○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○○ ○○ ○○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Educação & Políticas Educacionais – Extensão Uma via de mão dupla: a extensão na Universidade Metodista de Piracicaba no período de 1978 a 1986 A two-way road: the extension in the Methodist University of Piracicaba (UNIMEP) from 1978 to 1986 Maria Tereza Sokolowski Queiroz Doutora em Educação R e s u m o Este texto trata das principais atividades de extensão na UNIMEP num período de 8 anos a partir de 1976. A autora discorre sobre a primeira grande ação – o Projeto Periferia e sobre outros momentos marcantes, como o apoio ao 32º Congresso da UNE. A partir da descrição, ela demonstra como, no período, a Universidade empenhou-se para que seu trabalho de extensão não fosse marcado pelo aspecto assistencialista. Unitermos: comunidade; movimentos populares; intercâmbio; comprometimento Synopsis This text deals with the major extension activities in UNIMEP during an eight-year period, starting in 1976. The author narrates the first big action – the Projeto Periferia (the Suburb Project) and other important moments, like the support to the 32nd Congress of UNE. Through the description, she shows how the University has strived so that its extension work was not marked by an “assistencialist” aspect. Terms: community, popular movements, interchange, engagement Resumen Este texto trata de las principales actividades de extensión en la UNIMEP en un período de 8 años a partir de 1976. La autora discurre sobre la primera gran acción – el Proyecto Periferia – y sobre otros momento importantes, como el apoyo al 32º Congreso de la UNE (Unión Nacional de los Estudiantes). A partir de la descripción, la autora demuestra como, en ese período, la Universidad se empeñó en que su trabajo de extensión no estuviese vinculado a un aspecto asistencialista. Términos: comunidad; movimientos populares; intercambio; comprometimiento Revista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ 57 ○ ○ ○ Ano 11 - n 0 21 - dezembro / 2002 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ A Igreja Metodista iniciou suas atividades educacionais em Piracicaba, SP, no ano de 1881, com a abertura do Colégio Piracicabano. Sua primeira Faculdade de Ciências Econômicas, Contábeis e de Administração de Empresas só começou a funcionar em 1964. A princípio eram faculdades isoladas, passando posteriormente a faculdades integradas e, em 1975, criou-se a Universidade Metodista de Piracicaba – UNIMEP. É uma universidade confessional mantida pelo Instituto Educacional Piracicabano – IEP, ligado à Igreja Metodista do Brasil. O primeiro reitor da UNIMEP, Dr. Richard Edward Senn, administrou a Universidade entre os anos de 1975 a 1978. O segundo, Prof. Dr. Elias Boaventura, assumiu em 1978 e permaneceu até 1986, período que pretendo analisar. Foi nesse período que a instituição entrou em ebulição internamente e se projetou junto à sociedade local, nacional, e em certos aspectos até internacionalmente. Projetou-se como? Pela qualidade do seu ensino? Não, a maioria dos cursos era nova e enfrentava uma série de dificuldades. Pela sua pesquisa? Absolutamente, a UNIMEP não tinha qualquer tradição em pesquisa à época. Foi por meio de suas atividades extensionistas que mudou e se projetou na sociedade. Este não foi um fato isolado; ocorreu em outras universidades e imprimiu uma característica às do tipo dela. Pucci assim expressou o fato: “a extensão assumida no sentido crítico e acadêmico se processa com muito mais ○ ○ As primeiras práticas extensionistas da UNIMEP foram as de caráter permanente Foi por meio de suas atividades extensionistas que a UNIMEP mudou e se projetou na sociedade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ intensidade e competência nas universidades particulares confessionais” 1 . Mas a extensão praticada na UNIMEP teve suas particularidades. Poderíamos classificar as atividades extensionistas unimepianas em: atividades de caráter permanente; eventos de caráter local e nacional; eventos de caráter internacional e intercâmbio cultural; manifestações da comunidade universitária diante de questões locais e nacionais; e manifestações da comunidade universitária diante de questões internacionais. As primeiras práticas extensionistas da UNIMEP foram as de caráter permanente e iniciaram-se à época de sua primeira administração. É o caso do Centro de Extensão e Treinamento, que promovia cursos a título de pós-graduação, e do Departamento de Assistência Jurídica Gratuita e da Clínica de Fisioterapia, Psicologia e Terapia Ocupacional. As três atividades foram mantidas na segunda administração da Universidade. O primeiro projeto extensionista de caráter permanente criado durante a segunda administração foi o Pronto Atendimento Integrado à Comunidade – PAIC, em janeiro de 1979. Seu objetivo inicial era atender alunos, funcionários e professores da Universidade procurando solucionar problemas emergenciais do tipo acidentes, doenças, dificuldades financeiras, desagregação familiar, dentre outros. Visitavam-se os familiares de funcionários quando ocorriam nascimentos, enfermidades ou mortes2 . O PAIC não se restringiu apenas à comunidade 1 B. Pucci. A indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. In: Impulso – Revista de Ciências Sociais da Unimep, n. 10, 1991, p. 41. 