAIS DE RELEVÂNCIA
1.1 LEGISLAÇÃO DE TRÂNSITO NO BRASIL: BREVE HISTÓRICO
1.2 DESTAQUES DO CÓDIGO BRASILEIRO DE TRÂNSITO
1.3 EMBRIAGUEZ: ASPECTOS INTRODUTÓRIOS
1.3.1 Conceitos e espécies de embriaguez
1.3.1.1 Embriaguez completa
1.3.1.2 Embriaguez culposa
1.3.1.3 Embriaguez deliberada
1.3.1.4 Embriaguez fortuita
1.3.1.5 Embriaguez habitual
1.3.1.6 Embriaguez incipiente
1.3.1.7 Embriaguez incompleta
1.3.1.8 Embriaguez preordenada
1.3.1.9 Embriaguez voluntária
1.4 TRÂNSITO E EMBRIAGUEZ: ALGUNS DADOS ESTATÍSTICOS
2. SISTEMÁTICA DOS CRIMES DE TRÂNSITO
2.1 NATUREZA DOS CRIMES DE TRÂNSITO
2.1.1 Dos crimes de perigo
2.1.1.1 Da tentativa nos crimes de perigo
2.2 ALGUMAS CRÍTICAS AO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO
2.3 DO CONCEITO DE CRIME
2.3.1 Conceito formal de crime
2.3.2 Conceito material de crime
2.3.3 Conceito analítico de crime
2.4 QUALIFICAÇÃO TÍPICA DOS DELITOS DE TRÂNSITO
2.5 NATUREZA JURÍDICA DOS DELITOS DE TRÂNSITO: CRIMES DE
LESÃO E DE MERA CONDUTA
2.6 O CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO EM FACE DE OUTROS
DIPLOMAS LEGAIS
2.6.1 O código de trânsito e a lei dos juizados especiais criminais
3 DO CRIME DE EMBRIAGUEZ AO VOLANTE
3.1 ASPECTOS INTRODUTÓRIOS
3.2 CONCURSO DE NORMAS INCRIMINADORAS: O ARTIGO 306 DO
CÓDIGO DE TRÂNSITO EM RELAÇÃO AO ARTIGO 34 DA LEI DAS
CONTRAVENÇÕES PENAIS
3.3 OBJETIVIDADE JURÍDICA DO DELITO
3.4 TIPO OBJETIVO E SUBJETIVO DO DELITO
3.4.1 Da utilização do etilômetro
3.5 DA TENTATIVA, DA CONSUMAÇÃO, DO CONCURSO E DA AÇÃO
PENAL NO CRIME DO ART. 306 DO CTB
3.6 MEDIDAS DE PREVENÇÃO DO CRIME DE EMBRIAGUEZ AO
VOLANTE
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
08
09
10
12
12
13
16
17
21
21
22
22
23
23
23
23
24
24
26
26
27
28
29
30
31
32
33
34
35
38
40
45
45
47
48
49
50
54
55
57
59
10
RESUMO
A promulgação da Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997, trouxe ao
ordenamento jurídico brasileiro uma série de previsões legais da mais destacada
importância, já que relacionadas ao direito constitucional de um trânsito seguro e
civilizado. Neste contexto, a embriaguez ao volante consiste num risco à segurança
viária e, por conseguinte, à vida é à saúde de toda a coletividade, podendo ser
configurada, à luz da referida lei, ora como uma infração administrativa, ora, por
outro lado, como um crime, propriamente dito. Assim, levando em consideração que
a infração de natureza administrativa se caracteriza, conforme dispõe o art. 165 da
Lei em comento, simplesmente, pela condução do veículo em estado de
embriaguez, a diferença entre os dois enquadramentos ocorre quando o condutor
embriagado expõe a dano potencial a incolumidade de outrem, nos termos do que
estabelece o tipo penal inserto no art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro que,
prevê ainda, nestes casos, a aplicação de uma pena de detenção que pode variar de
seis meses a três anos, além de multa e suspensão ou proibição de se obter a
permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
11
LISTA DE ABREVIATURAS
CF
Constituição Federal
CP
Código Penal
CPP
Código de Processo Penal
CTB
Código de Trânsito Brasileiro
STF
Supremo Tribunal Federal
STJ
Superior Tribunal de Justiça
INTRODUÇÃO
O tema a ser abordado neste trabalho científico de conclusão de curso
refere-se ao crime de trânsito caracterizado pela condução em via pública de veículo
automotor sob a influência de álcool ou substância de efeitos análogos, como
maconha, éter, cocaína, ópio, morfina, expondo a dano potencial a incolumidade de
outrem, nos termos do que estabelece o art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro.
De fato, é de se ver que a preocupação do legislador com esta matéria tem
crescido nos últimos anos quase que na mesma proporção com que ocorrem os
crimes de trânsito relacionados à embriaguez e isto, do ponto de vista acadêmico,
acaba suscitando grande interesse dos investigadores da seara jurídica,
principalmente porque se trata de um assunto que, de uma forma ou de outra, causa
grande apreensão na sociedade em geral.
Neste contexto, percebe-se que a promulgação da Lei nº 9.503, de 23 de
setembro de 1997, que instituiu o Código de Trânsito Brasileiro, destaca-se como
uma das novidades legislativas de maior repercussão social da história recente do
país, pois inibidora, em grande parte, de determinadas condutas que, de formas tão
nefastas, colocam em risco a segurança e a saúde das pessoas, sem distinção.
Assim, é finalidade desta pesquisa, no que concerne á comunidade
científica, demonstrar que as atuações dos agentes que lidam com trato da questão
relacionada à embriaguez ao volante devem estar estreitamente vinculadas aos
princípios e valores que se colocam no direito positivo hoje vigente e, neste contexto,
é pretensão deste trabalho servir, igualmente, como fonte de pesquisa nas situações
em que se cuidar dos aspectos jurídicos relativos à questão sob foco.
No desenvolvimento da investigação, adotou-se o método indutivo
operacionalizado com as técnicas do referente, da categoria, dos conceitos
12
operacionais e da pesquisa de fontes documentais. Por outro lado, para relatar os
resultados da pesquisa, empregou-se o método dedutivo.
O trabalho foi dividido em três capítulos. O primeiro busca focalizar os
aspectos históricos da legislação de trânsito no Brasil e, bem assim, procura
destacar alguns dos pontos mais importantes do Código de Trânsito Brasileiro,
especialmente no que concerne ao direito de todos de ter a seu dispor condições
seguras nas vias correspondentes.
Neste capítulo se faz, também, algumas colocações de cunho introdutório a
respeito da embriaguez, mencionado a realidade irrefutável de que a mesma
constitui, nos dias atuais, um dos problemas sociais mais alarmantes, seja aqui no
Brasil, seja em outros países, pertos ou distantes.
Neste prisma, faz-se referência aos conceitos e às espécies de embriaguez,
a saber: embriaguez completa, embriaguez culposa, embriaguez deliberada,
embriaguez fortuita, embriaguez habitual, embriaguez incipiente, embriaguez
incompleta, embriaguez preordenada e embriaguez voluntária.
E, ao finalizar o primeiro capítulo, faz-se menção a alguns aspectos
estatísticos da embriaguez no trânsito a fim de se correlacionar os pontos que
conformam este trabalho.
No segundo capítulo, os objetivos se dirigem no sentido de enfocar a
sistemática dos crimes de trânsito e, para isto, busca-se assinalar, inicialmente,
algumas das críticas que ganharam corpo no meio doutrinário em relação ao Código
de Trânsito Brasileiro.
Neste viés, há também destaque ao conceito formal, material e analítico de
crime, bem como à natureza dos crimes de trânsito e à qualificação típica dos
mesmos, mencionando, então, a natureza jurídica dos delitos de trânsito.
Por fim, neste segundo capítulo, busca-se focalizar o Código de Trânsito em
face de outros diplomas legais, especialmente no que concerne à Lei dos Juizados
Especiais Criminais.
O terceiro e último capítulo, por sua vez, focaliza o crime de embriaguez ao
volante propriamente dito, correlacionando o artigo 306 do Código De Trânsito em
relação ao artigo 34 da Lei das Contravenções Penais.
Neste sentido, busca avaliar a objetividade jurídica do delito em questão, o
seu tipo objetivo e subjetivo, a utilização do etilômetro, a tentativa, a consumação, o
13
concurso e a ação penal no que diz respeito ao crime sob foco e, finalmente, várias
medidas de prevenção do crime de embriaguez ao volante.
Na conclusão, discorre-se sobre os entendimentos gerais que foram
alcançados com base nos argumentos consignados no corpo do trabalho.
1 TRÂNSITO E EMBRIAGUEZ: ASPECTOS INICIAIS DE RELEVÂNCIA
1.1 LEGISLAÇÃO DE TRÂNSITO NO BRASIL: BREVE HISTÓRICO
A fim de tornar possível a necessária correlação entre os diversos tópicos
que constituem este trabalho científico, cumpre mencionar, ainda que de forma
sintética, os aspectos históricos das leis que regeram o trânsito no Brasil.
De acordo com Pinheiro1, autor que traz a lume, apropriadamente, tais
informações, a “[...] legislação brasileira de trânsito pode ser colhida esparsamente a
partir de 1910, data do Decreto n. 8.324, de 27 de outubro, que cuidou do serviço
subvencionado de transportes por automóveis”.
Nesse decreto, diz Pinheiro2, “[...] os condutores eram ainda chamados de
motorneiros, exigindo o art. 21 que se mantivessem constantemente senhores da
velocidade do veículo [...]”, devendo reduzir a marcha ou, até mesmo, interromper o
movimento nas circunstâncias em que se pudesse causar acidente.
Anos após, promulgou-se o Decreto nº 4.460/22, que tratou do
estabelecimento de normas a respeito da construção de estradas e da carga máxima
de veículos nas rodovias, bem como, conforme ensina Pinheiro3, em 1927, o
Decreto nº 5.141, que pela primeira vez mencionou os chamados “autocaminhões”.
1
PINHEIRO, Geraldo de Faria Lemos. RIBEIRO, Dorival. Código de trânsito brasileiro interpretado. 2.
ed. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2001, p. 1.
2
Op. cit., idem.
3
Idem, ibidem.
14
O Decreto nº 18.323, de 24 de julho de 1928, “[...] aprovou o regulamento
para a circulação internacional de automóveis no território brasileiro e para a
sinalização, segurança do trânsito e polícia nas estradas de rodagem”4.
De acordo com o art. 25 deste Decreto, a competência para fiscalização era
da União, Estados ou Municípios, conforme tivesse o domínio da estrada5:
Art. 25. A fiscalização das estradas de rodagem, para execução das
medidas de segurança, comodidade, e facilidade de trânsito, será feita
pelas autoridades federais, estaduais ou municipais, conforme a estrada
esteja sob o domínio da União, dos Estados ou dos municípios.
É interessante observar, também, que o Decreto nº 18.323/28, ao tratar dos
impostos e das placas, estabeleceu que:
[...] nenhum veículo poderia trafegar nas estradas de rodagem sem o
prévio pagamento da licença respectiva na municipalidade de origem (Art.
58) e curiosamente ao tratar das multas e sua aplicação, permitiu a
qualquer pessoa de notória idoneidade autenticar as infrações ocorrentes e
levá-las ao conhecimento de quem de direito (Art. 86) cabendo a mesma
6
ainda metade do valor da multa arrecadada (Art. 86, parágrafo único) .
Vê-se, também, que além desse diploma legal de alcance nacional, os
Estados e Municípios tiveram, igualmente, sua própria legislação, como, por
exemplo, “[...] a Postura Municipal nº 858, de 15 de abril de 1902, do Rio de Janeiro,
regulando a velocidade do automóvel na zona urbana”7. E em São Paulo, é bom
destacar, vigorou a Lei Municipal nº 2.264, de 13 de fevereiro de 1920, que “[...]
dispôs sobre a inspeção e fiscalização do trânsito de veículos no Município”8.
Com efeito, o Decreto nº 18.323/28 vigorou até 1941, quando passou a viger
o primeiro Código Nacional de Trânsito (Decreto-lei nº 2.994/41):
O primeiro Código Nacional de Trânsito surgiu em 28 de janeiro de 1941,
através do Decreto-Lei nº 2.994, entretanto, teve curta duração, pois oito
meses depois foi revogado pelo Decreto-Lei 3.651, de 25 de setembro de
1941 que deferia expressamente aos Estados a atribuição de regulamentar
o trânsito de veículos automotores, devendo contudo a legislação adaptarse a Lei Nacional. No capítulo VII, referindo-se aos impostos e taxas
9
obrigou o registro na repartição de trânsito com jurisdição no município .
A 21 de setembro de 1966 surgiu, por intermédio da Lei nº 5.108, outro
Código Nacional de Trânsito, que perdurou até o advento do agora denominado
Código Brasileiro de Trânsito – Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997.
4
PINHEIRO, Geraldo de Faria Lemos. RIBEIRO, Dorival. Op. cit., idem.
LIMA, José Ricardo Cintra de. Sistema nacional de trânsito. Disponível em: <http://buscalegis.ccj.ufs
c.br/arquivos/a11-SistemaNTEH.htm>. Acesso em: 09 de mar. 2004.
6
LIMA, José Ricardo Cintra de. Op. cit.
7
PINHEIRO, Geraldo de Faria Lemos. RIBEIRO, Dorival. Op. cit., p. 1.
8
PINHEIRO, Geraldo de Faria Lemos. RIBEIRO, Dorival. Op. cit., Idem.
5
15
1.2 DESTAQUES DO CÓDIGO BRASILEIRO DE TRÂNSITO
De acordo com o § 2º, do art. 1º, da Lei nº 9.503/97, a segurança no trânsito
constitui um direito de todas as pessoas, bem como um dever dos órgãos públicos
que compõem o Sistema Nacional de Trânsito, litteris:
Art. 1º: [...]
§ 2º O trânsito, em condições seguras, é um direito de todos e dever dos
órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito, a estes
cabendo, no âmbito das respectivas competências, adotar as medidas
destinadas a assegurar esse direito.
Por trânsito, considera-se o disposto no §1º do mesmo artigo, que diz:
Art. 1º: [...]
§ 1º Considera-se trânsito a utilização das vias por pessoas, veículos e
animais, isolados ou em grupos, conduzidos ou não, para fins de
circulação, parada, estacionamento e operação de carga ou descarga.
Dispõe, ainda, o artigo 6º do Código Brasileiro de Trânsito, in verbis:
Art. 6º - São objetivos básicos do Sistema Nacional de Trânsito:
I - estabelecer diretrizes da Política Nacional de Trânsito, com vistas à
segurança, à fluidez, ao conforto, à defesa ambiental e à educação para o
trânsito, e fiscalizar seu cumprimento;
II - fixar, mediante normas e procedimentos, a padronização de critérios
técnicos, financeiros e administrativos para a execução das atividades de
trânsito;
III - estabelecer a sistemática de fluxos permanentes de informações entre
os seus diversos órgãos e entidades, a fim de facilitar o processo decisório
e a integração do Sistema.
É interessante mencionar, no que concerne aos objetivos centrais do Código
de Trânsito vigente, que se trata de uma codificação que tem se caracterizado por
inovar em muitas das regras que orientam e normatizam o trânsito no Brasil e, neste
contexto, as palavras de Andrade10, in verbis:
É inegável a validade e importância de uma codificação, nem que seja pela
sistematização e princípio de unidade que confere a uma legislação, com
a conseqüente melhora do acesso público a ela. No caso, não é a
primeira (vigorava no Brasil um casamento polígamo do Código Nacional
de Trânsito com algo em torno de 800 resoluções ) e nem tudo nela é
novidade em relação à legislação anterior, fato que o efeito simbólico da
publicação e a publicidade em torno do "novo" Código acaba por
obscurecer.
9
LIMA, José Ricardo Cintra de. Op. cit.
ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Código de trânsito brasileiro: desafio vital para o terceiro
milênio. Disponível em: <http://buscalegis.ccj.ufsc.br/arquivos/Novo_Codigo_de_Transito.htm>.
Acesso em 12 de mar. 2004.
10
16
De acordo esta autora11, durante muitas décadas o trânsito foi abordado “[...]
como uma questão quase exclusivamente de engenharia de tráfego e de
policiamento coercitivo e punitivo do Estado”.
Todavia, por ser visto, nos tempos atuais, “[...] como um problema complexo
e multidimensional [...], tanto as teorias quanto às normas relativas ao trânsito, só
podem “[...] ser levadas a termo através de esforços muldisciplinares, quanto às
respectivas políticas somente podem ser políticas multiagenciais”12.
Por outro lado, de acordo com o raciocínio de Andrade13, da mesma forma
que o trânsito, aqui considerado em seu sentido amplo, apresenta-se como “[...] um
problema multidimensional [...]”, a violência no trânsito, por sua vez, “[...] é um
problema multifatorial, ou seja, condicionado por uma multiplicidade de fatores [...]”,
dentre os quais se destacam, por exemplo, “[...] sem pretensões de exaustividade,
fatores que evocam aspectos estruturais, conjunturais, institucionais, relacionais e
comportamentais [...]”.
Tais aspectos, de acordo com Andrade14, podem ser os seguintes:
a)estruturas e mudanças sociais e tecnológicas (crescimento da frota e
consumo de veículos em razão muito mais do que proporcional ao
crescimento da malha viária, por sua vez em processo de deterioração,
principalmente nos grandes centros urbanos e rodovias de grande
circulação veicular; incremento da potência dos veículos convivendo com a
deterioração da frota mais antiga; deterioração ou deficiência do sistema
de sinalização; b)relações sociais e institucionais e interesses econômicos
ou políticos localizados (relações de poder entre os usuários do trânsito e
as autoridades policiais e administrativas, tráfico de influências,
corporativismos, corrupções e outras ilegalidades permeando a burocracia
do trânsito, interesses de mercado, profissionais, partidários, etc); c)
condição física e mental e comportamento dos condutores e pedestres.
