rI .! ;V:"!, IVjj VARíOLA, SUA PREVENÇÃO VACINAL E AMEAÇACOMO :"" ---AGENTE DE BIOTERRORISMO ::,:,': GUIDO CARLOS LEVI*, ESPER GEORGES " '~:';;':;'í KALW Serviço de Moléstias Infecciosas Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo e laborat6rio de Imunologia -Disciplina de Doenças Infecciosas e Parasitórias Escola Paulista de Medicina / Universidade Federal de São Paulo RESUMO -Com a'..";-~ ameaça """.."-,,, internacional do bioterrorismo, a varíola voltou a ganhar destaque mundial. Os autores revisam aspectos da varíola e trazem consideraçõesatuais da utiliza. ção do agente como arma biológica. Também apresentam dados dos esforços atuais na produção e desenvolvimento de vacinas contra a doença. UNITERMOS: Varíola.Vacina,Bioterrorismo. INTRODUÇÃO Quandoa varíolae suaprevençãovacinal pareciamdestinadas a seremincluídassomente nostextosde históriada medicina, a ameaça do emprego do vírus causadorda doença como arma de bioterrorismotrouxe novamente à tona o interessepelo assunto,em particularpara as novasg~rações,que iniciaram suaprá,tica clínicaapósa erradicação dessa patologia.E importanterever essestópicos, com a finalidadede informaraquelesque nuncavivenciarama varíolae refrescara memória daquelesque, felizmente,já há três décadas deixaramde ver pacientescom a doença.O objetivo destarevisãoé, portanto,auxiliarno reconhecimentodestadoença,familiarizaros leitorescom os avançosna obtençãoe desenvolvimentode vacinaspreventivas,e trazer d' ., para Iscussao a recenteameaçada varlolaser ut'l ' d b' I ' ,ours, Ilza a como arma 10oglca. anosa.c., e Haeseracredit~que descrições de doençaexantemáticana India~ntigapossamcorresp?n"de~ a es~ patologia,~o enta~to: as evld~n~las~als ,se~urasvem de mumlasda 18 dinastiaegl,pcla(1580-1350 a.C.), e a cabeça mumificada do faraó Ra~sesV (ao,re?or de 1160a.c.) mostra lesoescompatlV~lscom essadoença. Parece ~er permaneCIdoausenteda,Europa nos pe,rlodos~r:go e rom~n,ocláss.lco, em"bo~a haja descrlçaode TuCldldesde oc~rrenCla e~ Atenascerca de 430 ,a.~. e Dlodorus Slc~lu,s descre~e"doençasimilar~tacandoo exerCItocartaglnesno ce;co de S,racusaem 396 ~,~. No ~uarto se~ulo d.C. surge~ descrlçoesescritasna China. No ~e~o seculo d.C.,era comu~ no norte da Afrlca,d,e ond~ teria p~ssadoa Fr~nça,causa~~oepldemla descrita pelo bispo Gregorlo, de T em 581 d ,.C P Ita d ' I IO d C ' , " or vo o secuo ..Ja existiam HISTÓRICO hospitaisno Japãoparao isolamentode paci, , ,entes com varíola,Nessaépoca,a doençaera A varlola e uma doença conheCIdades- comum em todo o Oriente Próximo, Rede a antiguidade.Como não existem reser- introduçõesna Europaocorreramcom o revatórios ~ni~ai,snem portadoreshum~n~s, tomo dascruzadas, e a invasãomongollevou sua perslstencladepende da transmlssao a novadisseminação em massa,Pararessaltar contínua entre seres humanos. Por isso, a importânciada doençano continenteeuroespecula-seque deve ter emergido apósos peu, bastariacitar que no final do século 18 primeiros assentamentosagrícolas,por vol- morriamde varíolacercade 400,000pessoas ta de 10.000 anos a.c.I. Paschendescreve por ano,e umterço doscasosde cegueiraera evidênciade varíolana China cercade 1700 secundárioa seqüelasda doença2. ' I , d ' varioa e causaa por um vlrus que possuimaterialgenéticoconstituídopor DNA, do gêneroortopoxvírus, famíliapoxviridae, Ao microscópio óptico, após coloração pela fucsina,apresenta-sesob forma de granulações finas,os corpúsculosde Paschen.Ao microscópioeletrônicotem forma cilíndrica, assemelhando-se a um pequenotijolo de 230 por 300 