MORTE, IDENTIDADE E CRIAÇÃO EM “THE MOON AND THE YEW TREE”. Autora: Marcia Elis de Lima Françoso Avenida Bento Toledo Piza, 669 –CEP: 14811-032 – Araraquara, SP Abstract: “The Moon and the Yew Tree” is one of the poems that make up the corpus of Ariel, the last volume of poetry written by the American poet Sylvia Plath. Published posthumously, this book has become the target of polemic discussions on the confessional features of Plath’s poetry due to the constant allusions and references of her personal life in her poems. This paper is, therefore, an attempt to point out how these allusions are made in “The Moon and the Yew Tree”, involving aspects such as death, creation and resurrection in a ritual of search for identity. Key words: death; identity; creation; ritual; resurrection. Resumo: “The Moon and the Yew Tree” é um dos poemas que constituem o corpus de Ariel, o último volume de poesia escrito pela poeta norte-americana Sylvia Plath. Publicado postumamente, esse livro tem sido alvo de polêmicas discussões a respeito do caráter confessional da poesia de Plath, devido às constantes alusões e referências à sua vida pessoal em seus poemas. Esse trabalho é, por isso, uma tentativa de apontar como essas alusões são feitas em “The Moon and the Yew Tree, envolvendo aspectos como morte, criação e ressurreição em um ritual de busca de identidade. Palavras-chave: morte; identidade; criação; ritual; ressurreição. Nascida em 1932, a escritora norte americana Sylvia Plath obteve reconhecimento internacional após a publicação póstuma de Arieli, seu último livro de poemas, em 1965. Conhecido por ser a obra que melhor representa o traço confessional de sua poesia, justamente por estar situado cronologicamente mais próximo de sua separação conjugal e de seus complicados estados psíquicos que culminam com o suicídio em fevereiro de 1963, essa obra tem sido alvo de polêmicas discussões devido à abundância de referências e alusões à vida pessoal da poeta. Dentro de um contexto pessoal de perdas e episódios trágicos, bem como de um contexto histórico, social e político marcado pela incerteza que pairava sobre o mundo do pós-guerra e pela banalização da morte em massa, não causa estranhamento, que os últimos poemas de Plath tenham sido elaborados em torno da busca de identidade freqüentemente relacionada a imagens, símbolos e alusões à morte. Estudos Lingüísticos XXXVI(3), setembro-dezembro, 2007. p. 288 / 293 A alusão à morte e a sua relação com a busca de identidade aparecem, então, como uma constante nos poemas que compõem Ariel. Em “The Moon and The Yew Tree” essa relação se dá na imagem de um ritual noturno e místico é protagonizado por um eu lírico que se identifica com Deus e cuja identificação, intermediada pelas imagens da árvore e da lua, envolve aspectos de morte, ressurreição, soberania e divindade. Partindo do simbolismo que emerge da aproximação entre a lua e o teixo, pode-se pensar nas possíveis significações que essas imagens sugerem no entrecruzamento de criação, busca de identidade e morte. O eu lírico que na segunda estrofe identifica-se a Deus, diante de quem a relva se curva em um ato de reverência, diz na estrofe seguinte que a lua é a sua mãe e que ela não é doce como Maria. Ao mesmo tempo em que se reconhece como Deus, o criador que reina sobre todas as coisas e que está acima da vida e da morte, do forte e do fraco, o eu lírico sente-se reprimido diante da imagem da lua e revela, na última estrofe que sofreu a queda de um longo caminho abaixo, como se tivesse sido separado da condição excelsa de sua mãe. Paralelamente à imagem da lua que, no alto de sua soberba e segura de si, paira no céu soberana, aparece-nos o teixo, fixo à terra, imóvel e ereto. Conhecido por ser uma árvore resistente mesmo em inverno rigorosos, o teixo aparenta-se com a figura de uma lança apontada para o alto. Os olhos que encontram a lua podem ser das criaturas noturnas que habitam o teixo ou do eu lírico em busca do olhar materno da lua, o que neste caso nos levaria a considerar sua frustração ao revelar no verso “How I would like to believe in tenderness” a sua descrença na ternura, sentimento geralmente associado à figura materna ,. Assim como as gramas, na primeira estrofe, sentem-se humilhadas e pequenas em relação ao eu lírico diante do qual elas descarregam as suas dores, o eu lírico também se sente inferior em relação à lua, pois enquanto sua visão é limitada pelas lápides e ele simplesmente não consegue ver um lugar onde se possa chegar, a lua é de tamanha imensidão e alcance que tem até mesmo o poder de engolir o mar. É interessante notar que o poema assemelha-se