Universidad Nacional de General Sarmiento
Instituto del Conurbano
Curso de Posgrado en Economía Social y Desarrollo Local/2005
Mercado solidário como alternativa1
Jaci Poli
O presente trabalho busca identificar os princípios do Mercado Solidário e questionar as
razões do campesinato do Sudoeste do Paraná não ter avançado para a construção de uma
proposta alternativa ao mercado capitalista a partir de suas organizações.
A história dos camponeses na região é muito rica e conseguiu avanços extraordinários em
sua capacidade de organização. Busco identificar rapidamente estas organizações e seus
avanços durante os últimos anos.
A partir desses princípios e da estrutura organizativa dos agricultores
familiares/camponeses procuro questionar sobre os caminhos possíveis para a construção de
uma alternativa que supere o mercado capitalista, fundamentado no lucro e na submissão da
sociedade, e construa uma nova visão de mercado, sob controle social e emancipador para o
campesinato, capaz de articular as camadas populares do campo e da cidade na busca da
superação da exclusão do trabalho, da renda e das condições dignas de vida.
Compreendendo o significado do mercado e do capitalismo
Partindo do texto “Mercado Solidário” de Armando de Mello Lisboa2 é possível estabelecer
uma compreensão do mercado para a compreensão da sociedade de mercado.
Como afirma o autor “Originalmente, mercado é o lugar onde se comercializam, em
pequenas quantidades e a preços estabelecidos, os artigos de primeira necessidade.”
(Lisboa,2003, p.183). E continua dizendo que “Fundamentalmente, os mercados de vizinhança
são tão antigos quanto a própria humanidade.” (Lisboa, 2003, p.184). Essa última afirmação
coloca a questão da existência do mercado muito tempo antes da existência de uma sociedade
capitalista, que coloca o mercado acima do controle social.
A compreensão é de um mercado como lugar de trocas, onde produtores e consumidores
mantinham relações diretas, se conheciam e estabeleciam uma relação de confiança.
Esta forma de relacionamento entre produtores e consumidores não deixou de existir.
Atualmente, no Sudoeste do Paraná, existem muitos espaços em que produtores e consumidores
mantém esse relacionamento direto. Praticamente todos os municípios possuem feiras livres
organizadas, onde grupos de agricultores que produzem alimentos e outros bens de consumo
relativamente simples os comercializam diretamente a consumidores, que muitas vezes possuem
uma relação de amizade e vizinhança, para além do ato mercantil de adquirir.
“No passado, os mercados estavam regulamentados em enclaves específicos, controlados
por autoridades políticas, e se limitavam a comercializar produtos acabados e alguns insumos,
não incluindo a mercantilização dos processos de produção. Somente com o desenvolvimento do
capitalismo é que ocorre a transformação em mercadoria dos principais insumos do processo
produtivo, os quais passam a ser regulados por preços flexíveis, estabelecidos pelos jogos de
poder e da concorrência.” (Lisboa, 2003, p.185). Analisando-se a história da região Sudoeste
podemos verificar que a prática do mercado se alterou profundamente na medida em que a
economia regional foi se modernizando.
No início da colonização o comércio era realizado por “bodegueiros” que possuíam
1
Presentado como trabajo final para la aprobación del Curso de Posgrado en Economía Social y Desarrollo
Local/2005, marzo 2006.
2
LISBOA, Armando de Mello, Mercado Solidário, in CATANI, Antônia D, A Outra Economia, Veraz Editores,
Porto Alegre, 2003
Mercado Solidário como Alternativa – Jaci Poli – Março de 2006
pequenos estabelecimentos comerciais que comercializavam produtos como farinhas, sal, açúcar,
roupas, ferramentas para o trabalho agrícola entre outros. Os gêneros alimentícios eram raros nos
estabelecimentos comerciais. Os agricultores tinham uma grande autonomia na produção de
alimentos e, normalmente, os habitantes das pequenas cidades produziam seus alimentos em
pequenas hortas e chácaras, ou adquiriam de forma direta dos agricultores (arroz, milho, feijão,
leite, carnes etc). Os agricultores tinham relativa facilidade para comercializar e não existiam as
barreiras da inspeção sanitária de alimentos dificultando esse comércio.
Os agricultores produziam suas sementes e outros insumos em suas propriedades.
Quando necessitavam adquirir sementes normalmente as trocavam com vizinhos ou amigos.
Normalmente desenvolviam uma grande diversidade de produções e somente
comercializavam o excedente no mercado local. A maioria de suas atividades eram não
mercantilizadas. Como as comunidades municipais eram predominantemente formadas por
agricultores, o comércio local era pequeno e seguia a realidade local.
Na medida em que ocorre a modernização da agricultura, com introdução de novas
técnicas de plantio, utilização de sementes híbridas, adubos químicos solúveis e agrotóxicos, os
agricultores passaram a adquirir esses produtos no comércio local. Com o avanço da
modernização do processo produtivo, os agricultores tornam-se cada vez mais dependentes do
mercado para desenvolver suas atividades produtivas, monetarizando suas propriedades. Essa
transição, em que são monetarizados os processos produtivos, traz como conseqüência a
necessidade da adoção de produções para o mercado, pois o agricultor passa a ter mais
necessidade de dinheiro para desenvolver sua atividade. Boa parte das famílias passa, então, a
adotar a monocultura (produção de um produto único para o mercado) como estratégia para
conseguir o ingresso do dinheiro necessário para a aquisição dos insumos utilizados na produção.
Com o crescimento da modernização e a monocultura há o gradativo abandono da produção de
alimentos para o auto-consumo e para comercialização local.
Essa postura dos agricultores estabeleceu um novo papel para o comércio local de prover
os moradores do meio urbano com gêneros alimentícios dos mais diversos adquiridos de outros
locais, passando a se especializar na comercialização de alimentos.
Com o avanço da modernização da produção, avança o processo de formação do mercado
capitalista, em que produtores e consumidores não mais se conhecem e não tem mais relação
direta.
Conforme Armando de Mello Lisboa, “a transformação dos mercados locais numa
economia de mercado pretensamente auto-regulável foi produzida politicamente, não resultando
de uma evolução gradual destes para os âmbitos nacional e internacional.” (Lisboa, 2003, p.184).
José Luiz Coraggio afirma que “Os mercados são construções sociais, e é possível
construir outros mercados, desde a sociedade, e também um estado democrático.”3
E continua, dizendo que “Os mercados são sistema de relação, resultam imprescindíveis
para a construção de uma alternativa que tenha sinergia e escala como base de geração de
forças anti-capitalistas.”
Podemos considerar que as transformações ocorridas no comércio
da região foram produzidas politicamente por uma opção política do estado e do capital para a
modernização da agricultura. Através dos organismos de assistência técnica e de linhas de crédito
específicas para a modernização dos processos produtivos o Estado ajudou a introduzir a
sociedade de mercado na região de uma forma muito acelerada, partindo concretamente da
formação de um mercado de insumos agrícolas modernos, de máquinas e equipamentos, da
implantação de agroindústrias transformadoras de produtos agrícolas e, no cenário urbano, um
processo de aperfeiçoamento do comércio local para atendimento de demandas para uma
população que crescia rapidamente como resultado de um forte êxodo rural, que excluía do
campo rapidamente os camponeses que não conseguiam se modernizar, e por novos
personagens, como os industriais, comerciantes, operários, prestadores de serviços etc.
Podemos, também, inferir que o mercado global também foi produzido politicamente. Os
grandes centros capitalistas, através de suas políticas de dominação, e representados por sua
linha de frente formada pelas empresas transnacionais, foi forçando o processo de abertura
3 CORAGGIO, José Luiz, La economia popular y las variantes propuestas como alternativa, mimeo,
Buenos Aires, 2005.