Neste sentido, o Código Brasileiro de Trânsito em vigor supera, sem sombra
de dúvidas,
[...] a concepção clássica do trânsito como problema de engenharia de
tráfego e veicular, por uma visão mais abrangente e mesmo humanista
em que o homem é tornado sujeito e seus direitos e deveres ocupam o
lugar prioritário que anteriormente era ocupado pelo automóvel. Razão pela
qual , no discurso declarado, canaliza seus esforços para o exercício de
15
uma cidadania responsável no trânsito .
11
Op. cit.
ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Op. cit.
13
Op. cit.
14
Op. cit.
15
ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Op. cit.
12
17
Longe está este Código, todavia, como bem coloca Andrade16, de otimizar a
visão aqui mencionada, “[...] até porque, ao invés de se libertar, radicalizou a
herança policialesca e repressiva que acompanha àquela”.
De qualquer forma, por ser o trânsito, obviamente, o objeto da Lei nº
9.503/97, pode-se divisar no mesmo, de acordo com Andrade17, duas dimensões, a
saber:
Em sentido lato, trata-se de uma regulamentação abrangente do trânsito
brasileiro realizado por via terrestre, que, seguindo a orientação superadora
já indicada, contempla desde o regramento e distribuição de competências
do SNT (capítulo II), normas gerais de circulação e conduta (capítulo III),
normas relativas aos pedestres e condutores de veículos não motorizados
(capítulo IV), à sinalização de trânsito (capítulo VII), à engenharia de
tráfego, da operação, da fiscalização e do policiamento ostensivo de
trânsito (capítulo VIII), aos veículos (capítulo XIX), aos veículos em
circulação internacional (capítulo X), aos registros de veículos (capítulo
XI), ao licenciamento (capítulo XII), à condução de escolares (capítulo XIII)
e à habilitação (capítulo XIV) até os aspectos da educação para o trânsito
(capítulo VI) e da repressão às infrações e crimes de trânsito (capítulos XV
a XX). Em sentido estrito, o objeto da codificação é a violência no trânsito
e seu objetivo é combatê-la, reduzindo os acidentes e, por extensão, as
mortes, mutilações e danos materiais no trânsito. A aliança declarada é,
pois, com a vida (ver §5º do artigo 1º do CTB).
Pertinaz, neste sentido, a revolta e o alerta de Szklarowsky18, litteris:
Não é crível que o homem, tendo criado o automóvel, que o leva de um
lugar para outro, tornando-o senhor do espaço e do tempo, teime
desobedecer a regras indispensáveis. Estas foram feitas, para sua
segurança e bem estar, e tão somente para propiciar-lhe o conforto de bem
viver. Romper essas mesmas normas é por tudo a perder, matando e se
matando, como doidos e irresponsáveis seres surgidos do inferno de Dante
e não frutos de uma civilização prestes a avançar no tempo e no espaço,
usufruindo das benesses das grandes invenções do século XX que se vai,
sem deixar saudade, pelo que não fez no campo moral, mas também torna
o homem mais rico de descobertas científicas e tecnológicas, que fazem
inveja a qualquer civilização anterior em qualquer tempo e espaço. Esse
mesmo automóvel que parecia ser a redenção do homem é seu maior
algoz, mercê da irresponsabilidade e da impunidade que grassam em todo
o País. O motorista faz o que quer. O pedestre não tem sequer noção dos
mínimos deveres. Ai daqueles que ousam obedecer à lei do trânsito. São
barbaramente fechados. São objeto de escárnio. São os vilões dessa
trágica história de homicídios e vandalismo praticados por choferes que
merecem estar atrás das grades, por se assemelharem aos mais perversos
assassinos sanguinários. Faz-se necessário que as autoridades e a
sociedade tomem imediatas e enérgicas providências, forçando a mudança
desse trágico curso, antes que seja tarde demais, para a salvaguarda de
inocentes vidas humanas. É preciso recomeçar a campanha da vida pela
vida.
16
Op. cit.
Idem.
18
Szklarowsky, Leon Frejda. Crimes de trânsito. Disponível em: < http://buscalegis.ccj.ufsc.br/arquivo
s/Violencia_no_transito.html>. Acesso em 12 de mar. 2004.
17
18
Estes são, portanto, em linhas gerais, os mais importantes objetivos do
Código Brasileiro de Trânsito, um caderno legislativo que, apesar das críticas,
constitui sem dúvida alguma um inegável avanço na busca desesperada da
sociedade nacional no sentido de conter a escalada dos acidentes e dos delitos de
trânsito.
1.3 EMBRIAGUEZ: ASPECTOS INTRODUTÓRIOS
É inegável que a embriaguez constitui um dos maiores problemas sociais da
atualidade, caracterizando-se, neste sentido, como a razão original de uma série de
crimes, acidentes e fracassos pessoais de um número realmente alto de indivíduos.
E no que concerne ao trânsito, tal constatação adquire contornos ainda mais
preocupantes, como bem coloca Pinheiro19, in verbis:
O problema da embriaguez em acidentes de trânsito é realmente grave. As
estatísticas não demonstram em que proporção real os acidentes são
devidos em sua totalidade, ou em parte, aos efeitos do álcool sobre os
motoristas e pedestres. Isso porque inúmeras circunstâncias ficam
desconhecidas ou são escondidas, dadas as posições dos acidentados,
dos indiciados, das partes enfim, denominando Roger Piret esse fato como
a conspiração do silêncio.
Vale destacar, contudo, alguns pontos básicos desse mal, começando, neste
diapasão, pela conceituação do termo “embriaguez”, bem como de suas espécies
em particular, cuja menção se faz a seguir.
1.3.1 Conceitos e espécies de embriaguez
Não é difícil perceber e deduzir que a história do homem sempre este
ligada, de uma forma ou de outra, ao consumo do álcool, razão pela qual, então,
serão feitas, especificamente, algumas observações a respeito desta substância em
particular.
Registros arqueológicos revelam que “[...] os primeiros indícios sobre o
consumo de álcool pelo ser humano datam de aproximadamente 6000 a.C. [...]”,
constituindo-se, portanto, um costume que persiste por milhares de anos20.
Neste sentido, a lição de Carneiro21, in verbis:
19
20
Op. cit., p. 285.
Disponível em: <http://www.ministerioadonai.hpg.com.br/Alcool.htm>. Acesso em 20 de mar. 2004.
19
Os exércitos mediterrânicos, desde a antiguidade, sempre beberam vinho.
O Código Justiniano prescrevia a posca, vinho azedo e água, como parte
da ração dos soldados. A embriaguez de Alexandre, o Grande, e de seu
pai, Filipe, tornou-se famosa e proverbial. Passados dois milênios, e os
exércitos napoleônicos continuavam a receber vinho, mais de cem milhões
de litros foram comprados para os soldados franceses. Na segunda guerra
mundial a ração militar dos franceses chegava até um litro diário. Apenas
no ano de 1917, o exército francês comprou 120 milhões de litros [...].
Os destilados, por sua vez, tornaram-se acessíveis apenas a partir da época
moderna, precisamente após o século XVI, sendo antes dessa época um produto de
grande valor, como assinala Carneiro22, litteris:
Os destilados se tornam acessíveis apenas na época moderna, a partir do
século XVI. Antes dessa época o álcool destilado, a aguardente, era vista
como um raro e precioso remédio. Com o sistema colonial, a começar na
ilha da Madeira e depois na América, a cana-de-açúcar fornece uma
matéria prima ideal para um novo produto: a aguardente de cana. Adicionase uma ração de rum na Real Armada em 1655, após a ocupação da
Jamaica, e desde a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648) dava-se álcool
para os soldados, especialmente antes das batalhas, o que tornou a
indústria de destilados uma indústria de guerra. A produção e exportação
de conhaque da região de Charente espelha essa curva ascendente no
consumo de destilados: de uma exportação de sete mil barricas em 1700
passa-se para 87 mil em 1790.
A indústria do álcool fermentado, a seu turno, constituía-se, desde a Idade
Média, numa das mais importantes, sendo interessante ver que:
Referindo-se ao final do século XVI, o estudioso da formação do sistema
mundial, Immanuel Wallerstein, afirma que “a indústria mais próspera era
indubitavelmente a que produzia o perpétuo refúgio do pobre que se fazia
cada vez mais pobre: o álcool”. A instituição do monopólio senhorial na
produção e venda de bebidas era um privilégio feudal odiado, na França,
apenas depois da revolução de 1789 os camponeses puderam ter suas
próprias prensas para fazer vinho. Praticava-se no início da época moderna
uma exploração monopolística da produção de bebidas com base em
privilégios medievais, que chegou no período entre 1650 e 1750 a constituir
a principal fonte de renda da nobreza! Na Polônia, as rendas auferidas pela
realeza com as bebidas alcoólicas passou de 0,4% em 1661 para 37,5%
23
em 1764 .
Para se ter uma idéia de como o álcool foi ganhando importância no
contexto social da humanidade, especialmente nos últimos séculos, basta ver o que
segue, in verbis:
As políticas mercantilistas buscaram dificultar os lucros auferidos pelos
grandes mercadores de vinho e destilados, que no século XVII eram os
holandeses. As leis da navegação de Cromwell foram feitas contra os
holandeses e, da mesma forma, Colbert, ministro das finanças de Luis XIV,
na França, impunha impostos altíssimos aos comerciantes estrangeiros, o
21
CARNEIRO, Henrique S. Bebidas alcoólicas e outra drogas na época moderna. Disponível em:
<http://www.historiadoreletronico.com.br/secoes/faces/3/0.html#bio>. Acesso em: 20 de mar. 2004.
22
Idem.
23
CARNEIRO, Henrique S. Op. cit.
20
que leva os holandeses a buscarem o vinho espanhol para vendê-lo na
Inglaterra. Em 1679, o parlamento inglês baniu inteiramente o vinho francês
para impedir o rei Carlos II de continuar a receber os impostos sobre a
bebida, o que levou os ingleses a voltarem-se para Portugal, de onde
recebiam apenas 427 barris em 1678, passam a 14 mil em 1682
(equivalentes a 16 milhões de litros para uma população de quatro milhões
e meio de habitantes). A proibição do vinho francês é revogada em 1685,
mas retorna em 1688 até a assinatura de um tratado em 1697, que aceita o
vinho francês com o dobro de imposto do que o espanhol e português. Em
1703, os ingleses contraem com Portugal o famosa tratado de Methuen
que leva a Inglaterra a importar desse país dois terços do vinho que
24
consome (10 a 12 mil barris anuais) .
Bem assim, é preciso ver que:
O fenômeno do comércio e do consumo do álcool destilado e do tabaco
imbrica-se desde os séculos XVI e XVII e não pode ser compreendido
apenas no âmbito europeu, pois foi o fluxo de comércio internacional de
tabaco e destilados que moldou as feições do mundo moderno, levando os
destilados de cana, rum do Caribe e cachaça do Brasil, além do tabaco
baiano, norte-americano e cubano, a tornarem-se as principais mercadorias
de escambo por escravos na África. A maior parte das exportações
americanas nas vésperas de 1776 era de rum produzido em destilarias da
Nova Inglaterra por melaço comprado nas Antilhas e depois trocado por
escravos, como escreve o historiador caribenho Eric Williams, em
Capitalismo e Escravidão: “em 1770, as exportações de rum da Nova
Inglaterra para a África representaram mais de quatro quintos do total das
exportações coloniais daquele ano”. Para o caso brasileiro, Luis Felipe de
Alencastro, no livro O Trato dos Viventes, mostra a importância do tráfico
de aguardente brasileira para a África na formação do sistema sul25
atlântico .
Com efeito, além de se constituir como “[...] gênero básico no
estabelecimento do sistema moderno do comércio mundial, o álcool representou um
papel decisivo na organização de um sistema tributário [...]”, propiciando aos
Estados modernos, uma de suas mais elevadas rendas.
E este processo de erguimento deste produto como um dos mais rentáveis
para a economia em geral acabou por trazer para o seio da sociedade atual, então,
um costume que dificilmente cederá espaço.
E é por essas e outras razões que torna-se tão difícil conter a ocorrência da
embriaguez ao volante.
Contudo, não se pode dizer que o álcool apresenta-se como a única
substância que provoca o estado de embriaguez. Por certo, há muitas outras como,
por exemplo, a cocaína, as anfetaminas, os alucinógenos e psicodélicos, a
maconha, o haxixe, entre outras. Só se dá ênfase ao álcool porque este é, sem
sombra de dúvidas, a substância mais utilizada em todo o mundo.
24
25
CARNEIRO, Henrique S. Idem.
CARNEIRO, Henrique S. Op. cit.
21
De acordo com Plácido e Silva26, o vocábulo “embriaguez” é derivado de
embriagar-se, do latim inebriare (embebedar-se, embriagar-se) e, neste sentido,
significa “[...] o estado em que se encontra a pessoa, que se embriagou ou está
embriagada, pela absorção ou ingestão de bebidas alcoólicas ou de substâncias de
efeitos análogos”.
Interessante, por conseguinte, as considerações feitas por este autor:
Tecnicamente, é a embriaguez dita de alcoolismo agudo, manifestado pela
perda do raciocínio ou do discernimento, o que leva o embriagado,
transitoriamente, a não se poder conduzir como em estado normal, de
plena compreensão e direção de vontade, enquanto perdurem os efeitos da
intoxicação ou do inebriamento provocado pelas bebidas absorvidas em
excesso. Em relação à perda da consciência ou aniquilamento da razão, a
27
embriaguez apresenta-se como completa ou incompleta .
De acordo com Vianna28, a embriaguez ou alcoolismo agudo é,
[...] uma síndrome de intoxicação pelo álcool ou por substâncias de efeitos
análogos. Substâncias inebriantes podem alterar o psiquismo e provocar o
estado de embriaguez, contudo em face da alta incidência da embriaguez
provocada pelo álcool etílico passaremos utilizar a palavra com sinônimo
de Alcoolismo agudo. A Organização Mundial de Saúde definiu a
embriaguez como toda forma de ingestão de álcool que excede ao
consumo tradicional, aos hábitos sociais da comunidade considerada,
quaisquer que sejam os fatores etiológicos responsáveis e qualquer que
seja a origem desses fatores, como: a hereditariedade, a constituição física
ou as influências fisiopatológicas e metabólicas adquiridas. A Associação
Britânica de Medicina conceitua a embriaguez como a condição do
indivíduo que está de tal forma influenciado pelo álcool, que perdeu o
governo de suas faculdades, a ponto de tornar-se incapaz de executar com
cautela e prudência o trabalho a que se dedica no momento.
Em relação à provocação, a embriaguez, de acordo com a lição de Plácido e
Silva29, “[...] pode ser dita voluntária ou fortuita e por força maior”.
Assim, é bom destacar que a embriaguez
[...] voluntária pode ser simples ou sem intenção predeterminada, como
pode ser preordenada ou pretederminada, mostrando-se nestes dois
aspectos como embriaguez culposa. Da natureza da embriaguez advém a
imputabilidade do ato praticado, pelo embriagado, sob o domínio dela. A
embriaguez voluntária ou culposa não isenta o agente da responsabilidade
pelo crime praticado. A embriaguez fortuita ou por força maior pode atenuar
30
ou mesmo livrá-lo da sanção penal .
Koerner Júnior31, neste mesmo viés, ensina o seguinte:
26
PLÁCIDO E SILVA, De. Vocabulário Jurídico. 16ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 299.
PLÁCIDO E SILVA, De. Op. cit. idem.
28
VIANNA, Guaraci de Campos. Imputabilidade penal juvenil – Propostas e soluções. Disponível em:
< http://www.geocities.com/CollegePark/Lab/7698/med4.htm>. Acesso em: 22 de mar. 2004.
29
Op. cit., p. 299.
30
PLÁCIDO E SILVA, De. Idem, ibidem
31
KOERNER JÚNIOR, Rolf. A embriaguez: do código penal ao código de trânsito brasileiro.
Disponível em: < http://www.dantaspimentel.adv.br/jcdp5221.htm. Acesso em 13 de mar. 2004.
27
22
Vários são os conceitos de embriaguez. No Aurélio significa “estado de
indivíduo embriagado; bebedeira; ebriedade”. Em Medicina Legal,
embriaguez é o “conjunto das perturbações psíquicas e somáticas, de
caráter transitório, resultantes da intoxicação aguda pela ingestão de
bebida alcoólica ou pelo uso de outro inebriante”.
E de acordo com Costa Júnior32, considera-se embriaguez, no âmbito do
Direito Penal, a “[...] intoxicação, aguda e transitória, causada pelo álcool ou
substância análoga, que elimina ou diminui no agente sua capacidade de
entendimento ou de auto-determinação”.
Cumpre assinalar, entretanto, de maneira sistemática, os conceitos
correspondentes às espécies de embriaguez mencionadas por Plácido e Silva, que,
por sua vez, são as seguintes: embriaguez completa, embriaguez culposa,
embriaguez deliberada, embriaguez fortuita, embriaguez habitual, embriaguez
incipiente,
embriaguez
incompleta,
embriaguez
preordenada
e
embriaguez
voluntária.
De qualquer forma, é interessante ressaltar que a embriaguez não se
confunde com a alcoolemia, que é o “[...] teor de álcool etílico no sangue”33.
1.3.1.1 Embriaguez completa
De acordo com Plácido e Silva, no sentido médico-legal, assim se diz da
embriaguez que “[...]
aniquila por completo os
sentidos
do embriagado,
suspendendo, assim, a consciência dele a respeito de tudo que se possa passar em
torno”. Trata-se, assim, do “[...] estado de letargia a que chega, semelhante à coma,
em virtude do que perde ou se priva dos sentidos e da inteligência”.