2 R. M. Fleuri. Educação popular e universidade: contradições e perspectivas emergentes nas experiências de extensão universitária em educação popular da Universidade Metodista de Piracicaba (1978–1987) (1978–1987), 1988, p. 68. Revista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ 58 ○ ○ ○ Ano 11 - n 0 21 - dezembro / 2002 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ universitária, estendendo seus serviços à população carente da periferia piracicabana nas áreas jurídica, de serviço social, psicológica, pastoral, de terapia educacional, de serviços ambulatoriais e de fornecimento de amostras grátis de medicamentos. Para prosseguir este relato e reflexão, é preciso registrar que, conforme a Constituição brasileira de 1988, são três as funções da universidade: o ensino, a pesquisa e a extensão. Esta terceira função tem por objetivo mediar a articulação da universidade com a sociedade, que pode ocorrer de modos diferentes. Ela pode ser, por exemplo, assistencialista. Saviani assim descreveu a concepção assistencialista da extensão: “assistencialista, isto quer dizer: aqueles que têm, aqueles que sofrem prestam assistência àqueles que não têm, àqueles que não sabem... Esta idéia assistencialista traz, pois, uma direção unilateral, quer dizer, é uma espécie de mão única: só vai da universidade para a sociedade. A mão inversa não é considerada. É interpretada mesmo como não existente. Logo, não se leva em conta o que vem da sociedade para a universidade” 3 . As experiências extensionistas até aqui se enquadram nessa classificação; eram essencialmente assistencialistas. Não poderia ser diferente, porque o próprio projeto missionário da mantenedora – a Igreja Metodista – chegou ao Brasil preocupado em implantar a sua experiência totalmente descompromissada de um in- ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ tercâmbio cultural. Era um projeto de mão única; “O metodismo norteamericano que chegava ao Brasil trazia uma ideologia capaz de mostrar aos brasileiros que ele desejava partilhar os benefícios da civilização protestante norte-americana com os menos afortunados”4 . Foi com essa ideologia que a Igreja Metodista foi fundando suas escolas e idealizando seu projeto de universidade, como descreveu Boaventura: “ confessam os intelectuais metodistas que a educação formal era extremamente importante, que a Igreja Metodista precisava de uma universidade cristã-evangélica compromissada com a fé-cristã e que levasse claramente a todos os seus alunos a confissão religiosa”5 . A UNIMEP, primeira Universidade Metodista fundada no Brasil, nasceu sob essa ideologia; mas o final da década de 1970 foi marcado por importantes fatos políticos e sociais. Os movimentos populares e sindicais foram ressurgindo e a eles se aliaram algumas instituições jurídicas, eclesiais e educacionais. Foi crescendo, assim, o movimento social de oposição ao regime militar. Este conflito chegou ao interior da Igreja Metodista. A maioria dos seus membros era conservadora e liberal, mas grupos progressistas favoráveis às causas populares começaram a surgir. Na década de 1970, esses grupos começaram a questionar a doutrina social e a proposta educacional metodista e, em 1975, conquistaram o controle da Universidade Metodista de Piracicaba. Os movimentos populares e sindicais foram ressurgindo e a eles se aliaram algumas instituições jurídicas, eclesiais e educacionais 3 D. Saviani. Extensão universitária: uma abordagem não-extensionista. Educação & Sociedade Sociedade, n. 8, jan. 1981, p. 66–67. P. Mesquida. Hegemonia norte-americana e educação educação, 1994, p. 125. 5 E. Boaventura. Evolução histórica do conceito de confessionalidade no metodismo brasileiro. Revista de Educação do COGEIME COGEIME, n. 18, jun. 2001, p. 14. 4 Revista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ 59 ○ ○ ○ Ano 11 - n 0 21 - dezembro / 2002 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ O surgimento do Projeto Periferia Uma nova mentalidade foi-se esboçando na UNIMEP e esta nova orientação foi, cada vez mais, dando ênfase e respaldo para a extensão universitária. Em 1979 surgiu o Projeto Periferia, a “menina dos olhos” da nova administração. Mantinha ainda a característica assistencialista dos outros programas de extensão. Atuava na pré-escola; sua principal motivação era cuidar de crianças desassistidas pelos pais trabalhadores. O objetivo geral era “criar um programa de extensão da Universidade, em nível de estágio de alunos e de prestação de serviços que a universidade mantém em função dos cursos, à comunidade de baixa renda, através da implantação de pré-escolas em bairros periféricos da cidade”6. O Projeto pretendia atender também as famílias das crianças e a comunidade com: orientação a gestantes e mães de recém-nascidos; programas de estimulação para crianças de zero a dois anos; ampliação do atendimento para crianças de dois a seis anos, visando a compensar o provável atraso em seu desenvolvimento; estimulação de aptidões e de condutas que facilitem a integração e o desempenho da criança no primeiro grau; encaminhamento das crianças para atendimentos especiais; fornecimento de uma refeição durante o período escolar; realização de programas de orientação para pais e de treinamento para os profissionais da comunidade envolvidos na assistência a crianças de zero a seis anos; e participação da própria equipe do Projeto nas mobilizações da comunidade. 6 7 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Tão logo foi implantado, o Projeto Periferia passou a ser criticado por setores acadêmicos da Universidade como meramente assistencialista. Para discutir esse problema e procurar solucioná-lo, organizaram-se debates sobre educação popular. O primeiro deles – o Seminário de Educação Popular – aconteceu em 1981. Seus desdobramentos apontaram para o Seminário Internacional de Educação Popular, para o Ciclo de Debates com Paulo Freire – ambos em 1983 – e também para o Fórum Nacional de Educação Popular, em 1984, todos realizados nas dependências da UNIMEP. O debate levou a uma reestruturação dos objetivos gerais do projeto para o ano de 1982, que foram assim descritos: “1. Possibilitar a criação de Programas de Extensão Universitária engajados com a realidade social brasileira, numa perspectiva de educação popular. 2. Possibilitar o desenvolvimento de estudos e pesquisas principalmente na linha da educação popular. 