CRÔNICA Cópia de desenhos de uma ponte A curiosa história da cópia de desenhos estruturais de uma ponte rodoviária e uma decisão empresarial E stamos nos anos 1950 e 1960 do século 20 em um mui respeitado escritório de projetos estruturais. Para que os jovens colegas entendam esta crônica é necessário fazer um relato, relativo a como se produziam nessa época cópias de documentos grandes (digamos tamanhos A1 e A0) e tamanho de texto A4. Usavam-se as chamadas cópias heliográficas, ou seja, eram feitos originais em papel vegetal importado, usando escritas a lápis ou a nanquim, depois se colocava esse original do desenho e dos relatórios em contato com um papel químico em um ambiente com amoníaco e luz. A luz, ao passar pelo papel vegetal não passava pelo escrito a lápis ou a nanquim, e com isso se reproduzia o desenho nas cores azul (a mais comum), vermelha ou preta. Cada cópia era tirada uma a uma, seja de desenhos seja de cada folha do texto datilografado. Era uma atividade algo penosa e demorada e em pequenas cidades não havia aparelhos para isso. Então o vegetal e o papel químico eram expostos à luz solar e em minutos – muitos minutos – havia a revelação, pois cópia heliográfica é cópia à luz. Para tudo isso era fundamental haver o desenho original (em papel vegetal translúcido). Perdido esse documento não havia a possibilidade de uma nova cópia. Implacavelmente. O mundo da xerox ainda não tinha sido inventado. Vamos nos dirigir a esse escritório de projetos estruturais. Por norma interna, nesse escritório, ao encerrar-se um trabalho, tirava-se uma via de cópia do projeto, guardava-se a mesma no escritório em envelope fechado – pois com o tempo a luz solar continuava a reação com a química do papel e enfraquecia o que estava escrito. O desenho original em papel vegetal era entregue ao cliente (com o sempre implacável recibo de entrega), junto com o número de cópias heliográficas que o contrato previa e, às vezes, cópia da memória de cálculo. Esse escritório de cálculo personagem desta história também calculava e projetava pontes além de edifícios. Um dia toca o telefone. É um engenheiro muito conhecido e supervisor de uma repartição pública ligada à construção de rodovias com suas pontes. Ouçamos a ligação. O texto entre parentes é o que se pensa e não se fala: – Estamos numa situação difícil. Vocês (o escritório www.brasilengenharia.com de engenharia) proje- MANOEL HENRIQUE CAMPOS BOTELHO é engenheiro consultor, escritor e professor, taram para nós uma autor da “Coleção Concreto Armado Eu Te ponte rodoviária faz Amo”, associado do Instituto de Engenharia dez anos, nós a exeE-mail: [email protected] cutamos conforme o seu projeto e vocês devem (forma cautelosa de falar) ter nos entregue os originais (em papel vegetal). Nós estamos precisando fazer um estudo de duplicação da ponte e verificação estrutural da passagem de uma carreta com um grande peso por ela. E nós não estamos localizando (forma gentil de dizer que perderam) os desenhos da ponte, nem o original e nenhuma via do projeto. Como sabemos que vocês (o escritório de cálculo) são muito cuidadosos (atenção que junto de elogio sempre vem um pedido) e guardam sempre uma via de cópia heliográfica, pedimos para irmos buscar, por empréstimo, essa agora via única, para nosso estudo e depois a devolveremos integramente (dá para acreditar?). A resposta do escritório foi a padrão nesse, que não era seguramente o primeiro caso: – Queremos colaborar de acordo com os nossos critérios de cuidados. Sair do nosso escritório agora, essa cópia via única do projeto, nem pensar. Por cuidado, em nenhum caso essa via sai do escritório. Mas como queremos colaborar, essa via, agora única, está à disposição de vocês aqui no escritório para que vocês mandem um desenhista fazer (copiar) novos desenhos originais num papel vegetal ou vocês podem vir aqui e simplesmente examinar as nossas cópias desse