The text that follows is a REPRINT O texto que segue é um REPRINT. Please cite as: Favor citar como: Fearnside, P.M. 2013. Hidrelétricas na Amazônia: Impactos e tomada de decisão. pp. 43-60; 87-91 In: A.L. Val & G.M. dos Santos (eds.) Grupo de Estudos Estratégicos Amazônicos (GEEA), Tomo VI. Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), Manaus, Amazonas. 202 pp. ISBN 978-85-211-0116-1 The original publication is available from: A publicação original está disponível de: Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) HIDRELÉTRICAS NA AMAZÔNIA: IMPACTOS E TOMADAS DE DECISÃO HIDRELÉTRICAS NA AMAZÔNIA: IMPACTOS E TOMADAS DE DECISÃO Resumo Este capítulo trata de numerosos assuntos vinculados à construção de hidrelétricas na Amazônia e de modo especial de Belo Monte, no rio Xingu, um dos projetos mais ambiciosos e também mais polêmicos dos últimos anos. Nele são apresentados dados da produção de gases do efeito estufa, principalmente metano e levantados questionamentos sobre a tão propalada idéia de que as hidrelétricas produzem energia limpa. A produção desses gases, além dos incontáveis impactos sobre as populações humanas e sobre a migração dos peixes e outros organismos aquáticos servem para atestar de que esta energia não é muito mais limpa que as demais fontes. Nele é deixado um alerta, misto de decepção e esperança, de que nenhuma grande usina energética e nenhuma grande realização tecnológica são as prioridades que o povo amazônico reclama para atender as suas imperdoáveis carências. Normalmente estes gigantescos empreendimentos servem mais para atender a interesses de megaempresários, a indústrias geradoras de produtos eletrointensivos e a governantes que lhes dão guarida. GRUPO DE ESTUDOS ESTRATÉGICOS AMAZÔNICOS 45 PHILIP MARTIN FEARNSIDE Doutorado em Ciências Biológicas; pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA); laureado com o prêmio da Fundação Conrado Wessel na área de Ciência aplicada ao meio ambiente. É importante ter uma visão diferente daquela que foi apresentada aqui no GEEA pelo Dr. Luiz Pinguelli Rosa, ex-presidente da ELETROBRAS, defendendo as hidrelétricas na Amazônia. Tomar a decisão sobre se deve ou não construir uma hidrelétrica, quantos recursos são necessários, se o total de hidrelétricas planejadas é ou não necessário, etc., são questões muito complexas para os tomadores de decisão. Mais ainda, esse é um assunto que não está sendo debatido publicamente. Tenho publicado muitos artigos tratando desse assunto e das polêmicas que tem surgido, inclusive sobre o caso da UHE Belo Monte, no rio Xingu. Ali a questão colocada é, sobretudo, sobre a emissão de gases de efeito estufa. Além disso, há um grande número de informações no “Dossiê Amazônia” (disponível no site http://philip. inpa.gov.br), inclusive documentos oficiais que tratam das grandes obras na Amazônia. Apenas os documentos sobre a UHE Belo Monte contêm mais de 40 mil páginas de informações. A presente análise trata das hidrelétricas, sobretudo as do rio Xingu e mais especificamente a de Belo Monte. Algumas vezes as autoridades admitem alguns impactos sobre a floresta, os peixes, os índios, etc., mas no final acaba enfatizando que o Brasil precisa dessa energia. Assim, com base nisso, dizem que as hidrelétricas precisam ser construídas de qualquer forma, não importam os impactos. Mas é preciso repensar o que está sendo feito com essa energia. Uma boa tomada de decisão deve levar isso em conta. O USO DA ENERGIA Em Barcarena, no Pará, lingotes de alumínio estão sendo exportados para várias partes do mundo. Esse material é basicamente energia elétrica em uma forma material e que pode ser colocado num porão de navio e levado embora. É preciso observar que grande parte do valor do alumínio provém da energia elétrica, não do mineiro, da mão-de-obra ou qualquer outra coisa. Então, basicamente o Brasil está exportando energia elétrica para o mundo e parece não haver limite para a quantidade de alumínio que o mundo quer comprar. Se for atender a essa demanda 46 GRUPO DE ESTUDOS ESTRATÉGICOS AMAZÔNICOS sem limites, então será preciso barrar todos os rios. Então, essa é uma decisão que precisa ser tomada com critério. A decisão de exportar essa energia não está sendo discutida. Presumir que tudo o que o mundo quer comprar é preciso atender não é sensato, não é assim que funciona. Não se pode conceber que isso se trata da “mão invisível” da economia; que é ela que manda um país exportar um produto ou outro. É o País que deve decidir o que vai exportar. Veja, por exemplo, que o Brasil deixou de exportar madeira em tora, desde 1965. Esse é um exemplo de decisão de um país. Isso foi adotado porque o Brasil precisava criar mais emprego e daí, passou a exportar madeira em prancha. Além disso, deixou também de exportar o mogno, por questões ambientais. Ou seja, o País toma decisão do que vai exportar; não simplesmente exportar o que o mundo quer