José Manuel Félix Ribeiro Colaborador da Secretaria de Estado do Planeamento e Desenvolvimento Regional nas áreas de economia internacional e prospectiva de 1990 a 1995. Subdirector-Geral do Departamento de Prospectiva e Planeamento (DPP) 2000–2005 — a União Europeia numa encruzilhada? 1. A dinâmica recente da integração europeia — a formação de uma estrutura A Europa é atravessada desde meados dos anos 80 por duas grandes forças de mudança de expressão planetária – a Globalização na Economia e a Fragmentação Geo política. Essas forças traduziram-se na Europa por um conjunto de transformações. Começando pela última. A fragmentação geopolítica Esta traduziu-se pela retirada da URSS da Europa de Leste, pela aceitação soviética da reunificação alemã, pela desintegração da URSS nas suas repúblicas «constitutivas», pela desintegração da Jugoslávia com uma guerra civil entre sérvios, croatas, muçulmanos bósnios e mais recentemente albaneses, e pela desintegração pacífica da Federação Checoslovaca. A reunificação alemã realizou-se no respeito pelas fronteiras «exteriores» da Alemanha herdadas da Segunda Guerra Mundial (que consagravam o desmembramento da Prússia), e sem que tenha havido alterações no estatuto interna- cional da Áustria (adiando assim uma eventual segunda reunificação alemã, para sul, já que o respeito pelas fronteiras do pós-guerra a norte impedem pensar no renascimento de uma «Alemanha prussiana»). A reunificação alemã realizou-se no contexto da sua integração na OTAN com a permanência no seu solo de tropas de Estados da Aliança (EUA, Reino Unido, Holanda, Bélgica e França), que passaram a estar integradas em «corpos multinacionais» envolvendo também tropas alemãs, permanecendo o território alemão como o pivot da estrutura militar integrada da OTAN. Os processos de fragmentação geopolítica referidos, se levaram à reunificação alemã, levaram também à formação de dois «vazios» geopolíticos nas fronteiras leste e sudeste da UE – um entre a Alemanha e a Rússia, na Europa Central e Báltica, outro entre a Alemanha/ /Áustria e a Turquia, nos Balcãs. A reunificação alemã, pelos custos que envolveu a forma específica sob a qual se concretizou, retirou à Alemanha a possibilidade de liderar a canalização de fluxos de ajuda para a Europa Central e Balcânica, que lhe permitiriam, de forma autónoma, ganhar uma função de organização que a sua centralidade geográfica potencia. 29 30 Os EUA e os Estados-membros da UE abordaram a reformulação da «arquitectura europeia», exigida para preencher os dois «vazios geopolíticos» referidos anteriormente – e para travar o processo de novas fragmentações – manifestando a sua preferência pela estabilidade das fronteiras e pela democracia em Estados multiétnicos e oferecendo a perspectiva da adesão/colaboração com a UE e a OTAN – as duas grandes organizações ocidentais da «guerra fria» – como factor disciplinador dos comportamento dos Estados situados nos referidos «vazios». A identidade da OTAN manteve-se como aliança de defesa colectiva beneficiando da dissuasão nuclear dos EUA, num contexto de redução de armamentos negociada com a Rússia e de desnuclearização dos Estados resultantes da desintegração da URSS. A OTAN, liderada pelos EUA, que fornece meios militares cruciais (C3I, poder de fogo e logística) e tropas, acabou por se tornar no instrumento-chave para travar o processo de fragmentação geopolítica, quer por via do seu alargamento à Europa Central (Polónia, Rep. Checa e Hungria) quer pela criação de efectivos «protectorados» no centro e sul dos Balcãs – Bósnia-Hezergovina, Kosovo, Albânia e Macedónia. A superioridade militar americana e o dispositivo geopolítico favorecido pelos EUA nas periferias da Europa – protecção das minorias muçulmanas nos Balcãs, procura de paz no Médio Oriente a partir de um apoio incondicional a Israel e reforço do papel da Turquia nos Balcãs e no Médio Oriente – acabaram por levar alguns Estados-membros da União Europeia (que se sentiram ameaçados industrial e politicamente por essa superioridade e que, no fundo, discordam do referido dispositivo) a reagir, apostando no avanço de uma política de defesa comum e numa reorganização «euro-europeia» das indústrias de defesa, que permitisse, a médio prazo, uma maior