Mercado Solidário como Alternativa – Jaci Poli – Março de 2006
comercial em todos os países subordinados. Na medida em que os países foram promovendo a
abertura de seus mercados, foi crescendo a idéia de que não existe outra alternativa de
desenvolvimento a não ser através da globalização econômica.
A pergunta central deste trabalho conduz a uma reflexão sobre o porque a agricultura
familiar não conseguiu avançar para uma alternativa anti-capitalista de mercado, sob controle
social e de caráter solidário, articulando produtores e consumidores e suas organizações para a
superação do processo contínuo de exploração imposta pelo capitalismo. Ao contrário, percebe-se
que as opções adotadas, em sua grande maioria, são legitimadoras do processo de penetração
do capitalismo no campo.
A reflexão que procuro fazer admite que o mercado é uma relação construída socialmente
e que existe a muito mais tempo que o capitalismo. A sociedade de mercado é uma construção
histórica construída a partir das contradições geradas no conjunto da sociedade. Se o capital
estabeleceu uma relação social de dominação capaz de impor sua concepção de mercado, é
possível, pelas contradições sociais presentes em nossa sociedade atual, construir uma nova
concepção de mercado.
Devemos admitir que “tanto a mercadofilia liberal, que quer abolir a política, quanto a
mercadofobia, que inversamente busca a eliminação do mercado, são incapazes de perceber que
o mercado é uma realidade humana sempre politicamente construída [...] sendo ambas visões
inadequadas para fazer face ao desafio da regulação social dos mercados” (Lisboa, 2003, p.189).
Fugindo dos dois extremos, se faz necessária a percepção que uma nova concepção de mercado
deve romper com o princípio da submissão da sociedade ao mercado e estabelecer novas
estratégias de produção, distribuição e consumo, sob controle social. É fundamental a percepção
que qualquer alternativa que se diga emancipatória deve ser necessariamente anti-capitalista. Não
existe nenhuma possibilidade de se conseguir a humanização do capitalismo, para torná-lo menos
explorador.
A possibilidade de construção de um mercado solidário, anti-capitalista, de caráter popular,
que tenha como elemento fundamental uma nova forma de relação social vai gerar conflitos e não
acontece de um dia para o outro. Qualquer alternativa anti-capitalista terá que ser construída
socialmente afirmando novos valores, estabelecendo novas práticas e erigindo uma nova cultura.
Como afirma Armando de Mello Lisboa, “o mercado, por estar imbricado em redes concretas de
relações sociais, é inevitavelmente uma construção social, e por isto um campo de conflitos,
sendo permanentemente recriado e ajustado. Os mercados, enquanto espaços de poder, estão
distantes de serem realidades dadas naturalmente, não existindo de forma abstrata e universal.”
Lisboa, 2003, p. 191).
“O debate em torno do mercado, mercado controlado pelas grande empresas, tem
mostrado que a agricultura familiar (que produz, mas também consome) e a população da cidade
(que consome, mas que também produz outros bens) ficam anuladas. Percebemos que o
“empresariamento” de todas as ações onde circulam bens e serviços tem ideologizado
(escondido) a relação entre produtores e consumidores. Por exemplo, a agroindústria de grande
porte ao realizar a produção integrada de frangos, fortalece na cabeça da gente a idéia de que
quando o consumidor compra um frango, este frango “é da Sadia”4, quando o produtor vende,
vende “para a Sadia”. Produtores e consumidores “desaparecem” enquanto sujeitos sociais, tendo
anulada uma das suas dimensões de cidadania: produtores e consumidores com compreensão
plena dos processos onde estão inseridos” (Duarte e Ghedini, 2002, p.41).
A compreensão da realidade vivida por parte das populações envolvidas é essencial na
construção de uma alternativa. Uma construção como essa só será possível se houver
enfrentamento com o capital, no sentido da construção de novos valores por uma parcela das
camadas populares do campo e da cidade. Com certeza não serão todos os agricultores e nem
todas as unidades domésticas urbanas que assumirão essa construção social. Uma grande
parcela da população poderá chamá-los de loucos e considerará suas propostas como utopias
irrealizáveis.
4 Sadia: grande empresa brasileira que industrializa frangos e suínos em grande escala e exporta para o
mundo todo, sendo uma das maiores exportadoras do Brasil.
Mercado Solidário como Alternativa – Jaci Poli – Março de 2006
Que mercado é alternativo?
As soluções postuladas pelas novas cooperativas do Sudoeste do Paraná apontam para
um processo transformador das relações sociais ou somente se propõe a garantir mais renda a
seus associados sem questionar a ordem capitalista? Esta pergunta precisa ser respondida a
partir do estudo mais aprofundado de suas relações com os associados, de suas estruturas
organizativas, seus princípios e suas estratégias.
No entanto, para que se possa questionar a organização dos agricultores é preciso
compreender o que se entende por mercado solidário, como alternativa ao mercado capitalista e à
sociedade de mercado.
É fundamental o resgate das concepções marxistas na compreensão do capitalismo,
discutindo o papel da produção, da distribuição e do consumo, embora não esteja no horizonte
deste trabalho realizar este estudo. É importante a compreensão da necessidade de uma nova
forma de organização da produção, rompendo com a visão da apropriação privada, buscando
uma nova forma de intermediação, como relação social solidária e não de caráter lucrativo, e uma
nova visão de consumo solidário, rompendo com o feitiço das mercadorias (Lisboa, 2003).
Partindo da reflexão sobre o mercado justo e sobre o consumo solidário pode-se apontar
alguns elementos constituintes desse novo mercado.
De acordo com Alfonso Cotera Fretell e Humberto Ortiz Roca, o mercado justo “propõe-se
a estabelecer relações entre produtores e consumidores, baseados na eqüidade, na associação,
na confiança, na solidariedade e no interesse compartilhado.” (Fretell e Roca, 2003 p.36). Partindo
dessa afirmação entende-se que um mercado de caráter solidário pressupõe uma relação direta
entre produtores e consumidores ou entre suas organizações, de tal forma que possam
estabelecer esses laços de confiança. Podemos afirmar que nas feiras livres a relação entre
produtores e consumidores assume esse caráter. No entanto, como estabelecer essas relações
quando produtores e consumidores estão geograficamente mais distantes? Poderá essa relação
ser conformada a partir de suas organizações de caráter solidário?
Os mesmos autores apontam alguns elementos que fazem parte da caracterização do
mercado justo e que podem revelar princípios que podem ser adotados quando se busca uma
alternativa ao capitalismo nas relações entre produtores e consumidores. “Em outras palavras,
surge como uma experiência de solidariedade na economia cujos conteúdos ou eixos centrais
são:
•
o desenvolvimento de novas formas de intercâmbio econômico, baseadas na
solidariedade[...]
•
a cooperação é a base e a condição dos intercâmbios, e isso implica
desenvolvimento da confiança, transparência na informação, relações justas e
duradouras.
•
A sustentabilidade dos intercâmbios supõe, também, a incorporação dos custos
sociais e ambientais, que são assumidos conscientemente pelos produtores e
consumidores.
•
O comércio justo busca criar critérios e normas que permitam o desenvolvimento de
maior eqüidade nas transações comerciais entre os países do Norte e do Sul,
modificando a tradicional divisão internacional do trabalho.
•
O estabelecimento de uma relação direta e solidária entre os produtores e
consumidores[...]
