Peculiaridades da química na natureza. A fascinante correspondencia C – Si: Fronteira dos mundos orgânico e mine? A expressão “CHONPS” pode ser considerada um sinônimo da “Química Orgânica”, pois cada uma das letras que integram a mesma, representa um elemento químico principal dessa significativa área da Química. Isto é: Carbono (C), Hidrogênio (H), Oxigênio (O), Nitrogênio (N), Fósforo (P) e Enxofre (S). Os primeiros três destacam-se em todos os compostos orgânicos, sendo que, somente eles integram as estruturas de açúcares, ácidos orgânicos, alcooles, aldeídos, cetonas, esteres, hidrocarbonetos, óleos e graxas. Ao melhor estilo D’Artagnan, o nitrogênio se adiciona a eles, para compor aminas, amidas e aminoácidos. Finalmente, fósforo e enxofre se incorporam, principalmente em substâncias macromoleculares, relacionadas a química da vida, as proteínas e os ácidos nucleicos. Praticamente toda a cadeia alimentar, os mistérios do código genético e o fantástico mundo das cores são sintetizadas pela expressão “CHONPS”, que integra seis elementos não metálicos que compõem uma pequena fração da tabela periódica, de mais ou menos 5,7% (cinco vírgula sete por cento). Sem dúvidas, não existe proporção entre essa pequena fração e a importância desses elementos no contexto da Química. Fora da lista ficaram os halogênios (F, Cl, Br e I) e alguns metais. Os primeiros fazem parte de vários compostos orgânicos, o que justificaria a inclusão da letra X em “CHONPS”, fornecendo um “sotaque” tecnológico na expressão “CHONXPS”, já que, por exemplo, o inseticida gammahexano (C6H6Cl6) se obtem pela inserção de cloro gasoso, catalizado por luz ultravioleta em benzeno. Os freons e halons são exemplos de organofluorados/bromados, respectivamente, com a dramática propriedade de depleção do ozônio na estratosfera da Terra. Os metais integram alguns compostos vitais como no caso do Co na vitamina B12, do Fe no Hem do sangue e do Mg na clorofila-a. O carbono apresenta uma propriedade química importante, que o destaca e caracteriza no contexto dos CHONPS, seu caráter tetravalente, o que permite ligações covalentes, inclusive consigo mesmo, formando grandes correntes (macromoléculas). Existe um único elemento que possui uma propriedade semelhante, o Silício (Si), que consegue compor macroestruturas no mundo mineral, derivando em silicatos simples/duplos, ciclossilicatos, inossilicatos (cadeias), filossilicatos (folhas) e tectosilicatos (redes 3D). Tanto nas macromolécular orgânicas, como nas macroestruturas minerais, o C e o Si, respectivamente, constituem unidades básicas sequenciais, como se fossem os “tijolos” de uma parede ou casa, que constroem uma estrutura maior por “empilhamento”. No caso do C, essa estrutura básica é equivalente a molécula dos gás metano (CH4), um tetraedro (pirâmide de lados iguais) com um átomo de C no centro, ligado a quatro átomos de H, um em cada vértice, sendo que, para dar continuidade à estrutura, pelo menos um dos átomos de H deve ser substituido por um átomo C e assim sucessivamente. A unidade básica do Si envolve a substituição do átomo central de C por um átomo de Si e nos vértices do tetraedro, átomos de O substituem os átomos de H e se deve reiterar a localização de um átomo de Si, em um dos vértices, para dar sequência a macroestrutura. As propriedade distintas dos elementos envolvidos, como a eletronegatividade diferenciada do O em relação ao H e os tamanhos atômicos, são responsáveis pela diferenciação nas carácterísticas das respectivas unidades básicas e em consequência das macroestruturas. Essa peculiaridade da relação C – Si parece interessante no contexto do Ano Internacional da Química, pois induziu em épocas passadas (artigo em periodico de ampla difusão em Ciências), a especulação da participação das argilas na gênese da vida, assim como, na existência de um potencial mundo extraterrestre com formas vivas baseadas em Si, substituindo ao C, como principal protagonista. As argilas são minerais que formam cristais/grãos com diametro inferior a duas micras, encontrados no solo e nos sedimentos. Constituem estruturas intercaladas, segundo folhas de átomos de Si e de átomos de Al (filossilicatos), este último em caráter excepcional, pois a combinação não se repete em outras estruturas de silicatos. As argilas teriam funcionado como suporte catalítico para a transformação de monómeros (moléculas de pequeno tamanho, como aminoácidos) em polímeros, passo intermediário indispensável para dar continuidade ao processo de geração de vida. Desde outro ponto de vista, o Si é um elemento traço na biosfera, no entanto, o C faz uma incursão importante no mundo mineral. Os carbonatos predominam em calcários e mármores, rochas significativas no contexto industrial e ornamental. Os carvões e o petróleo possuem alta percentagem de C na sua composição e representam juntos mais da metade do consumo mundial de energia. Há um excepcional exemplo de “isomorfismo” - minerais idênticos na sua composição química, mas com estrutura atômica diferente – no mundo mineral, relativo ao C: o diamante e a grafita. O primeiro é o mineral mais duro conhecido, lembrando que o termo mineral se restringe a substâncias naturais, popular pelo seu brilho e valor financeiro; porém, a grafita é um dos minerais menos resistentes em termos de dureza, o que justifica seu uso para escrita (mais branda que o papel). Isso se explica pela estrutura atômica de cada mineral, uma rede tridimensional de átomos de C no caso do diamante e folhas de exágonos de átomos de carbono unidas por ligações fracas para a grafita. Finalmente, os fósseis, também representam uma transição entre o mundo mineral e o orgânico, pois constituem antigas formas de vida que foram transformadas em rocha, em condições peculiares, ambiente subterrâneo com abundância de água e baixíssimo teor de oxigênio, pela substituição de silício por carbono, em processo lento, isto é, de milhares de anos, sendo conservadas as estruturas originais do especimen vivo. O metabolismo biológico, a produção de fósseis e a gênese mineral, entre outros, processos esboçados no decorrer do texto, são explicados por conhecimentos diversos, incluíndo disciplinas básicas, como biologia, física, geologia, mineralogia e química, entre outras, e integrando fenômenos em escalas diferentes, desde objetos de dimensões subnanométricas (átomos) a hectomêtricas (metamorfismo), sendo em geral de dificil observação ou de reprodução complexa, às vezes impossível, nas condições rotineiras de laboratório. A relação C – Si se insere nesse contexto, porém, devido a sua importância principalmente sob a perspectiva acadêmica o também, por restrições metodológicas, o desenvolvimento de pesquisas aplicadas sobre o assunto é de escassa frequência, muito embora se encontra na “fronteira” dos mundos orgânico e mineral, ou em outras palavras, com os fenômenos associados aos compartimentos água, ar, planta, solo e interações entres eles, onde se imagina a ligação de elementos traço, como Co, Cu, Ni e outros, com compostos orgânicos, dando origem a complexos organo-minerais, sendo os pequenos microgrãos das argilas suporte para as reações, onde a água e o ar atuando como fases fluídas. Do ponto de vista da pesquisa, esses processos parecem nos direcionar para a sutentabilidade na agricultura e quimica verde, dada a posibilidade de otimização de uso de fertilizantes e agrotóxicos, fixação de metais pesados, captura de carbono ou aprimoramento na produção de biomassa, que podem derivar do conhecimento do mecanismo de reação, assim como dos diversos componentes que participam do processo. José Maria Filippini Alba Pesquisador/Embrapa Clima Temperado [email protected]