Reportagem Multimídia
De olho no Sinos: esgoto doméstico se tornou principal vilão | Jornal NH
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De olho no Sinos: esgoto
doméstico se tornou principal vilão
O Rio dos Sinos é o 4ª mais poluído do País e a falta de tratamento do esgoto que vem
das casas agrava o problema
TEXTO: Raquel Reckziegel
VÍDEOS: Raquel Reckziegel e Marcelo Collar
ENTREVISTAS: Adair Santos e Raquel Reckziegel
FOTOS: Diego da Rosa e Arquivo/GES
Em outubro de 2006, o pescador Carlos Henrique Linck, 47 anos, morador do Passo do Carioca,
no limite entre São Leopoldo e Sapucaia, levantou-se certa manhã e, dando seguimento a uma
rotina diária, olhou em direção ao Rio dos Sinos. A visão o assombra até hoje. "O rio estava
completamente tampado de peixes mortos. Me apavorei com a quantidade, tu não via água, só
peixe morto", relata. Quase oito anos depois, Carlos depende dos peixes que consegue encontrar
com o fenômeno conhecido como piracema (quando sobem o Rio em direção às suas nascentes
para desovar) e vive de bicos para conseguir se sustentar. "Como é que eu vou vender um peixe
que é impróprio para o consumo do povo?", questiona.
Na época, os olhares do País voltaram-se para o Vale do Sinos, onde o rio que dá nome à região
sofria com a morte de 85 toneladas de peixes - a maior já registrada em suas águas. Os peixes
não resistiram aos efluentes tóxicos lançados por empresas. A poluição, associada também a
outros fatores, acabou provocando a tragédia ambiental. "Tínhamos dois anos de seca, o rio muito
baixo e um dia muito quente, onde a concentração de oxigênio da água já é baixo, a poluição da
cidade e houve o lançamento de produtos industriais na água. Todos esses fatores encontraram
um movimento de peixes em piracema, subindo o rio, por isso foi uma mortandade tão
espetacular", relembra o presidente do Comitê de Gerenciamento da Bacia Hidrográfica do Rio
dos Sinos (Comitesinos), Arno Kayser.
VÍDEO | Lembranças da mortandade de 2006 | https://www.youtube.com/watch?v=jqoIDhMrV9M
Hoje, apesar da situação ter mudado com uma fiscalização mais intensiva e iniciativas como o
Plano de Bacia aprovado pelo Comitesinos, que gerencia cerca de 3 mil quilômetros de arroios e
rios em 32 cidades, o Rio dos Sinos ainda é o quarto rio mais poluído do Brasil, conforme o
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). "É um rio relativamente pequeno, que passa
por uma região densamente urbanizada, com muita atividade industrial e que tem uma agricultura
que consome bastante água, que é o setor de arroz", enumera. Em 2008, outra mortandade foi
registrada, mas em proporções muito menores, e, segundo Arno, novas ocorrências não são
descartadas. "O rio é um paciente crítico. Qualquer coisa pode fazer ele virar um paciente agudo".
Conforme o presidente do Comitesinos, atualmente, o desafio maior não diz respeito a efluentes
lançados por indústrias. A fiscalização tem impedido as empresas de despejar resíduos na água.
E mais: estações de tratamento implantadas pelos curtumes evitam que dejetos contaminados
entrem em contato com a água dos rios. Ainda, processos de reaproveitamento evitam que
toneladas de couro acabem em aterros e podem inclusive economizar água. Teriam os vilões
virado mocinhos? Os olhares que, em outubro de 2006, criticaram a poluição e falta de cuidado
com as águas, começaram, lentamente, a encarar o próprio reflexo no espelho. O esgoto
doméstico virou o principal problema.
Aproximadamente 1,3 milhão de pessoas moram na Bacia do Sinos e o esgoto doméstico possui
uma carga orgânica muito alta e repleta de nutrientes, nitrogênio e fósforo, substâncias que
causam um impacto ambiental muito grande. Na região, somente 5% do que é gerado pelas
residências passa por estações de tratamento. No Estado, o percentual é de 15%. Conforme o
diretor de Operações da Corsan, Antonio Martins, a empresa, que atende 320 municípios, está
investindo R$ 4.4 bilhões. ‘‘A meta é ampliar o percentual para 50% até 2018’’, estima.
Conscientizar para salvar
Na visão do pescador Carlos Henrique Linck, nem todo mundo respeita a natureza. "Alguns por
relaxamento, outros por desinformação", lamenta. Ainda assim, mesmo com a dificuldade para
encontrar peixes desde a tragédia ambiental, ele dá exemplo: busca cuidar do local tentando incentivar
a conscientização por parte da população. Por iniciativa própria, pintou e instalou placas com os
dizeres "Não jogue lixo no chão".