Neste contexto, Plácido e Silva34 assevera o seguinte, in verbis:
É esta a fase final da embriaguez, em que o embriagado se apresenta
impossibilitado da prática de qualquer ato, desde que a intoxicação atingiu
sua fase culminante. Em tal circunstância, diz-se embriaguez letárgica ou
de coma alcoólica. Mas a embriaguez completa, na acepção que acima se
tem, é a que se conceitua no sentido médico-legal. E nela, como é de se
ver, não está o embriagado em condições de praticar qualquer ato ou de
fazer mal a quem quer que seja, desde que o estado a que chegou o torna
inofensivo.
No sentido jurídico, contudo, a embriaguez completa,
32
COSTA JUNIOR, Paulo José da. Comentários ao Código Penal. Vol. I. São Paulo: Saraiva, 1986, p.
220, apud KOERNER JÚNIOR, Rolf. Op. cit.
33
KOERNER JÚNIOR, Rolf. Op. cit.
34
Op. cit. p. 299.
23
[...] quando fortuita ou por força maior, isenta de pena, porque em tal
estado é considerado como inteiramente incapaz de entender o caráter
criminoso do fato, ou de determinar-se de acordo com esse entendimento,a
pessoa que se mostra em tal estado. Sendo assim, a embriaguez
completa, pela técnica jurídica, como o estado de letargia ou de coma,
segundo a consideram os psiquiatras, mas um estado de inconsciência
intelectual, provocado pela bebida, que não retirou de todo a ação física do
35
embriagado, de modo que pudesse praticar a ação ou omissão criminosa .
Dessa forma, o embriagado deve estar num estado de tamanha confusão
mental “[...] que não possa entender ou discernir a gravidade do ato a praticar e a
responsabilidade que lhe possa ser imputada por sua prática36.
1.3.1.2 Embriaguez culposa
De acordo com Plácido e Silva37, trata-se da embriaguez “[...] que é
procurada pela própria pessoa ou provocada por outrem para que possa o
embriagado ser encorajado à prática do crime”.
Assim, é culposa
[...] porque é predeterminada pelo próprio agente ou preordenada por
outrem, mas voluntariamente procurada por ele, a fim de que, neste
estado, possa praticar o crime, cumprindo a intenção, partida de si ou
38
concertada com outrem .
Contudo, “[...] mesmo preordenada, mas conseqüente de coação, já não
seria culposa, porque não se apresentaria voluntária e sim forçada, o que retiraria a
idéia de culpa”39.
1.3.1.3 Embriaguez deliberada
Segundo o multicitado Plácido e Silva40, trata-se, neste caso, da “[...] mesma
embriaguez procurada ou provocada, desde que num ou noutro caso, ela se
promoveu por vontade própria da pessoa, que assim deliberou embriagar-se”.
Logo, na embriaguez deliberada, “[...] equivalente à voluntária, tanto pode
ser ela de intenção predeterminada ou preordenada, como pode ter sido provocada
ou procurada sem qualquer intenção maldosa”41.
35
PLÁCIDO E SILVA,
PLÁCIDO E SILVA,
37
Idem, ibidem.
38
PLÁCIDO E SILVA,
39
PLÁCIDO E SILVA,
36
De. Op. cit. p. 299.
De. Idem, ibidem.
De. Idem, ibidem.
De. Idem, ibidem.
24
1.3.1.4 Embriaguez fortuita
Esta é “[...] a que adveio ocasionalmente, sem qualquer deliberação por
parte de pessoa, mas em conseqüência de absorção imprevidente de bebidas
alcoólicas, em demasia ou sem se prever a conseqüência de sua ingestão”42.
Plácido e Silva43 observa, no entanto, que esta espécie de embriaguez
diferencia-se da que ocorre por força maior, uma vez que esta última, além de ser
ocasional, pode vir a ser provocada “[...] por imposição ou coação de outrem, a qual
em tal circunstância, poder-se-á mostrar uma embriaguez forçada ou provocada por
outrem”.
1.3.1.5 Embriaguez habitual
Também denominada “embriaguez inveterada”, é a espécie que se
caracteriza pelo “[...] estado de embriaguez contumaz, ou seja, da pessoa que vive
habitualmente embriagada ou se embriaga por vício”44.
1.3.1.6 Embriaguez incipiente
De acordo com Plácido e Silva45, é a que se mostra, num primeiro momento,
“[...] manifestada pelos atos de alegria ou pelas irreverências anormais praticadas
pela pessoa, que não as faria em estado normal, mas sem perder de todo a sua
consciência”.
1.3.1.7 Embriaguez incompleta
No sentido jurídico, “[...] é a embriaguez que não promoveu ainda uma
confusão mental tão acentuada, de modo que prive o embriagado de qualquer
entendimento ou compreensão das coisas exteriores [...]”.
40
Op. cit. Idem.
PLÁCIDO E SILVA, De. Idem, ibidem.
42
PLÁCIDO E SILVA, De. Op. cit. p. 299.
43
Op. cit. p. 299.
41
44
PLÁCIDO E SILVA, De. Op. cit. p. 299.
25
Todavia, trata-se de uma espécie de embriaguez “[...] que já o tornou
perturbado por tal maneira que já não pode discernir ou entender amplamente a
razão das próprias coisas que o cercam e os fatos que se desenrolam à sua
frente”46.
1.3.1.8 Embriaguez preordenada
Esta, por sua vez, é a que, “[...] seja por determinação própria ou por ordem
ou consentimento de outrem, é promovida anteriormente ao crime, , para que
provoque uma animação ou encorajamento à sua prática”47.
1.3.1.9 Embriaguez voluntária
De acordo com Plácido e Silva48, trata-se da embriaguez que “[...] se
promoveu ou foi deliberada pela própria pessoa, livre de qualquer imposição, além
de sua própria vontade”.
1.4 TRÂNSITO E EMBRIAGUEZ: ALGUNS DADOS ESTATÍSTICOS
A fim de correlacionar os tópicos até aqui expostos com a realidade das
ruas, cumpre mencionar as interessantes observações feitas por Pinheiro, que
buscou resultados em várias pesquisas estrangeiras.
De acordo com este autor, o período entre 19 horas e 05 horas da
madrugada é o que produz
[...] a maioria dos acidentes por embriaguez, e investigações particulares
permitiram comprovar que em Chicago a metade dos condutores que
circulam às 3 h da madrugada, e 90% dos que causam um acidente grave,
49
entre as 4 h e 5 h da manhã, estão sob a influência do álcool .
Pinheiro50 menciona, também, o seguinte:
45
Idem, ibidem.
PLÁCIDO E SILVA, De. Op. cit. p. 299.
47
PLÁCIDO E SILVA, De. Idem, ibidem.
48
Op. cit. p. 299.
49
PINHEIRO, Geraldo de Faria Lemos. RIBEIRO, Dorival. Op. cit., p. 286.
50
Op. cit., p. 286.
46
26
Wilson Veloso, correspondente jornalístico da Folha de São Paulo, dando
notícia sobre uma conferência a respeito de problemas do alcoolismo nos
Estados Unidos da América em relação ao motorismo, informou que os
cientistas afirmaram que maior severidade na imposição da lei não reduzirá
os acidentes, ao contrário do que dizem os policiais, podendo até aumentar
o seu número, pela irritação que provoca, em certos casos. Numa coisa,
porém, cientistas, técnicos em segurança e policiais concordam: o maior
perigo não é o bêbado contumaz, ou o motorista totalmente embriagado,
pois este se identifica à distância, e os outros podem evitá-lo. A grande
ameaça é o bebedor social, o que toma os seus tragos em festa, ou em
visita.
De acordo com Pinheiro51, os “[...] conferencistas chegaram à conclusão de
que só diminuirão os acidentes quando mudarem os costumes norte-americanos,
sendo alguns deles [...]”, os seguintes:
- O dictum da hospitalidade, que impõe ao hospedeiro oferecer mais bebida
aos seus convidados, manter-lhes os copos sempre cheios.
- O costume de retribuição, que impõe à visita empanzinar-se a cara, para
demonstrar que está se divertindo e gostando da festa.
- A idéia de masculinidade, que não pode ser ofendida pela esposa,
mesmo que esta (que geralmente bebe menos) esteja em melhores
condições de dirigir. Uma ofensa desse gênero é causa para divórcio.
- A educação, ou as boas maneiras, que impedem o dono da casa de
sugerir que o amigo está “tocado” demais para dirigir o carro com
segurança.
Na seqüência, Pinheiro52 cita os resultados de um trabalho de autoria de
dois médicos ingleses, cuja publicação deu-se no British Medical Journal, verbis:
Durante um período de mais de doze meses estudou-se o sangue de 398
pessoas internadas como resultado de acidentes rodoviários, do ponto de
vista da concentração alcoólica. As conclusões dos médicos, quanto ao
grau de influência do álcool como fator, independeram das alegações dos
feridos, de seus acompanhantes ou policiais. Basearam-se tão somente na
estimativa da concentração alcoólica e na ocasião em que os acidentes
ocorreram. Dividindo-se os acidentes dos doze meses segundo a sua
incidência horária durante o dia, verificou-se que o ponto culminante ocorre
às 11 h da noite, meia hora depois da hora de fechar dos bares.
Cumpre mencionar, neste mesmo contexto, as conclusões alcançadas por
uma comissão da British Medical Association. Concluiu esta que:
[...] uma concentração de 50 mg de álcool por 10 ml de sangue, num
motorista, era a máxima que se podia aceitar como consistente com a
segurança dos que utilizam a estrada. Nas observações realizadas no
Withington Hospital, as análises de sangue de motoristas revelaram pelo
menos essa concentração em 10,5% dos internados entre meio-dia e 6 h
da tarde; em 33,3% dos recebidos entre 6 h da tarde e meia-noite; e em
58,3% dos internados de meia-noite às 6 h da manhã. Cerca de 1/3 dos
motoristas causadores de acidentes que foram examinados após meianoite mostravam teores alcoólicos indicativos de franca embriaguez (mais
53
de 100 mg por 100 ml).
51
Idem, pp. 286-287..
Op, cit., p. 287.
53
PINHEIRO, Geraldo de Faria Lemos. RIBEIRO, Dorival. Op. cit., p. 287.
52
27
Importante, neste viés, o seguinte quadro54:
GRAMA DE ÁLCOOL
POR LITRO DE SANGUE
SINTOMAS
Menos de 1
Não existe estado de embriaguez
De 1,10 a 1,50
Há uma embriaguez, porém sujeita a ressalva
De 1,60 a 3,0
É certo o estado de embriaguez
De 3,10 a 4,0
A embriaguez é completa
De 4,10 a 6,0
Trata-se de uma intoxicação
De mais de 6,0 a 10
Trata-se de uma intoxicação profunda
Trata-se, com efeito, de uma descrição essencial no contexto da
caracterização dos teores alcoólicos.
2. SISTEMÁTICA DOS CRIMES DE TRÂNSITO
2.1 NATUREZA DOS CRIMES DE TRÂNSITO
Como bem lembra Roesler55, a natureza dos crimes de trânsito, na visão da
doutrina mais tradicional, é a de que se trata de crime de dano e de perigo, sendo
que este entendimento tem suscitado, por outro lado, uma série de controvérsias,
senão veja-se:
A doutrina tradicional classifica os crimes de trânsito em crimes de dano
(homicídio culposo e lesão corporal culposa) e de perigo (abstrato ou
presumido e concreto). Entretanto, ZAFFARONI e PIERANGELI advertem
que os tipos de perigo têm acarretado sérios problemas interpretativos [...].
É por isso que a moderna doutrina penal conclui pela inconstitucionalidade
dos delitos de perigo abstrato em nossa legislação. Essa interpretação se
deve à reforma penal de 1984 que baseou nosso direito penal na
culpabilidade e também aos princípios estabelecidos pela Constituição de
1988.
Em sentido inverso, Damásio56 assevera que os crimes de trânsito são de
lesão e de mera conduta, sendo que “[...] a essência dos delitos automobilísticos
54
PINHEIRO, Geraldo de Faria Lemos. RIBEIRO, Dorival. Idem, ibidem.
ROESLER, Átila Da Rold. Novas (e velhas) polêmicas sobre os crimes de trânsito. Disponível em:
<http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=4949>. Acesso em: 12 mai. 2004.
56
JESUS, Damásio Evangelista de. Crimes de trânsito. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 18.
55
28
está na lesão ao interesse jurídico da coletividade, que se consubstancia na
segurança do tráfego de veículos automotores”.
Nesta linha, conforme leciona Roesler57, os crimes de trânsito mantém-se
ainda classificados “[...] como crimes de mera conduta porque basta o
comportamento perigoso ou imprudente do agente, sem necessidade de prova de
que o risco atingiu determinada pessoa, uma vez que o sujeito passivo é a
coletividade”.
Diverge este autor do entendimento então mencionado porque, em tese, tal
teoria não traz a devida diferenciação entre as infrações administrativas e os delitos,
razão pela qual afirma que: “Preferimos a classificação tradicional e entendemos que
os chamados crimes de perigo abstrato falecem ante o primeiro filtro de
constitucionalidade” 58. Neste viés, restariam, por conseguinte, os crimes de dano e
os crimes de perigo concreto.
Fazendo uso das lições de Gomes, Roesler59 assinala:
No acertado magistério de LUIZ FLÁVIO GOMES os crimes de trânsito
devem ser classificados de acordo com a doutrina tradicional, mas são de
perigo concreto. Para este autor, os crimes de trânsito dos artigos 304,
306, 308, 309, 310 e 311 "não são de perigo abstrato", isto é, "não basta ao
acusador apenas comprovar que o sujeito dirigia embriagado (art. 306) ou
sem habilitação (art. 309) ou que participava de ‘racha’ (art. 308), etc." [...]
E prossegue: "Doravante exige-se algo mais para a caracterização do
perigo pressuposto pelo legislador. Esse algo mais consiste na
comprovação de que a conduta do agente (desvalor da ação),
concretamente, revelou-se efetivamente perigosa para o bem jurídico
protegido". Ao se presumir, prévia e abstratamente, o perigo, resulta que,
em última análise, perigo não existe, de modo que acaba por se
criminalizar simples atividades, ferindo de morte modernos princípios de
direito penal. Por fim, LUIZ FLÁVIO GOMES arremata que "o conceito de
perigo é sempre relacional, isto é, o perigo sempre se refere a algo ou a
alguém (perigo para o quê? perigo para quem?)" [...]. É justamente por isso
que o legislador diferenciou as infrações administrativas dos delitos. Para
as primeiras basta o perigo abstrato, enquanto que nos crimes é
imprescindível a demonstração de que a conduta seja potencialmente
lesiva para a coletividade.
Para uma melhor compreensão do assunto, analisar-se-á, então, as
espécies de crimes ora referidas e a sua relação com os delitos de trânsito.
2.1.1 Dos crimes de perigo
57
ROESLER, Átila Da Rold. Op. cit.
ROESLER, Átila Da Rold.. Idem.
59
ROESLER, Átila Da Rold.. Idem.
58
29
De acordo com os ensinamentos de Mirabete60, os crimes podem ser
divididos, quanto ao resultado, em duas espécies, quais sejam, os crimes de dano e
os crimes de perigo. Conforme o magistério de Fragoso61, dano “[...] é a alteração de
um bem, sua diminuição ou destruição; a restrição ou sacrifício de um interesse
jurídico”. Por perigo entende-se, conseqüentemente, “[...] a probabilidade de dano,
não a simples possibilidade”.
Portanto, sob o aspecto objetivo,
[...] constitui o conjunto de circunstâncias que podem fazer surgir o dano;
subjetivamente, é integrado pelo juízo do julgador sobre a probabilidade de
dano, calcado na experiência daquilo que normalmente acontece em
62
determinadas situações e circunstâncias (id quod plerumque accidit) .
Os crimes de perigo, no dizer de Mirabete63, que neste caso em particular
faz referência a artigos do Código Penal, consumam-se com
[...] o simples perigo criado para o bem jurídico. O perigo pode ser
individual, quando expõe ao risco o interesse de uma só ou de um número
determinado de pessoas (arts. 130, 132 etc), ou coletivo (comum), quando
ficam expostos ao risco os interesses jurídicos de um número
indeterminado de pessoas, tais como nos crimes de perigo comum (arts.
250, 251, 254 etc). Às vezes a lei exige o perigo concreto, que deve ser
comprovado (arts. 130, 134 etc.); outras vezes refere-se ao perigo abstrato,
presumido pela norma que se contenta com a prática do fato e pressupõe
ser ele perigoso (arts. 135, 253 etc).
Disso decorrem, por conseguinte, como bem destaca Nascimento64, as
noções a respeito de crimes de dano e crimes de perigo, sendo que aqueles “[...] só
se consumam com a efetiva lesão do bem jurídico”65, ao passo que estes últimos
“[...] são os que se consumam tão-só com a probabilidade do dano”, servindo de
exemplo o perigo de contágio venéreo (CP, art. 130, caput); rixa (art. 137); incêndio
(art. 250), entre outros.
2.1.1.1 Da tentativa nos crimes de perigo
60
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Op. cit., p. 127.
FRAGOSO, Heleno Cláudio. Direção perigosa. Rio de Janeiro: Revista de Direito Penal, 1974, pp.
13-14, apud NASCIMENTO, Walter Vieira do. Op. cit., p. 1.
62
FRAGOSO, Heleno Cláudio. Idem, ibidem, apud, NASCIMENTO, Walter Vieira do. Op. cit., p. 1.
63
Op. cit., p. 127.