nm6, Podepermanecerviávelmuitosmesesno meio ambiente,Seuefeitopatogênicoé atenuado pelo envelhecimento, pelaexposiçãoà luz Suaintroduçãono Novo Mundofoi catastrófica.Com a chegadados espanhóis ao Mé'Correspondência: xico" cercade três milhões,," de nativosmorreAlomedoJoú759-Cep:O1420-001-SãoPoulo-SP Tel:(11)2884266-fox: (11)288-5836 ram de varlola,Gravesepidemiasdizimaram gclevi@uol,com.br tribosameríndias e contribuíramdecisivamen- naturale, rapidamente, pelo calor,perdendo seu poder infectanteem 30 a 60 minutosà temperatura ,,'de 56°C O contágiose dá, na grandemaioriadas vezes,pela inalaçãode gotículascontendoo Rev Assoc Med Bras 2002; 48(4): 357-62 te p~rao colapsodos impériosastecae inca', E possívelafirmar,~uena ~etade do sécu10.16o mundoto~o JaestavaIn~e~do, e, s; nao fo~seo apareCImento da vaClnaçao, a varlola se!lau~ pes~delorec?~entea cadanova geraçaoate os diasde hoJe. ? nome,varíolafoi us~dopel~primei:avez no seculoseis,d,c. pelo bispoSUIÇO ~arlus~e Avenches,derIVandoo te~o do,latim vanus (manchad.o) ou varus(espln,ha). Jano mundo anglo-saxao, ao redor .doseculo 10,o te~o pocou pocccadescreviadoençaexantemátlca, talvezavaríola.Daíem diante,relatosinglese~ uS~f!1o termo pockes.,O prefixo s,,!a//foI a?IClonado no finald~ ~eculo 15paradlferenClaressadoençad~ sífilis"que era a greatpo~, N? França,a varlolafoI chamadade petlte vero/e,e naAlemanhade pockerr, O agentee meiosde transmissão A 357 LEVIGC ETN.. víruls em Isuspe~~o, elim d inadas,pela mucosa Quadro I Númerode mortesna cidadedo Riode janeiro provocadas pelavaríola,entre 1850e 1899 ora, nasa ou lanngea os paCIentescom a doença, Embora o vírus esteja presente em grandes quantidades em crostas infectadas, e~e mecanismo de transn;iss~oé ~en~s fre~ quente, Pode haver tambem Infecçao aerea a distânciaou pelo manuseio de roupas, lençóis e cobertores contaminados, embora essas duas modalidades sejam pouco comuns, No entanto, como curiosidade, no período colonial norte-americano, foram provocadas epidemias em indígenas presenteando-os com cobertores usados previamente em pacientes com varíola. , ..,. Quadro chnlco e diagnostico O período de incubação médio é de 12 Númerode mortes 642 730 1870-1879 6625 1880-1889 1890-1899 6852 8599 , , , FiguraI -Curso evolutivoda erupçãocutâneatípica em criançacomvarlola. Segundodia: erupção máculo-papular.Terceiroao quartodias:pápulasevoluemparavesículasprofundase duras,Quinto ao sétimodias:evoluçãoparapústulas,augedaerupção.Nonoe décimodias:evoluçãoparacrostas, durase escuras,algumasjá sedestacando.Convalescença: hipopigmentação cutâneade longaduração. dias, variando de 7 a 14 dias, O início dos sintomas é abrupto, com febre muito alta, cefaléia, calafrios, dores nas costas, com duração de dois a quatro dias, surgindo a seguir a erupção, como vemos na Figura I, Esta se inicia com máculas na face, que Período 1850-1859 1860-1869 Extraídoe adaptadode R.T. D. Edmond,AColourAtlasoflnfectiousDiseasel9 J~'~"., evoluemrapidamenteparapápulase, em alguns dias, para-w:esículascontendo líquido límpido e cercadas por halo eritematoso regular. Ao redor do sexto dia, as vesículas evoluem para pústulas, sendo ambos tipos de lesões geralmente umbelicadas e de centro mais escur06, As lesões são uniformes e de mesmo Quanto à varíola minor ou alastrim discu'' h ' d ' 'd d rb'd estadio evolutivo, São profundas, endurecidas ' rífu E "te-se ate oJe trata-se e enti a e mo I a d d' 'b '. d ' e e Istn Ulçao cent ga, stas caracterlstl- d ' diti d d d '" diti 'I Iversa, causa a por um VlruS erente o a , b ' cas