autonomia de decisão e de acção face aos EUA. A fragmentação geopolítica, trouxe consigo um apagar das clivagens ideológicas da guerra-fria que havia marcado os partidos políticos e levou a três grandes consequências no espectro partidário europeu: a) O colapso dos partidos comunistas e das esquerdas «anticapitalistas» que permitiu às sociais democracias reposicionarem-se ao «Centro» aceitando a globalização e a dinâmica do mercado, mas procurando na construção europeia um modo de defesa da especificidade do «modelo social europeu»; b) O colapso das democracias cristãs como forças principais de governo (que o foram durante a guerra-fria na Itália, Alemanha e Benelux) próeuropeias e pró-americanas deixando o «centro» disponível para os avanços dos partidos sociais democratas; c) A emergência dos Verdes com um programa ambíguo, que lhes permite ocupar um lugar de relevo nos espectros partidários da Europa, albergando no seu seio forças parcialmente anticapitalistas, mas não socialistas, que se tornaram disponíveis para alianças com os sociais democratas, reposicionados ao «centro». Assim, o fim da guerra-fria, e o enfraquecimento ideológico das correntes de esquerda mais estatizantes facilitou, ao fim de meia década, e para o conjunto da Europa Ocidental, uma corrida ao «centro político» que viabilizou um largo consenso em torno do avanço da integração europeia, nomeadamente na esfera económica e monetária, mas também na área da política externa e dos assuntos internos. Globalização na economia Por sua vez a necessidade de responder à glo balização na economia criou condições para o avanço na integração europeia em direcção ao Mercado Único e à Moeda Única. A reunificação alemã constituiu o estímulo decisivo para um novo avanço na integração europeia centrado na Moeda Única, abrindo espaço para a cooperação na Segurança Externa e Interna. Mas os avanços na integração europeia têm vindo a realizar-se, em termos institucionais, com o reforço do seu carácter intergovernamental (vd. 2.º e 3.º Pilares). O avanço para a Moeda Única baseou-se no rigor orçamental e realizou-se no quadro de uma tripla preferência – aumento da competição por via da liberalização e desregulamentação dos mercados de bens e serviços, redução do investimento público/privatização do investimento infra-estrutural, manutenção do modelo social europeu. O fim da «guerra-fria», por seu lado, facilitou o processo de adesão à União Europeia de três países ricos e neutros – Suécia, Finlândia e Áustria – reforçando a presença nas regiões do Báltico e do Danúbio, e contribuindo, num primeiro momento, para o reforço dos que na UE defendiam o alargamento a Leste como uma prioridade. A União Europeia propôs-se contribuir para a garantia da preferência geopolítica – estabilidade das fronteiras e democracia em Estados multi-étnicos – por via da promessa do alargamento e de «pacotes» de ajuda financeira condicionados ao respeito por aquelas preferências. Este conjunto de evoluções (que as Figuras I e II ilustram) determinado, em última instância, pelas forças de mudança planetárias, deram origem a uma estrutura que tem como «forças dominantes» a «identidade, o reforço e reforma da OTAN» e o «reforço da integração europeia», que se influenciam mutuamente, e em que a coesão dos diversos elementos dessa estrutura, tem sido assegurada por três preferências (Figura III): a) Em termos estratégicos – a preferência pela dissuasão nuclear e pelo combate à proliferação nuclear; b) Em termos geopolíticos – a preferência pela estabilidade das fronteiras e pela democracia em Estados multiétnicos, como princípios de reorganização dos «vazios geopolíticos» c) Em termos económico-sociais – a preferência pelas reformas que permitam o aumento da competição sem alterar o «modelo social europeu» e pelo reforço da coordenação entre Estados, sem existência de uma hegemonia. A «centralidade» na estrutura que se tem vindo a caracterizar é o local virtual em que estas preferências se manifestam em conjunto com mais intensidade, e em nenhum Estado-membro da União Europeia é tão forte a adesão a esse conjunto de preferências como na França. E se são três as «Preferências Estruturais» são duas as relações-chave que suportam as «forças dominantes» da estrutura. Assim: O «reforço da integração europeia» – é suportado basicamente pela relação entre a França e a Alemanha; A «identidade, reforço e reforma da OTAN» – é suportada basicamente pelas relações entre os EUA, o Reino Unido, a Alemanha e a Turquia. Figura I A estrutura que suporta o processo de Integração Europeia (I) 31 Figura II A estrutura que suporta o processo de Integração Europeia (II) 32 Figura III A estrutura que suporta o processo de Integração Europeia (III) Globalização económica • A globalização na economia mundial permite a expansão simultânea das fronteiras geoeconómica (desenvolvimento das economias emergentes) e tecnológica (desenvolvimento das tecnologias emergentes). • No centro da expansão da fronteira geoeconómica encontram-se as economias chinesas – Rep. Popular da China/Hong Kong, Taiwan e Singapura, articuladas através da diáspora chinesa com as economias mais dinâmicas do Sueste Asiático – Tailândia e Malásia; • No centro da expansão das tecnologias emergentes encontram-se os EUA, o Japão e a Coreia do Sul; o Reino Unido, a Suécia e a Finlândia. • O processo de globalização assenta numa articulação complexa interna ao «Mundo do Pacífico» – que reúne os EUA, o Japão, as «economias chinesas», o México/Venezuela e a Arábia Saudita (e partes da Índia), mas envolve também o «Mundo do Atlântico»-EUA, as três economias situadas nas Ilhas Britânicas (Inglaterra, Escócia e Irlanda), a Holanda, a Suíça, a Suécia e a Finlândia. Globalização geopolítica A fragmentação geopolítica traduz-se: • No crescimento da importância estratégica de um «Arco de Crise» que engloba a Ásia Central, o Médio Oriente, o Golfo Pérsico, a Ásia do Sul, e a Ásia do Pacífico (Coreias, Curilhas, estreito da Formosa e Mar do Sul da China) • Na desvalorização estratégica da Europa Continental e no crescimento da importância estratégica, dentro da Eurásia, dos Balcãs, do mar Negro e do Cáucaso. O processo de fragmentação geopolítica, em termos de alteração na relação de forças entre potências, traduz-se pela: • Afirmação dos EUA como única potência ainda com capacidade de projecção de poder ao longo deste «Arco de Crise» e com meios tecnológicos e financeiros para reduzir a vulnerabilidade do seu território às armas de destruição maciça em difusão (defesa antimísseis); • Emergência complexa e possivelmente tumultuosa de novas grandes potências (China, Índia e Irão) que tentarão afirmar-se primeiro como actores principais nos «complexos regionais de segurança» em que se inserem e que se localizam ao longo do «Arco de Crise»; • Declínio do poder externo (e da base económica externa) da Rússia dividida entre os extremos da opção por um entendimento privilegiado com os principais aliados dos EUA durante a «guerra fria» – Alemanha, Japão, Coreia do Sul e Turquia – e a utilização da ascensão de novas potências para tentar reduzir a capacidade de actuação externa dos EUA, ao longo do «Arco de Crise». 33 2. Europa 2005 — expectativas de continuidade e riscos de ruptura 34 A maior parte das expectativas actuais quanto à evolução europeia num horizonte 2005 apontam para a continuidade desta estrutura, o que teria que supor a permanência de um entendimento entre a França e a Alemanha em relação às três preferências estruturais e à consolidação dos dois pilares «Integração Europeia» e «identidade, reforço e reforma da OTAN». Esses cenários permitiriam à França manter a centralidade na Estrutura sem impedir que a Alemanha explorasse as potencialidades da sua «centralidade» geográfica na Europa. Ora, estão em curso um conjunto de processos e interacções que podem atingir a viabilidade destes pressupostos, embora o façam em momentos diferentes do curto/médio prazo, pelo que a sua actuação não deve ser encarada como uma simultaneidade mas como uma interacção sequencial. Nesse sentido distinguiram-se dois períodos – os anos 2001/2002 e 2000/2005. 