64
NASCIMENTO, Walter Vieira do. A embriaguez e outras questões penais: doutrina, legislação e
jurisprudência. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 1.
65
Como exemplos, o homicídio culposo no trânsito (CT, art. 302), lesões corporais culposas no
trânsito (art. 303) etc.
61
30
Quanto à tentativa nos crimes de perigo, há duas posições, como bem
destaca Nascimento66, ou seja, uma que a admite nos delitos de perigo e outra que,
por óbvio, não admite.
Discorrendo sobre este ponto, Nascimento67 faz as seguintes considerações:
Cremos que a possibilidade de tentativa de crime que tem o perigo como
elemento típico não decorre de sua qualificação, segundo a doutrina, como
infração de perigo abstrato (indeterminado) ou concreto, já superada, mas
da admissibilidade de fracionamento do iter [...]. Assim, o crime de perigo
de contágio venéreo (art. 130 do CP), de qualificação abstrata de acordo
com a doutrina, admite a tentativa; já o delito de fabrico etc. de explosivos
etc. (art. 253), também qualificado como infração de perigo abstrato pelos
doutos, não a permite. O delito de perigo de inundação (art. 255 do CP), de
qualificação concreta, não admite a forma tentada; já o de desabamento ou
desmoronamento (art. 256 do CP), também de perigo concreto, não a
permite. De modo que nos crimes descritos no CT que portam o risco de
dano como elementar, a admissibilidade da tentativa depende de poder o
iter ser fracionado.
Além disso, há delitos que, chamados de perigo, pela sua natureza não
permitem a figura tentada. É o que ocorre com a omissão de socorro (CT, art. 304),
por ser omissivo próprio ou puro.
2.2 ALGUMAS CRÍTICAS AO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO
Antes de se partir para a análise dos pontos fundamentais deste trabalho,
cumpre destacar, por ser importante, que há no meio doutrinário um número
expressivo de críticos em relação ao CT, e estes, em grande parte, dirigem sua
atenção ao capítulo XIX, que trata dos crimes de trânsito.
Neste sentido, cumpre mencionar algumas das observações feitas por
Oliveira68, que sem a pretensão de comentar todo o capítulo XIX, faz a opção de,
apenas, salientar determinadas incongruências que fundamentam sua crítica, litteris:
[...] a) O legislador trata, indiscriminadamente, de medidas penais,
processuais, administrativas e até civis, dentro do mesmo capítulo (v.g.
arts. 291/294). B) Foi adotada a “multa reparatória” na esfera penal. Tal
disposição é no mínimo absurda, pois além de desnaturar a função natural
do processo penal, não oferece o mínimo de garantismo (violando inclusive
os princípios constitucionais do contraditório e ampla defesa). [...] c) São
utilizadas expressões como “dano potencial” ou “perigo de dano” cujo
conteúdo é de difícil interpretação, já que não sabemos, com a segurança
que a esfera criminal requer, se estamos diante de delitos de perigo
abstrato ou concreto. É um adeus à estrita tipicidade (note-se os arts. 306,
309 e 311). d) O legislador não se deu ao trabalho de verificar qual a
dimensão da tutela penal (leia-se política criminal) da proteção da
66
Op cit., p. 8.
Idem, p. 9.
68
OLIVEIRA, William Terra de. Controvertido natimorto tumultuado, apud PINHEIRO, Geraldo de
Faria Lemos de. Op. cit. pp. 509-511.
67
31
incolumidade física exercida pelo Código Penal. De tal sorte, uma lesão
corporal dolosa (art. 129, caput do CP) remete o agente a uma pena de
detenção de três meses a um ano. Porém, se o agente “praticar lesão
corporal culposa na direção de veículo automotor” (art. 303 do Código de
Trânsito) a pena será de seis meses a dois anos, além de suspensão ou
proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo
automotor.
Tais exemplos, na visão de Oliveira69, “[...] representam muito bem o perigo
de uma reforma penal sem critérios sistemáticos”.
Contudo, por não ser objetivo deste trabalho a análise e a crítica do Código
de Trânsito em seu conjunto, cumpre que se dê ênfase, tão somente, a alguns de
seus aspectos controversos.
Assim, partindo-se do pressuposto de que uma abordagem mais
aprofundada a respeito dos crimes de trânsito tem como conditio sine qua non a
análise específica de alguns aspectos destacados do vocábulo “crime” no contexto
do Código Penal, cumpre que sejam focalizados os tópicos a seguir, pois
imprescindíveis para a construção do tema proposto.
2.3 DO CONCEITO DE CRIME
Plácido e Silva70, investigador dos vocábulos jurídicos, lembra que o termo
crime deriva do latim crimen (no sentido de acusação, queixa, agravo, injúria),
significando, vulgarmente, “[...] toda ação cometida com dolo, ou infração contrária
aos costumes, à moral e à lei, que é igualmente punida, ou que é reprovada pela
consciência”.
Noutras palavras, ato ou ação “[...] que não se mostra abstração jurídica,
mas ação ou omissão pessoal, tecnicamente, diz-se o fato proibido por lei, sob
ameaça de uma pena, instituída em benefício da coletividade e segurança social
[...]” do próprio Estado71.
Não é incomum perceber, inclusive no meio jurídico, uma certa confusão no
que diz respeito a determinadas expressões, tais como, “delito”, “infração,
“contravenção” e “crime”.
69
Op. cit. Idem.
Op. cit., p. 232.
71
PLÁCIDO E SILVA, De. Idem, ibidem.
70
32
Neste sentido, o magistério de Iennaco72, litteris:
Muitas são as expressões utilizadas para a designação do fato punível na
esfera penal: "infração", "delito", "crime", "contravenção". O termo infração
é o mais genérico, indicando a violação do comando legal, abrangendo o
crime (ou delito) e a contravenção. Entre nós, não há razão para distinção
entre delito e crime, tomados como expressões sinônimas, reservando-se o
termo contravenção para infrações de menor gravidade, previstas em lei
especial, de acordo com o critério legislativo de valoração, em dado
momento histórico, como suficiente para a prevenção social.
Com efeito, é de se ver que são variadíssimas as conceituações e
classificações doutrinárias existentes quando o assunto é “crime”. Não há dúvidas de
que inúmeras foram as teorias construídas pelos estudiosos do direito penal no
decorrer dos tempos, não sendo a intenção deste trabalho, todavia, tratar de todas
elas, por óbvio.
Importa dizer, isto sim, que em “[...] conseqüência do caráter dogmático do
Direito Penal, o conceito de crime é essencialmente jurídico. Entretanto, ao contrário
das leis antigas, o Código Penal vigente não contém uma definição de crime [...]”,
sendo tal mister deixado a cargo da doutrina73.
Contudo, é interessante que certos aspectos sejam aqui observados, mesmo
em apertada síntese, sendo que o primeiro deles, neste prisma, diz respeito ao
conceito de crime.
Neste contexto, para Mirabete74, de quem se tomará a sistematização, o
crime pode ser elaborado com base no sistema formal, material e analítico, ao passo
que, na visão de Damásio75, deve ser conceituado com base em quatro sistemas,
quais sejam, o formal, o material, o formal e material e o formal, material e
sintomático.
2.3.1 Conceito formal de crime
Conforme leciona Damásio76, o conceito formal de crime leva em
consideração o “[...] aspecto da técnica jurídica, do ponto de vista da lei”. Assim,
72
IENNACO, Rodrigo. Breve análise sobre o conceito analítico de crime. Revista de Direito Penal e
ciências afins. nº 28. Disponível em: <http://www.direitopenal.adv.br/artigos.asp?pagina=28&id=848>.
Acesso em 11 mai. 2004.
73
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de Direito Penal. 6ª ed. São Paulo: Atlas, 1991, p. 91.
74
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Op. cit., idem.
75
JESUS, Damásio Evangelista de. Comentários ao Código Penal. São Paulo: Saraiva, 1985, p. 176.
76
JESUS, Damásio Evangelista de. Idem, ibidem.
33
será considerado crime a conduta enquadrada na lei como tal, ou seja, conduta
humana caracterizada pela ação ou omissão voltada a contrariar a lei penal.
Sobre tal conceito, Mirabete faz as seguintes considerações:
Sob o aspecto formal, podem-se citar os seguintes conceitos de crime:
“Crime é o fato humano contrário à lei (Carmignani). “Crime é qualquer
ação legalmente punível”. “Crime é toda ação ou omissão proibida pela lei
sob ameaça de pena”. “Crime é uma conduta (ação ou omissão) contrária
ao Direito, a que a lei atribui uma pena”. Essas definições, entretanto,
alcançam apenas um dos aspectos do fenômeno criminal, o mais aparente,
que é a contradição do fato a uma norma de direito, ou seja, a sua
ilegalidade como fato contrário à norma penal. Não penetram, contudo, em
sua essência, em seu conteúdo, em sua “matéria”.
Importante, neste viés, a contribuição de Lima77, ao lembrar que:
Uma concepção formalista e objetiva conceitua crime como o conjunto de
pressupostos que enseja a aplicação da lei penal (tem como referência a
lei). Assim, delito seria toda conduta humana reprimida pelo Direito,
acarretando a aplicação de uma penalidade. A definição formal não é
suficiente, porque não esgota o assunto nem atinge a essência do delito.
Destarte, é preciso ver que nem toda conduta típica acarreta uma aplicação
sancionatória, pois,
[...] é preciso que seja contrário ao direito, antijurídico. O legislador, tendo
em vista o complexo das atividades do homem em sociedade e o
entrechoque de interesses, às vezes permite determinadas condutas que,
em regra, são proibidas. Assim, não obstante enquadradas em normas
penais incriminadoras, tornando-se fatos típicos, não ensejam a aplicação
78
da sanção .
Como exemplo clássico tem-se, neste sentido, a legítima defesa, hipótese
configuradora de excludente da antijuridicidade.
2.3.2 Conceito material de crime
Ao tratar dos conceitos materiais, Mirabete79 afirma que os mesmos
enfocam, tão somente, os caracteres externos do crime, razão pela qual
[...] é necessário indagar a razão que levou o legislador a prever a punição
dos autores de certos fatos e não de outros, como também conhecer o
critério utilizado para distinguir os ilícitos penais de outras condutas lesivas,
obtendo-se assim um conceito material ou substancial do crime.
77
LIMA, Marília Almeida Rodrigues. A exclusão da tipicidade penal: princípios da adequação social e
da insignificância. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=949>. Acesso em: 12
mai. 2004.
78
JESUS, Damásio Evangelista de. Op. cit. p. 178.
79
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Op. cit., p. 92.
34
Segundo Damásio80, o conceito material de crime apresenta uma
indiscutível e destacada “[...] relevância jurídica, uma vez que coloca em destaque o
seu conteúdo teleológico, a razão determinante de constituir uma conduta humana
infração penal e sujeita a uma sanção”.
Mirabete, neste viés, apresenta a seguinte solução:
A melhor orientação para a obtenção de um conceito material de crime,
como afirma Noronha, é aquela que tem em vista o bem protegido pela lei
penal. Tem o Estado a finalidade de obter o bem coletivo, mantendo a
ordem, a harmonia e o equilíbrio social, qualquer que seja a finalidade do
Estado (bem comum, bem do proletariado etc) ou seu regime político
(democracia, autoritarismo, socialismo etc). Tem o Estado que velar pela
paz interna, pela segurança e estabilidade coletivas diante dos conflitos
inevitáveis entre os interesses dos indivíduos e entre os destes e os do
poder constituído.
Para isso, prossegue Mirabete81,
[...] é necessário valorar os bens ou interesses individuais ou coletivos,
protegendo-se, através da lei penal, aqueles que mais são atingidos
quando da transgressão do ordenamento jurídico. Essa proteção é
efetuada através do estabelecimento e da aplicação da pena, passando
esses bens a ser juridicamente protegidos pela lei penal. Chega-se, assim,
a conceitos materiais ou substanciais de crime.
Em que pese tais argumentos, há que se destacar que a doutrina jurídica
não logrou êxito em construir, ainda, um conceito material de crime que se
mostrasse inabalável, ou seja, tão bem delineado a ponto de não comportar
quaisquer ataques82.
2.3.3 Conceito analítico de crime
Viu-se, até aqui, que no contexto doutrinário o crime recebe tanto um
conceito formal, onde o crime é toda ação ou omissão humana proibida por lei sob
ameaça de pena, como material, em que crime é a ação ou omissão humana que, a
juízo do Estado, ofende determinados bens jurídicos socialmente relevantes, sendo,
portanto, merecedora de pena.
No conceito analítico, o crime é toda ação típica, antijurídica e culpável,
sendo de se observar que a “[...] punibilidade, mesmo considerada como a
‘possibilidade de aplicar-se a pena, não é, porém, elemento do crime”83.
80
JESUS, Damásio Evangelista de. Op. cit. p. 177.
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Op. cit., p. 92.
82
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Idem, ibidem.
83
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Op. cit., p. 93.
81
35
Afinal, conforme assevera Hungria84, “[...] um fato pode ser típico,
antijurídico, culpado e ameaçado de pena, isto é, criminoso, e, no entanto,
anormalmente deixar de acarretar a efetiva imposição de pena”.
Neste sentido, a referida exclusão “[...] ocorre nos casos de não-aplicação
da pena por causas pessoais de isenção (art. 181, I e II, art. 348, § 2º etc) ou pela
extinção da punibilidade (art. 107). Nesses casos, o crime persiste, inexistindo
apenas a punibilidade”85.
Vale dizer, de qualquer forma, que os conceitos material e formal são
insuficientes quanto ao objetivo de se realizar uma análise efetiva dos elementos
que estruturam o conceito de crime, razão pela qual, então, se necessita de um
conceito analítico, exatamente como preconiza Bitencourt86.
Nesta esteira, o magistério do multicitado Mirabete87, litteris:
Por essas razões, passou-se a conceituar o crime como a “ação típica,
antijurídica e culpável”. Essa definição vem consignada tanto pelos autores
que seguem a teoria causalista (naturalista, clássica, tradicional), como
pelos adeptos da teoria finalista da ação (ou da ação finalista). Entretanto,
a palavra culpabilidade, como se verá, para os primeiros consiste num
vínculo subjetivo que liga a ação ao resultado, ou seja, no dolo (querer o
resultado ou assumir o risco de produzi-lo) ou na culpa em sentido estrito
(dar causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia).
Verificando-se a existência de um fato típico (composto de ação, resultado,
nexo causal e tipicidade) e antijurídico, examinar-se-á o elemento subjetivo
(dolo ou culpa em sentido estrito) e, assim, a culpabilidade.
Todavia, com a teoria finalista da ação, cuja enunciação coube a Hans
Welzel, começou-se a conceber que a ação (também denominada “conduta”)
consiste numa atividade que sempre traz consigo a idéia de finalidade, mesmo
porque, ao se admitir que o delito é sempre uma conduta humana voluntária, resta
evidente que tem ela, por conseguinte, uma finalidade que lhe é própria88.
Assim, “[...] no conceito analítico de crime, a conduta abrange o dolo (querer
ou assumir o risco de produzir o resultado) e a culpa em sentido estrito. Se a
conduta é um dos componentes do fato típico, deve-se definir o crime como ‘fato
típico e antijurídico’”89.
84
HUNGRIA, Nelson, FRAGOSO. Heleno Cláudio. Comentários ao código penal. 5. ed. Rio de
Janeiro, Forense, 1978, p. 26, apud MIRABETE, Júlio Fabbrini. Op. cit., p. 93.
85
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Op. cit., p. 93.
86
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal, 8. ed. São Paulo: Saraiva, pág. 144.
87
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Idem, ibidem.
88
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Op. cit., p. 93.
89
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 1983, p. 410, apud MIRABETE,
Júlio Fabbrini. Op. cit., p. 93.
36
Ainda, segundo Mirabete90:
O crime existe em si mesmo, por ser um fato típico e antijurídico, e a
culpabilidade não contém o dolo ou a culpa em sentido estrito, mas
significa apenas a reprovabilidade ou censurabilidade da conduta. O
agente só será responsabilizado por ele se for culpado, ou seja, se houver
culpabilidade.
Logo, é plenamente possível que exista crime sem culpabilidade,ou em
outras palavras, “[...] censurabilidade ou reprovabilidade da conduta, não existindo a
condição indispensável à imposição de pena. Injusto ou antijurídico é, pois, a
desaprovação do ato; culpabilidade, a atribuição de tal ato ao seu autor”91.
2.4 QUALIFICAÇÃO TÍPICA DOS DELITOS DE TRÂNSITO
De acordo com o magistério de Nascimento92, os crimes definidos nos arts.
302 a 312 do Código de Trânsito podem ser classificados da seguinte forma:
a) crimes materiais, como o homicídio culposo e a lesão corporal culposa
(arts. 302 e 303);
b) crimes formais, como a fuga do local do acidente e fraude processual
(arts. 305 e 312); e
c) crimes de mera conduta e de lesão, como a direção sem habilitação,
embriaguez ao volante , velocidade incompatível em determinados locais, “racha”
(ou “pega”), omissão de socorro, entrega de direção de veículo a pessoa inabilitada,
doente etc., e desobediência a decisão sobre suspensão ou proibição de habilitação
(arts. 306, 304, 308, 310 e 307).
Na mesma esteira, Nascimento93 assinala que, para efeitos didáticos, os
delitos de trânsito podem ser classificados em: a) crimes de trânsito próprios e
crimes de trânsito impróprios.
Neste sentido, Nascimento 94 ensina que:
Delitos próprios de trânsito são aqueles que só podem ser cometidos na
circulação de veículos: “racha”, embriaguez ao volante, direção sem
habilitação, velocidade incompatível em locais determinados e entrega da
direção de veículo a certas pessoas. Os outros são impróprios delitos de
90
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Idem, ibidem.