comprar. Uma pergunta que deve ser feita é sobre a exportação dos produtos chamados eletrointensivos. Isso é uma das partes da economia brasileira que está crescendo mais rapidamente e tem toda uma cadeia entre os lingotes de alumínio e, por exemplo, um avião feito pela EMBRAER, feito de alumínio e exportado, mas que cria muito emprego e riqueza no País. O grosso do alumínio exportado é na forma de alumínio primário e nos produtos mais brutos, como grandes rolos de chapa, barra, etc., que cria pouquíssimo emprego. Então, é uma decisão a ser tomada. No caso, o alumínio primário é a opção menos favorável de todas as alternativas, em termos de emprego. Segundo Bermann & Martins [1], são 2,7 empregos por cada gigawatt-hora de energia que usada. A única coisa pior são ferros-ligas, que também são feitos com essa energia e exportados. Então, esse é um problema básico. A indústria de alumínio se apresenta como algo sustentável. O relatório de sustentabilidade do ano de 2008 da Associação Brasileira de Alumínio (ABAL) mostra na sua capa uma imagem dando a impressão de que lingotes de alumínio são produzidos em agroflorestas [2]. Infelizmente, isso deve ser efeito do Photoshop, porque lingotes de alumínio são produzidos por energia de hidrelétricas. Ainda segundo o presidente desta Associação “nosso alumínio é ‘verde’ em sua origem, por ser proveniente de matriz energética limpa” [3]. Provavelmente, as pessoas já ouviram tantas vezes a afirmação de que energia elétrica é limpa que acabam se surpreendendo em saber que isso não é verdadeiro, que ela emite gases de efeito estufa além de muitos outros impactos ambientais e sociais. Também é importante saber que o Brasil tem muitas opções GRUPO DE ESTUDOS ESTRATÉGICOS AMAZÔNICOS 47 para não usar tanta energia. Uma coisa é simplesmente não usar, outra é usar de forma mais eficiente. O documento oficial do Plano Nacional de Mudanças do Clima indica que 5% de toda eletricidade do Brasil é usada por chuveiros elétricos para esquentar a água para tomar banho [4]. Essa é uma coisa incrível: o Brasil é um dos únicos países do mundo que usa chuveiro elétrico, que é uma coisa muito ineficiente para esquentar água. Inclusive dá para esquentar a água com energia solar diretamente, esquentando a água sem nenhuma necessidade de eletricidade. Mesmo se fosse por gás, seria melhor que chuveiro elétrico. Por exemplo, o gás que vem da Bolívia é transformado em energia mecânica para gerar energia e a energia é transmitida até São Paulo onde esquenta a água em chuveiro elétrico. O problema é que, pela 2º lei de termodinâmica, a cada passo que uma forma de energia é transformada em outra se perde grande parte desta em entropia; essa parte vai para a “desordem” que não se recupera. Então, a cada passo de transformação há perdas de energia. Se você esquenta a água diretamente com o gás, vai pular essas etapas. Também, tem o sol, que esquenta a água sem usar nada disso. Os chuveiros elétricos no País usam mais eletricidade do que a Belo Monte irá produzir. Os grandes projetos do PAC-2 estão listados no site da Presidência da República: há muitas hidrelétricas programadas para a Amazônia, inclusive Belo Monte, que é uma das mais polêmicas. Trata-se de um plano muito grande, ao longo de cinco anos. Além disso, há o Plano Decenal de Expansão de Energia 2011-2020, que foi lançado em 2011 pelo Ministério de Minas e Energia [5]. A lista inclui usinas hoje em construção, como Belo Monte, Jirau, Santo Antônio e Teles Pires. Essa lista de usinas programadas é extensa, com varias polêmicas, como a de Marabá, que vai desabrigar 50 mil pessoas; a de São Luiz do Tapajós, que inunda parte do Parque Nacional da Amazônia; as hidrelétricas de São Miguel e São Manoel no rio Teles Pires no Mato Grosso, com muitos conflitos indígenas, etc. O total é de 30 grandes barragens na Amazônia até 2020. Trinta barragens em dez anos significam três barragens a cada ano, ou seja, uma barragem a cada quatro meses - um ritmo enorme. E o relógio não para em 2020; vão continuar fazendo mais. OS IMPACTOS DAS BARRAGENS A maior polêmica da atualidade é a Usina de Belo Monte, próximo a Altamira, Pará. O atual EIA-RIMA é de 2009. Morei dois anos a 50 km de 48 GRUPO DE ESTUDOS ESTRATÉGICOS AMAZÔNICOS Altamira. Na época da cheia normal, a água do rio Xingu inunda parte da cidade. Quando o nível do rio for aumentado com o represamento para a geração de energia em Belo Monte, cerca de 1/4 da cidade de Altamira será inundado. Então, há um enorme problema social, tanto pelos moradores que terão que mudar suas residências, como também pelo grande número de pessoas que já mudaram ou mudarão para Altamira em busca de emprego na obra. O número desses já chega a cerca de 100 mil. Essa cidade é muito pequena, muito menor que Porto Velho, que recebeu pessoas atraídas à construção das hidrelétricas do rio Madeira. Então, isso já enche a cidade: os aluguéis são quatro ou cinco vezes o