CONDUTA NA AMPUTAÇÃO TRAUMÁTICA DE ORELHA GUIDELINE FOR EAR AMPUTATION TIAGO BODANESE Residente de Cirurgia Plástica da Universidade Federal do Paraná (UFPR). RENATO DA SILVA FREITAS Professor Adjunto III da disciplina de Cirurgia Plástica da UFPR. WILLIAM MASSAMI ITIKAWA Acadêmico de medicina da UFPR. GILVANI AZOR DE OLIVEIRA E CRUZ Coordenador e Chefe do Serviço de Cirurgia Plástica da UFPR. SERVIÇO DE CIRURGIA PLÁSTICA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ R. General Carneiro, 180, 9º. Andar - Hospital de Clínicas - Curitiba - Paraná - 80.000-000 E-mail: [email protected] DESCRITORES ORELHA, AMPUTAÇÃO, REIMPLANTE, TRAUMA. KEYWORDS EAR, AMPUTATION, REPLANTATION, TRAUMA. RESUMO Introdução: A amputação traumática do pavilhão auricular, seja total ou parcial, acarreta sérios problemas estético-funcionais de difícil manejo. A orelha possui estrutura complexa de difícil reconstrução, com cartilagem elástica delicada e envelope cutâneo fino. Pode-se dividir os traumas auriculares em 2 tipos: amputação da orelha com e sem pedículo vascular. O reimplante pode ser microcirúrgico e não-microcirúrgico. Sempre que possível a orelha traumatizada que mantenha pequeno pedículo deve ser reimplantada primariamente, através de uma sutura simples da ferida. Relato de caso: Paciente do sexo masculino, 33 anos, atendido no pronto socorro com amputação quase completa da orelha direita, permanecendo pediculada apenas pelo lóbulo. Foi suturado sem tensão, evoluindo com viabilidade total da orelha sem pontos de isquemia ou necrose. Discussão: A literatura é extensa e controversa no reimplante da orelha. A sutura primária das amputações parciais de orelha tem a vantagem de ser método simples, rápido e de baixo custo. Através de grande rede anastomótica dos vasos provenientes da artéria carótida externa, pequenos pedículos teciduais podem oferecer suprimento vascular a toda orelha. Casos de amputação total, o tratamento padrão consiste no reimplante microcirúrgico da orelha. Conclusão: Deve-se tentar o reimplante da orelha, com sutura simples, sempre que houver pedículo cutâneo. ABSTRACT Background: Traumatic amputation of the ear, either total or sub-total, involves aesthetic and functional problems of difficult for the plastic 230 surgeon. The ear has a complex structure of difficult reconstruction, with a delicate elastic cartilage and a thickness skin envelope. Ear trauma is divided in 2 types: A. amputation of the ear without vascular pedicle, and B. with vascular pedicle. The reimplantation may microsurgery and non-microsurgery. Cases with small vascular pedicle may be reattached using direct suture of the wound edges in order to ensure aesthetic and functional results.Case report: Male, 33 years of age, attended the emergency room with almost complete amputation of the right ear, keeping only a small pedicle in the lobe. Direct suture was performed, achieving total viability of the ear, without ischemia or necrosis. Discussion: The literature is extensive and controversial in the reimplantation of the ear. The primary suture of partial amputation of ear has the advantage of being a simple, fast and low cost. Through a large network of anastomotic vessels from the external carotid artery, small pedicles tissue can most often provide vascular supply to the whole ear. In all cases of amputation, with no pedicle skin, the standard treatment is microsurgery replantation of the ear. Conclusion: It should perform the replantation of the ear with simple sutures, when there is a pedicle skin. INTRODUÇÃO A amputação traumática do pavilhão auricular, seja total ou sub-total, acarreta sérios problemas estético-funcionais de difícil manejo para o cirurgião plástico1. A orelha possui uma estrutura complexa de difícil reconstrução, com uma cartilagem elástica delicada e um envelope cutâneo fino2. Diante disso, a reconstituição desta unidade anatômica requer muito da imaginação do cirurgião, da sua experiência Arquivos Catarinenses de Medicina - Volume 38 - Suplemento 01 - 2009 pessoal e conhecimento obtido através da literatura médica recente3. Pode-se dividir os traumas auriculares em 2 tipos: a. amputação da orelha sem pedículo vascular; e b. amputação da orelha com pedículo vascular. As técnicas de reimplante podem ser separadas em dois grandes grupos: as técnicas microcirúrgicas e as não-microcirúrgicas. Os reimplantes microcirúrgicos estão indicados para pacientes com amputações totais de orelha, onde não há nenhum pedículo vascular mantenedor, ou naqueles casos onde se evidencia de imediato a má vascularização, indicando a reanastomose dos vasos. Sempre que possível os fragmentos traumatizados que mantenham um pequeno pedículo vascular devem ser reimplantados primariamente, através de uma sutura simples das bordas da ferida, com o intuito de garantir resultados estéticos e funcionais melhores do que uma reconstrução secundária4,5. Estudos têm demonstrado que estas orelhas amputadas que são reimplantadas têm apresentado melhores resultados6,7. Figura 2. Visão próxima demonstrando total amputação posterior com 2 ramos nervosos RELATO DE CASO Paciente masculino de 33 anos, não tabagista, foi atendido no pronto socorro do Hospital do Trabalhador (UFPR), com amputação quase completa