CONDE, Francisco Muñoz. Teoria geral do delito. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1988,
p. 3.
92
Idem, p. 17.
93
Op. Cit., p. 17.
94
Idem, ibidem.
91
37
trânsito, uma vez que também podem ser praticados fora da circulação de
veículos. Ex.: homicídio culposo.
Ainda com uma finalidade didática, Nascimento95 denomina o “racha” e a
embriaguez ao volante, como “[...] crimes de alto poder ofensivo”.
Assim, os crimes de trânsito caracterizados, pela direção sem habilitação,
velocidade incompatível, embriaguez ao volante, “racha” (ou “pega”), omissão de
socorro e entrega de direção de veículo a pessoa inabilitada, doente, entre outros,
“[...] são classificados pela doutrina como ‘infrações de perigo’”96.
2.5 NATUREZA JURÍDICA DOS DELITOS DE TRÂNSITO: CRIMES DE LESÃO E
DE MERA CONDUTA
Ao analisar a natureza jurídica dos delitos de trânsito, Nascimento97 leva em
consideração, especialmente, quatro de suas espécies, a saber, a embriaguez ao
volante, o “racha” (como crimes de alto poder ofensivo), a direção sem habilitação e
o emprego de velocidade incompatível. E o faz dessa forma porque, segundo afirma,
trata-se de delitos que apresentam as definições típicas que causam as maiores
dúvidas de interpretação, principalmente no sentido de se definir se são eles delitos
de lesão, mera conduta, de perigo concreto ou abstrato.
Ao tratar deste ponto, Nascimento98 assinala o seguinte:
Parte da doutrina certamente inclinar-se-á pela consideração dos delitos
próprios de trânsito, especialmente a embriaguez ao volante, o “racha”, a
direção sem habilitação e a velocidade incompatível em determinados
locais (arts. 306, 308, 309 e 311 do CT), como infrações de perigo abstrato
ou concreto. Entendemos, entretanto, que não são delitos de perigo nem
abstrato nem concreto. São crimes de lesão e de mera conduta (de simples
atividade).
Logo, tendo em vista o resultado jurídico, trata-se de delitos de lesão, ao
passo que quando se tem em vista o resultado naturalístico, são crimes de simples
atividade ou de mera conduta.
Válidos, neste contexto, os dizeres deste multicitado autor, litteris:
Como ficou consignado, nos delitos de perigo abstrato, este é presumido
pelo legislador, não permitindo prova contrária. Isso não está de acordo
com o moderno Direito Penal, que se fundamenta na culpabilidade. No
Brasil, a reforma penal de 1984 consagrou a culpabilidade como base da
95
Idem, ibidem.
NASCIMENTO, Walter Vieira do. Op. cit., p. 18.
97
Idem, ibidem.
98
Op. cit., p. 18.
96
38
responsabilidade penal, princípio incompatível com presunções legais.
Além disso, a Constituição Federal de 1988 instituiu o princípio do estado
de inocência, que também não se harmoniza com a presunção legal do
perigo. A presunção do perigo também não se coaduna com as regras
constitucionais da lesividade, da reserva legal, da tipicidade, da
99
responsabilidade pessoal, do contraditório, da amplitude da defesa etc.
Sob outro prisma, não há necessidade de se conceituar os delitos de trânsito
com infrações de perigo concreto, “[...] uma vez que em alguns deles a
potencialidade do dano está ínsita na conduta, prescindindo da averiguação de um
plus da mesma natureza”100.
Com efeito,
[...] os delitos de trânsito próprios, como, v.g., o “racha” e a embriaguez ao
volante, são infrações de lesão (de dano ao objeto jurídico) e de simples
atividade (de mera conduta). [...] Neles, o bem jurídico é lesado e não
simplesmente posto em perigo. [...] A CF, no art. 5º, caput, tutela os direitos
do cidadão à segurança, que se estende à do trânsito. O CT, após
determinar, no art.1º, § 2º, que o trânsito, em condições seguras, é direito
de todos, no art. 28 exige que o motorista dirija de modo a resguardar o
nível de segurança dos usuários das vias de uso público: “O condutor
deverá, a todo momento, ter domínio de seu veículo, dirigindo-o com
atenção e cuidados indispensáveis à segurança do trânsito”.
Portanto, “[...] há interesse coletivo de que as relações de trânsito se
desenvolvam dentro de um nível de segurança”. E assim, sempre que o motorista
“[...] dirige foro do círculo de risco tolerado, rebaixa esse nível, podendo responder
por infração administrativa ou, apresentando a conduta potencialidade lesiva, por
crime (sem prejuízo da sanção administrativa)” 101.
Neste contexto, Nascimento102 ensina que há três planos legais superpostos,
quais sejam, A, B e C:
A – risco tolerado: o tráfego de veículos, ainda que de acordo com as
regras regulamentares, contém um coeficiente de risco de dano à vida e à
incolumidade física das pessoas. Esse risco é tolerado, lícito. [...] De modo
que não há infração administrativa ou crime quando o motorista dirige
conforme o direito, ainda que sua conduta apresente o risco normal do uso
do veículo motorizado. Assim, há tolerância legal para com o
comportamento que se situa, no plano vertical, acima do nível A.
B – infração administrativa: quando a conduta do motorista situa-se entre
os níveis A e B, ultrapassando o limite tolerável (A) pelo desrespeito a uma
norma de trânsito e sem que o fato se enquadre em tipo penal incriminador,
há somente infração administrativa. Ex.: dirigir veículo automotor sem
habilitação legal e de maneira cuidadosa (art. 162, I, do CT).
C – crime: quando o comportamento do motorista situa-se do limite B para
baixo, há lesão ao interesse público “segurança do trânsito”, praticando
delito (desde que o fato se enquadre em norma penal incriminadora). Ele
99
Idem, ibidem.
NASCIMENTO, Walter Vieira do. Op. cit., p. 19.
101
NASCIMENTO, Walter Vieira do. Op. cit., p. 19.
102
Idem, ibidem.
100
39
rebaixa o nível de segurança do tráfego de veículos automotores que é
tutelado pela ordem jurídica, expondo, nos delitos próprios de trânsito, a
incolumidade pública a perigo de dano.
Logo, é de se ver que a segurança do trânsito não resulta da somatória de
todas as “[...] garantias físicas individuais dos membros que compõem a
coletividade. A locução se refere ao nível de segurança pública no que tange ao
trânsito de veículos automotores”103.
Assim, nos delitos de trânsito, ao situar a sua conduta abaixo do referido
plano B, o condutor vem a lesionar a chamada objetividade jurídica, sendo que, com
o mero comportamento, ao reduzir o patamar de segurança, “[...] já pratica o delito,
pois lesiona o interesse público de que não seja rebaixado”104.
Concluindo e sintetizando, pode-se afirmar que os delitos de trânsito não são
de perigo abstrato (presumido) porque tais espécies
[...] já não existem em nosso ordenamento jurídico, fulminados pela
reforma penal de 1984 e pela CF de 1988. Se entendermos que são delitos
de perigo presumido (abstrato), estaremos reconhecendo grave ofensa aos
princípios constitucionais do estado de inocência, da lesividade, da
isonomia entre acusados, da igualdade de armas etc., e, no campo penal,
admitindo sério prejuízo aos dogmas da tipicidade e da culpabilidade,
proibindo a invocação do erro de tipo e de proibição, da ausência de dolo,
da irresponsabilidade criminal por resultado não provocado, da
105
inadequação entre o fato material e os elementos do tipo etc.
Tais delitos também não constituem crimes de perigo concreto pois há a
exigência de prova de que
[...] o interesse jurídico de certa e determinada pessoa, seja outro condutor,
seja passageiro, transeunte ou simples indivíduo presente no local do fato,
esteve exposto a sério, efetivo e real risco de dano em conseqüência da
conduta do motorista. A entender que são infrações de perigo concreto e
que este constitui o resultado naturalístico do tipo, transformando-as em
crimes materiais, ficará difícil explicar o dolo direto. Esta é a vontade de
produzir o resultado (CP, art. 18, I, 1ª parte). Nos crimes de perigo o dolo é
de perigo. Corresponderia, então, à vontade firme e decidida de expor o
objeto a perigo de dano. [...] Ora, essa é uma doutrina surrealista. Nunca
se viu no banco dos réus, a não ser que sofra das faculdades mentais ou
seja terrorista, alguém que, na direção de veículo automotor, o estivesse
106
conduzindo com vontade de expor a coletividade a perigo de dano.
De fato, o perigo, no contexto dos delitos de trânsito caracterizados pela
lesão, por configurar elemento objetivo do tipo, “[...] corresponde ao risco de dano
103
NASCIMENTO, Walter Vieira do. Op. cit., p. 20.
NASCIMENTO, Walter Vieira do. Op. cit., p. 21.
105
NASCIMENTO, Walter Vieira do. Idem, ibidem.
106
NASCIMENTO, Walter Vieira do. Op. cit., p. 21.
104
40
que a conduta do motorista genérica e abstratamente causa aos membros da
coletividade como um todo [...]”107.
Trata-se de simples perigo (risco de dano), inexistindo a qualificação do
aspecto abstrato ou concreto, mesmo porque, se não mais se admite a existência de
delitos de perigo abstrato, “[...] perdeu sentido a adjetivação de ‘concreto’108.
Portanto, não se exige “[...] que o fato ofenda bens jurídicos individuais, já
que a objetividade jurídica pertence à coletividade”, razão pela qual se conclui que
os delitos de trânsito, com raras exceções, como as que se referem ao homicídio
culposo e à lesão corporal culposa, “[...] são crimes de mera conduta (ou de simples
atividade)” 109.
2.6 O CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO EM FACE DE OUTROS DIPLOMAS
LEGAIS
Muito se fala sobre a forte tendência do legislador nacional em inflacionar o
conjunto de leis existentes no país, criando, inclusive, tipos penais que se avolumam
numa proporção quase que idêntica à do aumento da criminalidade. Críticas
à
parte, é de se ver que em relação ao CTB, isso não foi, ou não tem sido, diferente.
Neste sentido, o art. 291, da Lei nº 9.503/97, in verbis:
Art. 291. Aos crimes cometidos na direção de veículos automotores,
previstos no CTB, aplicam-se as normas gerais do CP e do CPP, se este
Capítulo não dispuser de modo diverso, bem como a Lei n° 9.099/95, no
que couber.
Este dispositivo, é bom que se diga, mostra-se um tanto quanto
desnecessário pois, de acordo com o art. 12, do Código Penal, toda a legislação
especial correlata deve ser aplicada, em face deste, de maneira subsidiária, não
sendo outro o entendimento de Bastos110, que a este respeito assim se manifesta:
Não era necessário dizer que o Código Penal se aplica subsidiariamente ao
Código de Trânsito, porque o próprio Código Penal já se manda assim
aplicar à toda a legislação especial, consoante seu art. 12. Desnecessária,
também, a ressalva da não aplicação em caso de disposição diversa, a
107
NASCIMENTO, Walter Vieira do. Op. cit., p. 27.
NASCIMENTO, Walter Vieira do. Idem, ibidem.
109
NASCIMENTO, Walter Vieira do. Op. cit., p. 21.
110
BASTOS, Marcelo Lessa. Código de trânsito brasileiro: aspectos penais e processuais penais.
Disponível em: <http://www.fdc.br/artigos/ctb.htm#2.%20APLICAÇÃO%20SUBSIDIÁRIA%20DO%20
CÓDIGO%20PENAL,%20DO%20CÓDIGO%20DE%20PROCESSO%20PENAL%20E%20DA%20LEI
%20DE%20JUIZADOS%20ESPECIAIS%20CRIMINAIS%20(art.%20291)>. Acesso em: 12 de mai.
2004.
108
41
uma porque o próprio Código Penal já o faz, a duas porque isto é
decorrência lógica do processo interpretativo consoante o princípio da
especialidade. O mesmo se diga em relação à aplicação subsidiária do
Código de Processo Penal, porquanto é assente que o mesmo se dá,
sempre que as leis especiais não contiverem disposições de natureza
processual diversas das contidas naquele Diploma.
Do ponto de vista conceitual, uma norma penal incriminadora mostra-se
especial em relação a outra, geral, quando reúne em sua definição legal todos os
elementos típicos desta, e mais alguns, de natureza objetiva ou subjetiva, que por
sua vez são denominados especializantes e neste sentido, apresentam, assim, um
minus ou um plus de severidade111.
Logo, é de se ter em conta que a Lei nº 9.503/97 é de natureza especial,
sendo de se aplicar a ela o princípio da especialidade, sendo de se destacar, neste
viés, a lição de Damásio112, verbis:
Diz-se que uma norma penal incriminadora é especial em relação a outra,
geral, quando possui em sua definição legal todos os elementos típicos
desta, e mais alguns, de natureza objetiva ou subjetiva, denominados
especializantes, apresentando, por isso, um minus ou um plus de
severidade. A norma especial, ou seja, a que acresce elemento próprio à
descrição legal do crime previsto na geral, prefere a esta: "lex specialis
derogat generali; sem per specialia generalibus insunt; generi per speciem
derogantur". Afasta-se, desta forma, o bis in idem, pois o comportamento
do sujeito só é enquadrado na norma incriminadora especial, embora
também descrito pela geral. Nestes casos, há um typus specialis, contendo
um "crime específico", e um typus generalis, descrevendo um "crime
genérico". Aquele prefere a este. As duas disposições (especial e geral)
podem estar contidas na mesma lei ou em leis distintas; podem ter sido
postas em vigor ao mesmo tempo ou em ocasiões diversas. E preciso,
porém, na relação de generalidade e especialidade entre normas, que
sejam contemporâneas, o que pode deixar de ocorrer na consunção. Além
disso, o princípio da especialidade possui uma característica que o
distingue dos demais: a prevalência da norma especial sobre a geral se
estabelece in abstracto, pela comparação das definições abstratas contidas
nas normas, enquanto os outros exigem um confronto em concreto das leis
que descrevem o mesmo fato.
Neste prisma, conclui-se, com base no princípio da especialidade, que o
condutor/infrator do trânsito será enquadrado no Código de Trânsito, sob o aspecto
criminal, mesmo se outra norma, de caráter genérico, como, por exemplo, o Código
Penal e o Código de Processo Penal, estabelecerem de forma diversa.
Cumpre assinalar, entretanto, “[...] que nem todos os delitos de trânsito são
praticados na ‘direção’ de veículo automotor, como é o caso da omissão de socorro
(art. 304, CT)”113.
111
JESUS, Damásio E., "Direito Penal", Vol. I, Saraiva, 14.ª ed., 1990, p. 94
Idem, ibidem.
113
NASCIMENTO, Walter Vieira do. Op. cit., p. 36.
112
42
Tal entendimento é de fácil percepção, observando-se uma maior
dificuldade, contudo, quando se está diante de um conflito entre duas leis de caráter
especial, como seria o caso, então, do próprio Código de Trânsito em relação à Lei
n1º 9.099/95, analisada a seguir.
2.6.1 O código de trânsito e a lei dos juizados especiais criminais
De acordo com o que estabelece o art. 98, I, da Constituição da República,
a competência ordinária para o julgamento das infrações penais de menor potencial
ofensivo é dos juizados especiais, que por sua vez foram instituídos e regulados com
o advento da Lei nº 9.099/95.
Neste sentido, o art.61 desta Lei :
Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os
efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine
pena máxima não superior a um ano, excetuados os casos em que a lei
preveja procedimento especial.
Já foi assinalado que o art. 291 do Código de Trânsito determina a
aplicação subsidiária das normas gerais do Código Penal e do Código de Processo
Penal, quando dos crimes cometidos na direção de veículo automotor, bem como da
Lei nº 9.099/95.
Entretanto, vale ressaltar que a parte final do referido artigo utiliza a
expressão “no que couber”, o que significa uma ressalva que tem a finalidade de,
justamente, “[...] excluir da aplicação dos institutos da Lei nº 9.099/95 os crimes de
trânsito com pena superior a um ano, pois, sem ela, a lei seria cabível para
absolutamente todos os delitos previstos no Código de Trânsito”114.
Neste contexto,
[...] a Lei dos Juizados terá incidência somente sobre os crimes de menor
potencial ofensivo, quais sejam, aqueles cuja pena máxima não exceder a
um ano. É o caso dos crimes previstos nos arts. 304, 305, 307 e parágrafo,
115
309, 310, 311 e 312 da Lei nº 9.503/97 . Para esses delitos é cabível a
aplicação de todos os dispositivos da Lei nº 9.099/95.
114
CAPEZ, Fernando. Aspectos criminais do Código de Trânsito brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1999,
p. 2.
115
Art. 304. Deixar o condutor do veículo, na ocasião do acidente, de prestar imediato socorro à
vítima, ou, não podendo fazê-lo diretamente, por justa causa, deixar de solicitar auxílio da autoridade
pública:
Penas - detenção, de seis meses a um ano, ou multa, se o fato não constituir elemento de crime mais
grave.
43
Importante assinalar, por conseguinte, que o parágrafo único do já
mencionado art. 291 do Código de Trânsito determina que aos crimes de lesão
culposa na direção de veículo automotor (art. 303), embriaguez ao volante (art. 306)
e participação em competição não autorizada (art. 308), que possuem pena máxima
superior a um ano, devem ser aplicados os institutos da composição de danos civis
(art. 74), transação penal (art. 76) e representação como condição de
procedibilidade (art. 88) da Lei dos Juizados Especiais.