que eram antes, e para quem mora lá é um desastre econômico. Um quarto da cidade está sendo desalojada e tem que ter outras casas, além daquelas pessoas que estão chegando de fora. A própria prefeita de Altamira pediu para adiar a obra, o que representa uma coisa incrível considerando a quantidade enorme de dinheiro que a cidade estará recebendo por causa de Belo Monte. Em Arroz-Cru, um dos lugares que serão inundados, orientei uma dissertação do mestrado aqui do INPA sobre a agricultura dos caboclos que vivem às margens dos rios [6]. Além disso, passei um tempinho com essas pessoas. É realmente impressionante que essa população esteja sendo retirada agora desses locais em que vivem há tanto tempo. Também há um problema indígena muito forte ali, que veio à tona na famosa manifestação de 1989 em Altamira. O problema é evidente até no mapa da área de Altamira [7, 8]. Em Belo monte haverá dois reservatórios, sendo um ao longo do rio e outro na sua lateral. Isso é diferente da maioria das hidrelétricas que só tem um reservatório. Com apenas um reservatório, a água normalmente sai no pé da barragem e continua rio abaixo, mas em Belo Monte não: 80% da água é desviada, cruza ao lado cinco pequenas bacias hidrográficas de igarapés. Assim, a água desviada acaba caindo em outra barragem e gerando energia ali. Isto deixa a Grande Volta do Xingu quase sem água, com aproximadamente 100 km do rio onde há uma população ribeirinha e também duas áreas indígenas. Isso não foi considerado como sendo parte do impacto direto da obra, o que quer dizer que eles não têm os mesmos direitos de compensação, como as pessoas que estão nas áreas de inundação. Há uma grande polêmica sobre a parte indígena porque o Brasil assinou a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que depois foi transformado em lei, dando o direito de consulta GRUPO DE ESTUDOS ESTRATÉGICOS AMAZÔNICOS 49 a todas as populações indígenas afetadas e não apenas aquelas que estão desalojadas pela inundação. Isso significa que as populações que sofrem os impactos do desvio do rio devem ser consultadas sobre a obra. Tal fato foi apontado pela Organização dos Estados Americanos, de acordo com a Medida Cautelar MC-382-10 de 01 de abril de 2011. O Itamarati e a presidente reagiram e cortaram os pagamentos para a OEA, criando uma crise internacional sobre isso. Nas palavras do Ministério Público em Belém, Belo Monte é “totalmente ilegal” [9]. É bom lembrar que existem 13 processos correndo na Justiça e que não foram decididos com relação à Belo Monte. O que acontece se algum desses for decidido contra Belo Monte? Esta é a questão que muda tudo, podendo quebrar o sistema democrático brasileiro, que é dividido em três poderes. Assim, poderá haver um grave problema jurídico ao manter a decisão do poder executivo de seguir em frente com a obra, apesar dela poder vir a ser considerada ilegal pela justiça. Além disso, há outro grave problema: a 11 km acima da cidade de Altamira corresponde ao local indicado para construção da barragem que, embora oficialmente renomeada como “Altamira”, ainda é mais conhecida como “Babaquara”. Esta barragem teria enormes impactos, com um lago muitas vezes maior que o de Belo Monte. O plano original visava seis hidrelétricas no rio Xingu. A Hidrelétrica de Belo Monte é relativamente pequena, mas a segunda barragem, a de Babaquara, teria 6.140 km2, ou seja, o dobro da área da hidrelétrica de Balbina. Além disso, grande parte de Babaquara estará em terras indígenas. Os planos para as outras hidrelétricas vêm sendo alterados constantemente: foram reduzidos para quatro hidrelétricas com a eliminação de duas, e uma mudança na posição de duas outras, mas, basicamente, seria inundado todo o curso dos dois rios, o rio Xingu e o rio Iriri. Essa é a parte da grande polêmica sobre Belo Monte que é muito pouco discutida: raramente se vê alguma coisa na imprensa sobre essas outras barragens e só se ouve de Belo Monte. Foram excluídas do EIA-RIMA de Belo Monte as considerações sobre as demais barragens rio acima e assim Belo Monte vem sendo considerada como única. Os 36 volumes e 20 mil páginas do EIA basicamente virariam uma obra de ficção caso se construam as outras hidrelétricas, porque os impactos são diferentes. O plano original, com Belo Monte tendo um reservatório relativamente pequeno, sem armazenamento de água, mas com uma enorme queda para gerar energia, dependia da quantidade de água armazenada em Babaquara. Nesse plano original, 50 GRUPO DE ESTUDOS ESTRATÉGICOS AMAZÔNICOS quando há pouca água no rio Xingu as barragens acima já liberam água para aproveitar as turbinas em Belo Monte. Em julho de 2008 foi editada uma decisão do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), declarando que teria apenas uma barragem no rio Xingu, a de Belo Monte. É importante entender essa decisão. Primeiro, o CNPE é praticamente uma agência fantasma, sendo basicamente sobre Belo Monte a