da orelha direita com 5 horas de evolução, permanecendo pediculada apenas pelo lóbulo (Figuras 1 e 2). Foi submetido a bloqueio anestésico dos nervos auricular maior e aurículotemporal com Xylocaína a 2% sem vasoconstrictor, sem infiltrações na lesão. Após limpeza com soro fisiológico 0.9% e clorhexidine, foi realizado o desbridamento mínimo do tecido inviável e sutura da pele com nylon 5-0 sem tensão. Como antibioticoterapia foi utilizado cefazolina no início da cirurgia. Indicou-se cefalexina, ácido acetil-salicílico 300 mg via oral ao dia, e creme de sulfadiazina de prata 1%, por 5 dias. Evoluiu com viabilidade total da orelha sem pontos de isquemia ou necrose (Figuras 3 e 4). Fig-3 Pós operatório imediato Fig-4 Pós operatório de 30 dias DISCUSSÃO Figura 1. Lesão quase total da orelha, mantido somente o lóbulo e pequeno faixa de pele no pólo superior A literatura é extensa e controversa no tratamento e reimplantação da orelha, mas o atendimento emergencial é fundamental8. A sutura primária de amputações parciais de orelha tem a vantagem de ser um método simples, rápido e de baixo custo. Através de uma grande rede anastomótica de vasos provenientes da artéria carótida externa (3 ramos anteriores da artéria aurículo-temporal e 3 ramos posteriores da artéria auricular posterior), pequenos pedículos teciduais podem na maioria das vezes oferecer suprimento vascular a toda orelha. Devido a isto, deve-se Arquivos Catarinenses de Medicina - Volume 38 - Suplemento 01 - 2009 231 tentar o reimplante da orelha, sempre que houver um pedículo cutâneo. A desvantagem do método consiste na subavaliação da lesão vascular, evoluindo com necrose auricular total ou parcial. Casos de amputação total, sem nenhum pedículo cutâneo, o tratamento padrão consiste no reimplante microcirúrgico da orelha. Existe uma grande dificuldade do procedimento devido ao diâmetro dos vasos e a possibilidade de lesão da íntima dos vasos pelo estiramento. Na reconstrução microcirúrgica pode ser feita com artéria auricular pôster, onde se preserva a vascularização da fáscia temporal, ou com a artéria temporal superficial. Um obstáculo seria a diferença do calibre dos vasos que dificulta a anastomose, porém podem ser feita términolateral. Outros fatores complicadores são o estado da orelha amputada e o tempo de isquemia. Alternativas foram propostas, como a colocação do fragmento amputado na região retroauricular ou em outra região anatômica (abdômen principalmente), pensando numa reconstrução tardia com a mesma cartilagem. Somos do posicionamento que se deve tentar o reimplante microcirúrgico, e, em casos de falha, não se utilizar o fragmento condrocutâneo. Este deveria ser desprezado, programando-se uma reconstrução tardia com cartilagem costal ou material aloplástico. Baseamo-nos em dados da literatura e também em maus resultados observados do enxerto do fragmento, realizados em outros serviços, que nos procuraram para a reconstrução posterior. Podem-se utilizar métodos complementares, como câmara hiperbárica9 e uso de sanguessugas. As sanguessugas terão a função de retirar o sangue venoso excedente, em casos de estase venosa. O uso de AAS é discutível, podendo ter efeito benéfico por evitar a agregação plaquetária10. A sulfadiazina de prata pode evitar a infecção, previnindo condrites. 232 CONCLUSÃO Acreditamos que, após o trauma, se a orelha se estiver pediculada em alguma região com condições de viabilidade vascular, mesmo se apresentado congesta ou com baixa perfusão, deve-se tentar a sutura pelo método mais simples, sem tensão nem heroísmo. REFERÊNCIAS 1. Komorowska-Timek E, Hardesty RA. Successful reattachment of a nearly amputated ear without microsurgery. Plast Reconstr Surg. 2008 Apr;121(4):165e9e. 2. Costa-Ferreira A, Reis J, Rebelo M, NatividadeSilva P, Amarante J. ‘Non-microsurgical’ ear replantation - Baudet’s technique revisited. J Plast Reconstr Aesthet Surg. 2007;60(3):325-7. 3. Maruyama Y, Nakajima T. The use of perichondrial flaps in the reconstruction of partial loss of the auricle. Br J Plast Surg 1980; 33: 4-8. 4. Destro MWB, Speranzini MB. Total reconstruction of the auricle after traumatic amputation. Plast Reconstr Surg 1994; 94: 859-64. 5. Lin SC, Chiu HY, Yu JC, Lee JW. Replantation of part of an ear as open fan composite graft. Plast Reconstr Surg 1997; 50: 135-8. 6. Garcia-Murray E, Adan-Rivas O, Salcido-Calzadilla H. Delayed, bilateral, non-microvascular ear replantation after violent amputation. J Plast Reconstr Aesthet Surg. 2007 Dec 14. 7. Pribaz JJ, Crespo LD, Orgill DP, Pousti TJ, Bartlett RA. Ear replantation without microsurgery. Plast Reconstr Surg. 1997 Jun;99(7):1868-72. 8. Wen W, Shi S, Zhu MH, Dong YC. Investigation and analysis on Wenchuan area earthquake trauma to ear, nose and throat Zhonghua Er Bi Yan Hou Tou Jing Wai Ke Za Zhi. 2008 Sep;43(9):650-2. 9. Sander AL, Henrich D, Muth CM, MArzi I, Barker JH, Frank JM. In vivo effect of hyperbaric oxygen on wound angiogenesis and epitheliazation. Woun Repair Regen. 2009 Mar-Apr;17(2):179-84 10. Shalom A, Herbert M, Westreich M. Effect of aspirin on random pattern flap survival in rats. European Journal of Plastic Surgery. 2000;23(1) Springer Berlin. Arquivos Catarinenses de Medicina - Volume 38 - Suplemento 01 - 2009