permitem o lagnostlco erenCla com a " .' .. I varlce mais t a, supe que apresen rfi ' , IClals e com I a po . esoes I' Ismo reglona, b .,ou seja, diti eren numa t mesma stad' es t ' tas rlpe , cen rfi Imo elos area lut ' evo sao o serva ' I d os varlola I .., major, Tem evoluçao rfi ., mais d - emgna, d as esoes sao maissupe IClaIS, a uraçao o qua,. '. dro e mais curta e a letalIdade nao ultrapassa ' .., ' I % a 2%. Ressalte-seque a vaCInaantlvanollca IVOS, A varíola e o Brasil ' " ' Clp al '" Durante varlos seculos a vanola foI a prln," causa de mortalidade nas vilas e CIdades ..." brasileiras, a partir de onde se disseminava pelos sertões Provocando a morte de " ' número de escravose de Indlos q ue vam nos en g enhos de a ç úcar do g rande trabalha- Nordeste e na . Ao redor do nono ao décimo dia as lesÕes evoluem para crostas, a febre regride e o estado geral melhora bastante, No entanto, protege tanto contra a!orma major da doença quanto c,ontr,a~ alastnm6" " , ,O diagnostico da varlola ,e. b~lc~e~te extração de ouro em Minas Gerais7,Paraseter idéia da gravidade do problema, basta observ~r no Qua~ro I as ~ortes por varíola só na são necessários mais ,sete a 10 dias para a cllmco, ~o entanto, se necessa,nodlagn~stlco Cldad,edo Ri~ de Janeiro, na segunda metade queda das crostas, Areas hipopigmentadas lab~ratonal, ;Ie poderá ser feito atraves.do do secul? 19, podem persistir por um longo tempo, haven- cul~vo do vlrus (do sangue ,ou das leso~s ,., ' Devido ao ~Imn;o. nlVel~e conh~Clmento do freqüentemente cicatrizes profundas na cutâneas) em culturas de teCl~os, nos quals sobre a patologia,a umcaopçao pos~lVelera o face e, mais raramente, em outras partes do após 30 a 48 horas toma-se evld7nte a dege- afastamento dos enfermos dos ambientes fre- corpo, Existem também formas hipertóxicas, neração celular",ou em ovo embnonado, com qüentados pelos sadios, levando-os muitas em que a morte pode sobrevir ainda no perí- leituras positivas após 48 a 72 horas, A vezes a morrerem sozinhose desassistidosnas odo prodrômico ou logo após, microscopia eletrônica revela os característi- mataspróximas a vilas e povoados7, Formas mais leves, com erupção abortiva, cos corpúsculos de inclusão, permitindo facil- Há 125 anos, São Paulo sofria com uma podem ser observadas em indivíduos com mente a diferenciação com a varicela e o terrível epidemia de varíola, e foi decidido imunidade parcial obtida por vacinaçã06,já as formas hemorrágicas são de extrema gravida- herpes simples, Existem também várias reações soro- procurar um local afastado da cidade para colocar os doentes, Com parte da verba para de e altíssimaletalidade, lógicas,porém de pouca utilização prática, a construção vindo de subscrição pública, foi 358 _ 1111111111 . II~I ~J - Rev Assoc Med Bras 2002; 48(4): 357-62 VARÍOLAE SUA PREVENÇÃO VAClNAL construídoum "Iazareto"na antigaestradado Araçá.Assimsurgiuo Hospitalde Isolamento de São Paulo,inauguradoem 8 de janeirode 1880.Com o tempo transformou-se em hospital paratodas asdoençasinfecciosas, porém até hoje o Institutode Infectologia EmílioRibas ." " ..., ."" . Figura2 -Pega davacina antlvarlollca. (A) Peganormal,nopiCO (nonoa décimosegundo dias)compústulaperlácea sobrefundoavermelhado endurecido. (8) "Peg~"em~ndivíduo ~ipersensível, comlesãobolhosa degrandes dlmensoes. Extraldoe adaptado deR.T. D. Edmond, A ColourAtlasof Infectious Diseasesl9 ainda guardao primeiro pavilhãodo antigo hospital. O Brasilfoi o último paísdasAméricasa erradicara varíola.Em 1971foram notificados 19 