3. Efetivar propostas de luta pela justiça social expressas pela UNIMEP em seus pronunciamentos e documentos”7 . Além dessa reestruturação nos objetivos, propôs-se também uma ampliação no seu campo de atuação, até então limitado à área da pré-escola. As novas abrangências seriam o Programa de Educação de Adultos, no qual sua finalidade era transformar a leitura e a escrita num instrumento de superação não só da condição de analfabeto, mas também da opressão nas suas diferentes formas; o Plano de Área de Educação para Em 1979 surgiu o Projeto Periferia, a “menina dos olhos” da nova administração O Projeto pretendia atender também as famílias das crianças e a comunidade Propôs-se também uma ampliação no seu campo de atuação, até então limitado à área da pré-escola Projeto Periferia. Programa Unimep de pré-escolas na periferia periferia; plano geral. Piracicaba, jun. 1981. Projeto Periferia. Planejamento para 1982 1982, fev. 1982. Revista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ 60 ○ ○ ○ Ano 11 - n 0 21 - dezembro / 2002 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Saúde, que pretendia promover uma maneira adequada de assistência à saúde, levando-se em consideração a situação econômica, social e cultural das comunidades envolvidas; e o Plano de Área de Organização Popular, que visava a estreitar o compromisso da Universidade com a comunidade, procurando contribuir na organização popular em busca de uma transformação social. No segundo semestre de 1983, o Projeto Periferia foi reformulado mudando, inclusive, a sua coordenação. Passou a atuar conjuntamente com a Associação dos Favelados de Piracicaba – ASFAP. Suas novas diretrizes passaram a ser: “fomentar maior participação dos pais nas decisões importantes e no quotidiano da préescola; preparar momentos de problematização e reflexão da realidade junto aos pais; fomentar a organização, através do debate e da mobilização, sem contudo centralizar a organização na pré-escola; acompanhar e manifestar solidariedade aos setores do bairro que participam em iniciativas de organização popular; propiciar a vivência do trabalho conjunto entre os pais”8 . O novo direcionamento do Projeto Periferia demonstrou-se frágil em sua estrutura interna. Se, por um lado, avançou-se nas discussões sobre educação popular, por outro, acirraram-se suas contradições, a ponto de o Projeto tornar-se incontrolável. Somando-se a esse quadro o agravamento da crise financeira institucional, a administração da UNIMEP decretou, no final de 1985, o seu encerramento. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Projetos, entidades e publicações Outra atividade extensionista de caráter permanente foi o Grupo de Reflexão e Assessoria de Educação Popular – GRAEP. Sua criação resultou das discussões do Seminário de Educação Popular. Seus objetivos eram integrar os projetos extensionistas procurando entrosá-los com aqueles que atuavam numa perspectiva popular e provocar mudanças na academia. O primeiro resultado dos trabalhos do GRAEP foi a realização do Seminário de Saúde e Educação Popular, em outubro de 1981. Com ele pretendia-se uma melhor integração dos cursos da área de saúde aos projetos populares. Faziam parte do GRAEP representantes do PAIC, do Projeto Periferia, da diretoria acadêmica, dos diferentes centros da Universidade, da associação dos professores e da dos funcionários9 . A extensão da UNIMEP abrangeu algumas publicações. Dentre elas o Caderno de Estudos n.1: Saúde e Educação Popular que circulou no final de 1981, impresso pela Editora da Unimep. Sua edição foi exclusivamente voltada para as reflexões do Seminário de Saúde e Educação Popular. Outro exemplo foi o Jornal POPULAR, publicado de maio de 1982 até maio de 1983, totalizando nove números. Era editado e custeado pela UNIMEP. Seu conselho editorial era composto de representantes dos diversos bairros ligados aos núcleos do Projeto Periferia. As notícias seriam escritas pelos moradores dos bairros, sob O primeiro resultado dos trabalhos do GRAEP foi a realização do Seminário de Saúde e Educação Popular 8 R. M. Fleuri. Educação popular e universidade: contradições e perspectivas emergentes nas experiências de exten(1978–1987), 1988, p. 221–222. são universitária em educação popular da Universidade Metodista de Piracicaba (1978–1987) 9 E. E. B. César. A política acadêmica da Unimep desde 1975 e seus resultados resultados, out. 1986. Revista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ 61 ○ ○ ○ Ano 11 - n 0 21 - dezembro / 2002 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ supervisão do curso de Comunicação Social. Pretendia-se torná-lo independente da Universidade, sob um sistema cooperativo, garantido pelas vendas nas bancas de revista 10 . Cabe mencionar ainda a publicação do Caderno de Estudos n.2: Educação Popular: Experiências e Reflexões, em julho de 1985. Nele estava contido o relatório do Fórum Nacional de Educação Popular, realizado em julho de 1984. Outra experiência extensionista de caráter permanente foi o projeto Ação Cultural e Tecnologia Apropriada – ACTA, elaborado no início de 1983. Ele acabou recuperando os primeiros projetos comunitários da UNIMEP, que estavam se desagregando, e se consolidou no apoio dado à Associação dos Favelados de Piracicaba. Suas principais áreas de atuação eram: “alfabetização de adultos, comunicação popular, recuperação de tecnologia apropriada, capacitação de líderes populares, assessoria jurídica e administrativa, estendendo-se estes serviços também a outras associações comunitárias locais” 11 . Seu objetivo junto à comunidade era a valorização da cultura e da tecnologia popular. Já em relação à academia, pretendia-se discutir conteúdos curriculares propondo uma valorização na área de educação popular, estimular a integração entre os trabalhos intelectual e manual e incentivar o intercâmbio entre outras universidades envolvidas com a tecnologia apropriada. