CláudioPerani Por Egydio Shuades Há uma semana nos despedimos, em Manaus, do grande-pequeno companheiro Cláudio Perani, sj, um dos assessores mais presentes e mais discretos que a Igreja do Brasil e em especial da Amazônia, teve nestes últimos 40 anos na organização de suas pastorais. Conheci Cláudio no Colégio Cristo Rei em São Leopoldo no inicio dos anos 60. Certamente nos encontramos e conversamos. Mas não me recordo de um só encontro ou de uma só conversa. Mais tarde nos encontramos muitas vezes, principalmente a partir de 1978, quando comecei a percorrer o Leste o Nordeste para localizar povos indígenas remanescentes. O CEAS, criado e dirigido por Cláudio durante a Ditadura Militar, tinha sua sede em Salvador e era o nosso refúgio e abrigo na caminhada para a localização de povos indígenas remanescentes e pela implantação do CIMI-Conselho Indigenista Missionário no Leste e no Nordeste. Ele sabia que os membros do Secretariado do CIMI eram proibidos de entrar em áreas indígenas e que estavam na mira dos militares. Sempre senti total apoio do Cláudio a toda a Igreja perseguida. No inicio dos anos 80 vim com a família para a Amazônia e raras vezes o encontrei pessoalmente, mas sempre o senti perto em nossa luta pelos povos indígenas e contra os grandes projetos. Como assessor de encontros pastorais, tornou-se conhecido em todo o Brasil. De Tefé a Itacoatiara no Amazonas, de Santarém a Belém no Pará, de Goiânia a Salvador, de Crateús/CE a Olinda. Numa época em que, freqüentes vezes, as assessorias eram chamadas para abafar as insatisfações pastorais locais, Cláudio, com uma dinâmica segura e persistente, sabia fazer surgir as insatisfações e aspirações populares nas Dioceses e Prelazias que, nem sempre, eram as expectativas de bispos e coordenadores de pastoral quando o convidavam. Em suas publicações nos Cadernos do Ceas, selecionou centenas e centenas de textos que colocavam em discussão os temas e as situações mais atuais dos pobres e perseguidos do Brasil e da América Latina: Índios, negros, operários, lavradores, CEBs e o movimento popular em geral. A escolha dos textos por Cláudio ajudou os cristãos a olharem os problemas que afligem os povos brasileiros e as classes oprimidas. Abrindo sem muita seleção alguns números dos Cadernos do CEAS da época, podemos sentir bem as preocupações de Cláudio: "Multinacionais e operários" 1981. "Mutilados do Sisal" 1985. "O Assalto às comunidades e Terras Indígenas." 1988. "O movimento dos Trabalhadores Sem-terra e a Luta pela Terra" 1985. "O negro no Brasil: Relações com a Igreja e a formação dos movimentos negros urbanos." 1987. "Hidroelétrica ameaça a sobrevivência dos indios Waimiri".1985. Os Cadernos do CEAS foram também o veículo mais persistente de denúncia contra os poderosos. Quem quiser ter um retrato das criticas do movimento popular brasileiro contra o regime militar de norte a sul do país recorra ainda hoje aos Cadernos do CEAS: "Multinacionais na Agricultura" – denunciava em 1976. "Grilagem na Bahia", 1980. "O poder dos bancos e a crise atual". 1984. "Proálcool : - quem paga a conta?" 1988. "Agrotóxicos: O veneno e as mãos". 1987. "Não há caminho para humanizar o Banco Mundial". "À margem de 'cartéis e desnacionalização'" e "O jogo sujo dos cartéis". 1976. "A política indigenista da Nova República." 1986. Mas, certamente, a crítica mais vigorosa contra a política da Ditadura para a Amazônia foi um número especial que Cláudio organizou em pleno Regime Militar. Documento amplo, sistemático, contundente e irrefutável. Cláudio marcou a Igreja de Norte a Sul do país dando voz aos profetas. Mas foi também um dos mais importantes articuladores da solidariedade latino-americana durante um dos períodos mais difíceis: "El Salvador: Igreja e povo do mesmo lado".1980. "Quatemala: o massacre de Panzós" 1988. "A Invasão de Granada e a Revolução Centro-americana". 1984. "Reforma Agrária na Nicarágua". 1985. Colômbia: atrás do fumo e da fumaça, uma guerra suja". 1988. As informações e os dados que lançou a público através dos Cadernos do CEAS nunca puderam ser contestados, nem pelas Ditaduras Militares e nem pelas ditaduras da mentira que se seguiram. A preferência na escolha de textos amazônicos, revela a sua paixão pela região, para onde, finalmente, veio se estabelecer. Em Manaus organizou o SARES-Serviço de Ação, Reflexão e Educação Social, hoje um dos mais consistentes aliados do movimento popular nesta região. A preocupação ecumênica estava presente em todo o seu trabalho eclesial e Cláudio sempre trabalhou com equipes mistas de leigos, religiosas e religiosos. Nunca se refugiou no seu mundo jesuítico. Cláudio foi sempre assim: homem presente sem aparecer. Tranqüilo e seguro de sua posição. Inalterável diante das adversidades e das perseguições. Queria ouvir a voz dos oprimidos e excluídos. Construía a solidariedade entre os povos latino-americanos. Foi presença viva junto aos que eram perseguidos por causa da sua luta em prol dos índios e dos negros... Um apoio firme ao movimento popular. Enfim, Cláudio realizou em sua vida a máxima pela qual os organizadores dos festejos do primeiro centenário da Ordem tentaram situar o jesuíta no mundo: "Non coarctari maximo, contineri autem a mínimo, divinum est." Ou seja: "não se acanhar diante do máximo, mas caber no mínimo, isto é divino". Casa da Cultura do Urubuí, 14 da agosto de 2008. Egydio Schwade