casos,sendo que em 1972 ocorreu o último casoda doençaem nossomeio, considerada,a partirde então,erradicada do continente americano. A vacina Ao redordo ano 1000d.c. começouaser usadona índiaum métodode proteçãocontra a doençaque se const~uíana inoculaçãode materialobtido pela remoção das cascasdas pústulas,a seguir moídas e aplicadaspor esfregaçona pele ou por inoculaçãonasnarinas. Da índia;"o método se espalhoupara a China,Cáucaso,Turquiae África2.Atravésda embaixatriz br~ânica em Constantinopla, Mary Wortley Montagu,~étodo chegouà Inglaterra.O processo,chamadode varioIização , não era desprovidode riscos,porém asfatalidades ligadasà suautilizaçãoeram dez vezesmenosfreqüentesque com a infecção natura).Apóso iníciodo usodo cowpoxcomo vacina, esta prática reduziu-se progressivamente,emborana segundametadedo século sultados em conferência para a Roya/ Society, o que lhe foi negado. Publicou, então, seu trabalho a suas próprias expensas,com sucessonotável e imediato, sendo que em 180I já cerca de 100.000 pessoashaviam sido vacinadaspelo seu método? Em 1805,Napoleãoordenoua vacinação . segurae em quantidadeadequadafoi obtida pelocrescimento do vírusem flancode bezerro. No entanto,a vacinaassimproduzidaera viávelpor curto períodode tempo, somente de I a 2 dias.No final da décadade 40 do séculopassado, Collier desenvolveuprocesso que perm~iua produçãoem largaescalade vacinaestávelII. Com isso,a Organização Pan- 20 aindafossesinalizadoseuuso em populações remotas da Etiópia,África ocidental, Afeganistão e Paquistã09. Incentivado pelo seu mestre, John Hunter, devemos a Edward Jenner o desenvolvimento do primeiro método seguro de vacinação.Após 20 anosde estudos, realizando experiênciascom a varíola bovina, Jenner demonstrou em 1796 que a proteção poderia ser obtida com a inoculação de material extraído de lesão pustular humana de varíola bovina (cowpox, que hoje sabemosser causada por um ortopoxvirus bastantepróximo do vírus da varíola). Deu ao material o nome de vaccine, derivado" do termo latino vacca,e ao processo de vaccination.Após vacinaçãobem sucedidade menino de oito anos, com demonstração de proteção ao material da pústula de varíola inoculado a seguir, Jenner tentou apresentar seus re- de todos seussoldados.Vacinação obrigatória por leifoi inst~uída em 1835na Inglaterrae no Paísde Gales;dez anosdepoisna Escócia e na Irlanda;em 1874naAlemanhae em 1902na França.Nem sempre,porém, essaobrigação legalfoi recebidapacificamente. Sãobem conhecidosepisódiosde verdadeirarevoltacontra a vacinação obrigatória, como a de leicester,na Inglaterra,e, entre nós,a do Rio de Janeiro,em 1904. Inúmerascepasvacinaisforam empregadasnosquasedoisséculosde vacinação contra a varíola,obtidaspor passagens sucessivas em diferentesanimais.Acredita-seque o vírus vacinaltenha se originadoda hibridizaçãoentre o vírusdavaríolae o cowpox,ocorridanos primórdiosda vacinação.Outras possibilidadesseriammutaçõesapóspassagens em diferenteshospedeirosou hibridizaçãocom outros ortopoxvírus'o. Desde 1864, a provisãode vacinamais Americanade Saúde(OPAS)decidiu,a partir de 1950, dar início ao programa de erradicação da doençado hemisfério. Em 1959,aOrganização Mundialda Saúde (OMS) decidiu empreender campanhade erradicação global. Em 1967,a doençahavia sido eliminadadasAméricas,com exceçãodo Brasil,porém os resultados em escalamundiàl eram aindainsatisfatórios. Foientãodadoinícioao programaintensificado de erradicaçãoglobal.Segundorecomendação da OMS,passou-se a empregarlote sementepara a produçãoda vacina.As mais comumenteutilizadascom essafinalidadeforam ascepasListere t'jew YorkCity Boardof Health.A China e a India preferiramutilizar outrascepas, denominadas Temp/eofHeavene Patwadanger, respectivamente2. Os resultadosdesseesforçoconcentrado logo se fizeramsentir. Em 1972,ocorreu o últimocasono Brasil, tambémo derradeirodas Rev Assoc Med Bras 2002; 48(4): 357-62 359 lEVIGC ETAL. Fi~ura3 -Complicações~ecorrentesdavacinaçã? anti~ari~lica.