única decisão que tomou desde que foi criado, depois do grande apagão em 2001. Por isso, o CNPE, essencialmente, só vem homologando um convênio com a Argentina todo ano. Este órgão é formado por um grupo composto de ministros do governo, mas estes são trocados com muita frequência. De qualquer forma, em 2015, quando Belo Monte provavelmente estiver pronta, certamente os dirigentes que anunciaram em 2008 que seria construída apenas a Belo Monte não serão mais os mesmos. Esses membros do CNPE podem mudar de opinião na hora que quiser: não tem nada que proíbe este órgão dizer que, agora que Belo Monte está feita estamos precisando de mais água, então vamos construir as outras barragens. Não há nada que impeça mudanças desse tipo. É muito importante lembrar-se da famosa frase de George Santayana, na sua obra sobre filosofia do conhecimento. Os seis volumes da obra foram publicados há mais de um século, mas uma frase ali é famosa até hoje: «Aqueles que não conseguem lembrar o passado estão condenados a repeti-lo” [10]. Essa é a razão pela qual as pessoas estudam a história, e não há nenhum lugar do mundo onde isto é mais relevante do que em Belo Monte. Existem dois exemplos bem paralelos à decisão do CNPE sobre Belo Monte: um é Balbina e o outro é Tucuruí. No caso de Balbina, o rio foi represado em 1º de outubro de 1987. Menos de um mês antes, a ELETRONORTE emitiu uma nota de “esclarecimento público” sobre Balbina, indicando “uma necessidade de se reduzir a área a ser inundada em 34%, para operar na cota de 46 m, equivalente a 1.580 km2” [11]. Meu grupo de estudos já mediu o lago pelas imagens de satélite e hoje Balbina já tem mais de 3.000 km2, o dobro do previsto [12]. O esclarecimento continua: “A eventual elevação para a cota de 50 m, prevista para a 2a fase de operação, está condicionada ao monitoramento dos efeitos ambientais” [11]. A ideia era que iam ficar anos e anos monitorando a qualidade da água, para então tomar decisão sobre o enchimento do resto do lago. Só que, quando chegou na cota de 46 m, não parou um minuto sequer GRUPO DE ESTUDOS ESTRATÉGICOS AMAZÔNICOS 51 para fazer esse monitoramento, e simplesmente encheu direto até os 50 m. O cenário foi promovido oficialmente por um “gibi” distribuído na cidade de Manaus, dizendo que Balbina iria “formar um lago de 1.580 km2, semelhante a um lago de nossa região” [13]. A situação em Belo Monte deverá ser a mesma: hoje se diz que vai ser construída apenas Belo Monte, mas na “hora H” podem decidir pela construção das demais hidrelétricas já previstas para o rio Xingu. Outro exemplo é a hidrelétrica de Tucuruí. Esta hidrelétrica foi construída em 1984 e tinha 4.000 megawatts de capacidade instalada. Em 1998, com Tucuruí-II esta capacidade foi duplicada. Na época de Tucuruí a lei previa que qualquer hidrelétrica com mais de 10 megawatts necessitava de EIA-RIMA; hoje isso já passou para 30 megawatts, uma brecha que deixa de fora da exigência do EIA-RIMA as pequenas centrais hidrelétricas. De qualquer forma, com mais de 4 mil megawatts era óbvio que Tucuruí-II precisava de um EIA-RIMA. A ELETRONORTE estava preparando isso. Inclusive, a pessoa responsável foi uma egressa do programa de mestrado do INPA, a Sra. Andrea Figueiredo. Ela deu uma declaração em um evento que participei em Botucatu em 1998, explicando como a ELETRONORTE estava preparando o EIA-RIMA para Tucuruí-II. Quinze dias depois, o presidente Fernando Henrique Cardoso tomou um avião e foi para o Pará e simplesmente liberou os recursos para a expansão de Tucuruí-II, sem nenhum EIA-RIMA [14]. A justificativa era de que não aumentaria o nível da água no lago, que ficaria na cota de 72 m, mas depois, em 2002 quando já tinha montado as novas turbinas, o nível da água simplesmente aumentou para 74 m e até hoje está operando nessa cota, como se fosse a coisa mais normal do mundo. Então, é uma coisa bem paralela à situação de Belo Monte [7, 8]. Ainda é importante frisar que a decisão de só construir uma hidrelétrica no rio Xingu não foi aceita por todas as autoridades brasileiras do setor energético. O diretor-presidente do ANEEL disse que a decisão “foi essencialmente política. Tecnicamente, não há razão para não fazer as outras usinas. Faz parte do jogo democrático tentar agradar a todos os interessados. É o típico caso de dar os anéis para ficar com os dedos” [15]. Então, na cúpula simplesmente não aceitaram a decisão do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) sobre as hidrelétricas do rio Xingu. Além disso, quando a Sra. Marina Silva foi Ministra do Meio Ambiente, ela tentou criar uma Reserva Extrativista em parte da área que seria inundada por essas hidrelétricas. No entanto, 52 GRUPO DE ESTUDOS ESTRATÉGICOS AMAZÔNICOS essa proposta foi vetada pela Sra. Dilma Rousseff, que à época era chefe da Casa Civil, porque “poderia atrapalhar a construção das barragens adicionais à usina de Belo Monte” [16]. Então, se as pessoas na