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Seu objetivo junto à comunidade era a valorização da cultura e da tecnologia popular Com a ASFAP a atuação da ACTA se dava “prestando apoio metodológico nos processos de divulgação e mobilização; intermediando projetos de financiamentos; capacitando administrativamente favelados para conduzir seus programas; facilitando processos de reflexão, conscientização e organização; sistematizando experiências e produzindo cadernos populares; assessorando seus congressos”12 . A descrição dessas práticas extensionistas de caráter permanente da UNIMEP possibilita algumas observações. A UNIMEP herdou, à princípio, certas características históricas da extensão universitária. O Centro de Extensão e Treinamento, por exemplo, ao propor cursos na área financeira, de projetos hidráulicos, contabilidade, engenharia de segurança no trabalho, endocrinologia ou fisiologia vegetal, estava abrindo mais uma possibilidade de atendimento para aquela parcela da população que já tinha acesso à sua estrutura regular. Essa experiência assimilou a característica principal das atividades de extensão da década de 30, que era o elitismo. Já o Departamento de Assistência Jurídica Gratuita, as Clínicas de Fisioterapia, de Psicologia e de Terapia Ocupacional e o Pronto Atendimento Integrado à Comunidade represen- Outra experiência extensionista de caráter permanente foi o projeto Ação Cultura e Tecnologia Apropriada Essa experiência assimilou a característica principal das atividades de extensão da década de 30, que era o elitismo 10 C. de Oliveira. Análise crítica de uma experiência universitária universitária: o caso da Universidade Metodista de Piracicaba, 1983, p. 72-73. 11 R. M. Fleuri. Educação popular e universidade: contradições e perspectivas emergentes nas experiências de extensão universitária em educação popular da Universidade Metodista de Piracicaba (1978–1987) (1978–1987), 1988, p. 18. 12 Idem, Ibidem, p. 246. Revista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ 62 ○ ○ ○ Ano 11 - n 0 21 - dezembro / 2002 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ tavam basicamente uma extensão voltada para o assistencialismo e para a prestação de serviços, como o projeto extensionista da reforma universitária de 1968, que tem no Projeto Rondon seu maior exemplo. Porém, a concepção de assistência e prestação de serviços da ACTA e do projeto extensionista da reforma universitária eram qualitativamente distinta. Enquanto este valia-se do assistencialismo e da prestação de serviços para desmobilizar o movimento estudantil, tentando levar os universitários engajados dos grandes centros para regiões interioranas do país, aquela os utilizou como ponto de partida de um trabalho que procurou respeitar as organizações estudantil e docente, e incentiva-las a participar de movimentos locais. O Projeto Periferia foi uma tentativa de uma nova postura extensionista. Dentro dele existiam as contradições entre o passado – a princípio seu discurso mantinha aspectos assistencialistas e depois procurou concorrer com a organização popular – e a procura de uma nova prática que contemplasse o momento político local e nacional, como veremos adiante, bem como as diferentes propostas existentes dentro da instituição. Este projeto criou espaço para ricas discussões sobre os rumos da extensão por meio dos seminários, do ciclo de debates, do Grupo de Reflexão e Assessoria de e algumas publicações. O projeto de Ação Cultural e Tecnologia Apropriada representou uma fase de amadurecimento da extensão. Nele, procurou-se superar o assistencialismo desengajado e a 13 14 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ mera prestação de serviços e destituir a extensão de qualquer conotação elitista. A partir da ACTA, a extensão universitária assumiu um papel relevante no incentivo e na assessoria aos movimentos populares. A extensão na forma de eventos O Projeto Periferia foi uma tentativa de uma nova postura extensionista O projeto de Ação Cultural e Tecnologia Apropriada representou uma fase de amadurecimento da extensão Os eventos de caráter local e nacional foram um segundo tipo de atividades extensionistas praticados na UNIMEP no período compreendido entre 1978 e 1986. Alguns deles envolviam questões relevantes da cidade e outros pocisionavam-se diante de temas emergentes no país. Serão citados aqui os de maior repercussão. Durante a segunda administração da UNIMEP abriu-se um espaço para a discussão de problemas de discriminação racial, chegando a ser reconhecida no Jornal de Piracicaba 13 como a central de divulgação do Movimento Negro de Piracicaba. O problema da marginalização e dos maus tratos ao menor foi tema principal dos debates da Semana da Criança. Pretendeu-se abrir uma ampla discussão sobre o assunto. A UNIMEP colocou ônibus gratuitos em quatro bairros periféricos para transportar os pais interessados em participar do evento14 . A violência nos seus diferentes aspectos foi o tema do Simpósio Sociedade Violenta, que a UNIMEP promoveu. A realização transcorreu no período de 14 a 17 de abril de 1980. Debateram-se as causas da violência e as respostas alternativas a ela, discutindo-se os fatores sociais na gera- Jornal de Piracicaba Piracicaba, 11 mai. 1970. Piracicaba, 07 out. 1979 e O Diário Diário, 10 out. 1979. Jornal de Piracicaba Revista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ 63 ○ ○ ○ Ano 11 - n 0 21 - dezembro / 2002 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ção da violência; a marginalização da juventude; a religião e a repressão; a educação na sociedade violenta; a mulher na sociedade violenta, a criança e a violência na América Central a expansão desordenada dos centros urbanos; a violência dos sistemas jurídico-policiais; a violência ecológica, a violência numa interpretação bíblica e teológica; e a violência nos sistemas penitenciários. O simpósio contou com a presença de d. Paulo Evaristo Arns15 . Foi significativo o apoio dado pela segunda administração da UNIMEP ao movimento estudantil. Exemplo disto foi a sua colaboração para a realização do 32º Congresso da UNE, o primeiro que a entidade conseguiu abrir oficialmente desde 1968. O Congresso aconteceu no período de 13 a 15 de outubro de 1980, no ginásio municipal de esportes. A UNIMEP colocou sua estrutura administrativa à disposição do evento e também as suas dependências físicas para alojamentos, sede para reuniões menores e espaços para alimentação. A Prefeitura Municipal, além de dispor de sua infraestrutura, garantiu a segurança pondo o efetivo da Guarda municipal a serviço do Congresso. A UNIMEP decretou recesso escolar para incentivar seus estudantes a participarem 16 . Cinco mil estudantes estiveram na abertura e uma presença chamou a atenção: a do representante da Organização para Libertação da Palestina – OLP no Brasil17 . 