(~) Eczema ~accinatum emcriança.(B) Eczema vacclnatumemadulto.(C) Dlssemlnaçao emareade queimadura solar. (D) Inoculaçãopor roupa,no caso,camisade amigarecentemente vacinada.(E)Auto-inoculação deface.(F) Bleraritevacinal.(G)Vulvovaginite vacinal.(H) Vaccíniafetal, comóbito por lesõesener~lizadas. (I).Vaccíniacongênit.a emconse~üên.cia ~evacina~ão da mãeemfinal de gestaçao,comlesoesgrandes,evoluindoparaclcatrlzaçao.Extraldoe adaptadode R.T. D. Edmond,A ColourAtlas of InfectiousDiseases'9 Aplicação da vacina Utilizando-seagulhabifurcadaestéril e descartável,são feitas 15 escarificaçõesrapidamentenumaáreade cercade 5 mm de diâmetro. O local deve ser coberto com curativo não oclusivo para evitar a autoinoculação e, ao mesmo tempo, evitar a proliferação bacterianaque poderia ocorrer com a oclusão do loca!, Evolução da "pega" vacinal Após dois a cinco dias, uma pápula se desenvolve no local, evoluindo para vesículaem oito a 10 dias,quandoa reação atinge seu auge. Nesse período pode surgir febre. Cerca de 70% das criançasapresentam até 38°C por um ou mais dias, porém 15% a 20% podem ter febre mais elevada,até 39°C. Em adultose nas revacinações, a febre é menos comum e de menor intensidade1°. A seguir, a pústula seca,formando uma crosta que se destaca, deixando cicatriz característica. Complicações vacinais , Américas, O último casode infecçãonaturalfoi registradoem outubro de 1977,em Merka, Somália,Os únicosdois casosnotmcados após eStadataresultaram de acidenteem laboratório em Birmingham, In.\?Jaterra, em 1978, Em 8 de maio de 1980a erradicaçãoda varíolafoi, reconhecidapela assembléiada OMS. Assim,a primeira doençapara a qual a vacinatornou-se disponívelfoi também a primeiraa ser erradicadado planetaatravés de programa vacinal. Hoje, seu interesse seria meramente histórico, não fosse pela ameaça de bioterrorismo. Teoricamente, apenasdois países,EUAe Rússia,possuem hoje amostrasdessevírus,sob condiçõesde segurançamáxima. Como os estoquesde 15 milhões de doses da vacina disponíveisem setembro de 200I .são absolutamente insuficientes em caso de ataque biológico, reiniciou-se sua produção acelerada, daí o interesse em revermos suascaracterísticas,em particular para as gerações mais jovens, que não tiveram conhecimento mais aprofundado desse agente imunizante. 360 Constituição da vacina Emgeral,suaproduçãoerafeita por cultivo em pele de bezerro,A seguir,o vírusera coletado,purificadoe tratadocom fenol,o que nãoevitavaumacontaminação bacterianaresidual, Contudo,eStacontaminação era muito pequenanasvacinas adequadamente preparadas,com baixapatogenicidade parahumanos2, Paraaplicaçãopor multipuntura,sua reconstituição era feita com soluçãode glicerinaa 50%. Seadministrada por injetora ar comprimido, era empregadasoluçãosalina, AJguns laboratórios produziram a vacinaem membrana corio-alantóidede ovos embrionados. No entanto,eStaformade obtenção tomou problemática suaestabilidade térmica,e somentena Suéciaseconseguiuafastar o risco de contaminação como vírusdaleucoseaviária. Como o método de produçãoda vacina em culturade tecidossomentefoi aperfeiçoado na fasefinalde