cúpula não aceitam esse cenário oficial de ter apenas Belo Monte, fica muito improvável que isso seja o que realmente acontecerá no futuro. A lógica disso não é a opinião de ninguém, mas simplesmente os dados sobre o volume de água do rio Xingu, que varia acentuadamente ao longo do ano [17]. Trata-se do rio com maior variação de volume de água em toda a Amazônia. Na enchente, a vazão é cerca de 60 vezes maior que no período de seca. Na seca não há água suficiente sequer para rodar uma turbina da casa de força de 11 mil megawatts que será construída em Belo Monte. Assim, só vai ter geração da pequena casa de força suplementar de 233 megawatts, na base da primeira barragem. O problema é que as turbinas representam a parte mais cara de qualquer hidrelétrica, e deixá-las paradas por quatro meses, deixando toda a linha de transmissão ociosa, não faz sentido em termos econômicos. Isto significa que quem está investindo dinheiro na obra deve estar contando com outro cenário das barragens rio acima. O Fundo de Conservação Estratégica (CSF), de Minas Gerais, calcula que a probabilidade de Belo Monte dar lucro só com uma barragem é de 2,3% [18]. Se tiver a Babaquara é de 35%, o que não é maravilhoso, mas muito melhor que com Belo Monte sozinho. A tentação de fazer Babaquara seria forte, pois a diferença é de 1,4 a 2,3 bilhões de dólares ao ano, ou seja, cinco bilhões de reais a mais que seria ganho apenas em Belo Monte, além do que ganharia gerando energia na própria Babaquara. Então, é essa que seria a tentação de fazer outras barragens. GASES DE EFEITO ESTUFA A emissão de gases do efeito estufa é um dos impactos da Belo Monte e de outras hidrelétricas. Em primeiro lugar, é bom dizer que não fui eu quem descobriu que as hidrelétricas emitem gases de efeito estufa. Quem descobriu isso foi um grupo de pesquisadores do Canadá, publicado num trabalho de 1993 sobre hidrelétricas naquele país [19]. Meu primeiro artigo sobre isso foi publicado em 1995 [20], mas foi esse que correu a imprensa do mundo e que levou à fúria a indústria hidrelétrica até hoje [21]. A reação da Associação das Hidrelétricas dos Estados Unidos se deu nos seguintes termos: “é uma asneira e muito exagerada; o metano é produzido em quantidade bem substancial nas florestas tropicas, GRUPO DE ESTUDOS ESTRATÉGICOS AMAZÔNICOS 53 mas ninguém sugere derrubar a floresta por isso” [22]. Acontece que a floresta tropical em terra firme geralmente é considerada um consumidor e não uma fonte de metano. Se fosse floresta de várzea, onde o declive é mínimo, sim; mas ninguém faz hidrelétrica na várzea. No Brasil, o ataque foi feito pelo Dr. Pinquelli Rosa. Recomendo ver as críticas [23, 24] e as respostas [25, 26], disponíveis no site, onde o Dr. Pinguelli Rosa escreveu o seguinte: “embora ele - ou seja, eu - usou a Coca-Cola como exemplo de como os gases saem da água, que é altamente simbólica da sua maneira de pensar, ele poderia muito bem ter selecionado o guaraná que é um refrigerante carbonado muito popular no Brasil com sabor de frutinhas amazônicas. É mais fácil ver as bolhas no guaraná, que é transparente, enquanto a CocaCola é escura. O povo no Brasil muitas vezes fica sentado em volta de uma mesa para ‘bater–papo’ enquanto está tomando guaraná com as garrafas abertas e os copos cheios durante meia hora ou mais sem perder completamente as bolhas. Em vez de ‘fast food’, o costume brasileiro é beber folgadamente” [24]. A ideia é que as bolhas podem ficar por meia hora ou mais sem sair do guaraná, mas acontece que depois sai de qualquer forma. Então, se leva meia hora depois de passar por turbinas para os gases saírem, ainda vão sair sem dar tempo para as bactérias agirem dentro da água para converter esse metano em CO2 antes de sair da água. De fato, os gases saem logo. Quando você abre uma garrafa de Coca-Cola ou de guaraná, você pode ver as bolhas saindo logo. Isso se dá porque se retirou a pressão do líquido, ao retirar sua tampa. Então, pela lei de Henry na química, a solubilidade do gás é proporcional à pressão. Então, dentro da garrafa fechada de Coca-Cola tem mais pressão e o gás CO2 fica dissolvido na água. Ao retirar a pressão ele sai. No caso de uma hidrelétrica, a água no fundo do reservatório está sob muito mais pressão do que numa garrafa de Coca-Cola, pois tem todo o peso da água que está em cima. Quando a água sai da turbina ao ar livre, passando de cerca de quatro para uma atmosfera de pressão, os gases que são dissolvidos saem logo, inclusive o metano, que tem muito mais impacto que o CO2 por cada tonelada. Então, pode ver como tem diferenças nos números. No primeiro Inventario Nacional dos Gases de Efeito Estufa, que foi feito em 2004, a parte sobre hidrelétricas foi feita pelo Dr. Pinguelli Rosa [27]. Os números para as hidrelétricas de Tucuruí e Samuel indicam a emissão de 0,56 e 0,12 milhões de toneladas de carbono CO2 54 GRUPO DE ESTUDOS ESTRATÉGICOS AMAZÔNICOS - equivalente