•
A busca de uma maior humanização do processo comercial, e é por isso que se
situa em uma visão da economia que se centra na pessoa humana e não se limita
ao intercâmbio mercantil e monetário.”. (Fretell e Roca, 2003, p.37)
A proposta tem um elemento que é fundamental: a centralização do intercâmbio na pessoa
humana, fugindo da lógica capitalista que centra a estratégia na mercadoria. Na medida em que a
pessoa é o centro do processo, as relações de solidariedade e de cooperação tornam-se
essenciais na construção de um novo tipo de relação, capaz de avançar na adoção de uma nova
prática social nas relações de troca e a estruturação de uma nova cultura, em que esses valores
sejam cotidianos e incorporados na vida das pessoas.
No entanto, entendemos que isso só é possível na medida em que produtores e
consumidores tenham consciência dos valores envolvidos e estejam politicamente preparados
Mercado Solidário como Alternativa – Jaci Poli – Março de 2006
para garantir sua permanência nas relações, admitindo um processo de auto-regulação que
envolva os dois lados na sua definição. Essa forma de regulação social é fundamental porque
rompe com a despolitização das relações de troca estabelecidos na sociedade de mercado. Esse
novo mercado tem como elemento transformador ser um processo de relação, estabelecido
socialmente e com sua perenidade garantida pela capacidade dos envolvidos em garantir o
cumprimento desses novos valores a partir de um processo organizativo envolvendo tanto
produtores como consumidores.
“Assim, a emergência da economia solidária nos espaços mercantis não apenas significa a
presença no mercado de outras orientações econômicas, além das que apenas buscam a máxima
valoração, mas representa também um profundo remanejamento das relações de forças vigentes
num mercado atualmente hegemonizado pela lógica capitalista, construindo a possibilidade duma
maior democratização da economia e, portanto, da sociedade” (Lisboa, 2003, p. 191).
Quando observada a quantidade de organizações econômicas de caráter solidário dos
camponeses presentes na região Sudoeste do Paraná pode-se afirmar que existe uma semente
forte de uma nova concepção de economia e que possui capacidade política e social de promover
um re-arranjo das relações de força no território. No entanto, essa condição somente poderá ser
atingida se essas organizações tiverem, em sua estratégia, uma proposta de transformação e não
apenas uma estratégia de inserção no mercado capitalista.
O maior problema enfrentado no Sudoeste do Paraná é a inexistência de organizações
populares no meio urbano, em especial entre os setores mais marginalizados pelo mercado. Isso
reflete dois elementos: o primeiro, relacionado à própria constituição recente das cidades e bairros
e pelo grande número de famílias vindas do campo através do intenso êxodo rural, pela falta de
tradição de organização dos moradores; o segundo, observado a partir dos camponeses e suas
organizações, que o processo de integração do campo com a cidade não ocorre entre os setores
populares. Observada a urbanização do sudoeste do Paraná pode-se perceber claramente que os
setores populares ainda não conseguiram avançar na sua constituição enquanto dinâmica
organizativa urbana. Os bairros populares, formados em sua maioria por camponeses saídos
recentemente do campo, ainda possuem muitos dos valores vivenciados em suas práticas de vida
camponesa e não conseguem se situar nos processos de luta e articulação urbanos. Essa
situação possui ainda um agravante: normalmente essas pessoas possuem baixo nível de
instrução e sofrem mais diretamente os efeitos do desemprego, subemprego e trabalho informal.
Os camponeses, com toda sua história de luta e organização, não apostaram nesse processo de
integração, muito provavelmente por não terem a dimensão de sua importância para um processo
emancipatório do próprio campesinato.
“Mesmo formando conexões entre os empreendimentos solidários, e também com os
consumidores organizados, buscando o domínio das cadeias produtivas em que está inserida, a
Economia Solidária de algum modo se encontra inserida na divisão internacional do trabalho,
encontra-se diante de cadeias produtivas globais e complexamente fracionadas, que transpõem
fronteiras. Assim, ao não rejeitar in totum o mundo moderno, mas buscar ser uma alternativa de
vida no interior do mesmo, a Economia Solidária não tece redes fechadas, pois quer superar a
sociedade de mercado através do próprio mercado” (Lisboa, 2003, p. 191). Podemos, então,
identificar que um processo de construção de um mercado alternativo, anti-capitalista, não pode
assumir uma visão simplista da relação direta entre produtores e consumidores. É uma relação
complexa, que envolve vários fatores, e que as estruturas capitalistas de mercado não vão ficar
quietas observando o avanço de forças que as combatem. Provavelmente muitas formas de
desmobilização de consumidores e de produtores ocorrerão. Esta alternativa somente terá
condições de permanecer e de construir referências se houver empoderamento de produtores e
consumidores no processo de construção. Será essencial nesta construção a compreensão
política do enfrentamento e a capacidade de disputar com a sociedade de mercado o espaço
emancipatório.
Armando de Mello Lisboa afirma de forma muito clara que “os espaços de mercado que a
Economia Solidária conquista permitem o empoderamento daqueles historicamente excluídos,
revertendo o processo vicioso pelo qual os pobres, por não terem poder, são pobres. Em países
como o Brasil, onde é imensa a exclusão, o acesso aos mercados representa um ato de
democracia e até de rebeldia.” (Lisboa, 2003, p. 190).
Mercado Solidário como Alternativa – Jaci Poli – Março de 2006
Na medida em que grupos de produtores e consumidores passem a manter relações
solidárias no processo de comercialização estarão construindo referências no enfrentamento da
sociedade de mercado. Poderão ser pequenas, mas devem conter em sua estratégia esse
enfrentamento, de forma clara e consciente, tanto do lado de quem produz quanto do lado de
quem consome. A discussão e elaboração de estratégias para um mercado solidário representa,
com certeza, um ato de rebeldia que poderá se tornar referência para outras experiências.
Que consumidor se quer?
A maior ausência que se constata no Sudoeste do Paraná é uma discussão consistente
sobre intermediação e consumo. Qual a forma de intermediação adequada e qual o consumidor
que os camponeses precisam encontrar para pensar sua estratégia anti-capitalista? Quais as
formas de organização adequadas para realizar essa intermediação solidária e para articular esse
consumidor solidário capaz de, numa aliança cidade-campo, de caráter popular, dar conta de
avançar na construção de uma referência transformadora na distribuição e no consumo?
“No comércio justo, o consumidor consciente adquire não apenas produtos, mas também
relações de compromisso com os produtores ao ficar informado da origem dos produtos (nos
aspectos ético e ambiental)” (Fretell e Roca, 2003, p.34). Essas características colocadas para o
mercado justo servem para visualizar o tipo de relação que deve acontecer no mercado solidário
que se discute.
Esse novo mercado não acontece de forma instantânea, mas é uma construção que
certamente demorará muitos anos para se assentar como alternativa real e se impor no processo
das relações sociais. Por isso, seu ponto de partida deve ser localizado geograficamente e
necessariamente pequeno para que essas novas relações sejam compreendidas e novas práticas
sejam adotadas e sistematizadas. Por essa razão “também se incorporou o reconhecimento da
dimensão territorial, ou seja, que o comércio justo opere a partir da escala local e regional (dentro
dos países) em uma perspectiva de desenvolvimento integrado ou auto-controlado” (Fretell e
Roca, 2003, p.35).