erradicação da varíola,não foi utilizadoem largaescala2, No entanto,será provavelmente o métodode escolhaem uma nova retomadada produçãoem respoStaàs ameaças de reaparecimento da doença. Encefalitepós-vaC/na~ Evento grave, maisfreqüente entre criançasmenoresde um ano de idade,ocorre em aproximadamente três vacinadospara cada milhão de primo-vacinações. Eczema vacina~ É a disseminaçãoda "pega"em áreasde eczema ou dermatite atópica, independentemente do grau de atividade do processo no momento da imunização. Pode ocorrer também em contactos de vacinados. É acompanhado de sintomasgeraisintensos,com febre alta e linfadenopatiageneralizada. Vaccinia progressiva: Ocorreem indivíduos imunodeficientes. A lesão não cicatriza,surgem lesõessecundárias e a mortalidadeé elevada(cercade um terço dos casos) Vacciniageneralizada: Caracteriza-se pelo aparecimento, uma semana após a vacinação,de novas lesões,em indivíduos imunocompetentes,Estaslesõesseguemo mesmo curso da "pega"primária e, embora sintomasgeraispossamestar presentes, o prognóstico é geralm~nte bom. Inocularãoacidental E acomplicação mais freqüente. Em geral é inócua e se deve à transferência do vírusvacinalparaoutrasáreas do corpo, com cicatrizaçãosimultâneaà da lesãoprimária. Rev Assoc Med Bras 2002; 48(4): 357-62 VARÍOLAE SUA PREVENÇÃO VAClNAl Duração da imunidade Nos paísespraticamentelivresda doença, a vacinaçãoprimária era realizadaem criançasmaioresque um ano de idade,para evitar casosde encefalitepós-vacinal.Já nos paísesem que a doença era endêmica,a vacinaçãoinicial era feita entre três e nove mesesde idade. Revacinações eram feitasa cadatrês a 10 anos seguintes. Surpreendentemente,há poucostrabalhosna bibliografiamédica sobre a duraçãoda proteçãocontra a doença. Há indíciosde que ela seja bastantelonga, chegandoa 80% mesmo após 20 anosda vacinação.No entanto, parte destaproteção poderia ser devido are-infecções inaparentesl2.Apesardisso,dadosde reintroduçãode varíolaem paísesonde ela era longamente ausentetambém falam a favor de proteção vacinalprolongada.De 680 casosde varíola major ocorridos apósimportaçãona Europa, morreram 52% dos não-vacinados I 4% dos vacinadosnos últimos 10 anose' li' I % dos vacinadoshá maisde 20 anosl3' .um Contra-indicações da ~cina São contra-indicaçõespara a vacinação eczemano indivíduoou contactantes domiciliares,doençasou tratamentosque levem a pode serfatal, é facilmentetransmitido,pode serproduzidoem grandesquantidades e pode ser armazenadopor um longoperíodolS16. Casovenhaa seconcretizaro usodo vírus da varíola~om finalidadeterrorista,poderia causarum Impactode proporçõesdifíceisde calcular.Apósa erradicação da doençae subseqüenteinterrupçãodo empregoda vacina, b,oapa~e da,populaçãomun~ialestádes~rovl~ade Imunld~de.Isto po~enalevara epldemiascom letalIdadesuperiora 25~17. Para enfrentaru~a ,am~aça ,de.ssamagnitude,os estoquesvaonalsdlsponlVel~ em ~etembrode 2~0I ~ra~ absolutamente Insufioent,es~ Eram dlSpOnlVels no~ EUA,cercade 15 mllh~esde doses,produzidasde~das antes.Em calculos e!e~uados quantoao nu,mero, de ~osesn~cessarlasparac.ontrolara dlssemln~ça~ a partirde ~~ foco,foI lembradaa experl~noana I.ug~slavla,queem 1972tevequ~aplicar18mllho,es de dosespor causade um Unl~~casol4.Assim sendo,o governodosEUAsolicitouaosquatro laboratórios do paíscom capacidade industrial de produçãodestavacina,e posteriormentea laboratóriofrancês,que trabalhassem em regimede urgênciaparadotar o paísde, no mínimo,40 milhõesde doses,massepossível 60 milhões,até o fim de 200I. Essas vacinas poderãoser