De acordo com Capez116, ao tomar essa atitude,
[...] o legislador não transformou esses crimes em infrações de menor
potencial ofensivo, pois se quisesse fazê-lo teria dito expressamente:
“Aplicam-se os institutos da Lei nº 9.099/95 aos crimes de lesão corporal na
direção de veículo automotor...”. Ora, ao possibilitar a aplicação de apenas
três institutos da lei, o legislador foi de uma clareza impressionante, não
deixando margem a interpretações em sentido contrário, ou seja, para tais
crimes estão vedados, por exemplo, a adoção do rito sumaríssimo e o
julgamento dos recursos por turmas recursais compostas por juízes de
primeira instância.
Parágrafo único. Incide nas penas previstas neste artigo o condutor do veículo, ainda que a sua
omissão seja suprida por terceiros ou que se trate de vítima com morte instantânea ou com
ferimentos leves.
Art. 305. Afastar-se o condutor do veículo do local do acidente, para fugir à responsabilidade penal ou
civil que lhe possa ser atribuída:
Penas - detenção, de seis meses a um ano, ou multa.
[...]
Art. 307. Violar a suspensão ou a proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir
veículo automotor imposta com fundamento neste Código:
Penas - detenção, de seis meses a um ano e multa, com nova imposição adicional de idêntico prazo
de suspensão ou de proibição.
Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre o condenado que deixa de entregar, no prazo
estabelecido no § 1º do art. 293, a Permissão para Dirigir ou a Carteira de Habilitação.
[...]
Art. 309. Dirigir veículo automotor, em via pública, sem a devida Permissão para Dirigir ou Habilitação
ou, ainda, se cassado o direito de dirigir, gerando perigo de dano:
Penas - detenção, de seis meses a um ano, ou multa.
Art. 310. Permitir, confiar ou entregar a direção de veículo automotor a pessoa não habilitada, com
habilitação cassada ou com o direito de dirigir suspenso, ou, ainda, a quem, por seu estado de saúde,
física ou mental, ou por embriaguez, não esteja em condições de conduzi-lo com segurança:
Penas - detenção, de seis meses a um ano, ou multa.
Art. 311. Trafegar em velocidade incompatível com a segurança nas proximidades de escolas,
hospitais, estações de embarque e desembarque de passageiros, logradouros estreitos, ou onde haja
grande movimentação ou concentração de pessoas, gerando perigo de dano:
Penas - detenção, de seis meses a um ano, ou multa.
Art. 312. Inovar artificiosamente, em caso de acidente automobilístico com vítima, na pendência do
respectivo procedimento policial preparatório, inquérito policial ou processo penal, o estado de lugar,
de coisa ou de pessoa, a fim de induzir a erro o agente policial, o perito, ou juiz:
Penas - detenção, de seis meses a um ano, ou multa.
Parágrafo único. Aplica-se o disposto neste artigo, ainda que não iniciados, quando da inovação, o
procedimento preparatório, o inquérito ou o processo aos quais se refere.
116
CAPEZ, Fernando. Op. cit. p. 2.
44
Neste prisma, é possível a aplicação da prisão em flagrante, quando dos
referidos crimes, excetuando-se a hipótese em que a vítima é socorrida
imediatamente, sendo que “[...] a fase policial deve ser realizada por meio de
inquérito e não de simples termo circunstanciado (medida salutar, visto que os
termos circunstanciados sobre lesões culposas nada esclareciam)”117.
A seguir, realiza-se audiência preliminar, no juízo comum, quando, então,
“[...] será tentada inicialmente a composição de danos civis, que, caso efetivada e
homologada, implicará a extinção da punibilidade do agente. Não obtido êxito nessa
composição civil, a vítima poderá oferecer a representação”118.
Nascimento119, por sua vez, lembra que há afirmações, no meio doutrinário,
no sentido de que diante do parágrafo único do art. 291 do CT, os crimes de
embriaguez ao volante e “racha” “[...] são de ação penal pública condicionada à
representação, uma vez que esse dispositivo determina a aplicação a eles do art. 88
da Lei nº 9.099/95”.
Todavia, como bem coloca este autor120, tal interpretação “[...] conduziria a
uma situação de inconveniência, exigindo-se, no crime de ‘competição não
autorizada’ (art. 308), representação do ofendido”.
Por conseguinte, tratando-se de
[...] crime contra a incolumidade pública, dificilmente haveria processo,
tendo em vista a incrível necessidade de representação de um dos
assistentes do “racha” ou transeunte, passageiro, etc., expostos a perigo
de dano. E no crime de embriaguez ao volante (art. 306), também contra a
incolumidade pública, tendo a coletividade como sujeito passivo, quem iria
121
exercer o direito de representação?
Capez122, neste sentido, assinala que às duas primeiras fases da audiência
preliminar, serão de se aplicar, tão somente, ao crime de lesões culposas.
Assim, no que concerne à embriaguez ao volante e participação em
competição não autorizada,
[...] sendo delitos que atingem a incolumidade pública, “não podem ser
aplicados os institutos, porque não existe dano real a ser reparado e
porque inexiste vítima concreta ou, de qualquer modo, existindo, dela não
se pode exigir qualquer manifestação de vontade no sentido de autorizar a
ação penal, uma vez que o bem jurídico é público – segurança viária – e
117
CAPEZ, Fernando. Op. cit. p. 3.
CAPEZ, Fernando. Idem, ibidem.
119
Op. Cit., p. 39.
120
NASCIMENTO, Walter Vieira do. Op. cit., p. 40.
121
NASCIMENTO, Walter Vieira do. Op. cit., p. 40.
122
CAPEZ, Fernando. Op. cit. p. 3.
118
45
não se apresenta disponível. Nesses crimes, portanto, a ação é
123
incondicionada .
Na seqüência, para aqueles três crimes deve-se tentar a transação penal,
com a finalidade de se aplicar, imediatamente, a pena de multa ou restritiva de
direitos, sendo que, entretanto,
[...] tal dispositivo fere o art. 98, I, da Constituição Federal, que somente
permite o rito sumaríssimo, a transação e o julgamento por turmas
recursais para as infrações de menor potencial ofensivo, mas,
definitivamente, esses delitos não o são. Há, entretanto, quem sustente
que a Constituição, ao permitir a transação para os crimes de menor
potencial, não vedou sua aplicação a outros delitos mais graves. Veja-se,
apenas, que tal entendimento abre grave precedente, de forma a tornar
difícil de se sustentar que a transação não seria cabível também em crimes
com pena no mesmo patamar (porte de entorpecentes, desacato,
124
resistência, etc.) .
Com efeito, para Nascimento125 não parece razoável o entendimento
[...] de que em face da lei nova, nos casos de embriaguez ao volante (art.
306) e ‘racha’ (art. 308 do CT) é aplicável o instituto da transação penal
(art. 76 da Lei dos Juizados Especiais Criminais), sob o fundamento de que
o art. 291, parágrafo único, faz referência a esses dispositivos, estendendo
o rol dos crimes de menor potencial ofensivo (posição ampliativa ou
extensiva). [...] Entendemos que a Lei dos Juizados Especiais Criminais
realmente é aplicável aos delitos de trânsito, mas ‘no que couber’ (posição
restritiva). E o art. 61 da lei especial dos Juizados só admite aquelas
medidas quando a pena máxima não é superior a um ano. Não é o caso
daqueles crimes.
De qualquer forma, cumpre lembrar que, no contexto da Lei nº 9.099/95,
terminada a audiência preliminar, remeter-se-á os autos ao Ministério Público para
análise, sendo vedada a denúncia oral, e, após oferecida a denúncia escrita, que no
caso poderá ser acompanhada de proposta de suspensão condicional do processo,
observar-se-á o procedimento sumário, nos termos do que estabelece os arts. 538 e
ss, do Código de Processo Penal, sendo os eventuais recursos julgados pelo
Tribunal de Alçada Criminal126.
E, por fim, há que se destacar que nas hipóteses do crime de homicídio
culposo na direção de veículo automotor, por se tratar da aplicação de uma pena de
detenção que varia de dois a quatro anos, “[...] deve também ser seguido o rito
123
CAPEZ, Fernando. Idem, ibidem.
CAPEZ, Fernando. Idem, ibidem.
125
Op. cit., p. 41.
124
126
CAPEZ, Fernando. Op. cit. p. 4.
46
sumário, vedadas, entretanto, a realização de audiência preliminar e a proposta de
suspensão condicional do processo”127.
Feitas tais observações, cumpre que se passe, a seguir, para o foco central
deste trabalho, qual seja, sobre o crime de embriaguez ao volante.
3 DO CRIME DE EMBRIAGUEZ AO VOLANTE
3.1 ASPECTOS INTRODUTÓRIOS
Uma vez destacadas algumas das principais características do Código de
Trânsito Brasileiro, cumpre que sejam enfocadas as peculiaridades essenciais do
tema central deste trabalho, qual seja, à que se refere ao crime de embriaguez ao
volante, cuja tipificação está contida no art. 306 do referido diploma legal.
Antes contudo, é indispensável destacar a lição trazida à lume por
Pinheiro128, que de maneira apropriada lembra o que segue:
127
CAPEZ, Fernando. Idem, ibidem.
128
PINHEIRO, Geraldo de Faria Lemos. RIBEIRO, Dorival. Op. cit., p. 320.
47
Ao tratar das penalidades, no Capítulo XVI, o Código de Trânsito Brasileiro
estabelece, no art. 256, § 1º, que “A aplicação das penalidades previstas
neste Código não elide as punições originárias de ilícitos penais decorrentes
de crimes de trânsito, conforme disposições de lei”. Vale dizer, a infração
administrativa é independente da penal, mas as penas podem coexistir.
Assim, no que concerne à infração administrativa contida no art. 165 do CT,
qual seja, a de dirigir “[...] sob a influência de álcool, em nível superior a seis
decigramas por litro de sangue, ou de qualquer substância entorpecente ou que
determine dependência física ou psíquica [...]”, há que se destacar que há clara
diferença em relação à infração penal de trânsito, cujo art. 306 assim dispõe:
Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, sob a influência de
álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial a
incolumidade de outrem:
Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou
proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo
automotor.
Neste sentido, Pinheiro129 ressalta que
[...] no art. 165 o legislador se referiu a “dirigir sob a influência de álcool, em
nível superior a seis decigramas por litro de sangue (...)”, sem esclarecer
qual o mecanismo que seria dirigido. Devemos entender que a direção é de
veículo, por força da menção em outros artigos do Código. Como não há
referência a veículo automotor, é de se admitir que a infração será
praticada com a direção de qualquer veículo, daqueles classificados no art.
96 do Código de Trânsito Brasileiro. Já no art. 306 o legislador tipificou
como crime aquele cuja prática ocorra na direção de veículo automotor,
excluindo, portanto, os demais veículos.
Por esta razão, Pinheiro130 entende que “[...] podem ser aplicados o art. 62
ou o art. 34, da Lei das Contravenções Penais para os casos de embriaguez na
direção de veículo que não seja automotor”131.
Com efeito, a “[...] construção tipológica do crime de trânsito está baseada
em dois critérios, ou seja, quando o condutor está sob a influência de álcool ou de
substâncias de efeitos análogos [...]”132, bem como expondo a dano potencial a
incolumidade de outrem, nos termos do que prevê o art. 306 do CT.
Para Damásio133, a expressão outrem
[...] está empregada no sentido de pessoa indeterminada, como ocorre em
quase todos os crimes contra a incolumidade pública (arts. 250 e ss. do
CP). (...) A conduta típica consiste em conduzir veículo sob a influência de
129
PINHEIRO, Geraldo de Faria Lemos; RIBEIRO, Dorival. Op. cit., idem.
PINHEIRO, Geraldo de Faria Lemos; RIBEIRO, Dorival. Op. cit., p. 320.
131
Vide, neste sentido, as considerações feitas à página 19, sobre o conceito de veículo automotor.
132
PINHEIRO, Geraldo de Faria Lemos; RIBEIRO, Dorival. Op. cit., p. 321.
133
JESUS, Damásio Evangelista de. Crimes de trânsito. São Paulo: Saraiva: 1998, p. 147, apud
PINHEIRO, Geraldo de Faria Lemos. Código de trânsito brasileiro interpretado. p. 321.
130
48
substância inebriante, de forma anormal, expondo assim a segurança
alheia a indeterminado perigo de dano (perigo coletivo).
Para o referido doutrinador, “[...] não há limite legal, de modo que existe
delito na hipótese, p. ex., de o sujeito dirigir, irregularmente, sob a influência de 4
decigramas de substância etílica por litro de sangue”134.
Diante disso, Pinheiro135 assinala que:
O texto do art. 306 realmente possibilita a controvérsia, pois referindo-se à
influência de álcool permite o entendimento de que o fato típico exige
apenas a demonstração de que o condutor está sob os efeitos da bebida
alcoólica [...]. A leitura da Resolução do Conselho Nacional de Trânsito, de
n. 81/98, nos arts. 3º e 4º pode induzir a interpretação de que o CONTRAN
desejou equiparar o tipo do art. 306 ao tipo do art. 165, ou seja, só ocorrerá
a infração quando o nível alcoólico for superior a seis gramas por litro de
sangue ou se houver prova de atuação de qualquer substância
entorpecente.
Utilizando-se, tão somente, o processo sistemático de interpretação, chegase à conclusão “[...] de que a aplicação do art. 306 só é válida quando presente o
tipo administrativo do art. 165”136.
Todavia, de acordo com Pinheiro137,
[...] não há como aceitar que os arts. 165 e 306 do Código de Trânsito
Brasileiro são tipos iguais. No primeiro caso, de força administrativa, ficou
estabelecido que a influência de álcool deve ser em nível superior a seis
decigramas por litro de sangue. Já para o crime de trânsito basta que a
condução seja sob a influência de álcool, mas expondo a dano potencial a
incolumidade de outrem.
Vale destacar, de qualquer forma, neste ponto, que a conduta caracterizada
pela condução de veículo sob o efeito de substâncias alcoólicas encerra, segundo
dizer de Calón138, um “[...] grave perigo para a segurança coletiva, tanto que, em
alguns países, os tribunais costumam negar o benefício da suspensão condicional
da pena, ainda que se trate de delinqüente primário”. Por esta razão, cumpre
assinalar os pontos a seguir.
3.2 CONCURSO DE NORMAS INCRIMINADORAS: O ARTIGO 306 DO CÓDIGO
DE TRÂNSITO EM RELAÇÃO AO ARTIGO 34 DA LEI DAS CONTRAVENÇÕES
PENAIS
134
Op. cit., p. 152, apud PINHEIRO, Geraldo de Faria Lemos; RIBEIRO, Dorival. Op. cit., p. 322.
Idem, ibidem.
136
PINHEIRO, Geraldo de Faria Lemos; RIBEIRO, Dorival. Idem, ibidem.
137
Idem, ibidem.
135
49
Com o advento da Lei nº 9.503/97, o legislador pátrio erigiu à categoria de
crimes
determinadas
condutas
que,
anteriormente,
eram enquadradas na
contravenção penal prevista no art. 34139 da lei correspondente, qual seja, de
direção perigosa de veículo na via pública, servindo como exemplo principal, no caso
presente, o art. 306 do CT, já mencionado.
A este respeito, Nascimento140 tece os seguintes comentários:
Os arts. 306, 308, 309 e 311 do Código de Trânsito criaram modalidades
de crimes que, antes de sua vigência, enquadravam-se na contravenção
de direção perigosa de veículo na via pública (art. 34 da LCP). É o que
ocorre com a embriaguez ao volante: enquadrava-se no art. 34 da LCP.
Hoje, amolda-se ao art. 306 do CT.
Vale destacar, neste sentido, que o art. 34 foi derrogado, sendo que, por
outro lado, certas condutas “[...] ainda se encontram descritas nele, como a direção
perigosa de embarcação e todos os comportamentos de direção perigosa de veículo
automotor, com exceção da embriaguez ao volante e dos arts. 308 e 311 do CT”141.
Com efeito, como bem lembra Capez142, é de se ver que o legislador assim
o fez porque se deparou com “[...] as notícias de que mais de 70% dos acidentes de
trânsito se davam em razão da ingestão de bebidas alcoólicas ou de outras
substâncias inebriantes”.
Dito isso, cumpre que sejam feitas, então, as análises doutrinárias
correspondentes ao tipo elencado no art. 306 do CT.
3.3 OBJETIVIDADE JURÍDICA DO DELITO
De acordo com o que estabelece o art. 5º, caput, da Constituição Federal,
todos os cidadãos têm pleno direito à segurança, sendo que, conforme dispõem os
arts. 1º, § 2º, e 28, respectivamente, do Código de Trânsito Brasileiro, “[...] o trânsito,
em condições seguras, é um direito de todos [...]” devendo o motorista conduzir o
veículo “[...] com atenção e cuidados indispensáveis à segurança do trânsito”143.
138
CALÓN, Cuello. La ley Del automóvil, 1940, p. 11, apud ROESLER, Átila Da Rold. Op. cit.
Art. 34 - Dirigir veículos na via pública, ou embarcações em águas públicas, pondo em perigo a
segurança alheia: Pena - prisão simples, de 15 (quinze) dias a 3 (três) meses, ou multa.
140
Op. Cit., p. 145.
141
NASCIMENTO, Walter Vieira do. Op. cit., p. 145.
142
CAPEZ, Fernando. Op. cit. pp. 41-42.
143
CAPEZ, Fernando. Op. cit., p. 42.
139
50
Nesta esteira conclui-se, então, que a segurança viária é o objeto jurídico
principal do delito de embriaguez ao volante, ao passo que o “[...] direito à vida e à
saúde constituem, em verdade, a objetividade jurídica secundária”144.
De acordo com a definição de Holanda145, o vocábulo incolumidade deriva
da palavra latina incolumitas, significando, assim, a qualidade daquilo que está são e
salvo, livre de perigo. Portanto, diz respeito à segurança das pessoas em
correspondência com o interesse coletivo.