a um monólogo ao mesmo tempo descritivo, narrativo e dramático. Marcado por uma pontuação precisa e abundante está o aspecto narrativo do poema, que é recortado tanto pelas descrições como a da lua na segunda estrofe, “white as a knuckle”, “terribly upset”, “A face in its own right” quanto pelos apartes em que o eu lírico revela-nos os seus sentimentos, como no verso anteriormente mencionado “How I would like to believe in tenderness”. Se separarmos do poema os versos constituídos de verbos de ação, temos a seguinte sequência: a grama descarrega suas dores sobre meus pés, como se eu fosse Deus; vapor, névoa espiritual habitam esse lugar; eu não consigo ver onde se pode chegar; a lua engole o mar; eu moro aqui; os sinos despertam o céu; o teixo aponta para cima; os olhos se elevam em seguida e encontram a lua; o manto azul da lua oculta corujas e morcegos; eu sofri uma longa queda. Pode-se supor que essas ações expressam o ritual de morte e ressurreição do eu lírico diante do teixo e da lua, na atmosfera noturna e mística que o poema apresenta nas imagens de lápides, morcegos, corujas, vapor e névoa. Há que se notar, dentro desse Estudos Lingüísticos XXXVI(3), setembro-dezembro, 2007. p. 289 / 293 contexto, o destaque sonoro de sibilantes e das nasais que marcam o poema, bem como o ritmo fechado e compassado das constantes e perspicazes descrições marcadas por vírgulas e pontos finais que recortam a seqüência narrativa, como em “This is the light of the mind, cold and planetary./ The trees of the mind are black. The light is blue. (...) The moon is no door. It’s a face in its own right. White as knuckle, terribly upset.(...) It’s quiet. With the Omouth in complete despair. I live here”. Predominantes em todas as estrofes, os sons sibilantes e nasais, juntamente com as descrições ritmicamente fechadas e compassadas, reforçam o caráter ritualístico, contribuindo para criar o ambiente místico que caracteriza o poema. O teixo apontado para o alto parece dirigir-se à lua numa atitude desafiadora, pois por menor que seja o alcance de sua sombra diante da luz predominante da lua, há sob sua copa uma pequena área que, protegida por suas resistentes folhas, faz-se inatingível para a lua. O teixo poderia ser visto, então, como uma espécie de refúgio para um eu lírico retraído, desconsolado e de falas medidas e pausadas, um escudo com o qual ele pode desafiar a soberania da mãe lua, da mesma forma que a igreja aparece na última estrofe como um refúgio para os santos flutuando sobre seus pés delicados. Assim sendo, o teixo possibilitaria, então, a libertação do eu lírico em relação aos domínios da lua. Há que se notar que na cultura celta antiga tanto o teixo como a lua eram associados à rituais de magia e a aspectos do sobrenatural. “O teixo tem sido associado por muito tempo com o Submundo. É a árvore com a vida mais longa na Europa” e acredita-se que “naturalmente ‘ressuscita’ por si mesma. Assim que o tronco central morre, uma nova árvore cresce dentro do centro da raiz”. Essa associação pode ocorrer também porque é encontrada muito freqüentemente em cemitérios, e assim tornando-se um símbolo de vida eterna. Na Grã Bretanha acredita-se que o teixo envia uma raiz para a boca de cada cadáver, permitindo que o espírito saia e renasça. “O teixo tem fortes associações com a morte, assim como com o renascimento. Um veneno preparado com as sementes era utilizado em flechas e a madeira do teixo era comumente utilizada para fazer arcos e cabos de punhais”ii. Logo após dar-nos a imagem da lua como segura de si, quieta, aborrecida e devoradora, bem como do teixo apontado para o alto, o eu lírico nos fala de Ressurreição, com maiúscula na segunda estrofe, provavelmente referindo-se à ressurreição de Cristo a que aludem as badaladas dos sinos da igreja. Isso nos permite sugerir que os sinos anunciam uma próxima ressurreição, o que pode relacionar-se com a libertação do eu lírico que se dá por intermédio do teixo. Mas essa ressurreição, no entanto, não é como a ressurreição de Cristo. Ela ocorre num ambiente noturno, quase sobrenatural, permeado pela magia que emana tanto da imagem da lua como do teixo. O teixo seria, então, um mediador entre o eu lírico e a lua, um mensageiro cuja mensagem é escuridão e silêncio e que ao apontar para a lua a incomoda. Protegido pelo teixo, o eu lírico pode, então, afirmar a ressurreição de sua identidade perante a dominação, a vastidão e a indiferença da lua e da figura materna por ela representada. O eu lírico apresenta-se em uma paisagem noturna e mística diante de um teixo e de uma lua da qual ele se diz filho. Ao procurar em vão