Para que esse novo mercado possa assumir características transformadoras não poderá
se reduzir a um processo de relação econômica. É necessário que se situe dentro de uma
perspectiva de desenvolvimento, da mesma forma como “reconhece-se a multidimensionalidade
do comércio justo, ou seja, que não apenas deve analisar-se como estratégia de comercialização,
mas também de promoção da produção local possível e sustentável, geração de empregos,
relações de eqüidade entre mulheres e homens e entre gerações, mobilização de valores éticoculturais, desenvolvimento a partir do espaço local.” (Fretell e Roca, 2003, p.35)
No seu processo de execução é necessário “estabelecer uma relação direta entre
produtores e consumidores, reduzindo, na medida do possível, a intervenção de intermediários
convencionais e especuladores.” (Fretell e Roca, 2003, p.38)
A construção do mercado solidário passa necessariamente por um processo de articulação
entre produtores e consumidores em que haja participação efetiva de ambos na definição de
estratégias e das ações. “É necessário incentivar novos modos de distribuição mais justos,
inventar novos vínculos e imaginar novos meios de negociação, ou inclusive de pressão, com
esses atores, para adoção de normas éticas na distribuição de produtos justos” (Fretell e Roca,
2003, p.40).
O processo de intermediação solidária precisa ser pensado de forma que produtores e
consumidores possam ter vantagens também econômicas. Esse processo pode ter sucesso na
medida em que seja eliminado o lucro que os intermediários capitalistas precisam agregar ao
preço para poder acumular. Por isso “deve-se tender a encurtar a distância entre o ganho do
produtor e do distribuidor, buscando modalidades de distribuição mais justas, melhorando as
receitas do produtor e diminuindo o preço ao consumidor.” (Fretell e Roca, 2003, p.41).
Essa relação de intermediação tem como endereço final o consumo que, no entendimento
de Euclides Mance, é “o momento final do processo produtivo. Teoricamente, é em função do
consumo que o processo de produção se organiza[...]” (Mance, 2003, p.45). Os dois processos
(produção e intermediação), teoricamente, tem como finalidade preencher uma necessidade do
consumidor, que busca um produto como satisfator de sua necessidade.
Ao invés de um consumidor e de um ato de consumo despolitizado, um mercado solidário
Mercado Solidário como Alternativa – Jaci Poli – Março de 2006
pressupõe um ato de consumo politizado e consciente de um processo transformador ou, no
mínimo, contestador de uma ordem imposta pelo mercado. Esse novo consumidor poderá ser
aliado do campesinato na estruturação de uma nova proposta social de mercado. “Hoje
distinguimos a força crescente do consumo solidário, onde os consumidores, ao selecionarem
produtos, engendram uma economia justa e sustentável.” (Lisboa,2003, p.189)
A característica mais marcante de um consumidor solidário é sua capacidade de fazer do
ato de consumir uma ação comprometida com a transformação social.
Embora o Sudoeste do Paraná tenha uma população urbana com baixa capacidade
organizativa, é possível, a partir de uma ação deliberada e planejada das organizações
camponesas, o estabelecimento de relações de consumo solidário. Isso porque, embora estejam
ainda pouco integradas ao processo urbano, as famílias dos bairros mantém alguns elementos de
solidariedade para com o campesinato a partir de sua identificação de origem. Normalmente
existe um saudosismo muito acentuado no processo de consumo, em que alguns produtos são
procurados pelas famílias em função de sua recente experiência de vida no campo. “Consumimos
não apenas para a satisfação de necessidades (valores de uso) ou em resposta à lógica da
valorização das mercadorias (valores de troca), mas também significações (valor-signo) – como a
de nos vincularmos socialmente (valor de vínculo). O consumo também pertence à ordem do
ritual, é o mundo do glamour, da moda e do reconhecimento.” (Lisboa, 2003, p. 189)
Para Euclides Mance o “consumo solidário significa consumir bens ou serviços que
atendam às necessidades e desejos do consumidor, visando:
a) realizar o seu livre bem-viver pessoal;
b) promover o bem-viver dos trabalhadores que elaboram, distribuem e comercializam
aquele produto ou serviço;
c) manter equilíbrio dos ecossistemas;
d) contribuir para a construção de relações justas e solidárias;”
(Mance,2003, p. 44)
A partir desses elementos podemos identificar alguns pontos importantes na constituição
de um mercado solidário em um território com pouca tradição de articulação campo-cidade.
O primeiro aspecto é caracterizar o camponês que terá condições de assumir esse desafio:
o agricultor ecologista. Sua opção pela agroecologia não é meramente uma questão tecnológica.
Produz alimentos sem a utilização de agrotóxicos, adubos químicos solúveis e sementes híbridas
não adaptadas, mas também assume uma forma de vida fundamentada nos princípios da
agroecologia que, além de sua preocupação ambiental, tem uma preocupação social, para a
produção de alimentos limpos e de respeito ao consumidor e a seu bem-viver, e uma relação com
o processo econômico de rompimento com o capital. A autonomia do agricultor agroecologista em
relação ao mercado de insumos e na produção de seus próprios alimentos é um ponto
fundamental que lhe dá maior condição de aproximação com as famílias do meio urbano para
uma relação estável de solidariedade.
Neste processo relacional de fornecimento de alimentos constroem-se relações justas e
solidárias com um consumidor que precisa compreender e se envolver num processo novo, com
novos valores. A organização dos consumidores poderá ser construída a partir da ação direta do
camponês, desde que tenha a capacidade de superar a mera relação econômica de
comercialização para assumir uma postura de solidariedade com as famílias do meio urbano no
fornecimento de alimentos. É claro que o primeiro passo para aproximação deverá apresentar
alguns atrativos capazes de provocar o início do processo. Esse primeiro passo poderá ser a
presença do camponês no bairro, com produtos baratos e limpos como diferencial para uma
primeira atitude de compra por parte desse consumidor. A partir dos primeiros momentos e
acordada uma regularidade de fornecimento, o camponês e sua organização poderão estabelecer
um processo formativo envolvendo o debate da importância da relação estabelecida.
Para iniciar a construção dessa alternativa é fundamental que alguns camponeses
organizados tenham a visão estratégica de um ponto de chegada que poderá construir uma
referência para outros grupos.
A metodologia a ser adotada deve levar em conta os princípios de um mercado solidário:
relações de solidariedade entre produtor e consumidor, em que ambos sintam-se protagonistas de
uma nova visão de mercado, de construção coletiva de preços e, finalmente, que o grupo de
Mercado Solidário como Alternativa – Jaci Poli – Março de 2006
agricultores envolvidos tenha consciência clara de que sua ação não poderá, em momento
nenhum, assumir uma relação de exploração com o consumidor.
O Sudoeste do Paraná tem, no campesinato, um segmento populacional com grande
tradição de organização social, política e econômica que, embora muitas vezes equivocada em
sua estratégia, poderá gerar processos emancipatórios a partir de sua capacidade de mobilização.
Breve histórico da organização dos camponeses no Sudoeste do Paraná
O Sudoeste do Paraná é formado por 42 municípios situados em um território que faz
fronteira, ao sul, com o estado de Santa Catarina e, ao oeste, com a Argentina.
Sua história é recente e densa, marcada pela forte presença do campesinato oriundo dos
processos de colonização ocorridos a partir da década de 40 do século XX.
No início do século XX a população era formada por “caboclos, brancos paranaenses,
argentinos, paraguaios e alguns gaúchos dispersos” (Saquet, 2006 p. 6) e pouco numerosa. Ruy
Waschowicz, citado por Saquet (2006) afirma que existia uma população total de 3.000
habitantes.
A criação da Colônia Agrícola General Osório (CANGO), em 1943, centrava-se em
“estratégias geopolíticas de ocupação de áreas de fronteira e à produção de alimentos e matériasprimas a baixos preços no mercado interno” (Saquet, 2006, p.6) e tinha como objetivo a
colonização do território com colonos vindos de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul. A
ocupação deste território torna-se importante por ter feito parte da disputa territorial com a
Argentina, cuja decisão ocorreu em 1895 por arbitragem do presidente dos Estados Unidos da
América, e da disputa entre os estados do Paraná e Santa Catarina, resolvida em 1916, após o
encerramento da Guerra do Contestado.