Sendo assim, vale reassinalar que é possível verificar-se que
[...] o crime de embriaguez ao volante não pode ser considerado crime de
perigo abstrato ou concreto. Nos crimes de perigo abstrato o risco é
presumido pelo legislador, não permitindo prova em sentido contrário
(basta à acusação provar a realização da conduta). Já os crimes de perigo
concreto exigem, caso a caso, a demonstração da real ocorrência da
probabilidade de dano a pessoa certa e determinada. A acusação,
portanto, deve provar que uma pessoa, seja outro condutor, passageiro,
transeunte ou qualquer presente ao local, esteve exposta a sério e real
146
risco de dano em conseqüência da conduta do motorista .
Por conseguinte, ao se considerar que no delito em análise o bem jurídico
tutelado é a própria segurança viária, pode-se concluir pela sua ocorrência “[...]
sempre que o condutor atentar contra a segurança dos usuários das vias públicas,
em virtude de seu modo de dirigir, por estar sob a influência do álcool ou substância
de efeitos análogos”147.
Nesta linha de raciocínio, Capez148 afirma o seguinte:
Em suma, se fosse crime de perigo abstrato, bastaria à acusação a prova
da conduta (dirigir em estado de embriaguez), hipótese em que a situação
de risco seria presumida; se fosse crime de perigo concreto, seria
necessário que se provasse que pessoa certa e determinada fora exposta
a situação de risco. Acontece que, sendo crime de efetiva lesão ao bem
jurídico (segurança do trânsito), pode-se concluir que cabe à acusação
demonstrar que o agente,por estar sob a influência do álcool, dirigiu de
forma anormal, ainda que sem expor a risco determinada pessoa.
Damásio149, neste mesmo sentido afirma:
Toda vez que o motorista dirige fora do círculo de risco tolerado, rebaixa
esse nível (de segurança),podendo responder por infração administrativa
ou, apresentando a conduta potencialidade lesiva, por crime... Não se
exige que o fato ofenda bens jurídicos individuais, uma vez que a
objetividade jurídica pertence à coletividade.
144
CAPEZ, Fernando. Idem, ibidem.
HOLANDA FERREIRA, Aurélio Buarque de. Dicionário Aurélio Eletrônico. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1999.
146
CAPEZ, Fernando. Op. cit., p. 42.
147
CAPEZ, Fernando. Idem, ibidem.
148
Op. cit., p. 43.
149
JESUS, Damásio Evangelista de. Natureza jurídica dos crimes de trânsito. São Paulo: Paloma, p.
22, apud CAPEZ, Fernando. Op. cit., p. 43.
145
51
A título de informação é de se destacar que, obviamente, essas mesmas
conclusões acabam sendo aplicadas aos crimes de participação em competição não
autorizada (art. 308), direção sem habilitação (art. 309) e excesso de velocidade em
determinados locais (art. 311).
3.4 TIPO OBJETIVO E SUBJETIVO DO DELITO
De acordo com o magistério de Capez150, “[...] o primeiro requisito do crime é
conduzir veículo automotor, ou seja, dirigir, ter sob seu controle direto os
aparelhamentos de velocidade e direção”.
Assim, conforme assevera este autor151, considera-se que houve condução
“[...] ainda que o veículo esteja desligado (mas em movimento) ou quando o agente
se limita a efetuar uma pequena manobra”, não estando abrangidas as condutas
consistentes em empurrar ou apenas ligar o automóvel, sem chegar a colocá-lo em
movimento.
O segundo requisito, prossegue Capez152, “[...] é que o agente esteja sob a
influência de álcool ou substância de efeitos análogos, como a maconha, éter,
cocaína, clorofórmio, barbitúricos etc”.
O terceiro requisito, segundo Capez153, diz respeito ao fato de que o veículo
deve ser “[...] conduzido na via pública, ou seja, em local aberto a qualquer pessoa,
cujo acesso seja permitido e por onde seja possível a passagem de veículo
automotor (ruas, avenidas, alamedas, praças etc.)”.
Neste sentido,
As ruas dos condomínios particulares, nos termos da Lei nº 6.766/79,
pertencem ao Poder Público; portanto, dirigir embriagado nesses locais
pode caracterizar a infração. Por outro lado, não se considera via pública o
interior da fazenda particular, o interior de garagem da própria residência, o
pátio de um posto de gasolina, o interior de estacionamentos particulares
154
de veículos, os estacionamentos de shopping centers, etc .
150
Op. cit., p. 44.
CAPEZ, Fernando. Idem, ibidem.
152
Idem, ibidem.
153
Op. cit., p. 44.
154
CAPEZ, Fernando. Op. cit., p. 46.
151
52
E o último requisito para o aperfeiçoamento do delito sob foco, qual seja, a
embriaguez ao volante, “[...] é que o agente, na condução do veículo, exponha a
dano potencial a incolumidade de outrem” 155.
Por fim, há que se registrar que o elemento subjetivo consiste na “[...]
intenção de conduzir o veículo estando sob a influência do álcool”156.
Assim, com a finalidade de se fazer a devida contextualização entre tais
aspectos e a questão prática, passa-se a enfocar a questão do etilômetro.
3.4.1 Da utilização do etilômetro
É interessante observar que o tipo penal sob foco “[...] não exige que o
agente esteja efetivamente embriagado, bastando que esteja sob a influência do
álcool”157.
Neste ponto, Capez158 levanta um importantíssimo questionamento, a saber:
“que quantidade é necessária que o agente tenha ingerido para estar sob a
influência do álcool?”
Segundo ele, há, para esta questão, duas orientações:
A primeira baseia-se no art. 276 do Código de Trânsito, que estabelece que
a concentração de seis decigramas de álcool por litro de sangue comprova
que o condutor está impedido de dirigir o veículo. A segunda entende que,
por não haver delimitação no tipo penal, deve a análise ser feita caso a
caso, cabendo à acusação demonstrar que a quantia ingerida pelo agente
provocou alteração no seu sistema nervoso central, com redução da
capacidade da sua função motora, da sua percepção e do seu
159
comportamento.
Aqui o referido autor160 faz menção ao procedimento a ser adotado quando
da ocorrência de casos desta espécie, in verbis:
Em princípio a embriaguez deve ser demonstrada por exame químico, no
qual se coleta o sangue da pessoa pretensamente embriagada, levando-o
a laboratório para exame. O laudo, então, aponta a quantia de álcool
existente por litro de sangue no indivíduo. Observe-se, porém, que a coleta
do sangue só pode ser feita se houver permissão deste, pois não existe lei
que o obrigue a tanto. Assim, caso não concorde, não pode ser obrigado.
155
CAPEZ, Fernando. Idem, ibidem.
CAPEZ, Fernando. Op. cit., p. 47.
157
Op. cit., p. 46.
158
Op. cit., p. 46.
159
CAPEZ, Fernando. Op. cit., p. 47.
160
CAPEZ, Fernando. Op. cit., p. 45.
156
53
Surge, também, nestes casos, a possibilidade de realização do exame por
intermédio do instrumento denominado “etilômetro”, que tem a finalidade de indicar
“[...] o nível de concentração de álcool, ou através de exame clínico feito por médico,
que atesta ou não o estado de embriaguez, verificando o comportamento do sujeito
através de sua fala, seu equilíbrio, seus reflexos etc”161.
Do ponto de vista da científico, o etilômetro consiste no seguinte:
O bafômetro é um aparelho que permite determinar a concentração de
bebida alcoólica em uma pessoa, analisando o ar exalado dos pulmões. O
princípio de detecção do grau alcoólico está fundamentado na avaliação
das mudanças das características elétricas de um sensor sob os efeitos
provocados pelos resíduos do álcool etílico no hálito do indivíduo. O sensor
é um elemento formado por um material cuja condutividade elétrica é
influenciada pelas substâncias químicas do ambiente que se aderem à sua
superfície. Sua condutividade elétrica diminui quando a substância é o
oxigênio e aumenta quando se trata de álcool. Entre as composições
preferidas para formar o sensor destacam-se aquelas que utilizam
polímeros condutores ou filmes de óxidos cerâmicos, como óxido de
estanho (SnO2), depositados sobre um substrato isolante. A
correspondência entre a concentração de álcool no ambiente, medida em
partes por milhão (ppm), e uma determinada condutividade elétrica é obtida
mediante uma calibração prévia onde outros fatores, como o efeito da
temperatura ambiente, o efeito da umidade relativa, regime de escoamento
de ar etc., são rigorosamente avaliados. A concentração de álcool no hálito
das pessoas está relacionada com a quantidade de álcool presente no seu
162
sangue dado o processo de troca que ocorre nos pulmões .
Com efeito, como bem coloca Damásio163, esta questão em específico tem
suscitado sérias ressalvas, principalmente porque as autoridades policiais e
administrativas têm encontrado dificuldades quando da produção das provas
relativas “[...] à influência do álcool e das substâncias a ele análogas,
proporcionadas pela não-colaboração dos condutores submetidos à fiscalização ou
quando envolvidos em acidente de trânsito”.
Menciona-se, por oportuno, o entendimento de Pinheiro164, sobre a questão:
Entendemos, acompanhando a maioria dos autores, que os condutores
podem recusar-se a tais exames, por força do princípio constitucional da
não incriminação, em especial, pelo disposto na Convenção Americana de
Direitos Humanos (1969) – Pacto de São José da Costa Rica, e Declaração
Americana dos Direitos e Deveres do Homem (1948). A recusa, ao
contrário do que asseguram algumas autoridades de trânsito, não configura
crime de desobediência (art. 330 do CP) e nem está contida no art. 195 do
Código de Trânsito Brasileiro.
161
CAPEZ, Fernando. Idem, ibidem.
SILVA, Sandro Santos da. Bafômetro. Disponível em: http://www.virtual.epm.br/material/tis/currbio/trab99/alcool/bafometro.htm. Acesso em 24 de mai. 2004.
163
JESUS, Damásio Evangelista de. Limites à prova da embriaguez ao volante: a questão da
obrigatoriedade do teste do “Bafômetro”. Disponível em: http://www.direitopenal.adv.br/artigos.asp?id
=1061. Acesso em 23 de mai. 2004.
164
Op. cit., p. 321.
162
54
Neste sentido Damásio165 observa que:
Sob o ponto de vista penal, considero intransponível, no atual estágio de
desenvolvimento das garantias constitucionais, a superação do direito ao
silêncio, reconhecido no art. 5.º, LXIII, da Constituição Federal, com o
intuito de obrigar o condutor a colaborar na produção de prova contra si
mesmo. De fato, é prova reconhecidamente inadmissível a coleta de
sangue do condutor contra a sua vontade ou a submissão forçada ao
conhecido teste do “bafômetro” (etilômetro).
Cumpre afirmar, por conseguinte, que tal espécie de limitação está
intimamente ligada à tutela dos direitos fundamentais, não sendo outra o
entendimento de Gomes Filho166, litteris:
No Brasil, o direito ao silêncio do acusado, que já era mencionado pelo art.
186 do Código de Processo Penal, embora com a sugestiva admoestação
de que poderia ser interpretado em prejuízo da própria defesa, foi elevado
à condição de garantia constitucional pelo art. 5.º, LXIII, da Carta de 1988,
que determina: ‘o preso será informado de seus direitos, entre os quais o
de permanecer calado (...)’; e a Convenção Americana sobre Direitos
Humanos também assegura ‘a toda pessoa acusada de delito (...) o direito
de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada
(...)’ (art. 8.º, g). (...) De qualquer modo – e isso é o que interessa ao
presente estudo – o direito à não auto-incriminação constitui uma barreira
intransponível ao direito à prova de acusação; sua denegação, sob
qualquer disfarce, representará um indesejável retorno às formas mais
abomináveis da repressão, comprometendo o caráter ético-político do
processo e a própria correção no exercício da função jurisdicional.
Impende ressaltar, por outro lado, que na ausência desses exames, a
jurisprudência
tem
admitido
outros
elementos
probatórios.
Neste
viés,
o
entendimento do Superior Tribunal de Justiça, verbis:
Havendo outros elementos probatórios, de regra, lícitos, legítimos e
adequados para demonstrar a verdade judicialmente válida dos fatos, não
há razão para desconsiderá-los sob o pretexto de que o art. 158 do CPP
admite, para fins de comprovação da conduta delitiva, apenas e tão167
somente, o respectivo exame pericial .
Destaca-se, por conseqüência, a aversão demonstrada pela jurisprudência
do Supremo Tribunal Federal, quanto à utilização de instrumentos probatórios que
violam a garantia então referida, in verbis:
Ementa: Comissão Parlamentar de Inquérito – privilégio contra a autoincriminação – direito que assiste a qualquer indiciado ou testemunha –
impossibilidade de o poder público impor medidas restritivas a quem
exerce, regularmente, essa prerrogativa – pedido de habeas corpus
165
JESUS, Damásio Evangelista de. Limites à prova da embriaguez ao volante: a questão da
obrigatoriedade do teste do “Bafômetro”. Idem.
166
GOMES FILHO, Antonio Magalhães. O direito à prova no Processo Penal. Faculdade de Direito,
Universidade de São Paulo. São Paulo: 1995, pP. 113-115, apud, JESUS, Damásio Evangelista de.
Idem, ibidem.
167
BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. 5.ª T., RHC n. 13.215/SC, rel. Min. Felix Fischer, j. em
15.4.2003, DJU de 26.5.2003, p. 368, apud, JESUS, Damásio Evangelista de. Idem, ibidem.
55
deferido. O privilégio contra a auto-incriminação – que é plenamente
invocável perante as Comissões Parlamentares de Inquérito – traduz direito
público subjetivo assegurado a qualquer pessoa, que, na condição de
testemunha, de indiciado ou de réu, deva prestar depoimento perante
órgãos do Poder Legislativo, do Poder Executivo ou do Poder Judiciário. O
exercício do direito de permanecer em silêncio não autoriza os órgãos
estatais a dispensarem qualquer tratamento que implique restrição à esfera
jurídica daquele que regularmente invocou essa prerrogativa fundamental.
Precedentes. O direito ao silêncio – enquanto poder jurídico reconhecido a
qualquer pessoa relativamente a perguntas cujas respostas possam
incriminá-la (nemo tenetur se detegere) – impede, quando concretamente
exercido, que quem o invocou venha, por essa específica razão, a ser
preso, ou ameaçado de prisão, pelos agentes ou pelas autoridades do
Estado. Ninguém pode ser tratado como culpado, qualquer que seja a
natureza do ilícito penal cuja prática lhe tenha sido atribuída, sem que
exista, a esse respeito, decisão judicial condenatória transitada em julgado.
O princípio constitucional da não-culpabilidade, em nosso sistema jurídico,
consagra uma regra de tratamento que impede o Poder Público de agir e
de se comportar, em relação ao suspeito, ao indiciado, ao denunciado ou
ao réu, como se estes já houvessem sido condenados definitivamente por
168
sentença do Poder Judiciário. Precedentes .
Diante desse obstáculo, Damásio169 oferece como contribuição o seguinte
entendimento, litteris:
Assim, se é certo que o condutor de veículo automotor pode validamente
opor-se aos exames de dosagem alcoólica ou de utilização de substâncias
entorpecentes ou psicotrópicas, vislumbro diante dessa realidade brasileira
uma única saída: a otimização dos meios para a realização do exame
clínico, cuja elaboração independe, em regra, da colaboração do motorista.
Com efeito, dispõe o art. 277 do CTB: “Todo condutor de veículo
automotor, envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de
fiscalização de trânsito, sob suspeita de haver excedido os limites do artigo
anterior, será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia,
ou outro exame que por meios técnicos ou científicos, em aparelhos
homologados pelo CONTRAN, permitam certificar seu estado”.
Em seguida, o referido doutrinador170 afirma:
Pois bem. Ainda que o condutor exerça o direito à não-auto-incriminação, é
possível, diante dos indícios configuradores de crime de trânsito (art. 306
do CTB), encaminhá-lo à autoridade de polícia judiciária a qual, de
imediato, expedirá a requisição para o exame clínico. Em razão da
pesquisa do médico oficial, será possível aferir se o condutor dirigia, de
forma anormal, sob o efeito de álcool ou substância análoga, o que se
mostrará suficiente para a configuração do art. 306 do CTB, haja vista ser
desnecessário estabelecer, para efeitos penais, a dosagem de
concentração do álcool no organismo do condutor. Como ensina a doutrina,
basta a prova da ingestão dessas substâncias e a influência por elas
exercidas na forma de condução do veículo automotor em via pública.
Constatando-se o comportamento anormal à direção – ziguezagues,
velocidade incompatível com a segurança etc. – já será possível a
imposição de sanções penais (art. 306). Ressalto que, no exame clínico,
168
BRASIL, Supremo Tribunal Federal . HC n. 79.812/SP, rel. Min. Celso de Mello, j. em 8.11.2000,
DJU de 16.2.2001, p. 21, apud, JESUS, Damásio Evangelista de. Op. cit.
169
JESUS, Damásio Evangelista de. Limites à prova da embriaguez ao volante: a questão da
obrigatoriedade do teste do “Bafômetro”.
170
JESUS, Damásio Evangelista de. Idem, ibidem.
56
serão observados: hálito, motricidade (marcha, escrita, elocução),
psiquismo e funções vitais, entre outras pesquisas médicas, cuja
realização, em vários casos, independerá da colaboração do condutor do
veículo automotor.
Em arremate, Damásio171 reconhece que “[...] dificuldades práticas
envolvem o exame clínico, sendo elas as responsáveis pelo baixo estímulo
demonstrado pelas autoridades policiais e seus agentes na sua realização”.