15 16 17 18 19 20 21 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ A UNIMEP sofreu intimidações por estar colaborando com o Congresso; a reitoria recebeu um telefonema com ameaças de explosão de bombas nas suas dependências. Segundo o reitor, o Prof. Dr. Elias Boaventura, num pronunciamento que fez no plenário, as ameaças culminaram com a invasão da residência do coordenador da Pastoral Universitária, um dos colaboradores na realização do evento18 . Se, por um lado, havia interesses contrários à sua realização, por outro, foram significativas as manifestações de apoio de 26 entidades locais, nacionais e internacionais. Dentre elas, uma foi especial – a do povo piracicabano, que acolheu com simpatia o 32º Congresso da UNE19 . A UNIMEP posicionou-se também ante a questão indígena promovendo a Semana do Índio, que teve início no dia 22 de abril de 1981. Seu objetivo era divulgar a temática indígena aos universitários, procurando conscientizà-los da importância do índio na preservação de nossa identidade cultural20 . A UNIMEP propôs-se a discutir a conjuntura nacional num ciclo de palestras que aconteceu no período de 19 a 23 de outubro de 1981. Contou com a presença de Franco Montoro pelo PMDB, Hélio Bicudo pelo PT e Cláudio Lembo pelo PP21 . O incentivo à mobilização estudantil ocorreu novamente por ocasião do 34º Congresso da UNE, ocor- A UNIMEP sofreu intimidações por estar colaborando com o Congresso A UNIMEP posicionouse também ante a questão indígena promovendo a Semana do Índio O Diário Diário, 23 mar. 1980 e 13 abr. 1980. Diário Popular Popular, 14 ago. 1980. Jornal da Tarde Tarde, 14 out. 1980. Folha de S. Paulo Paulo, 17 out. 1980. Tribuna Piracicabana Piracicabana, 19 out. 1980. O Diário Diário, 15 abr. 1981. Jornal de Piracicaba Piracicaba, 18 out. 1981. Revista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ 64 ○ ○ ○ Ano 11 - n 0 21 - dezembro / 2002 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ rido entre 23 e 26 de setembro de 1982. Sua promoção foi da própria entidade, da União Estadual dos Estudantes e do DCE da UNIMEP, com o apoio da Prefeitura e da UNIMEP22 . Esse Congresso não teve o mesmo impacto que o 32º. Cabe lembrar aqui o rol dos eventos de caráter local e nacional que as discussões sobre educação popular suscitadas pelo Projeto Periferia levaram a organizar: o Seminário sobre Educação Popular, realizado no período de 28 a 30 de maio de 1981; o Seminário sobre Saúde e Educação Popular, que ocorreu em outubro de 1981; o Ciclo de Estudos sobre Educação Popular com Paulo Freire, realizado em 12 encontros semanais entre 04 de agosto e 03 de novembro de 1983; e o Fórum Nacional de Educação Popular, que aconteceu entre 12 e 15 de julho de 1984. Pelas suas práticas extensionistas, a UNIMEP procurou colaborar com a criação de uma nova consciência local e nacional. Num processo de redemocratização de uma nação, do qual ela se interessou em participar, não se poderia deixar de lado a opinião e o interesse do favelado, do menor abandonado, do negro, do índio, do trabalhador ou do estudante. A extensão da UNIMEP ultrapassou os limites das questões locais e nacionais voltando-se, também para temas de interesse internacional, promovendo eventos de caráter internacional e de intercâmbio cultural. A primeira atividade extensionista de cunho internacional, durante sua ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ segunda administração, foi o I Curso Internacional de Direito Comparado do Meio Ambiente, promovido conjuntamente pela Faculdade Internacional de Direito Comparado de Estrasburgo, França, no período de 20 de agosto a 01 de setembro de 1979. Houve inscrições dos seguintes países: Grécia, Bélgica, Itália, França, Marrocos, Espanha, Alemanha, Portugal, Holanda; além de quinze Estados brasileiros23 . O objetivo do curso era conhecer o problema da poluição de água e do ar dos países participantes e a legislação em vigor para o seu controle. Na perspectiva de intercâmbio cultural, em 1981 o reitor Elias Boaventura visitou a Nicarágua, onde foi recebido pelo Ministro da Educação daquele país. Sua viagem objetivava a formalização de convênios entre a UNIMEP e a Universidade de Manágua no sentido da troca de experiências entre professores e estudantes 24 . A UNIMEP destacou-se no cenário internacional pelo incentivo dado à divulgação da teologia da libertação, trazendo a Piracicaba alguns de seus representantes. Em agosto de 1981 esteve na cidade o teólogo francês George Casalis25 . Além dele vieram, no mesmo período, dois representantes das Comunidades Cristãs Camponesas da Nicarágua, Padre Pedro Leoz e Juan Isitro Betanco26 . Em abril de 1982, a Universidade recebeu a visita do teólogo da libertação Enrique Dussel, argentino residente no México 27 e, em agosto daquele ano, proferiu palestra na UNIMEP o teólo- O objetivo do curso era conhecer o problema da poluição e a legislação em vigor para o seu controle A UNIMEP procurou colaborar com a criação de uma nova consciência local e nacional 22 Idem, 26 ago 1982. Idem, 19 ago. 1979. 24 Diário Popular Popular, 09 jul. 1981. 25 O Diário Diário, 04 ago. 1981. 26 Idem, 14 ago. 1981. 27 Idem, 17 abr. 1982. 