O Sudoeste foi marcado profundamente por disputas pela terra. Caboclos e colonos viramse ameaçados, na década de 1950, em sua posse da terra pela entrada de empresas
colonizadoras que reclamavam a propriedade das terras baseadas em supostas concessões
recebidas do governo federal. Durante vários anos houve uma disputa feroz entre essas
colonizadoras e os caboclos e colonos, até que em 1957 ocorre a “revolta dos colonos”, quando
estes tomaram a cidade de Francisco Beltrão e expulsaram as colonizadoras. Conforme
Abromovay et all (2005) “esta é uma das únicas regiões brasileiras em que foi vitoriosa uma
revolta popular contra o latifúndio”. Os mesmos autores continuam: “O governo da época
reconheceu a vitória dos colonos e esta foi uma das bases de uma estrutura fundiária
particularmente desconcentrada, quando comparada ao padrão do Brasil e mesmo do Estado do
Paraná”.
Outro fato importante que merece ser citado, e que marca a intervenção do governo
brasileiro no reconhecimento da vitória da revolta popular, é a criação, em 1962, do Grupo
Executivo para as Terras do Sudoeste do Paraná (GETSOP) “tendo como objetivo principal
efetivar desapropriações e legalizar as titulações de terras já parceladas e ocupadas... Os
posseiros de outrora, agora são proprietários” (Saquet, 2006, P. 8).
Em 1966 é fundada por um grupo de jovens agricultores, assessorados por padres belgas,
em Francisco Beltrão, a ASSESOAR – Associação de Estudos, Orientação e Assistência Rural “cujos quadros religiosos e leigos respondem pela organização de um impressionante trabalho de
base sob a forma de pequenos grupos que faziam leituras bíblicas à luz da discussão dos
problemas cotidianos vividos pelos agricultores” (Abromovay et all, 2005, p.8).
A partir deste trabalho de base e das organizações dos grupos de reflexão iniciou-se um
processo de formação de oposições sindicais entre os camponeses que culminou com a tomada
de sindicatos, especialmente na década de 80, e o abandono das práticas assistencialistas
desenvolvidas pelo sindicalismo tradicional. Esses sindicatos passaram a atuar de forma
articulada com os sindicatos da mesma orientação dos estados de Santa Catarina e do Rio
Grande do Sul, formando inicialmente o Fórum Sul da Agricultura Familiar e, em 2002,
constituindo a FETRAF-Sul – Federação dos Trabalhadores da Agricultura Familiar do Sul.
Na mesma década ocorre um processo de estruturação de novos movimentos sociais. No
sudoeste do Paraná surge o MASTES – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra do
Sudoeste que, em 1985, juntamente com outros movimentos semelhantes de outras regiões do
país, formam o MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, durante um encontro
Mercado Solidário como Alternativa – Jaci Poli – Março de 2006
realizado na cidade de Cascavel (PR).
O início da década de 90 passa a se caracterizar pela forte ação das entidades
camponesas (ASSESOAR, Sindicatos de Trabalhadores Rurais, CPT – Comissão Pastoral da
Terra) no associativismo, com a formação de um grande número de pequenas associações,
grupos de produção, projetos educacionais (como as ECA – Escolas Comunitárias de Agricultores
– desenvolvidas pela ASSESOAR, em conjunto com os Sindicatos). Neste período a ASSESOAR
passa a desenvolver o Projeto Vida na Roça – PVR – que se caracteriza pela discussão do
desenvolvimento em sua multidimensionalidade, para além da produção e da economia.
No final da década de 80 e início da década de 90 é criado o Fundo de Crédito Rotativo –
FCR -, experiência na área do crédito, a partir de um projeto conjunto entre a ASSESOAR e a
MISEREOR (Alemanha). O crédito era destinado aos grupos de camponeses organizados para
investimentos coletivos. Desta experiência surge, em 1995, a primeira cooperativa de crédito
solidário, a CRESOL – Cooperativa de Crédito com Interação Solidária – no município de Dois
Vizinhos, tendo como características básicas ser formada somente por camponeses agricultores
familiares, a auto-gestão e o objetivo claro de facilitar o acesso ao crédito aos camponeses,
normalmente excluídos pelo sistema bancário. Atualmente existem, no sul do país, mais de 80
cooperativas da modalidade, organizadas em dois sistemas independentes (CRESOL-Baser, com
sede em Francisco Beltrão, e CRESOL Central, com sede em Chapecó – SC), com mais de
40.000 agricultores associados.
A principal fonte de recursos para o financiamento dos camponeses é o PRONAF –
Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – do governo federal brasileiro.
“A região formada pelo Sudoeste do Paraná, Oeste de Santa Catarina e Alto Uruguai no
Rio Grande do Sul á a segunda maior produtora de leite do País, sendo um produto
especialmente importante na reprodução da agricultura familiar, presente na quase totalidade dos
estabelecimentos agrícolas” (Abromovay et all, 2005, p.23). Em função da importância da
produção de leite para os camponeses, e seguindo o exemplo dos agricultores do Rio Grande do
Sul, que se organizaram em 1994, e de Santa Catarina, que se organizaram em 2001, os
camponeses do Sudoeste do Paraná organizaram suas cooperativas de leite, denominadas de
CLAF – Cooperativas de Leite da Agricultura Familiar. Atualmente possuem 23 (vinte e três)
cooperativas e uma articuladora regional, a SISCLAF – Sistema de Cooperativas de Leite da
Agricultura Familiar com Integração Solidária – envolvendo mais de 4.500 camponeses e
comercializando mensalmente mais de 4.200.000 litros de leite. “Seu papel é negociar o volume
total de produção com as empresas que industrializam leite na região, uma vez que as indústrias
não possuem uma organização de base local para garantir o abastecimento do produto”
(Abromovay et all, 2005, p.24). No caso do Sudoeste a comercialização é realizada por
cooperativa, sem passar pela SISCLAF, de acordo com as negociações com as empresas
processadoras.
Os camponeses do Sudoeste do Paraná organizaram mais recentemente as COOPAFI –
Cooperativa da Agricultura Familiar Integrada – e o Sistema COOPAFI, cujo objetivo principal é
ampliar e fortalecer os canais de comercialização dos produtos de seus associados. Já existem 7
(sete) em funcionamento e mais 6(seis) em fase de estruturação. Os principais instrumentos de
comercialização desenvolvidos são os mercados do produtor (lojas que comercializam produtos
oriundos das famílias de agricultores) e as feiras livres, além das vendas institucionais para o
Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) do governo federal.
Durante a última década do século XX e nesta década foram estruturadas feiras livres
formadas por camponeses agricultores familiares. No Sudoeste do Paraná praticamente todos os
municípios contam com, no mínimo, uma feira livre.
Algumas dessas feiras livres se auto-denominam de agroecológicas (formadas por
agricultores ecológicos), mas, a maioria não assume essa denominação porque parte dos seus
membros não desenvolvem a produção ecológica ou orgânica, utilizando-se dos insumos
modernos, como agrotóxicos e adubos sintéticos. Os feirantes se organizam na forma de
associações e possuem um local onde cada família organiza sua barraca (pequeno espaço
individual para a comercialização) e comercializa seus produtos, sem que haja processos
coletivos, a não ser a própria feira. Poucas feiras estabelecem relações organizativas com os
consumidores, a não ser através da propaganda de seus produtos, buscando atrair os
Mercado Solidário como Alternativa – Jaci Poli – Março de 2006
consumidores, de forma individualizada, e em competição com os demais estabelecimentos
comerciais.