Neste contexto, conforme já foi constatado
[...] no Curso de Aperfeiçoamento aos Policiais Rodoviários Federais,
realizado no Complexo Jurídico Damásio de Jesus (São Paulo, 2002), o
deslocamento da guarnição policial até as Delegacias de Polícia e ao
Instituto Médico Legal enseja um longo tempo para o encerramento da
ocorrência e, especialmente nas rodovias federais, na ausência de
vigilância por período prolongado. Esses fatos, porém, não podem servir de
desculpa e, principalmente, de inércia para o Poder Público. Bastaria o
deslocamento de médicos legistas aos locais de fiscalização para a
realização imediata dos exames, conduzindo-se os condutores aos
Distritos Policiais para a lavratura do auto de flagrante no caso de
resultados positivos no exame clínico. Nas cidades, a solução também
pode ser a mesma ou, em virtude de menores distâncias e do maior
contingente de policiais militares, a imediata requisição de exame nos
172
Distritos Policiais.
Assim, como assevera Damásio173, bastaria “[...] qualificar os agentes da
autoridade policial e estimulá-los a realizar os procedimentos necessários, sempre à
luz das garantias e de direitos fundamentais”.
3.5 DA TENTATIVA, DA CONSUMAÇÃO, DO CONCURSO E DA AÇÃO PENAL NO
CRIME DO ART. 306 DO CTB
Neste tópico, cumpre assinalar-se, apenas, que a tentativa, in casu, não é
admissível. Assim, se o agente, “[...] em razão da embriaguez, dirige de forma
irregular, o crime está consumado, e, se não o faz, infringe apenas norma
administrativa (art. 165)”174.
Já em relação ao concurso, Capez175 assinala o seguinte:
a) se o agente provoca homicídio ou lesão culposa, responde apenas por
esses crimes, ficando absorvido o crime de embriaguez ao volante; b) se o
autor do crime de embriaguez ao volante (art. 306) também não é
habilitado para dirigir veículo (art. 309), responde apenas pelo primeiro,
171
JESUS, Damásio Evangelista de. Limites à prova da embriaguez ao volante: a questão da
obrigatoriedade do teste do “Bafômetro”.
172
JESUS, Damásio Evangelista de. Idem.
173
JESUS, Damásio Evangelista de. Idem.
174
CAPEZ, Fernando. Op. cit., p. 46.
175
CAPEZ, Fernando. Op. cit., p. 47.
57
aplicando-se, entretanto, a agravante genérica do art. 298, III, do Código de
Trânsito Brasileiro, que se refere justamente a dirigir sem habilitação.
Bem assim, não há que se cogitar a aplicação de concurso material ou
formal, “[...] porque a situação de risco produzida é uma só”176.
Quanto à ação penal cabível, o entender pacífico da jurisprudência177:
PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. EMBRIAGUEZ AO VOLANTE
(ART. 306 DO CTB). AÇÃO PENAL PÚBLICA INCONDICIONADA. EXAME
PERICIAL. NULIDADE. I - O crime de embriaguez ao volante, definido no
art. 306 do CTB, é de ação penal pública incondicionada, dado o caráter
coletivo do bem jurídico tutelado (segurança viária), bem como a
inexistência de vítima determinada. II - A verificação da validade de laudo
pericial que se mostra perfeito, em princípio, sob o ponto de vista formal,
pois subscrito por dois peritos oficiais, não é admissível em sede de
habeas corpus se, para tanto, faz-se necessário aprofundado exame do
material cognitivo. Ordem denegada.
Portanto, a ação penal cabível é pública incondicionada, “[...] sendo
inaplicável a regra do art. 291, parágrafo único, que exige a representação”178.
3.6 MEDIDAS DE PREVENÇÃO DO CRIME DE EMBRIAGUEZ AO VOLANTE
Neste tópico cumpre que seja destacada a contribuição trazida por
Damásio179, para o problema dos crimes automobilísticos relacionados com a
ingestão de álcool. De acordo com este autor e professor, na maioria dos países se
recomenda, atualmente, as seguintes medidas:
[...] aumento de idade para o consumo de bebidas alcoólicas; aumento na
incidência de impostos para comercialização (com elevação do preço final);
restrição para funcionamento, locais e horários para estabelecimentos que
comercializam bebidas alcoólicas; emprego aleatório do “bafômetro” ou de
instrumentos de medição do consumo, observadas as determinações
legais; inspeção veicular (adotada em vários Países, como a Suécia, desde
1965).
Já em relação ao Brasil, o referido doutrinador180 indica as seguintes
medidas, litteris:
Inspeção veicular obrigatória anual (que tem por objetivo a verificação das
condições do veículo para trafegar). Inspeção veicular obrigatória aleatória
(a qual tem por objetivo a verificação das condições do veículo, do
condutor e dos passageiros). Essa inspeção poderia, a exemplo do que
176
CAPEZ, Fernando. Op. cit., p. 47.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Hábeas Corpus 19465/CE. Relator Des. Felix Fischer.
Disponível em: < http://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=RSDPPP.font.+ou+RSDPP
P.suce.&&b=JUR2&p=true&t=&l=20&i=8. Acesso em 11 de jun. 2004.
178
CAPEZ, Fernando. Idem, ibidem.
179
JESUS, Damásio Evangelista de. Op. cit.
180
JESUS, Damásio Evangelista de. Idem.
177
58
ocorre na Suécia, ser normatizada em lei federal, mas executada por
órgãos estaduais, incluindo representantes da Secretaria Estadual da
Saúde, representantes da Secretaria Estadual da Segurança Pública,
representantes de Municípios, representantes da Polícia Civil,
representantes da Polícia Militar, representantes do Corpo de Bombeiros,
representantes das empresas de seguros, representantes de associações
de motoristas profissionais (liberais), representantes de associações de
empresas de transporte, representantes de empresas concessionárias de
rodovias estaduais e federais. A composição cumpriria ser de 60% dos
membros ligados a órgãos públicos; 40% dos membros ligados à iniciativa
privada, deferindo-se a execução à Polícia Militar Rodoviária (Estadual ou
Federal). Aos Municípios deveria ser delegada a fiscalização dos limites
urbanos (art. 23, III, do CTB, que atribui às Polícias a tarefa fiscalizadora).
O “Colégio” seria o órgão competente para: processar eventuais recursos;
sugerir alterações na legislação nacional de trânsito; desenvolver
campanhas de prevenção; celebrar convênios (com os Municípios) para a
delegação de atividades de fiscalização; fixar programa de atividades
fiscalizatórias: locais, horários, freqüências. A fiscalização (inspeção
aleatória) poderia ser realizada em praças de pedágio e trevos de acesso
aos Municípios, envolvendo a utilização de “bafômetros” ou de outros
instrumentos de aferição.
Quanto à publicidade de produtos alcoólicos, Damásio181 indica o que segue:
[...] vedação à utilização de menores; vedação à associação a esportes;
vedação à associação a entretenimentos. A publicidade deve orientar-se
pela difusão do produto, suas características, mas de maneira responsável,
sem que contenha ou empregue qualquer apelo de consumo, sobretudo
para adolescentes. Atualmente, o Conar estabelece vedação à participação
de pessoas de até 25 anos, a utilização de símbolos, imagens, recursos
gráficos do universo infantil e o uso de imagens associadas à prática de
esportes, dentre outras regras. Ao final das mensagens publicitárias, exigese a inserção de “cláusula de advertência” (exemplo: “Evite o consumo
excessivo”). Dentre as inserções obrigatórias, apenas uma é relacionada à
prevenção de acidentes automobilísticos (“Se beber, não dirija”).
Por fim, há que se dizer que tais medidas parecem essenciais para o
alcance dos objetivos do Código de Trânsito, sem prejuízo, é claro, da efetiva e
inafastável imposição da lei quando da ocorrência desta modalidade de crime, pois,
afinal, não haverá qualquer sucesso em tais iniciativas se a impunidade continuar
imperando nas estradas do Brasil.
CONCLUSÃO
Com lastro nas observações assinaladas, cumpre assentar que o Código de
Trânsito Brasileiro exibe o mérito de enfocar com extrema seriedade o problema
relacionado às infrações administrativas e aos crimes de trânsito, não sendo
diferente, neste sentido, em relação à conduta caracterizada pela condução de
181
JESUS, Damásio Evangelista de. Op. cit.
59
veículo automotor, em via pública, sob a influência de álcool ou de substâncias
provocadoras de efeitos análogos, expondo a dano potencial, por conseguinte, a
incolumidade de outrem.
Trata-se, com efeito, de conduta que não guarda estrita semelhança com o
delito de natureza administrativa na medida em que este evidencia-se, tão somente,
pela condução do veículo em estado de embriaguez.
Assim, com fulcro nas reflexões até então trazidas a lume, é de se ver que o
legislador que instituiu o Código de Trânsito Brasileiro transformou antigas espécies
de contravenções penais em modalidades próprias de crimes, servindo como
exemplo principal, até aqui. o art. 306 do CT, que faz referência à condução de
veículo sob a influência embriagante.
Neste contexto, a utilização do chamado bafômetro levanta uma séria
polêmica entre os que militam e estudam esta questão, mas, independentemente, de
qualquer controvérsia, tem se concluído que os condutores podem recusar-se a tais
exames, baseados na força do princípio constitucional da não incriminação e, em
especial, pelo disposto na Convenção Americana de Direitos Humanos (1969) –
Pacto de São José da Costa Rica, e Declaração Americana dos Direitos e Deveres
do Homem (1948).
Por conseguinte, é de se ver que a recusa, ao contrário do que asseguram
certos agentes que exercem suas funções na área de trânsito, não configura o crime
de desobediência cuja previsão está no art. 330 do Código Penal, e nem está
contida no art. 195 do Código de Trânsito Brasileiro, que também faz referência à
desobediência aos agentes competentes da área.
Ainda assim, há que se notar que a tentativa não é, in casu, possível, e que
no que se refere ao concurso, algumas regras precisam ser observadas, tais como
as que determinam que se o agente provoca homicídio ou lesão culposa,
responderá apenas por esses crimes, restando absorvido, por conseguinte, o crime
de embriaguez ao volante, e que a estabelece que se o autor do crime de
embriaguez ao volante (art. 306) também não é habilitado para dirigir veículo
automotor (art. 309), responderá apenas pelo primeiro, aplicando-se, entretanto, a
agravante genérica do art. 298, III, do Código de Trânsito Brasileiro, que se refere,
no caso, a dirigir sem habilitação.
Além disso, não é possível cogitar a respeito da aplicação de concurso
material ou formal, em virtude do fato de que no caso concreto só se produz uma
60
situação de risco, não restando dúvidas, portanto, e por fim, que não obstante o rigor
da lei no sentido de coibir tais condutas, só mesmo por intermédio de medidas
preventivas firmes e resolutas, que se poderá diminuir sensivelmente as estatísticas
e as ocorrências relacionadas às infrações administrativas e, principalmente, aos
crimes de trânsito caracterizados pela embriaguez.
Pretende-se, portanto, contribuir para que as comunidades científica e
acadêmica possam, por intermédio deste trabalho, solidificar suas posições em
relação ao tema proposto, vez que se trata, indubitavelmente, de uma problemática
revestida de extrema importância no contexto social como um todo.
Afinal, as estatísticas comprovam que os delitos e acidentes de trânsito
constituem, nos dias atuais, um dos mais graves desafios a se enfrentar por todos os
segmentos que constituem o Estado Brasileiro, não sendo diferente, por certo, no
que diz respeito ao terrível mal da embriaguez ao volante.
Esta causa de crimes e acidentes relacionados ao trânsito merece, desde há
muito, um enfrentamento irresoluto das autoridades e cidadãos comuns deste país,
uma vez que, certamente, ao se adotar medidas de contenção efetiva da ocorrência
em discussão, todos terão a ganhar.
O presente trabalho não tem por objetivo limitar a discussão acerca do tema
abordado, mas sim dar sua parcela de contribuição àqueles que vierem pesquisar,
estudar e debater esse assunto tão corriqueiro atualmente.
REFERÊNCIAS
ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Código de trânsito brasileiro: desafio vital
para o terceiro milênio. Disponível em: <http://buscalegis.ccj.ufsc.br/arquivos/Novo
_Codigo_de_Transito.htm>. Acesso em 12 de mar. 2004.
BASTOS, Marcelo Lessa. Código de trânsito brasileiro: aspectos penais e
processuais penais. Disponível em: <http://www.fdc.br/artigos/ctb.htm#2.%20APLI
61
CAÇÃO%20SUBSIDIÁRIA%20DO%20CÓDIGO%20PENAL,%20DO%20CÓDIGO%
20DE%20PROCESSO%20PENAL%20E%20DA%20LEI%20DE%20JUIZADOS%20
ESPECIAIS%20CRIMINAIS%20(art.%20291)>. Acesso em: 12 de mai. 2004.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. 8. ed. São Paulo: Saraiva,
2001.
BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado,
1988.
______. Código Penal. Organização dos textos, notas remissivas e índices por obra
coletiva da Editora Saraiva. 39ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001.
______. Código de processo penal. Obra coletiva de autoria da editora Saraiva
com colaboração de PINTO, Antônio Luiz de Toledo, WINDT, Márcia Cristina Vaz
dos Santos e SIQUEIRA, Luiz Eduardo Alves de. 41. ed. São Paulo: Saraiva, 2001.
______. Superior Tribunal de Justiça. Hábeas Corpus 19465/CE. Relator Des.
Felix
Fischer.
Disponível
em:
<
http://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=RSDPPP.font.+ou+RSDPP
P.suce.&&b=JUR2&p=true&t=&l=20&i=8. Acesso em 11 de jun. 2004.
______. Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997. Disponível em:
<http://www.dji.com.br/codigos/1997_lei_009503_ctb/ctb.htm#Código%20de%20Trâ
nsito%20Brasileiro>. Acesso em 12 de set. 2003.
______. Superior Tribunal de Justiça. Hábeas Corpus 19465/CE. Relator Des.
Felix Fischer. Disponível em: < http://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?liv
re=RSDPPP.font.+ou+RSDPPP.suce.&&b=JUR2&p=true&t=&l=20&i=8. Acesso em
11 de jun. 2004.
CARNEIRO, Henrique S. Bebidas alcoólicas e outra drogas na época
moderna. Disponível em: <http://www.historiadoreletronico.com.br/secoes/faces/3/0.
html#bio>. Acesso em: 20 de mar. 2004.
CONDE, Francisco Muñoz. Teoria geral do delito. Porto Alegre: Sergio Antonio
Fabris Editor, 1988.
COSTA JUNIOR, Paulo José da. Comentários ao Código Penal. Vol. I. São Paulo:
Saraiva, 1986.
FRAGOSO, Heleno Cláudio. Direção perigosa. Rio de Janeiro: Revista de Direito
Penal, 1974.
GOMES FILHO, Antonio Magalhães. O direito à prova no Processo Penal.
Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo. São Paulo: 1995.
HOLANDA FERREIRA, Aurélio Buarque de. Dicionário Aurélio Eletrônico. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1999.
62
HUNGRIA, Nelson, FRAGOSO. Heleno Cláudio. Comentários ao código penal. 5.
ed. Rio de Janeiro, Forense, 1978.
IENNACO, Rodrigo. Breve análise sobre o conceito analítico de crime. Revista
de
Direito
Penal
e
ciências
afins.
nº
28.
Disponível
em:
<http://www.direitopenal.adv.br/artigos.asp?pagina=28&id=848>. Acesso em 11 mai.
2004.
JESUS, Damásio Evangelista de. Comentários ao Código Penal. São Paulo:
Saraiva, 1985.
______. Crimes de trânsito. São Paulo: Saraiva, 2002.
______. Natureza jurídica dos crimes de trânsito. São Paulo: Paloma.
______. Limites à prova da embriaguez ao volante: a questão da
obrigatoriedade do teste do “Bafômetro”. Disponível em: http://www.direitopenal.
adv.br/artigos.asp?id=1061>. Acesso em 23 de mai. 2004.
KOERNER JÚNIOR, Rolf. A embriaguez: do código penal ao código de trânsito
brasileiro. Disponível em: <http://www.dantaspimentel.adv.br/jcdp5221.htm>.
Acesso em 13 de mar. 2004.
LIMA, José Ricardo Cintra de. Sistema nacional de trânsito. Disponível em:
<http://buscalegis.ccj.ufsc.br/arquivos/a11-SistemaNTEH.htm>. Acesso em: 09 de
mar. 2004.
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de Direito Penal. 6ª ed. São Paulo: Atlas, 1991
NASCIMENTO, Walter Vieira do. A embriaguez e outras questões penais:
doutrina, legislação e jurisprudência. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000
PLÁCIDO E SILVA, De. Vocabulário Jurídico. 16ª ed. Rio de Janeiro: Forense,
1999
PINHEIRO, Geraldo de Faria Lemos. RIBEIRO, Dorival. Código de trânsito
brasileiro interpretado. 2. ed. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2001
RODRIGUES LIMA, Marília Almeida. A exclusão da tipicidade penal: princípios
da
adequação
social
e
da
insignificância.
Disponível
em:
<http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=949>. Acesso em: 12 mai. 2004.
SILVA,
Sandro
Santos
da.
Disponível
em:
Bafômetro.
http://www.virtual.epm.br/material/tis/curr-bio/trab99/alcool/bafometro.htm.
Acesso
em 24 de mai. 2004.
SZKLAROWSKY, Leon Frejda. Crimes de trânsito. Disponível em: <
http://buscalegis.ccj.ufsc.br/arquivos/Violencia_no_transito.html>. Acesso em 12 de
mar. 2004.
63
VIANNA, Guaraci de Campos. Imputabilidade penal juvenil – Propostas e
soluções. Disponível em:< http://www.geocities.com/CollegePark/Lab/7698/med4.ht
m>. Acesso em: 22 de mar. 2004.
Download

aspectos destacados do crime de embriaguez ao volante à luz do