23 Revista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ 65 ○ ○ ○ Ano 11 - n 0 21 - dezembro / 2002 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ go jesuíta uruguaio Juan Luiz Segundo, um dos precursores da teologia da libertação28 . Ainda no ano de 1982, veio à Piracicaba mais um teólogo católico, entre fim de novembro e início de dezembro. Era o peruano Juan Cano, pertencente à Comissão Latino-Americana de Educação Cristã 29 . No mês de maio de 1983, a UNIMEP realizou o Seminário Internacional de Educação Popular. Participaram cerca de 600 educadores do Brasil, da Bolívia, da Nicarágua e de El Salvador. Seu objetivo era possibilitar o intercâmbio de experiências em educação popular. Ao final dos debates, os participantes do Seminário concluíram que esta seria um instrumento de organização do povo, possibilitando-lhe lutar pela conquista de sua hegemonia. A realização deste Seminário trouxe “consequëncias marcantes na vida da UNIMEP. A repercussão internacional e nacional do evento reforçou a imagem de uma universidade comprometida com a educação popular”30 . Na linha de convênios, a UNIMEP enviou, em julho de 1983, seu Programa Integrado de Educação Popular – PIEP para a Comissão Intereclesiástica de Coordenação para Projeto de Desenvolvimento, a agência holandesa ICCO. Os objetivos do PIEP eram: “incentivar a ação organizada em nível comunitário e a consciência de situações que impedem a solução de problemas básicos; promover a auto-suficiência das pessoas dentro dos limites de seus próprios recursos e a sua participação ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ na tomada de decisões que afetam suas vidas; incentivar cada grupo local a transformar-se em um centro de denúncias contra as forças opressoras da comunidade e reeducar a área acadêmica na sua visão da realidade social, de modo a possibilitar à comunidade popular reencontrar-se com a universidade” 31 . Em novembro de 1984, foi realizado um evento de grande proporção: a Semana Cultural Pró-Reatamento das Relações Diplomáticas entre Brasil e Cuba, promovida pela UNIMEP e pela Associação José Marti 32 . O ano de 1985 foi marcado, no campo dos eventos internacionais, pelos debates acerca da causa palestina ocorridos no mês de fevereiro, entre os dias 01 e 03 – 1º Congresso Nacional das Associações Culturais Sanaud; 04 e 07 – Ciclo de Conferências; e 08 e 09 – 1º Encontro da Juventude Árabe –Palestina da América Latina e Caribe33 . Toda essa variedade de eventos até aqui apontados demonstra a amplitude que a extensão unimepiana conquistou. Por um lado, a atuação em frentes tão diversas pode sugerir uma falta de clareza quanto aos objetivos de sua extensão, por outro lado, sugere que o compromisso da Universidade com uma transformação social que privilegiasse as camadas mais carentes e marginalizadas da população fé-la romper com os limites da sala de aula e ousadamente se inserir em movimentos locais, nacionais e internacionais. Toda essa variedade de eventos até aqui apontados demonstra a amplitude que a extensão unimepiana conquistou 28 Idem, 17 ago.1982. Tribuna Piracicabana Piracicabana, 02 dez. 1982. R. M. Fleuri. Educação popular e universidade: contradições e perspectivas emergentes nas experiências de extensão universitária em educação popular da Universidade Metodista de Piracicaba (1978–1987) (1978–1987), 1988, p. 198. 31 Idem, Ibidem, p. 208. 32 O Diário Diário, 07 nov. 1984. 33 Idem, 01 fev. 1985. 29 30 Revista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ 66 ○ ○ ○ Ano 11 - n 0 21 - dezembro / 2002 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Espaço aberto para a comunidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ de e transgressões aos direitos individuais. Faziam parte dele setores como a Prefeitura, a Câmara Municipal, o Comitê Brasileiro pela Anistia – secção Piracicaba, o Sindicato dos Bancários, o jornal Tribuna da Luta Operária e a UNIMEP, dentre outros.37 • O reitor da UNIMEP colocou os serviços jurídicos da Universidade na coordenação da defesa do pastor metodista Orvandil Barbosa, incurso na Lei de Segurança Nacional, acusado de ofender o presidente da República e as Forças Armadas quando vendia exemplares do jornal Hora do Povo na cidade gaúcha de Santa Maria.38 • A UNIMEP enviou um telegrama à Rádio Nacional do Rio de Janeiro protestando contra a campanha difamatória do bispo D. Pedro Casaldaliga, e de outros sacerdotes católicos, que a emissora vinha realizando nos últimos tempos. Solidarizou-se, ainda, com a CNBB, por sua luta em defesa de posseiros. 39 • A UNIMEP prestou solidariedade a D. Paulo Evaristo Arns, quando o cardeal foi chamado de “mau brasileiro” pelo general Coelho Netto.40 • No dia 25 de março de 1982, noticiou-se que a UNIMEP era uma das vinte e nove entidades formadoras do Conselho do Movimento em Defesa do Menor, associação de caráter estadual. 41 • O reitor da UNIMEP repudiou publicamente o inquérito aberto pelo Ministério da Justiça com o objetivo de expulsar do país o presidente da Uma quarta forma de práticas extensionistas da UNIMEP foram as manifestações da comunidade universitária ante as questões locais e nacionais. A seguir, um breve registro das principais: • O período de 1978 a 1986 foi marcado por uma grande movimentação política e social no país. A sociedade civil organizou-se em diferentes frentes, e quase todas elas voltadas para o fim do regime militar e a redemocratização nacional. A UNIMEP fez-se presente em algumas delas. • Foi co-organizadora, juntamente com o Comitê Brasileiro pela Anistia, Seção Piracicaba, de uma passeata pelas ruas centrais da cidade em prol da anistia ampla, geral e irrestrita.34 • A UNIMEP aderiu à Campanha de Preservação do rio Piracicaba ao lado da Cetesb e do Conselho Coordenador das Entidades Civis de Piracicaba.35 • Formou-se, na cidade de Piracicaba, um Comitê de Apoio aos Metalúrgicos do ABC, por ocasião dos movimentos grevistas entre os anos de 1979 e 1980. Participavam dele a Igreja Católica, o Comitê Brasileiro pela Anistia e a UNIMEP. Este Comitê promoveu um ato público em solidariedade aos metalúrgicos. 