2001/2002 — anos de todos os riscos? Neste período podem destacar-se os seguintes processos geradores de riscos : 1) A interacção entre globalização económica e Integração Europeia que abra a possibilidade de ocorrência de turbulências na UEM no momento de passagem definitiva para o Euro. Esta possibilidade poderia revestir duas modalidades: Uma caracterizada pela continuação do crescimento dos EUA, pelo reforço dos movimentos de capitais a longo prazo do Japão em direcção aos EUA (na sequência da libertação das poupanças japonesas) e à China, e dos capitais a curto prazo das «economias chinesas» para os EUA, servindo como escudo de defesa do dólar face ao Euro, e de razão para a continuação dos fluxos de capitais a longo prazo da Europa para os EUA e Ásia que têm contribuído para a «fraqueza» do Euro; Outra caracterizada pela ocorrência de uma recessão nos EUA na sequência de novas correcções bolsistas centradas nas acções da «nova economia», com reflexo na saúde do sistema bancário dos EUA e levando a uma retracção temporária dos movimentos de capitais a longo prazo do Japão para os EUA, a uma travagem no crescimento europeu (um crescimento não endógeno mas determinado pelas exportações) e a crises bancárias em países da zona Euro, devido ao seu envolvimento em operações de alto risco com títulos de empresas americanas, traduzindo-se numa falta de confiança na moeda única. 2) O impacte sobre o comportamento futuro do Euro na transformação dos sistemas financeiros das economias europeias, num momento em que se podem estar a acumular focos de risco no sector de «novas tecnologias» e no sector bancário europeus, podendo referir-se dois tipos de evoluções contrastadas: Uma em que se assistiria a uma rápida conversão das grandes empresas europeias ao financiamento pelo mercado de capitais, levando a um forte crescimento das obrigações colocadas em Euros e ao aumento da colocação de acções nas bolsas europeias, sem que se assistisse a crises nas empresas que na Europa materializam as novas tecnologias – ou seja as que estão associadas à instalação de redes de terceira geração de telefonia móvel (UMTS) e à internet móvel, e sem que o sector bancário europeu experimentasse alguma grande crise, resultante do envolvimento em operações cada vez mais arriscadas em consequência da deserção dos grandes clientes e dos depositantes para o mercado de capitais. Nesta hipótese o mercado de capitais europeu tornar-se-ia muito atraente para os investidores institucionais dos EUA, que aqui encontrariam um lote de empresas do tipo das que encontram no Dow Jones (em contraste com o que acontece com o Nasdaq). Neste caso o Euro teria tendência a valorizar-se num horizonte de dois ou três anos; Outra em que se assistiria a um recurso cada vez maior das empresas europeias ao mercado de capitais, através nomeadamente de emissão de obrigações, mas em que devido aos atrasos na integração dos mercados na Europa e à incerteza quanto à evolução do Euro e das taxas de juro, tal desvio para os mercados de capitais favoreceria a colocação de empréstimos em uma quebra acentuada das expectativas de rendibilidade do sector europeu de telecomunicações internet devido a dificuldades no arranque do mercado da internet móvel e à degradação rápida da situação financeira dos operadores de telecomunicações (devido ao endividamento contraído para financiar o acesso às licenças de UMTS e a instalação das respectivas redes), e se assistiria a crises bancárias atingindo um ou mais dos grandes bancos europeus, pondo à prova o funcionamento do Banco Central Europeu como Lender of Last Resort. Neste caso a transformação gradual do sistema financeiro das economias europeias levaria a um enfraquecimento continuado do Euro. 3) A coesão interna no pilar «Integração Europeia» em torno da Moeda Única, poderá ficar ameaçada após duas evoluções verificadas em 2000: O resultado do referendo na Dinamarca que abriu a possibilidade do adiamento da integração na zona Euro, não só da Dinamarca, como da Suécia e Reino Unido; A adesão da Grécia à zona Euro. Apontam as duas evoluções para um período em que os novos membros da zona Euro não serão países desenvolvidos e com credibilidade mas países recém-convertidos ao rigor orçamental e/ou na fase final da transição para a economia de mercado, o que não deixará de ser tido em linha de conta pelos mercados, podendo conceber-se duas evoluções contrastadas: Uma em que as dificuldades do Euro seriam passageiras, em que seria adiada a entrada de novos membros na UEM, e em que a introdução do Euro em Janeiro de 2002 seria pacífica, nomeadamente na Alemanha; Outra em que as dificuldades do Euro nos mercados cambiais, os crescentes desacordos intra-europeus e a hostilidade das opiniões públicas se traduziria, no momento da introdução do Euro, em movimentos de desobediência civil – nomeadamente na Alemanha em torno da defesa do marco – levando a que o projecto central do Pilar «Integração Europeia» ficasse posto em causa. 