por ano, respectivamente. Os meus trabalhos sobre essas barragens dão números que indicam entre 11 a 14 vezes mais gases do que os números oficiais, considerando as fontes de gases omitidas no relatório oficial [28, 29]. A diferença é que as principais fontes de emissão simplesmente não estão incluídas nos números oficiais: só estão incluídas as bolhas e a difusão da própria superfície dos lagos. Não está incluída a água que passa pelas turbinas e os vertedouros, que representa o grosso da emissão. Também não está contando as árvores mortas que se projetam fora da água, e que também liberam gases. Se fossem contadas essas fontes maiores, obviamente se teria muito mais emissão de gases. Em Tucuruí-I a água sai por 23 vertedouros, a uma profundidade de 20 m. Para isso, levanta-se a comporta, que é uma enorme porta de aço com 210 toneladas. Daí, a água desce uma rampa e é lançada para cima, como “pulo de esqui” e nesse ato a água é pulverizada em bilhões de gotículas. Esse é um desenho proposital para que a água enriqueça com oxigênio atmosférico e evite a morte dos peixes rio abaixo. Mesmo com esse mecanismo não foi possível evitar a diminuição drástica da pesca no baixo Tocantins [30, 31]. Entretanto, o outro lado dessa moeda é que todos os gases que estão dissolvidos na água, inclusive o metano, vão ser liberados imediatamente quando pulverizados. Isso é válido mesmo para aquele que não passar pelo vertedouro, mas sair pelas turbinas que se encontram a 36,4 m de profundidade, no ponto médio. Assim, a água vai sair com mais pressão, embora sem a agitação que tem nos vertedouros, mas, mesmo assim, os gases saem logo [32]. A água no lago é dividida em camadas: há uma camada superficial, entre 2 a 10 m de profundidade e outra abaixo dessa, ambas separadas por uma zona termal denominada termoclina. Estas águas não se misturam naturalmente, por causa da diferença de temperatura. Essa água fica logo sem oxigênio porque as folhas vão apodrecendo, produzindo CO2 até que acaba o oxigênio na água e cessa a emissão de CO2 por que este necessita de oxigênio para sua formação. Então, toda a decomposição restante vai formar o metano (CH4), que tem muito mais impacto sobre o efeito estufa. Oficialmente, o poder impactante desse gás é 25 vezes maior que o gás carbônico, conforme relatório do IPCC [33], mas numa publicação mais recente esse valor passa para 34 vezes mais [34]. A partir deste momento, água que sai das turbinas contém muito metano. Os dados sobre as concentrações de metano em cada profundidade GRUPO DE ESTUDOS ESTRATÉGICOS AMAZÔNICOS 55 são de autoria do pesquisador José Tundisi, provavelmente o limnólogo mais conhecido no Brasil. Como observado, nessas profundidades tem muito metano na água. Então, dá para calcular quantos bilhões de litros estão saindo e quanto metano está sendo emitido. No relatório da ELETROBRAS, também feito pelo grupo do Dr. Pinguelli Rosa, foram calculadas as emissões para todas as hidrelétricas da época: as 217 grandes hidrelétricas existentes no Brasil no ano de 2000, baseado em medidas do fluxo da superfície em cinco delas [35]. No estudo realizado sobre estas últimas, os coletores de metano ficavam flutuando no lago e só mediam o gás na superfície e não a parte que passa pelas turbinas e os vertedouros. Também não foi incluída no cálculo a emissão de gás CO2 gerada pela decomposição da madeira das árvores que estão apodrecendo ao ar livre, que é outra fonte de emissão. A partir dos dados obtidos para cinco hidrelétricas foi extrapolada uma estimativa para as outras, perfazendo uma área de 33 mil km2 de água em hidrelétricas em 2000, uma área maior que a Bélgica. Conforme pude observar, havia cinco erros matemáticos naquele cálculo, que diminuiu em muito a quantia que eles calcularam como emissão. O nosso trabalho detalhando esses erros está publicado na revista Oecologia Australis [36] e no site (http://philip.inpa.gov.br). Salvador Pueyo, um espanhol que fez pós-doutorado comigo, é um gênio matemático especialista exatamente na área matemática das correções que a ELETROBRAS fez, na área de “criticalidade auto-organizada”. Os números desta empresa para as bolhas e difusão indicam muito menos emissão do que quando os dados são corrigidos pelos erros matemáticos. Há muito mais emissão do que eles calcularam. E, além disso, tem ainda as turbinas e os vertedouros, que são fontes deixadas fora dos cálculos da ELETROBRAS. Há uma maneira de a emissão ser permanente, embora a maior emissão ocorra logo no início quando se implanta uma hidrelétrica. A razão disso é que no início há a inundação de todo o carbono existente no solo e nas folhas das árvores da floresta. Toda essa matéria orgânica vai apodrecer rapidamente e se transformar em metano. Tempos depois essa fonte acaba, no entanto, há um local que permanece como fonte permanente de emissão, mesmo que menor. Trata-se da “zona de depleção” que fica exposta quando