36 • Criou-se na cidade um Comitê de Defesa dos Direitos Humanos, com o objetivo de denunciar abusos de autoridades ocorridos na comunida34 Idem, 08 ago. 1979. Idem, 13 nov. 1979. Jornal de Piracicaba Piracicaba, 24. abr. 1980. 37 Idem, 02 abr. 1981. 38 Tribuna Piracicabana Piracicabana, 07 mai. 1981. 39 Idem, 25 out. 1981. 40 O Diário Diário, 17 mar. 1982. 41 Idem. 35 36 Revista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ 67 ○ ○ ○ Ano 11 - n 0 21 - dezembro / 2002 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ UNE, que era estrangeiro mas vivia no Brasil desde criança.42 • A reitoria apoiou o movimento pelas “Diretas Já” em Piracicaba dispensando professores, alunos e funcionários e convocando-os a participar de uma passeata e de um comício.43 Finalizando esta descrição das diferentes práticas extensionistas da instituição estão algumas manifestações da comunidade universitária ante questões internacionais: estudantes da UNIMEP criaram um Comitê de Apoio ao povo da Nicarágua44 ; a Universidade prestou solidariedade ao povo cubano respondendo ao apelo do presidente da Igreja Metodista Cubana, que se mostrava preocupada com possíveis tentativas de invasão de seu país por parte dos Estados Unidos45 ; em 29 de setembro de 1982 decretou-se na UNIMEP o dia de luto pelo massacre dos palestinos ocorrido no Líbano alguns dias antes46 ; apoiou-se também a criação de um Comitê de Solidariedade à Democracia na Bolívia47 ; durante a realização do Seminário Internacional de Educação Popular, programou-se um ato público em solidariedade à Bolívia, a El Salvador e à Nicarágua, que estavam vivendo processos tumultuados de conquista de suas democracias. Esta última relação apenas completa as observações feitas no decorrer deste artigo. Exemplifiquei até aqui as diferentes práticas extensionistas da UNIMEP no período de 1978 a 1986 e procurei interpretar suas principais características. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Ultrapassando os limites do assistencialismo Saviani compara a extensão universitária de natureza assistencialista a uma rua de mão única, que vai da universidade para a sociedade e defende a extensão como uma via de mão dupla, pois “para que a universidade se insira efetivamente na sociedade de modo consequënte, é necessário que se considere a mão inversa também. Com efeito, é a sociedade que vai colocar os problemas; é o contato com os problemas efetivos da sociedade que vai permitir à universidade transformar os objetos de suas pesquisas em algo relevante para a sociedade e adequar o ensino às necessidades da sociedade”48 . A UNIMEP se esforçou para ultrapassar os limites de uma extensão universitária assistencialista e se empenhou num projeto extensionista como uma via de mão dupla. Levou experiências acadêmicas para fora dos seus muros privilegiando a periferia mas, sob alguns aspectos, trouxe da sociedade elementos para aprimorar seu perfil de universidade. A extensão universitária mudou o ensino do curso de psicologia da UNIMEP. Os alunos se envolveram nos projetos extensionistas permanentes da Universidade e se influenciaram pela efervescência política do momento. Leila Jorge, coordenadora do curso à época, explica que “o curso de formação de psicólogos se ini- A UNIMEP se esforçou para ultrapassar os limites de uma extensão universitária assistencialista A extensão universitária mudou o ensino do curso de psicologia da UNIMEP 42 Diário Mercantil Mercantil, 10 mai. 1982. Tribuna Piracicabana Piracicabana, 20 jan. 1984. 44 O Diário Diário, 30 jun. 1979. 45 Idem, 21 nov. 1981. 46 Diário Popular Popular, 24 set. 1982. 47 O Diário Diário, 22 out. 1982. 48 D. Saviani. Extensão universitária: uma abordagem não-extensionista. Educação & Sociedade – Revista Quadrimestral de Ciências da Educação, n. 8, jan. 1981, p. 67. 43 Revista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ 68 ○ ○ ○ Ano 11 - n 0 21 - dezembro / 2002 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ciou em 1972, para formar profissionais para atuar nas áreas clássicas da psicologia: clínica, educacional e trabalho. Nunca houve uma reorientação da linha básica, para readequar os conteúdos e a prática das disciplinas à nova realidade social. No entanto, de forma latente, estas questões estiveram sempre presentes, permeando o dia a dia ou a realidade do curso. A vida da Universidade começou a dar indícios de grande instabilidade, com visíveis modificações na conduta dos alunos frente aos problemas, gerando fortes crises internas ao curso. Isto refletiu diretamente na sua administração didáticoacadêmica e também na atuação dos professores junto às classes”49 . O conflito entre alunos, docentes e administração do curso começou em 1984, quando constatou-se que este não atendia às necessidades da população. O período crítico se estendeu, com algum nível de reflexão, até 1987, quando surgiu o projeto de reformulação curricular do curso de psicologia da UNIMEP. O projeto partiu de dois pressupostos: “é preciso reformular o currículo do curso de psicologia, à luz das nessecidades da população que utiliza ou poderia utilizar os seus serviços; há uma outra esfera de saber que o psicólogo deve dominar. O referido projeto tinha como objetivo proceder a uma reformulação curricular a partir da análise das expectativas dos setores envolvidos com a psicologia (setores que utilizam seus serviços ou exercem atividades interdisciplinares) e das necessidades apontadas pela realidade da população”50 . 