4) A interacção no seio do Pilar «Integração Europeia» entre alargamento e questões ins- titucionais/políticas comuns traduzindo-se na dificuldade em obter um consenso sobre a extensão do alargamento, a dimensão e repartição dos seus custos entre os Estados-membros e a criação de um novo equilíbrio institucional. Estas dificuldades podem originar dois tipos de evolução: Uma em que seria impossível chegar a um acordo sobre o alargamento e as reformas institucionais entre os Estados-membros, divididos entre grandes e pequenos, contribuintes e beneficiários líquidos, atlantistas convictos e «continentais», na «linha da frente» ou na «retaguarda» face às migrações de populações do Leste europeu, traduzindo-se numa crise institucional de grandes proporções em 2001/2002, coincidindo com a passagem definitiva ao Euro; Outra em que só seria possível chegar a um consenso que evitasse uma crise na União Europeia no momento sensível da introdução definitiva do Euro no sentido de um pequeno alargamento da União Europeia dirigido aos países da Europa Central e Báltica mais avançados na transição e mais integrados na economia da Europa Ocidental, acompanhado por forte controlo sobre os movimentos migratórios que podem usar esses países como porta de acesso à União Europeia, e com adaptações institucionais centradas no reforço das «cooperações reforçadas», na reponderação dos votos no Conselho e na extensão do voto por maioria qualificada a questões pouco relevantes. 5) A inclusão de Chipre no primeiro grupo do alargamento, condição para que a Grécia aprove o processo e se evite uma crise entre um membro da zona Euro e as instâncias comunitárias, vai trazer para o interior do processo de Alargamento da UE um problema geopolítico central para a Europa: o das relações com a Turquia e a Rússia, podendo conceber-se duas evoluções distintas: Uma em que se consideraria que o principal processo estabilizador do Continente é o que envolve a intensificação das relações entre a União Europeia e a Rússia, ambas se projectando no palco mundial, e ambas procurando aumentar a sua autonomia face aos EUA, e em que se atribuiria um papel secundário às relações da União Europeia com a Turquia (tornando mais difícil reduzir a rivalidade 35 russo-turca nos Balcãs, no mar Negro e no Cáucaso); Outra em que se consideraria que a reconciliação Grécia-Turquia, timidamente iniciada em 1999, constitui o principal processo geopolítico capaz de estabilizar a zona de turbulências do Sueste europeu e se encontraria o modo de integrar a Turquia na dinâmica europeia, o que obrigaria a rever o conceito de «pequeno alargamento» (e a escolher entre a integração europeia como projecto económico e geopolítico ou como projecto identitário) ou a completar o alargamento com outro conceito – o da criação de uma Comunidade do Mar Negro (com sede em Istambul), associada à União Europeia. 36 6) A mudança de regime na Jugoslávia e na Sérvia, mantendo-se ainda em suspenso o futuro do Kosovo, vai levar a pressões cada vez maiores da população albanesa e dos seus líderes partidários para a independência deste território (nas suas actuais fronteiras ou com fronteiras renegociadas), e criar condições para divisões no seio da União Europeia, dando novo alento aos países a quem a presença de Milosevic impedia de apostarem claramente na Sérvia como actor principal do espaço balcânico (vd. os casos da França e da Grécia), sendo possíveis duas evoluções: Uma em que a independência do Kosovo levaria a uma rearrumação balcânica envolvendo uma deslocação do centro de gravidade das alianças para sul, com uma aproximação da Macedónia e da Sérvia/Montenegro e de ambas com a Bulgária, mas que seria acompanhada pela consolidação da Bósnia-Hezergovina multiétnica como Estado-chave para a estabilidade dos Balcãs; Outra em que a independência do Kosovo levaria a um questionar geral de fronteiras nos Balcãs, envolvendo nomeadamente o colapso e divisão da Bósnia, na base de um novo acordo entre Croácia e Sérvia, uma unificação Albânia/Kosovo e uma aliança Macedónia/Bulgária, apoiada pela Turquia. 