Em Francisco Beltrão existe uma experiência de feira livre diferenciada das demais pelo
seu caráter agroecológico e pelo seu processo coletivo. As famílias envolvidas, num total de 10
(dez) comercializam de forma coletiva, com caixa coletivo.
A partir dessa feira desenvolveu-se a única tentativa de uma relação mais organizada com
os consumidores. Com assessoria da ASSESOAR os feirantes buscaram estabelecer uma relação
com os consumidores, buscando incentivá-los à formação de grupos de consumidores. O
processo vem sendo discutido a cinco anos, mas não avançou.
Existem experiências com o mesmo caráter desta nos municípios de Capanema, Planalto
e Pérola do Oeste.
O pragmatismo nas relações
José Luiz Coraggio (1991), analisando a elaboração de linhas estratégicas para a
economia popular, aponta alguns elementos para a análise (tradução livre o autor):
a) O processo de regressão, perda de sentido e desmobilização dos movimentos
populares, em especial o sindicalismo e os movimentos reivindicatórios em geral;
b) A tendência ao pragmatismo, ao imediatismo, ao localismo e ao setorialismo, como
conseqüência de uma interpretação como fracassadas as formas de organização de
contestação e de conquista do poder político e da imperiosa necessidade de resolução dos
problemas de sobrevivência das maiorias;
c) O acesso a posições do governo local ou nacional é de grande importância, porém de
caráter contraditório em função das inevitáveis articulações com o mercado mundial
capitalista.
Interpretando essas afirmações de José Luiz Coraggio podemos afirmar que alguns
elementos influenciam de forma decisiva no desenvolvimento do campesinato do Sudoeste do
Paraná.
A década de 90 do século XX marca um início do refluxo dos movimentos sociais e
populares, com algumas excessões, como é o caso do MST que, a despeito de alguns momentos
de crise, consegue se manter atuante.
O movimento sindical do campesinato, que havia tomado um impulso muito grande durante
a década de 80 do mesmo século, foi reduzindo paulatinamente sua capacidade de mobilização
na medida em que se aproxima a virada do século e do milênio.
O “Grito da Terra Brasil”, movimento camponês organizado anualmente pelos sindicatos
de agricultores familiares e organizações camponesas, que conseguiu forçar o governo federal
brasileiro a criar o PRONAF – Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – foi
reduzindo seus objetivos para pautas de reivindicações econômicas e sociais. O movimento
sindical foi se acomodando à conquista e negociando apenas melhorias no programa. No
desenvolvimento do programa de crédito foi assumindo uma posição, conforme José Luiz
Coraggio, de “integração funcional” ao Estado, cumprindo um papel burocrático de articulação do
acesso ao crédito que deveria ser cumprido pelos agentes financeiros do governo federal ou pelas
cooperativas de crédito.
Ao mesmo tempo ocorre o fenômeno da rápida expansão das organizações de caráter
econômico do campesinato, como o cooperativismo de crédito, com a criação das CRESOL –
Cooperativas de Crédito com Interação Solidária – em 1995, as organizações para a
Comercialização, como as feiras livres, presentes em praticamente todos os municípios do
território sudoestino, a CRAPA – Coordenação Regional das Associações de Pequenos
Agricultores – e, mais recentemente, a COOPAFI – Cooperativas da Agricultura Familiar
Integradas – e os mercados dos produtores (pontos de venda de produtos da agricultura familiar),
as organizações de produtores como as CLAF – Cooperativas de Leite da Agricultura Familiar – e
o SISCLAF – Sistema de Cooperativas de Leite da Agricultura Familiar.
Nos últimos dois anos o movimento sindical, articulado pela FETRAF Sul, cria a
COOPERHAF – Cooperativa de Habitação da Agricultura Familiar - com área de atuação nos três
estados do sul do Brasil, com a finalidade de executar um programa de construção e reforma de
habitações rurais, através do programa federal denominado de PSH – Programa de Habitação de
Mercado Solidário como Alternativa – Jaci Poli – Março de 2006
Interesse Social.
Esse fenômeno não ocorre somente no Sudoeste do Paraná. No oeste catarinense surgem
as agroindústrias familiares e associativas e sua articuladora regional, como é o caso da UCAF –
União das Cooperativas da Agricultura Familiar – com sede em Chapecó (SC). Pela proximidade
entre os dois territórios pode-se perceber alguma similaridade no processo, embora este assunto
não esteja sendo estudado neste trabalho.
Também no MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – e nos seus
assentamentos ocorrem processos parecidos, com a criação de agroindústrias de leite e de frango
que utilizam a marca “Terra Viva” normalmente organizados na forma de cooperativas.
Esse processo pode ser enquadrado no segundo ítem citado por José Luiz Coraggio que
evidencia o pragmatismo, imediatismo, localismo e setorialismo das organizações.
Enquanto as organizações de caráter político e organizativo do campesinato sofrem um
refluxo, as organizações de caráter econômico tomam impulso por representarem uma solução
imediata dos problemas de sobrevivência e de renda enfrentados pelas famílias.
É evidente a importância da construção de instrumentos coletivos capazes de garantir mais
renda às famílias camponesas, mas é preocupante a aparente ausência de processos de
articulação dessas organizações para a construção de uma política estratégica de
desenvolvimento do campesinato.
As relações entre as entidades da agricultura familiar
Conforme Abromovay et all (2005) “o caráter inovador das organizações econômicas da
agricultura familiar nem de longe encontra eco na sua estrutura sindical. Num caso, forma-se
organizações obrigadas, por força de sua própria natureza, a adotar estruturas de auto-avaliação
permanente, com participação social efetiva, modelos gerenciais atualizados e, sobretudo,
transparência tanto nas contas como no próprio planejamento. No outro, a estrutura sindical, tem
caráter fundamentalmente reivindicativo e se concentra na obtenção de políticas públicas; ela
pode sobreviver mesmo que não tenha a participação viva de seus aderentes, ainda que suas
formas de gestão sejam arcaicas e que a avaliação e o alcance de metas não façam parte de
suas pautas”. (Abromovay et all, 2005, p.25).
Os mesmos autores continuam a afirmar que “O dilema da inovação envolve o conflito
entre dois atores coletivos importantes: um movimento sindical que tende a reivindicar benefícios
governamentais que permitem aos agricultores melhorar as suas condições de vida a partir do que
já fazem e um conjunto de organizações econômicas que, a contrário, introduzem novas
modalidades de ação, estimulam a formação de novos mercados e novas práticas produtivas”
(Abromovay et all, 2005, p.26).
Quando Abromovay et all afirmam o caráter inovador das cooperativas na formação de
novos mercados e novas práticas produtivas estão apontando justamente o maior limite dessas
organizações da agricultura familiar: sua inserção no mercado capitalista, competindo e fazendo
aliança com empresas cujos fundamentos continuam a ter base na reprodução do capital. Não
produzem inovação capaz de apontar para uma alternativa emancipadora em relação à sociedade
de mercado. Tanto que, mais adiante, em seu texto afirmam que “As parcerias entre as
cooperativas e empresas complementam habilidades e capacidades, formam dois lados de uma
mesma moeda: por um lado a Ascooper5 e a Sisclaf6 dependem das empresas para industrializar
e vender o leite coletado; mas, por outro lado, as empresas dependem das cooperativas para
eliminar os altos custos de transação na organização dos produtores, no transporte e no controle
de qualidade” (Abromovay et all, 2005, p.24). A interdependência entre as cooperativas e
empresas insere um conjunto de agricultores familiares no mercado, mas não lhes propõe uma
nova perspectiva que aponte para a superação da dependência ao mercado e ao capital.