projeto, que ao me consta são apenas 12 desenhos tamanho A1. Se o desenhista for bom acho que no máximo em 30 dias vocês terão os novos originais... A ideia de essa única via não sair do escritório é para que nós sempre possamos ajudar vocês (pois sabemos que vocês vão perder outra vez). Do outro lado ouviu-se uma voz angustiada e em tom de lamúria: – Vocês não estão entendendo. Essa ponte e sua duplicação fazem parte de um plano de obras do governo e aproximam-se as eleições e precisamos com a maior urgência de consultar esses desenhos. Fazemos um apelo, mesmo porque sou colega de turma do titular do escritório, o Engº X. Emprestem-nos o documento que eu me comprometo pessoalmente a devolver... Este é um pedido quase que desesperado e contamos com a partiengenharia 621 / 2014 123 cipação de vocês no desenvolvimento do nosso querido Estado (chantagem patriótica emocional). A resposta foi a padrão: – Não. Venham ler e copiar, mas a via única do projeto não sai do escritório. Do outro lado da linha telefônica ouviu-se uma voz de desalento: – Vou levar essa decisão para um nível superior (leve pressão institucional). No dia seguinte, a Engenhaligação do órgão público, agora feita realmente de Instituto de um nível mais – o supervisor ria alto (IE) recebeu, no dia de obras – e com o mesmo pedido, agora quase que desesperado: 29 de maio passado, o – Precisamos desses desenhos diploma de mérito do e a ideia de fazer uma nova via dos docuConselho de e a faremos, mas (essa forma de elogiar e mentos copiando um Regional a um é ótima Engenharia e Agronomia Estado depois colocar a palavrado“mas” é sinal de que a ideia é inaceitável) no momento de São Paulo (Crea-SP). diploma não podemos perder 30O dias. Precisamos da via única... Por favor, colaborem. foi entregue civil Outra vezpelo e deengenheiro forma extremamente educada a resposta do escritório foi: Francisco Kurimori, presidente do dos limites físicos do escritório. Sim, esses – Não, os desenhos não saem Crea-SP, aopodem engenheiro civil e en- à exaustão aqui e copiados em papel vegetal, desenhos ser examinados genheiro eletricista Camil Eid, pregerando úteis novos originais, que vocês guardarão como sabemos, com exsidente do IE. Com esse diploma, o tremo cuidado (convenhamos um mar de ironias, talvez vingando-se de algum Crea-SP homenageia a fundamental ato passado...). contribuição do Instituto de Enge- Francisco Kurimori, presidente do Crea-SP, entrega Diálogo, portanto nharia na construção da fechado. história do diploma de mérito ao Instituto de Engenharia, Passa-se um dia quemrepresentado liga telefonicamente acreditem, é o Conselho, que mais comemorou 80 eanos por seu presidenteé,Camil Eid próprio superintendente-geral de fundação. A solenidade de co- da Secretaria de Melhoramentos Públicos, secretaria dos responsável pela execução obrasalém da das ponte em questão. Foi trabalho, atividades dos técnicos memoração 80 anos do Crea-SP, na das umaoligação telefônica direta feita ao engenheiro titularem doagropecuária escritório. eOuagrícolas e técnicos das qual IE foi homenageado, realizou-se çamos o diálogo me foi minha mente, mesmo tendo várias na modalidades de técnicos industriais no Espaço Técnico que Cultural, na contado Avenida e ficou e tecnólogos. Angélica, em São acontecido faz Paulo. mais de 50 anos! Além da homenagem ao filhos Instituto de OCuriosamente Crea-SP é o maior conselho de fiscanão era sobre o pedido de retirar os desenhos, úniEngenharia, foram entregues diplomas de lização exercício profissional da América cos dedemãe viúva e honesta. Era sobre (aparentemente) amenidades. mérito a mais Precisamos nove entidades de classe: Latina e provavelmente umtempo. dos maiores – Colega X. Quanto Como está a família? voltar a nos Associação de Engenheiros e Arquitetos de do mundo. A entidade é responsável pela encontrar nas reuniões de quinta-feira à noite no nosso club (atenção – é club