o consolo da figura materna, pois sua Estudos Lingüísticos XXXVI(3), setembro-dezembro, 2007. p. 290 / 293 mãe “is not sweet like Mary”, o eu lírico volta-se para o teixo como se a árvore o pudesse proteger da indiferença materna. Considerando a difícil relação que Sylvia Plath tinha com sua mãe biológica e com o que a crítica denomina de suas “mães poéticas”iii, pode-se supor que há nesse poema referência ao incômodo que lhe causava a presença e a autoridade de sua (s) mãe (s). Segundo o crítico Steven Gould Axelrod, há em “The Moon and the Yew Tree” ecos de alguns poemas de Theodore Roethke, como “All the Earth, All the Air”, “Meditations of an old woman”, “In a Dark Time” e “The Dying Man”. Leitora e admiradora da obra poética de Roethke, Sylvia Plath utiliza-se das imagens colhidas em suas leituras para construir o cenário de “The moon and the yew tree”. Sob a luz da angústia da influência de Harold Bloomiv, pode-se ler a invocação das imagens dos textos de Roethke em “The Moon and the Yew Tree” como um processo de desvio, complementação, esvaziamento, demonização, truncamento e apropriação desses textos precursores, o que abre espaço para uma possível análise da busca de afirmação de identidade diante dos textos invocados. Se levarmos em conta, por outro lado, o simbolismo inerente às figuras do teixo e da lua, o ritmo compassado e pontuado dos versos e a predominância de sons nasais e sibilantes, podemos dizer que o poema fala não somente da relação de um filho com sua mãe, ou de uma árvore, ou de uma lua, mas de tudo o que o conjunto desses elementos é capaz de suscitar no leitor. Há nesse poema uma combinação de elementos rítmicos, sonoros e imagísticos que não deve ser descartada em prol das possíveis significações sugeridas pela biografia da autora, pois o trabalho com a linguagem transforma o elemento auto biográfico em parte do todo orgânico que é o poema. A partir da aproximação entre o eu lírico, a lua e o teixo, emergem, portanto, aspectos como frustração, medo, fuga, insegurança, inferioridade e descrença, entre outros que são não somente questões que afligem o ser humano do mundo do pós-guerra, mas que são próprias do reconhecimento da condição e da limitação humana diante das incertezas e dos mistérios do universo. i PLATH, 1965. ii http://www.hekat.com/sagrado.htmDawn 3 Termo usado por S.G. Axelrod para designar as poetas que precedem Sylvia Plath no panorama da poesia norte americana e que têm muita influência na escrita de seus poemas. Cf. capítulo 3 “A Woman Famous Among Women”, in AXELROD, 1990, p. 80-177. 4 BLOOM, 1991. Estudos Lingüísticos XXXVI(3), setembro-dezembro, 2007. p. 291 / 293 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AXELROD, S.G. Sylvia Plath: the wound and the cure of words. Baltimore: The John mmmHopkins University Press, 1990. BLOOM, H. A angústia da influência: uma teoria da poesia Tradução de Arthur mmmNestrovski. Rio de Janeiro: Imago, 1991 PLATH, S. Ariel. New York: Buccaneer Books, 1965. Disponível em: http://www.hekat.com/sagrado.htmDawn. Acesso em: 16/07/2006. ANEXO: THE MOON AND THE YEW TREE This is the light of the mind, cold and planetary. The trees of the mind are black. The light is blue. The grasses unload their griefs on my feet as if I were God, Prickling my ankles and murmuring of their humility. Fumy, spirituous mists inhabit this place Separated from my house by a row of headstones. I simply cannot see where there is to get to. The moon is no door. It is a face in its own right, White as a knuckle and terribly upset. It drags the sea after it like a dark crime; it is quiet With the O-gape of complete despair. I live here. Twice on a Sunday, the bells startle the sky – Eight great tongues affirming the Resurrection. At the end, they soberly bong out their names. The yew tree points up. It has a Gothic shape. The eyes lift after it and find the moon. The moon is my mother. She is not sweet like Mary. Her blue garments unloose small bats and owls. How I would like to believe in tenderness – The face of the effigy, gentled by candles, Estudos Lingüísticos XXXVI(3), setembro-dezembro, 2007. p. 292 / 293 Bending, on me in particular, its mild eyes. I have fallen a long way. Clouds are flowering Blue and mystical over the face of the stars. Inside the church, the saints will be all blue, Floating on their delicate feet over the cold pews, Their hands and faces stiff with holiness. The moon sees nothing of this. She is bald and wild. And the message of the yew tree is blackness – blackness and silence. 22 de outubro de 1961 Estudos Lingüísticos XXXVI(3), setembro-dezembro, 2007. p. 293 / 293