Segundo os mesmos autores, existem três focos de disputa entre as cooperativas e o
movimento sindical: a) Autonomia e poder de decisão das cooperativas; Para o movimento
sindical, as cooperativas foram criadas a partir da ação dos sindicatos e devem permanecer
5 Associação de cooperativas de Lite dos Agricultores Familiares de Santa Catarina que articula as as
cooperativas singulares dos agricultores no Estado.
6 Sistema de Cooperativas de Leite da Agricultura Familiar do Paraná.
Mercado Solidário como Alternativa – Jaci Poli – Março de 2006
vinculadas e submetidas às lutas sindicais; b) Visão do mercado: enquanto as cooperativas
buscam inserir-se no mercado capitalista, o movimento sindical e as ONGs (a referência feita
pelos autores é em relação à ASSESOAR) são críticas à essa relação com o mercado; c) A
estratégia organizacional das cooperativas tem sido no sentido da centralização da
comercialização em busca de competitividade no mercado, enquanto do outro lado há a defesa de
um modelo de pequenas agroindústrias locais e familiares.
Outro ponto crítico está nas relações das cooperativas com os outros segmentos do
movimento sindical rural, classificados como tradicionais, assistencialistas e burocráticos pelo
movimento sindical do Sudoeste. É o caso do Sistema CRESOL-Baser, com sede em Francisco
Beltrão, que na sua estratégia de expansão passou a realizar alianças com a FETAEP –
Federação dos Trabalhadores da Agricultura do Paraná – e com a CONTAG – Confederação dos
Trabalhadores na Agricultura – entidades sindicais que historicamente disputaram espaço e
projeto político com a FETRAF – Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar – que
abriga os sindicatos do Sudoeste do Paraná e os sindicatos dos três estados do Sul do País
originários do processo das oposições sindicais. Essa aliança, além de provocar o rompimento
com o movimento sindical mais combativo, dividiu o sistema CRESOL em dois grandes blocos:
CRESOL BASER, que coordena as cooperativas de crédito com interação solidária no Paraná e
algumas de Santa Catarina, e a CRESOL CENTRAL, que coordena essas cooperativas no Rio
Grande do Sul e Santa Catarina.
O mercado solidário está na perspectiva dos camponeses?
Durante o período recente da história do Sudoeste o avanço das organizações econômicas
dos agricultores familiares tem sido muito significativo, conforme exposto anteriormente.
No entanto, todo processo tem se mantido na esfera da organização dos agricultores para
a produção ou para a comercialização, sem questionamento à ordem capitalista. Podemos afirmar
que não questiona a ordem capitalista pela ausência de uma clara determinação dessas
organizações de afrontar o conceito de mercado defendido pelo capital e sua ideologia neoliberal.
Conforme afirma Armando de Mello Lisboa “O mercado é um locus estruturante da
sociedade moderna, e é o espaço das mercadorias, o lugar da distribuição e do consumo” (Lisboa,
2003, p. 188). Quando usa o termo sociedade moderna está apontando para a sociedade de
mercado que, em seu desenvolvimento, tem o mercado como “locus” para realizar o seu pleno
desenvolvimento e impor sua ordem.
Na realidade, o que vemos é uma forte complementaridade entre as empresas e as
organizações da agricultura familiar.
O caso mais concreto é o da CLAF, que organiza os agricultores que não teriam acesso ao
mercado e comercializa seu leite para as empresas que antes excluíam esse mesmo agricultor do
mercado.
Nos argumentos de alguns de seus dirigentes, a quantidade de leite processada é muito
grande para tentar outras alternativas de comercializam que não seja pelo mercado.
As Cooperativas de Leite dos camponeses fazem um processo muito interessante de
organização para a produção, permitindo a permanência na atividade de unidades de produção e
vida familiar consideradas, pelas regras do capital, inviáveis pela pouca produção e nenhuma
capacidade de competição no mercado.
Arrecadam, no conjunto, quase cinco milhões de litros de leite mensalmente, e
comercializam todo ele através de empresas de laticínio, sem apontar nenhuma perspectiva de
construção de uma nova via de comercialização que pudesse apontar um processo de
rompimento com a ordem capitalista.
Não se nega a importância dessas cooperativas para garantir melhores condições de
renda e de inserção no mercado para os seus associados, e nem seu caráter solidário no
processo de articulação da produção e para a comercialização. No entanto, em que medida, não
apontando para uma alternativa ao capitalismo, passa a assumir um conceito de economia
solidária como organização secundária do capital?
Se observada a complementaridade entre cooperativas e empresas na atividade leiteira
pode-se até ter a sensação de que essas organizações de caráter solidário são aceitas pela
função benéfica que apresentam para o capital.
Mercado Solidário como Alternativa – Jaci Poli – Março de 2006
Muito embora esse processo de complementaridade, são registrados, em alguns
municípios do Sudoeste, situações em que as empresas de laticínio agem de forma deliberada
junto aos produtores de leite para a desestruturação das cooperativas, que continuam a
representar um perigo para o capital.
Empreendedores coletivos ou organizações econômicas solidárias?
Essa falta de perspectiva de geração de alternativas ao mercado tradicional capitalista tem
levado alguns autores, especialmente Abromovay, a classificar as cooperativas dentro da visão do
“empreeendedorismo coletivo”7 ao invés de organizações econômicas solidárias, inseridos nos
princípios da economia solidária.
Classificando as cooperativas como empreendedorismo coletivo confere-se uma
identidade às organizações camponesas, dentro do sistema capitalista hegemônico, de integração
ao mercado e não de alternativa ao mercado.
Deve-se ressaltar que, no Brasil, existe um sistema cooperativista muito forte, que iniciou
seu processo de formação ainda nas décadas de sessenta e setenta do século XX e que se
caracteriza pelo sua inserção no mercado enquanto sistemas empresariais altamente
competitivos. Exemplos como a COCAMAR e a COAMO, que possuem filiais em praticamente
todo o estado do Paraná, e até fora do estado, e que desenvolvem atividades na área da
produção, do processamento e da comercialização de dezenas de produtos, tanto animais como
vegetais, e que hoje são verdadeiras mega-empresas que fazem do agronegócio sua grande força
econômica e de competição no mercado, interno e externo, demonstram que organizações
econômicas de agricultores familiares/camponeses podem, se pautadas pelos princípios do
empreendedorismo e da competição no mercado, tornarem-se cada vez maiores e passarem a
secundarizar a presença do seu associado de pequeno porte que não tem mais nenhum poder de
controle sobre a cooperativa.
Esse novo cooperativismo, organizado somente a partir de camponeses agricultores
familiares, tenta romper os conceitos tradicionais das cooperativas que tem como associados
desde camponeses até empresários rurais, e estes, pela sua influência econômica, determinam os
rumos das organizações.
A formação dessas novas cooperativas tiveram como motivação alguns princípios da
economia solidária, em especial o processo de organização para a comercialização.
Um fato importante a ser observado é que os associados das cooperativas de leite são,
normalmente, os mesmos que participam das cooperativas de crédito e das cooperativas de
comercialização.
Na atividade leiteira, que é uma das principais fontes de renda das famílias, há uma ação
articulada entre as cooperativas de leite e de crédito para incentivar melhorias no processo
produtivo nas unidades de produção e vida familiar.
Sem dúvida nenhuma, o novo cooperativismo tem contribuído de forma muito forte para a
garantia de renda e de qualidade de vida aos seus associados e tem dado uma visibilidade muito
grande à agricultura familiar pela sua capacidade política e econômica.
