Os padrões éticos e a reforma financeira nos Estados Unidos
O debate sobre a reforma financeira no Congresso americano chama a
atenção do mundo para a necessidade de se estabelecer padrões mínimos de
conduta ética para as instituições financeiras americanas e profissionais do
setor. As operações com instrumentos derivativos, o encerramento das
operações de " hedge funds " e bancos tradicionais trouxeram à tona questões
sobre os padrões éticos do mercado financeiro internacional.
Uma breve análise sobre a evolução do conceito de ética ao longo do tempo é
um bom início para entendermos as circunstâncias que levaram aos problemas
observados nos últimos dois anos em todo mundo.
O pensamento sobre o comportamento ético surgiu com Platão na Grécia no
ano 427 a.C. O filósofo defendia a ideia de que se deve atribuir valor a todas as
possibilidades existenciais. O exercício de dar valor a algo se torna viável
desde que se estabeleça um padrão de referência considerado correto.
Na avaliação de um aluno, por exemplo, é possível atribuir uma nota dentro de
determinada escala, ao comparar as respostas dadas às questões com um
gabarito. Nesse caso um parâmetro criado serve para avaliar o comportamento
do outro. No caso da ética, o mesmo se aplica, ou seja, a criação de um
comportamento padrão serve de gabarito para se determinar se certo
comportamento é ético ou não.
O mito da caverna mostra que a sombra que os indivíduos veem dentro da
caverna é o senso comum ou o gabarito, o ideal de realidade. Com a referência
estabelecida a comparação e a atribuição de valor tornam-se possíveis.
Com o passar dos anos surgiram na Itália, em 1500, os pensamentos de
Nicolau Maquiavel. Nascido em Florença, o diplomata italiano modificou os
padrões éticos de Platão afirmando que é muito difícil estabelecer os
parâmetros de conduta correta. A partir daí, com a ausência ou a dificuldade de
se usar o gabarito proposto por Platão, as ações passaram a não ter valor em
si, mas a valer pelos efeitos que produziam.
Sempre na perspectiva de gerar poder, agia bem aquele que por sua decisão
conseguia para si maior poder. Sob essa perspectiva, uma mesma atitude
poderia ser considerada boa ou não dependendo de sua consequência. Moral
e o conceito de valor passaram a ser relativos e a se apoiar na máxima de que
" os fins justificam os meios " .
Na segunda metade do século XIX surgiram, no Reino Unido, os pensamentos
de Bentham e Mill sobre o Utilitarismo Moral. Adotada em larga escala pelos
americanos, a teoria defendida pelos pensadores propunha que uma ação
seria correta pelas suas boas consequências, não pelo poder que gerava, e
sim pelos benefícios que proporcionava ao maior número de pessoas.
Atualmente, apesar de ainda muito utilizado nos EUA e Reino Unido, o
Utilitarismo Moral vem perdendo força, não só pela dificuldade de se definir o
que seja o bem estar para a maioria, mas, especialmente, pelo fato da
avaliação dos efeitos de uma decisão ser diferente ao longo da história.
Na segunda metade do século XX e o início do século XXI surgiu um novo
padrão de conduta. Considerando que as ações não tinham valor em si, como
defendia Platão, de que eram relativas e egoístas do ponto de vista moral de
Maquiavel e insustentáveis, segundo os pensamentos Utilitaristas, introduziuse um novo conceito, a Ética nas Relações ou Contratualismo Moral.
De acordo com esta nova teoria, o relacionamento entre duas ou mais pessoas
passa a ser definido por padrões morais e regido por contrato, valendo o que
as partes combinarem independente do pactuado ser correto ou não.
As dificuldades financeiras vividas em 2008 e 2009 mostraram que a Ética nas
Relações precisa passar por uma revisão. O combinado entre as partes está
distante daquilo que a sociedade acha razoável e aceitável sob o ponto de vista
ético.
Curiosamente, as boas tentativas dos senadores Christopher Dodd e Tim
Johnson de levar o Congresso americano a estabelecer um padrão mínimo de
conduta ética, a ser seguido pelo sistema financeiro americano e seus
dirigentes, não é nada muito diferente do que sugeriu o filósofo grego Platão no
ano 427 a.C
Alexandre Canalini - CFP (Certified Financial Planner), Planejador financeiro
pessoal e membro do Instituto Brasileiro de Certificação de Profissionais
Financeiros (IBCPF). Artigo publicado no jornal Valor Econômico em 20/04/10.
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