abaixa a água do reservatório. Em Tucuruí, a marca da água pode ser vista nas árvores: quando abaixa o nível da água se abre um grande lamaçal em volta do lago e aí crescem as ervas daninhas. Este material é muito tenro, ao contrário da madeira 56 GRUPO DE ESTUDOS ESTRATÉGICOS AMAZÔNICOS que contém lignina e, portanto, apodrece de forma extremamente lenta embaixo da água quando não tem oxigênio. Inclusive, até hoje tem firmas brigando para usar a madeira no fundo do lago de Tucuruí. Além das árvores, quando a água está no nível baixo as ervas daninhas crescem rápido e quando a água sobe estas plantas apodrecem no fundo, onde não tem oxigênio. Assim sendo, o carbono nelas contido se transforma em metano. Como todo ano há esse ciclo de depleção e subida das águas nos reservatórios resulta que eles se constituem em verdadeiras “fábricas de metano”. É justamente esse metano que acarreta grande impacto sobre o aquecimento global. Esse é um impacto permanente provocado pelas hidrelétricas [37]. A importância da zona de depleção é indicada pelos números oficiais do primeiro inventário feito em 2004 sobre os gases das hidrelétricas do Brasil. Conforme dito, nele só foram consideradas as bolhas e a difusão e não as emissões das turbinas. O que impressiona é que o reservatório de Três Marias é o campeão de emissão de metano, com mais emissão do que as hidrelétricas de Samuel e Tucuruí. Esperava-se que o reservatório de Três Marias devesse ter menor emissão por estar situado na área de Cerrado, no norte de Minas Gerais. Além disso, tratase de uma hidrelétrica antiga, construída em 1962, para suprir energia à Brasília, o que significa que a emissão não é proveniente daquele pulso inicial do carbono das folhas e do solo. Nesse caso, importava saber qual era a fonte da permanente e grande emissão gasosa. Para entender isso, fui até lá e pude observar que o reservatório tem um desnível de 9 m na vertical no nível da água do lago e aí crescem graminhas no solo exposto, gerando a famosa “fábrica de metano”. Belo Monte terá um reservatório relativamente pequeno, embora venha aumentando as estimativas da área. No primeiro EIA-RIMA, de 2002, era de 440 km2, depois no EIA-RIMA de 2009 a área estimada foi de 516 km2, mesmo que o lago fosse previsto exatamente para a mesma cota, e na licença prévia disseram que o lago teria 650 km2. Mesmo assim, comparado aos 6.140 km2 em Babaquara é muito menor. Nela teria 23 m de variação vertical do nível da água do lago, abrindo uma área de depleção de 3.580 km2, ou seja, uma área maior que toda a UHE Balbina nesse lamaçal que vai ser inundado todo ano e que produz metano. Antes de Belo Monte ser construída, suas emissões de gás só pôde ser estimada, mas dá para correlacionar com o que ocorreu com a vizinha hidrelétrica de Petit Saut, na Guiana Francesa, que foi construída GRUPO DE ESTUDOS ESTRATÉGICOS AMAZÔNICOS 57 em 1994 e que tem muito mais dados do que qualquer barragem no Brasil, com monitoramento constante de metano desde antes que foi construída. Esta hidrelétrica é muito parecida com as hidrelétricas na Amazônia brasileira, com as árvores mortas deixadas no lago. Inicialmente, se pensava que seria assim, um grande pico de metano no início que diminuiria até chegar num ponto abaixo, que é um dado de uma antiga hidrelétrica na África, mas, ia diminuindo a amplitude da oscilação anual de metano [38]. Entretanto, com mais anos de dados reais, o que ocorreu foi uma diminuição da emissão base mais rápida do que se esperava, mas os picos anuais eram sustentáveis e continuam para sempre com picos que não diminuem até quase nada [39]. Então, esse é o mesmo tipo de padrão calculado para Belo Monte e Babaquara e é isto que vai sustentando a emissão da água que sai das turbinas. A difusão e as bolhas gasosas do lago são muito importantes nos primeiros anos, mas, depois, o que vai sustentar a emissão do metano são as turbinas. Portanto, é muito importante que sejam incluídos nos números oficiais e não simplesmente deixados fora, como é o caso nos números oficiais no Brasil. Para Belo Monte e Babaquara juntas têm uma enorme emissão nos primeiros anos que cria uma dívida em termos do efeito estufa, e depois, aos poucos, as usinas vão gerando eletricidade e substituindo o combustível fóssil, assim pagando de volta aquela dívida. Só que levam 41 anos para começar a dar algum beneficio em termos efeito estufa. Isso é muito importante por que se continuar nessa situação, a Amazônia estará “frita”, podendo perder a própria floresta. Então, é muito importante que as coisas sejam feitas agora para diminui as emissões e não num futuro de décadas. Meus cálculos para Belo Monte e Babaquara nas próximas décadas indicam que os gases de efeito estufa saem da superfície do lago, das turbinas, dos vertedouros e da zona de depleção [40]. De todas as diferentes fontes, o impacto total para os primeiros 10 anos é de 11,2 milhões de toneladas de carbono