49 50 51 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ A extensão universitária unimepiana não só trouxe elementos para a mudança do ensino; ela também contribuiu decisivamente para uma mudança profunda e radical na postura da mantenedora. Num documento escrito pelo Bispo Paulo Ayres Mattos, no qual ele resgata dados históricos da educação metodista no Brasil, algumas críticas ilustram a visão que uma ala dos metodistas passou a ter sobre o relacionamento Igreja Metodista – Escola no Brasil: a Igreja desconhecia o mundo da escola e não a respeitava; não reconhecia a escola como um patrimônio da sociedade e tentava manipulá-la como um instrumento da sua ação; mantinha um comportamento autoritário ao tentar solucionar as crises e foi perdendo, assim, o respeito das escolas; a tendência das Igrejas é reduzir a liberdade de produção e reprodução de conhecimentos 51 . Essa ala progressista da Igreja Metodista, formada principalmente por metodistas da UNIMEP que se inseriram nos movimentos da sociedade civil, influiu no XIII Concílio Geral da Igreja Metodista, realizado no período de 18 a 28/07/ 1982. Nele foi aprovado uma coleção de textos que expunha suas novas doutrinas. As decisões tomadas no Concílio abriram as portas da Igreja para que ela assimilasse, pelo menos teoricamente, as contribuições da sociedade civil para o seu Plano de Vida e Missão, para as suas Diretrizes Educacionais, para o seu Plano Diretor Missionário e para o seu Credo Social. A extensão universitária unimepiana contribuiu decisivamente para uma mudança profunda e radical na postura da mantenedora As decisões tomadas no Concílio abriram as portas da Igreja para que ela assimilasse as contribuições da sociedade civil L. Jorge. Inovação curricular curricular: além da mudança dos conteúdos, 1993, p. 54, 57. Idem, Ibidem, p. 58. P. A. Mattos. Confessionalidade, educação e escola: um enfoque histórico. Revista de Educação do COGEIME COGEIME, n. 1, 1991. Revista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ 69 ○ ○ ○ Ano 11 - n 0 21 - dezembro / 2002 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Alguns trechos do documento Diretrizes para a Educação na Igreja Metodista exemplificam isto: “A Igreja desenvolverá sua prática educativa, de tal modo que os grupos: • desenvolvam consciência crítica da realidade; • compreendam que o interesse social é mais importante que o individual; • exercitem o senso e a prática da justiça e solidariedade; • alcancem a sua realização como fruto do esforço comum. Nossos esforços educacionais de todo tipo têm também que se identificar mais com a cultura brasileira, e atender às principais necessidades do nosso povo. Por isso é preciso que busquemos novos caminhos. A busca destes novos caminhos deve procurar a superação do modelo educacional vigente. Não se pode mais aceitar uma educação elitista, de discrimina e reproduz a situação atual do povo brasileiro, impedindo transformações substanciais em nossa sociedade. Também não podemos nos conformar com a tendência que favorece a imposição da cultura dos poderosos, impedindo a maior participação das pessoas e aumentando cada vez mais seu nível de dependência. O ensino formal praticado em nossas instituições não se limitará a preparar para o mercado de trabalho, mas, além disso, igualmente, deverá despertar uma percepção crítica dos problemas da sociedade. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ pressões do saber, a partir da realidade e expectativa do povo52 . Analisando todo o leque de inserções da UNIMEP na sociedade local e até nacional, poder-se-ia dizer que houve uma extrapolação de seu papel de universidade, ou seja, de formadora de intelectuais, e assumiu-se a função de um partido. Mas esta foi justamente a demonstração de sua capacidade de compreensão das finalidades deste tipo de instituição pois, segundo Gramsci, as funções do partido, ou “intelectual coletivo” ou, ainda “educador permanente”, correspondem com às do intelectual, respondendo pela concepção de uma postura política renovada53 . Dessa maneira, a UNIMEP pode ter ajudado na formação de intelectuais comprometidos com uma nova ordem política. Além de desempenhar a sua função de formadora de cidadãos para o exercício do trabalho, a UNIMEP se propôs a prepará-los politicamente para a sua articulação na vida social, incentivando-os a participar, de forma efetiva, na construção da história54 . Juntando-se a outros organismos da sociedade civil, ela foi co-autora de uma nova ordem, ajudando a pôr fim a um regime autoritário e abrindo espaço à construção de uma sociedade democrática. O caminho que lhe permitiu todas estas conquistas foi a extensão universitária que, além de concorrer com as transformações na sociedade, foi responsável por mudança no em sua política de ensino, fortalecendo sua sintonia com os princípios doutrinários da mantenedora. A UNIMEP pode ter ajudado na formação de intelectuais comprometidos com uma nova ordem política As instituições superarão a simples transmissão repetitiva de conhecimentos, buscando a criação de novas ex- 52 Vida e Missão. Decisões de XIII Concílio Geral da Igreja Metodista (18 – 28/07/1982) e Credo Social da Igreja Metodista, 1983, p. 42-43, 45-46. Metodista 53 Apud A. T. de Jesus. Educação e hegemonia no pensamento de Antonio Gramsci Gramsci, 1989, p. 74. 54 N. Rodrigues. Por uma nova escola escola: o transitório e o permanente na educação, 1985 p. 96. Revista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ 70 ○ ○ ○ Ano 11 - n 0 21 - dezembro / 2002 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Referências bibliográficas BOAVENTURA, E. Evolução histórica do conceito de confessionalidade no metodismo brasileiro. Revista de Educação do COGEIME, São Paulo, n. 18, jun. 2001. CÉSAR, E. E. B. A política acadêmica da Unimep desde 1975 e seus resultados. Um depoimento crítico crítico. Piracicaba: arquivo histórico da Unimep, out. 1986. Mimeografado. FLEURI, R. M. Educação popular e universidade universidade: contradições e perspectivas emergentes nas experiências de extensão universitária em educação popular da Universidade Metodista de Piracicaba (1978–1987). 1988. Tese (Doutorado em Filosofia da Educação) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas. JESUS, A. T. de. Educação e hegemonia no pensamento de Antonio Gramsci Gramsci. São Paulo: Cortez, 1989. JORGE, L. 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