desenvolvidas a partirde maisde quandoé empregada a vacinanão diluída,abre a discussão parapossívelempregode segunda dosecom avacinanãodiluídanos30%de não respondedores à vacinadiluídaapóssete dias da primeiradoselB. Finalmente,é importante ressaltarque outros mecanismos de defesa,alémda vacina, estãoe deverãoser cadavez maisestudados, como medicamentosantivirais,terapiascom anticorposou seusfragmentos, ou aindasubstânciasestimulantes da respostaimunológica. Além disso,deverãoser produzidosestoques consideráveis de imunoglobulinaantivaccínia, já que o considerávelnúmerode imunodeficientesna populaçãoatual (pacientescom imunodeficiência secundária ao HIV,com neoplasias, sob tratamentocom substâncias imunossupressoras) faz prever o aparecimento não raro de complicações sefor empregada a vacinaantivariólica em extensascampanhas de imunizaçãoem massa. imunossupressão, gravideze anafilaxiapor algumdosantibióticosutilizados naantigapreparaçãoda vacina(polimixinaB, estreptomicina, neomicinae tetraciclina).Todas as contraindicações devem ser cotejadascom o risco um lote semente.No entanto,a não ser em circunstanciasexcepcionais,só virão a ser empregadas apóstestesde eficácia("pega"em pelo menos90% dosvacinados sem imunidade prévia)e segurança. Essaavaliação teráque cansideratlanS,ant~eexp/aJtatlanaftheetl?/aglc :ent a: a :Ia/ag~ca/weapon.A/sa brlng to dscu~s'ann e a~i/ab/ee~artsto produ~eand eve ap vacanes agalnst lhe dlsease. [RevAssocMed Bras2002;48(4): 357-62] SUMMARY S MALLPOX,VACCINEPREVENTION AND THEBI~TERRO~ISM T~REAT . ,lI\/íth lhe Int~rnatl~na/threat af ~/aterJ~m, ~~a/lpo: ISaga!n~':r1~~eraf I;en~e e l1:e. ~auti ars revlew, 1: 1sease an, IãIS~ s II v , B.. em casode contato suspeitocom paciente seguirregrasdiversasdasatualmenteempre- v~, W ' ' gadas I" t d .~T OROS, ma pox, acone, loterronsm. , l. ., que os .Ind 'IVI 'd Inlectante, ja uos com maior parao Icenoamen o e umanovavaoR A perigode complicações vacinaissão também na,umavezque avaríolanãoestámaispresen, , t . r1ant -, ' I EFERENCIAS os com maioresriscosde morte peladoença. e em nossomeio e, po o: nao e posslve , , ..estudo de campo para avaliar a proteção I. M.cNelllWH. Plagues and people.Garden A varlola e o bloterrorlsmo vacinal,alémde problemaséticosque imposCity:AnchorPress;1976. E t bl' fi I d 200 I 14 ~ recen e pu Icaçao,no Ina e ..' .b 'I' ..2. SI I~m estudo~ com l~oc~l?çãoexpenmental Henderson DA. Moss B. Smallpox and vaccinia. 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Basiléia: d d' " I E .Editores Roche; 1991. pU essemer e, oquesc an e Inos o agente, apesardo VlruSestararmazenadoem somentedois locaisno mundotodo, sob condiçõesde segurançamáxima.A ameaçade seu b' I " , uso como ar,ma 10oglca e extremamente preocupante,já que se tratade um vírusque ta o~ }sponlvelsatuamente. nquanto,a vao6. MachadoCG. Varíola.In: AmatoNeto V, na dllulda 100vezestrouxe respostasImunoBaldyjLS. editores.Doenças transmissíveis. gênicasmuito baixas,quandodiluída 10vezes SãoPaulo: Sarvier;1989.p.875-81 . proporcionou"pega"em 70% dosvoluntários 7. Amat.o~eto V, ~aldy jLS. ,SilvaLj. -,. .Imunlzaçoes. 3aed. SãoPaulo:Sarvler;1991. que nao eram previamenteImunizados.Em8. TorresT. La campagne sanitaireau Brésil. boraesseresultadosejaaindainferioraos95% Paris:Societé Générale d'lmpression;1913. Rev AssocMedBras 2002; 48(4): 357-62 361 lEVIGC ET.A!.. 9. FennerF. Henderson DA. Arita I. Smallpoxand its erradication. Geneva: World Health Organization; 1988. 10. Silva LJ. 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