por ano. Essa é uma enorme emissão. Para comparação, é mais ou menos a emissão da Grande São Paulo. O Brasil emite 100 milhões de toneladas de carbono por ano por combustível fóssil. A cidade de São Paulo representa exatamente 10% da população do Brasil. Então, é o que seria emitido em média todo ano durante 10 anos só por essas duas hidrelétricas. Na seção do EIA-RIMA de Belo Monte sobre gases de efeito estufa [17], que foi elaborada pelo grupo do Dr. Pinguelli Rosa, a estimativa do metano foi feita através de 58 GRUPO DE ESTUDOS ESTRATÉGICOS AMAZÔNICOS uma média da emissão por m2 de área de reservatório da hidrelétrica de Xingó, que está no nordeste semiárido e representa um ambiente totalmente diferente da Amazônia e outro número de Tucuruí. Evidentemente, uma hidrelétrica no semiárido produz muito menos emissão do que uma hidrelétrica amazônica como Belo Monte. Os números no EIA-RIMA são apenas para a superfície, sem contar as turbinas e vertedouros. Subtraíram o que acharam estar sendo emitido pela área natural, o que era um exagero, e, portanto, calcularam um número subestimado para a emissão do metano [41]. A presunção do EIA-RIMA de que não há emissões das turbinas e vertedouros é indefensável em um documento emitido em 2009, pois se sabe há muito tempo que a água que passa por essas estruturas emite gases. Há mensurações diretas em Petit Saut [39], na Guiana Francesa, e aqui em Balbina, feito pelo Alexandre Kemenes, aluno de doutorado que foi orientado pelo Bruce Forsberg [42-44], além dos meus cálculos para várias outras hidrelétricas. A existência das emissões gasosas não chega até a cúpula de decisão. Um exemplo emblemático surgiu durante a conferência de Copenhague em 2009, sob a Convenção de Clima. O site ambientalista “amazonia. org.br” conseguiu entrevistar o diplomata chefe da delegação brasileira que estava negociando se hidrelétricas teriam crédito de carbono e tudo mais. Essa foi a pergunta: “Mas, Belo Monte não é um dos projetos de hidrelétrica que o governo considera fonte de energia renovável e limpa?” A resposta foi: “É sim. Mas, o que estou dizendo é que eu acho que ela (a usina de Belo Monte) não se situa na Amazônia, né? Então é outro esquema” [45]. Se as pessoas que estão na cúpula dos governos e estão tomando as decisões sobre isso não sabem nem mesmo que Belo Monte fica na Amazônia, é improvável que saberão sobre os impactos que decorrerão dela. O Plano 2010 que pela primeira vez publicou o plano total para hidrelétricas, sem depender das datas em que seriam construídas estas hidrelétricas, indica 79 barragens para a Amazônia Legal. Esses planos vêm evoluindo, mudando as posições das barragens, mas, basicamente, o plano continua e agora se pode observar que todos os rios da Amazônia seriam barrados. Só escaparão os rios na parte mais plana na parte oeste da Amazônia. Além disso, não será apenas uma hidrelétrica em cada rio, mas são cadeias de hidrelétricas que vão inundando todos os percursos dos rios. Certamente, isso trará enormes impactos, não somente sobre os gases de efeito estufa, mas em diversos outros setores. GRUPO DE ESTUDOS ESTRATÉGICOS AMAZÔNICOS 59 De acordo com o Plano 2010 serão 10 milhões de hectares de água em reservatórios ou 2% da Amazônia Legal, eliminando todos os percursos dos rios [20, 46]. Acontece que a população humana tradicional na Amazônia vive na beira dos rios. Todos os ribeirinhos e também os povos indígenas dependem dos rios para sobreviverem. Então, isso implica na remoção por completo da população tradicional da Amazônia. Essa é uma situação para a qual não há mitigação. É diferente do efeito estufa, onde se pode fazer um projeto de mitigação em outro lugar que vai absorver o carbono e compensar o estrago. Para a parte humana não tem uma solução que potencialmente pode desfazer o dano mesmo se a população afetada fosse compensada de forma generosa em termos financeiros. Então, é uma decisão. A exportação de alumínio é um comércio que não tem limites. Se continuar imaginando que a economia vai continuar aumentando a 5% ao ano, assim como o uso de eletricidade, é uma coisa que alcança números astronômicos, considerando apenas a matemática simples do crescimento exponencial. Há um limite e é melhor decidir enfrentar esse limite agora do que esperar chegar a um ponto em que os danos serão tão graves que não mais poderão ser reparados. Talvez somente aí é que muitos se darão conta de que estavam errados. 60 GRUPO DE ESTUDOS ESTRATÉGICOS AMAZÔNICOS o Bibliografia citada ou recomendada [1] Bermann, C. & O.S. Martins. 2000. Sustentabilidade Energética no Brasil: Limites e Possibilidades para uma Estratégia Energética Sustentável e Democrática. (Série Cadernos Temáticos. 1. Projeto Brasil Sustentável e Democrático. Federação dos Órgãos para Assistência Social e Educacional, RJ, 151 pp. [2] Associação Brasileira do Alumínio. 2008. 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