A MARgem - Revista Eletrônica de Ciências Humanas, Letras e Artes / ISSN 2175-2516 Seção Verbare, Uberlândia, ano 3, n. 6, p. 119-121, jul./dez. 2010 Autor: André Rocha Rodrigues | e-mail: [email protected] DENISE CHEGA AMANHÃ! "Denise chega amanhã!" Era tudo o que ocupava a mente dela. Um mês inteiro sem vê-la foi muito difícil. Perdera a graça até as baladas com os amigos, o cinema, shows, teatro, pizza na casa do Narciso, enfim, tudo. Nem mesmo os comentários pseudo-intelectuais do amigo com suas piadas infames tinham a mesma graça, suas investidas que noutro tempo até renderam umas farrinhas hoje nem a abalava. Sempre pensava: "ela adoraria estar aqui", ou: "ela não gostaria disso ou daquilo". Todas as coisas novas que via guardava e ou anotava para mostrá-la quando chegasse. Comprou roupa nova. Vestimenta completa, até sapatos novos comprou, aliás, adorava comprar sapatos, sempre encontrava alguma desculpa para tal prazer pessoal e, como a ocasião pedia, uniu o útil ao agradável, afinal: "Denise chega amanhã!" Marcou horário na cabeleireira, manicure, depiladora. Não costumava fazer isso, depilava-se em casa mesmo, mas: "poxa! Denise chega amanhã!" Mesmo na posição de revolucionária, alimentava o sonho de casar de vestido e com cerimônia. Sabia que não poderia ser um padre, mas queria assim mesmo, pensava: "isso depois a gente dá um jeito!" Queria ter uma casa rosa linda com varanda, gramado e cerca branca. Queria ter filhos — adotaria se fosse o caso. Queria ter cachorro, conta no banco, poupança, carro (não precisava ser zero Km, mas 119 A MARgem - Revista Eletrônica de Ciências Humanas, Letras e Artes / ISSN 2175-2516 Seção Verbare, Uberlândia, ano 3, n. 6, p. 119-121, jul./dez. 2010 Autor: André Rocha Rodrigues | e-mail: [email protected] também não poderia estar caindo aos pedaços). Queria ter cartão de crédito, previdência, seguro de vida, aposentadoria, conta na padaria, pegar o pão e o jornal de manhã. Queria pedir pizza e deixar o troco com o entregador, pagar os impostos, levar e buscar os filhos na escola, tomar remédios, usar chinelos e sentar na poltrona, pedalar aos domingos após o almoço em família, tomar sorvete, planejar viagens de férias com a família e esperar à tarde no portão Denise chegar do escritório. Denise chegou. As coisas não correram como planejara. A recepção e o reencontro foi caloroso, mas não ganhou presentes e mimos, não jantaram em bons restaurantes, não ficaram embaixo do edredom assistindo séries naquele domingo chuvoso. Denise não a levou para o almoço de domingo, não a apresentou para família, nem como amiga. Quarta-feira rolou uma festinha na casa de uns amigos, mas ela tinha aula na faculdade. Denise foi e voltou tarde. Ela ainda a esperava no msn. — Oie! — Olá! — Você tá bem? — Tô sim, um pouco sem sono. Fiquei fuçando na internet e perdi a noção da hora. E a festa como tava? — Tava ótima! Você precisava ter ido! Me diverti muito com aquele casal. Aqueles seus amigos, sabe? 120 A MARgem - Revista Eletrônica de Ciências Humanas, Letras e Artes / ISSN 2175-2516 Seção Verbare, Uberlândia, ano 3, n. 6, p. 119-121, jul./dez. 2010 Autor: André Rocha Rodrigues | e-mail: [email protected] — Sei sim, eles são ótimos. — A gente poderia marcar uma festinha particular só nós e eles, né? — Não sei...vou pensar... — Querida, vou dormir, tô cansadinha. Depois te conto mais... — Também tô indo, tá tarde... — Beijos! — Beijo! Boa noite! — Boa Noite! — té amanhã — até. Mantiveram um relacionamento por um longo tempo. Ainda que Denise não compartilhasse e ou materializasse seus pequenos sonhos, parecia gostar dela. Era divertida e inteligente. Não era muito boa de cama, mas era carinhosa, atenciosa e a tratava bem. 121