TRANSTORNO MENTAL E OBSESSÃO –
ONDE COMEÇA UM E TERMINA O OUTRO?
Dr. Roberto Lúcio Vieira de Souza
Médico Psiquiatra, vice-presidente da AME-Brasil, diretor de publicações da
AME-MG e diretor clínico do Hospital Espírita André Luiz,
em Belo Horizonte (MG)
Uma das perguntas que mais chega a minha pessoa é sobre a diferenciação
entre doença mental e obsessão. Estimulado pelo fato e diante da necessidade
de buscar uma temática interessante para os caros leitores, optei por tentar
falar do tema, na esperança de esclarecer alguns e de estimular a outros para
o questionamento.
Temos umas dificuldades bastante comuns, que é a de estudar um tema ou
objeto sem necessariamente ter que analisá-lo pelas partes. Isto é um dos
grandes desafios ao falarmos do ser humano. Não conseguimos fazer a gestalt,
como diriam os alemães, ou seja, ver o todo, querendo entender as situações
vivenciais do ser como se fossem dicotomizadas.
O homem é, na realidade, o espírito e os seus diversos instrumentos de
manifestação, nos planos variados de vida, vinculado a vivência terrestre.
Assim, a sua leitura bio-psíquico-sócio-espiritual é uma maneira didática de
entendermo-nos e termos o conhecimento das diferenciadas vivências e
posturas da criatura.
A realidade essencial da vida é o espírito, ou seja, a vida, como dom maior
de Deus, é atributo da essência espiritual. No entanto, pela nossa necessidade
evolutiva, precisamos de instrumentos energéticos, nos mais variados planos
de existir, para que possamos nos expressar, relacionar e crescer.
A partir desses planos, o espírito se expressa de diferentes formas.
Entretanto, essas expressões repercutem nos outros instrumentos de
manifestação. Desta forma, a vida, que se expressa pelo corpo físico, interage
com os diversos corpos de estrutura mais transcendente, purificando-os ou
constrangendo-os, sendo que a recíproca é verdadeira.
Afirmam os espíritos superiores que a essência espiritual não adoece, pois
sendo a imagem e semelhança do Criador, carrega todo o potencial da
perfeição - como criatura! - em si. Pensando assim, a doença, seja qual for,
aloja-se na intimidade dos corpos através dos quais o espírito se manifesta.
Entendendo que Deus é infinitamente perfeito e sábio, toda a manifestação
vivencial, por mais comprometida do ponto de vista do egoísmo e suas
excrescências, tem um fim útil, buscando levar a criatura para a ação no Bem.
Quando a criatura desrespeita a Lei Divina, que se encontra inscrita em sua
consciência, como afirmaram os Benfeitores Espirituais a Allan Kardec, em “O
Livro dos Espíritos”1, abrindo um campo de culpa sem que haja uma busca de
reparação e correção, ela se afasta de Deus, postulando para si o referencial
para a própria vida (egoísmo), iniciando assim um processo de doença.
Primeiramente, esta patologia é moral, no entanto, as demarcações da
mesma estarão vinculadas ao campo de ação do espírito. Como é uma
moléstia da consciência e a sua gravidade dependerá do grau de
comprometimento, as lesões no perispírito estarão associadas aos corpos mais
sutis, quando as atitudes negativas forem mais graves, e às estruturas mais
grosseiras, nos casos menos graves.
No processo reencarnatório, o corpo físico funciona como mata-borrão,
expressando as deficiências morais na forma das patologias conhecidas pela
medicina tradicional, sendo que as suas manifestações nos órgãos mais nobres
identificam maior comprometimento moral do espírito. Podemos, então,
concluir que as doenças do sistema nervoso e da esfera do psiquismo são as
de maior severidade, sendo que os seus portadores são espíritos com
reiteradas atitudes no mal, em diversas encarnações.
Como a doença é primariamente moral e isto se expressa por pensamentos
e atitudes infelizes, a sua presença faz com que se abra um campo de sintonia
para outras entidades e situações energéticas, surgindo assim o processo
obsessivo.
Emmanuel, no livro “Pensamento e Vida”, define que obsessão é "o equilíbrio
de forças inferiores, retratando-as entre si”2. Partindo desta abordagem
simples, mas profunda do grande orientador espiritual, podemos claramente
perceber que a obsessão é uma estrada de mão dupla, onde não existe uma
vítima e um algoz, mas ambos se fazem agressores mútuos, se
retroalimentando em suas próprias deficiências.
Quando transportamos esse pensamento para o campo da realidade da
doença e da presença da ação obsessiva, podemos dizer que diante de uma
moléstia, em especial, no caso dos transtornos mentais, há uma possibilidade
também da atuação de uma outra entidade na mesma faixa de sintonia, a qual
pode ter desencadeado ou estar agravando o quadro clínico do encarnado, na
situação específica.
Assim, a obsessão, como nos afirma o espírito Joseph Gleber, no livro “O
Homem Sadio - Uma Nova Visão”3, não é causa, mas sim efeito, fruto do
comprometimento moral do ser.
Podemos afirmar que nem toda enfermidade do indivíduo teve o seu
desencadeamento na ação malévola de uma entidade espiritual, mas que, nas
enfermidades psiquiátricas e psicológicas, há sempre um processo obsessivo,
pois a condição mental do doente abre brechas para a sintonia em plano
inferior, determinando o aparecimento da obsessão.
Este raciocínio é muitas vezes usado para a afirmação de que os pacientes
psiquiátricos, por acharem na condição de vítimas de obsessão, seriam
médiuns e necessitariam de um trabalho voltado para o campo do exercício da
mediunidade.
Primeiramente, não é porque uma pessoa está obsediada que ela seja
portadora de mediunidade. A base fundamental da obsessão é as afinidades
morais, que se fazem pelos pensamentos e sentimentos que a criatura carrega
em sua intimidade. Nem todo obsediado é portador de mediunidade e,
portanto, não precisa desenvolver a sua mediunidade. Mesmo nos casos onde
há a presença da sintomatologia mediúnica, esta não deve ser estimulada,
enquanto a criatura não estiver mais equilibrada moralmente, o que só ocorre
através da reforma íntima. Nos casos de transtornos mentais crônicos, onde os
sintomas psiquiátricos se fazem persistentes, mesmo com uso das terapêuticas
mais diversas, e o desequilíbrio moral permanece, não há indicação para que
essas pessoas sejam indicadas para uma tarefa mediúnica, já que pela
seriedade e pelo objetivo da mesma, não há lugar para elas no intercâmbio
espiritual.
Ao contrário, a experiência de todos esses anos, atuando com pacientes
daquele quilate, mostra que podemos agravar profundamente o quadro mental
e, por conseqüência, os processos obsessivos. Nesses casos, o tratamento
fundamental é o estudo doutrinário-evangélico (objetivando a reforma íntima)
e a laborterapia, através do trabalho assistencial aos necessitados de todos os
matizes.
Referências bibliográficas
1. Kardec, Allan. “O Livro dos Espíritos”. Pergunta 621; p. 307. FEB. 54. ed.
1981.
2. Xavier, Francisco C. (pelo espírito Emmanuel) “Pensamento e Vida”. p. 123.
FEB. 4. ed. 1975.
3. Andrade, Alcione A. e Souza, Roberto L. V. (espíritos diversos) “O Homem
Sadio - Uma Nova Visão”. p. 45. Editora Esp. Cristã Fonte Viva. 1. ed. Edição.
1992.
Fonte:
Associação Médico-Espírita de Minas Gerais (AMEMG), 2007.
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