Campinas, representada por seu presidenfiscalização de atividades profissionais nas mesmo, pois o interlocutor era algo sofisticado) e depois da nossa famosa pizte o engenheiro civil Paulo Sérgio Saran; áreas da engenharia, agronomia, geologia, za poderemos conversar sobre a nova edição do famoso livro alemão “Beton Associação de Engenheiros e Arquitetos de geografia e meteorologia, além das ativiKalender”, edição nova essa que tenho algumas críticas. Mas, mudando de asSantos, representada por seu presidente, dades dos tecnólogos e das várias modalisunto.deComo superintendente-geral secretariaquímico estou com umSalgosa problema. Ademar Júdades técnicos industriais de nível mé-destaengenheiro Preciso e quero sua ajuda. Estou com conjunto enorme de prédiosno e pontes Sindicato dos Engenheiros Estado dio. O Crea-SP fiscaliza, controla, orienta e umnior; para contratar os eprojetos estruturais o seu escritório eventude Sãosaber Paulo,serepresentada por seu presiaprimora o exercício as atividades profis- e quero almente se interessaria em ser contratado e também indicar outros escritórios dente, o engenheiro eletricista Murilo Celsionais da engenharia civil, engenharia amcom o engenharia mesmo alto nível doengenharia seu (curiosidade se o homem nível para so de –Campos Pinheiro;tinha Associação Brabiental, sanitarista, discutir o livro alemão de concreto “Betonsileira Kalender” como eleEletricistas não conhecia os de Engenheiros de São de infraestrutura aeronáutica, engenharia representada seuno presidente, o hídrica, engenharia de doPaulo, vários engenharia escritórioselétrica, de projeto estrutural estado e que na por época total não engenheiro eletricista Carlos Costa Neto; computação, telecomunicapassava deengenharia uns 20? –de mistério). Instituto de Avaliações Períções,Haveria engenharia de controle e automação, algo atrás dessa ligação? Não sei. Brasileiro Depois me desliguei edesse cias de Engenharia de São Paulo, repreengenharia assunto. eletrônica e eletrotécnica, ensentada por sua presidente, a engenheira genharia mecânica, industrial, Passados uns engenharia meses passei pela rodovia onde se situava a ponte desta civil Flávia Zoega Andreatta Pujadas; Asengenharia de produção, engenharia de história e tudo já estava em obras... Um detalhe, um mísero detalhe. sociação dos Engenheiros da Estrada de operação, engenharia metalúrgica, engePelo visto os desenhos seguramente saíram do escritório ... Ninguem é Ferro Santos a Jundiaí, representada por nharia aeronáutica, engenharia naval, ende ferro ... sua presidente, a engenheira civil Maria genharia química, engenharia de alimentos, Esta história termina aqui etêxtil, se ligações ou, talvez, simplesLinapecaminosas Benini; Associação dos Engenheiros engenharia de materiais, engenharia mente empresariais aconteceram, corre por conta de cada um... Agrônomos do Estado de São Paulo, regeologia, engenharia de minas, engenharia DIVULGAÇÃO CREA-SP HOMENAGEM DO CREA-SP AO INSTITUTO DE ENGENHARIA presentada pelo seu diretor, engenheiro de geologia, engenharia de agrimensura, Nota: Por orientação meu assessor e especialista em processos agrônomo Celso Roberto Panzani;ligados e Asengenharia cartográfica,dogeografia, agro- jurídico a assuntos de perdasagronômica), e danos todas as minhas crônicas devem começar e terminar sociação dos Engenheiros Ferroviários no nomia (ou engenharia engecom aflorestal, advertência a seguir entre engedois asteriscos. Estado de São Paulo, representada por seu nharia engenharia agrícola, *Esta de história um texto de aquicultura, ficção e se verdade fosse, o teria acontecido de presidente, Engenheiro Civilnum Luizpaís Edson nharia pesca,éengenharia de assim Castromesmo...* Filho. meteorologia e engenharia de segurança do foi fala hispânica. E por incrível coincidência 36 124 ENGENHARIA 621 620 / / 2014 2014 engenharia WWW.BRASILENGENHARIA.COM www.brasilengenharia.com