Pequenas atitudes como essa podem ser um divisor de águas: para o analista ambiental Hoesler
Mauzer, como a descarga de resíduos dos curtumes não é mais o principal problema, e a população
também é responsável pelo estado do meio ambiente, seja por parte da administração pública ou dos
moradores. "Quando as cidades passarem a se preocupar mais com saneamento básico e tratamento
de esgoto, o rio terá mais qualidade e, por consequência, a vida das pessoas, também", garante.
De geração em geração, a mudança
VÍDEO | Projeto Peixinho Dourado | https://www.youtube.com/watch?v=oxdaFNPEWSo
Para conscientizar moradores sobre a importância de preservar o meio ambiente e cuidar da água
do rio, o Projeto Peixe Dourado mobiliza mais de cinco mil estudantes da rede municipal de Novo
Hamburgo. A escola Helena Canho Sampaio é um exemplo. "Vem trabalhando intensamente com
a comunidade do Loteamento Integração na questão dos resíduos e preservação da mata ciliar",
conta a gerente de Educação Ambiental da Secretaria Municipal de Educação, Solange Manica. O
peixe dourado foi escolhido como símbolo do projeto por ser um forte indicador de poluição: ao
descer o rio, quando se aproxima de locais muito poluídos, volta. Ou seja: onde há poluição, não
há peixe dourado.
O projeto ocorre há 15 anos e ajudou a criar gerações de jovens adultos não somente
preocupados com a natureza, mas apaixonados por ela. O analista ambiental de Hoesler Mauzer,
foi um deles. Ele participou do Peixe Dourado quando era criança e voltou a atuar mais tarde
como monitor para outras gerações de alunos. "Muitos desses alunos que passaram pelo projeto,
hoje, trabalham na área ambiental. Faço identificação de plantas, resgate de fauna... É bem
gratificante, porque eu faço algo que amo, que aprendi a amar desde pequeno", conta.
Esse amor pelo meio ambiente é compartilhado por outros estudantes como Nicolas Glaser, 10
anos, cujo peixe favorito é o Dourado. "Gosto de ver os peixinhos e plantar árvores", conta
Nicolas, que se envolveu o projeto por causa do irmão e já fez várias visitas ao rio, incluindo a
nascente, localizada na cidade de Caraá.
VÍDEO | Gerações unidas pela natureza | https://www.youtube.com/watch?v=NmQptEuMrk0
Como Nicolas e Hoesler, Alice da Silva Kremer, 9 anos, também é símbolo da esperança de um
rio mais limpo e uma natureza bem cuidada. A adolescente ressalta que a conscientização da
população para a situação do Rio é um dos principais objetivos do projeto e, também, o que
provoca mudanças positivas. Uma das valiosas lições que aprendeu foi a separar o lixo que, para
ela, não deve ser jogado no rio ou na rua em "hipótese alguma" e precisa ser descartado da
maneira correta. "Mesmo que tu jogue lixo no rio ou no bueiro, vai parar no rio. É preciso separar
as coisas que tu joga, ter lixeira de papel, de plástico, de vidro". Conforme Alice, com ações como
as do projeto, fica mais fácil para as pessoas entenderem o que é melhor para a natureza. "A
conscientização é para as pessoas saberem que isso vai melhorar a vida delas e do meio
ambiente", conclui.
Tecnologia e meio ambiente andam juntos
Da década de 1930 até a de 1970, era comum despejar nos arroios a água e os produtos
químicos utilizados nos curtumes. O presidente executivo da Associação das Indústrias de
Curtume do Rio Grande do Sul (AICSul), Moacir Berger, admite que a essência da atividade é
poluidora. Em 1980, os curtumes já eram considerados os vilões responsáveis pela poluição do
Rio dos Sinos. No entanto, a situação atual é diferente. "Sabemos que 80% da poluição causada
nos rios vem do esgoto doméstico", afirma.
O investimento em novas tecnologias possibilitou que empresas como a Peles Pampa, de Portão,
reutilizem os próprios resíduos no processo de produção. Através do projeto Zero Emissões,
líquidos e gases do processo de curtimento, recurtimento e acabamento do couro vão para a
estação de tratamento de esgoto, que transforma isso em uma água que é reutilizada no
processo.
VÍDEO | Tecnologia e meio ambiente | https://www.youtube.com/watch?v=26t4WGVwHDc
Os resíduos sólidos, por sua vez, são encaminhados a uma empresa terceirizada que os
transforma em fertilizante orgânico. "Fazendo todo esse processo, temos a água indo pra uma
lagoa pequena, que faz sedimentação; uma lagoa maior, onde é puxada para a produção para ser
reaproveitada; e temos uma lagoa que faz captação da água da chuva, que também é usada pelo
processo produtivo", relata Cristiano Stumm, responsável pelas questões ambientais da empresa.
"Só usamos água pluvial e do nosso tratamento. Atendemos a todos os parâmetros da legislação
e a agua é 100% reaproveitada", destaca a supervisora da estação, Bruna Dal Bosco. O
investimento na estação de tratamento de efluentes foi de cerca de 4 milhões de dólares.
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