Um dos seus maiores limites, no entanto, tem sido o processo de envolvimento político de
seus associados na construção de um projeto alternativo da agricultura familiar, que só será
conseguido através de um processo educativo capaz de permitir aos camponeses uma leitura
mais clara da realidade enfrentada e dos desafios na construção de uma alternativa emancipatória
de caráter popular.
A diferença entre ser um “empreendedor coletivo” e uma organização econômica solidária
está justamente na sua capacidade de, atuando ainda no mercado, apontar alternativas
emancipadoras. Se permanecer apenas na organização dos agricultores para a comercialização,
sem apontar para a criação de novas formas de comercialização, mesmo que inicie de forma
incipiente, demonstrando de forma clara seu caráter solidário e anti-capitalista, provavelmente
caminhará para sua inserção no mercado capitalista, reproduzindo a trajetória das cooperativas
tradicionais que adotaram posturas de ampliação do poder de competição e que atuam de forma
7 ABROMOVAY, Ricardo, MAGALHÃES, Reginaldo &.SCHÖDER, Mônica, A agricultura familiar entre o
setor e o território, Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas – FEA/USP, São Paulo, 2005, mimeo.
Mercado Solidário como Alternativa – Jaci Poli – Março de 2006
similar às empresas capitalistas.
Compreendemos ser necessária uma atuação politizada dos associados e dirigentes
dessas cooperativas para que sua ação seja realmente emancipadora e construa possibilidades
de uma nova economia e uma nova sociedade.
A experiência da Feira agroecológica de Francisco Beltrão na construção de alternativas
Como citado já neste trabalho, no Sudoeste do Paraná existem muitas feiras livres
organizadas por grupos de agricultores. Praticamente todos os municípios possuem sua feira que,
na sua grande maioria é organizada a partir de associações de agricultores que assumem
coletivamente o processo de comercialização direta com os consumidores locais. No entanto,
poucas são as que avançam para um processo mais solidário na organização do processo. Cada
agricultor tem sua barraca e vende seus produtos a seus consumidores, sem que haja um
processo mais articulado entre eles a não ser pelos regimentos e estatutos que estabelecem as
normas de funcionamento, os tipos de produtos que podem ser comercializados, uma política de
preços conjunta e alguns princípios éticos de relação entre os feirantes.
Existem, no entanto, algumas experiências significativas que avançam em relação às
demais experiências: são feira de agricultores ecologistas de Francisco Beltrão, Capanema,
Planalto e Pérola do Oeste. Neste momento tomaremos como referência a experiência
desenvolvida em Francisco Beltrão.
A cinco anos um grupo de agricultores ecológicos de Francisco Beltrão iniciou a discussão
para a formação de uma feira de produtos agroecológicos de caráter diferenciado e com proposta
de uma relação também diferenciada com os consumidores.
A partir de sua decisão de organizar uma feira com esses princípios, ao invés de participar
da feira já existente na cidade, os agricultores, assessorados pela ASSESOAR – Associação de
Estudos, Orientação e Assistência Rural - os feirantes organizaram um grande debate entre
agricultores e consumidores no sentido de organizar um processo articulado de comercialização.
Internamente, as famílias participantes adotaram uma forma de organização baseada na
solidariedade na produção e na comercialização. Os produtos devem ser produzidos de forma
agroecológica, o transporte para a feira é feito de forma articulada de tal forma que nem todas as
famílias precisem se deslocar para a cidade a cada dia de feira, o caixa é coletivo e as famílias
são remuneradas a partir dos produtos comercializados. Cada produto tem uma identificação
interna, que não aparece para o consumidor. O consumidor vai para a feira e não percebe uma
diferenciação entre os produtos de uma família ou de outra.
Os feirantes adotaram dois pontos de comercialização e, em cada local, uma ou duas
famílias assumem o processo de comercialização a cada dia de feira.
Iniciaram um processo organizado de articulação com consumidores, para fornecimento de
cestas de produtos, de acordo com uma lista de produtos e preços que os consumidores
preenchem a cada semana e que são fornecidos sem a necessidade da presença direta nas
feiras. Existe um ponto de entrega das cestas (na ASSESOAR) onde os feirantes deixam os
produtos já organizados de acordo com o pedido feito pelos consumidores. Os consumidores que
adotaram as listas de compra são, na sua maioria, professores da UNIOESTE, funcionários da
ASSESOAR e pessoas ligadas aos movimentos sociais.
É fundamental que se questione o porque essa experiência não conseguiu avançar na
construção de uma alternativa consistente de mercado, mesmo com a assessoria da ASSESOAR,
que possui tanta vivência de processos organizativos.
Poderá ser feita proposta de discussão com os feirantes sobre o processo de organização
de grupos de consumidores nos bairros populares. Não somente com os participantes em
Francisco Beltrão, mas também com as feiras de Capanema, Planalto e Pérola do Oeste.
Uma das formas possíveis será a identificação de algumas famílias em bairros populares
para iniciar um processo de comercialização de produtos agroecológicos a partir da presença dos
feirantes em um dia por semana. A ida dos feirantes ao bairro partirá de uma divulgação feita
pelas famílias referência entre sua vizinhança. Ao mesmo tempo poderá ocorrer um processo de
organização de grupos permanentes de consumidores, articulados entre vizinhos, cujo processo
formativo poderá se dar a partir dos momentos de comercialização.
Outra forma de organizar grupos de consumidores poderá ser através dos consumidores
Mercado Solidário como Alternativa – Jaci Poli – Março de 2006
que já mantém relação com a feira. Em cada local de trabalho poderá ser discutida a formação de
um grupo de consumidores e debatida a relação entre esses grupos e a feira.
A forma de intermediação, as datas e formas de acesso dos grupos aos produtos
comercializados e os preços serão discutidos conjuntamente com os consumidores envolvidos.
A partir do momento em que o processo esteja em desenvolvimento poderá se promover
seminários com o envolvimento de entidades, organizações e cooperativas de agricultores e com
as organizações dos consumidores e associações de moradores dos bairros a partir da
sistematização da experiência realizada e articulação de outros atores interessados.
Este estudo tem a finalidade de iniciar um debate para a construção de uma referência de
mercado solidário e provocar as organizações camponesas para pensar sobre as estratégias de
desenvolvimento e fortalecimento da agricultura familiar.
Conclusão
Este trabalho tem a intenção de delimitar uma lacuna existente no processo organizativo
do campesinato no território do Sudoeste do Paraná.
A tradição de luta e organização camponesa não conseguiu avançar para a construção de
uma alternativa realmente emancipadora capaz de romper com o mercado capitalista. Suas
organizações possuem uma capacidade política muito grande no sentido de organizar os
agricultores para a produção e comercialização, para a disputa de políticas públicas e para a
disputa de recursos públicos. No entanto, todas elas tem como limite a manutenção da
dependência do mercado justamente por não conseguirem avançar na construção de um
processo de articulação campo-cidade que poderia apontar novos caminhos de emancipação
social.
Por essa razão, compreender os princípios do mercado solidário, do consumo solidário,
conhecer a organização camponesa e seu potencial de luta para enfrentar o processo de
construção de um novo mercado é um apenas um ponto de partida.
É um processo para vários anos de trabalho, mas já pode partir do engajamento de alguns
grupos e organizações que compreendem o significado da luta emancipatória.
Mercado Solidário como Alternativa – Jaci Poli – Março de 2006
Bibliografia
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Francisco Beltrão, 2002.
Mercado Solidário como Alternativa – Jaci Poli – Março de 2006
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