7) O reforço da vertente «PESC e Defesa Comuns» do Pilar Integração Europeia está a ocorrer no momento em que se assiste ao fim de um «parênteses político» no Médio Oriente/Golfo Pérsico, parênteses que decorreu entre 1991 e 1999 e foi marcado pelo enfraquecimen- to da OPEP, pelas expectativas do processo de paz israelo-palestiniano e pela aceitação da política dos EUA de dupla contenção do Iraque e do Irão, por parte da maioria dos seus aliados árabes e europeus. O fim deste parênteses aumentará inevitavelmente os problemas defrontados pelos EUA nesta parte do «Arco de Crise» (agravados ainda pela eminência das sucessões do rei Fahd e de Arafat), e confrontará a nascente cooperação europeia nos campos da política externa e de segurança com escolhas difíceis, podendo considerar-se duas modalidades de evolução: Uma em que os EUA conseguiriam negociar uma redução das tensões na Palestina até que uma nova liderança palestiniana, legitimada pela actual rebelião, tivesse condições para negociar com Israel, e aproveitariam esse período para realizar uma aproximação mais geral com a Rússia e com o Irão (no estreito espaço em que tais movimentos não antagonizassem a Arábia Saudita), colocando a União Europeia perante crescentes pressões dos EUA para que compensasse a Turquia com um rápido processo de integração; Outra em que a Rússia e o Irão (e a China) decidiriam aproveitar o final do «parênteses» para enfraquecer os EUA, vulnerabilizando o seu sistema de alianças na região (embora prevendo cada um deles a hipótese de negociar posteriormente com os EUA, mas numa posição de maior força) e colocando a Europa perante o dilema de alinhar com os EUA em defesa de Israel ou de seguir as orientações pró-árabes de alguns sectores europeus. Incertezas no Horizonte 2005 Seleccionaram-se, a título de exemplo, quatro questões, duas de índole económico e social e duas de carácter político e estratégico que poderão ter no médio prazo um impacto na solidez do Pilar «Integração Europeia» ou na sustentabilidade das três preferências estruturais atrás referidas: 1 ) A interacção entre uma nova fase da força motriz «globalização», centrada na exploração do ciberespaço e o pilar «Integração Europeia» na vertente UEM, traduzida pelo fim generalizado da soberania monetária dos Estados sobre os «seus» territórios, podendo admitir-se duas evoluções: Uma em que a consolidação do ciberespaço como espaço de transacções provoca neste horizonte temporal uma revolução na liberdade de circulação das poupanças a nível mundial e se traduz numa coexistência de várias moedas sobre o território de cada «economia nacional» (conforme as preferências dos aforradores quanto à moeda ou cabaz de moedas em que em cada momento decidem deter as suas poupanças), leva ao reforço do papel internacional do dólar ou do par dólar/yen, e em que o futuro do Euro se jogará na sua transformação em «moeda comum» (eventualmente privatizada); Outra em que a consolidação do ciberespaço como espaço de transacções é mais lenta, devido a problemas de segurança nas transacções financeiras e à falta de regras que permitam a defesa dos aforradores, e em que o Euro se poderia consolidar como «moeda única» para os Estados-membros da União Europeia que integrassem a 3.ª fase da UEM e como «moeda comum» para os que ficassem de fora. 2) A interacção, entre o Pilar «Integração Europeia» e uma nova «força de enquadramento» – a demografia, que coloca como questão central para o comportamento futuro da disciplina orçamental exigida pela UEM a reforma dos sistemas de pensões e de protecção social, bem como dos serviços públicos ou socializados de saúde, ou seja elementos centrais do modelo social europeu, podendo conceber-se duas evoluções contrastadas: Uma em que os governos dos grandes países da União com maior atraso na actuação preventiva face ao impacte da demografia (Alemanha, Itália e França) são capazes de levar a cabo nos próximos anos reformas que criem um sistema de pensões multipilar, com um pilar privado maioritário, em regime de capitalização e com contribuições definidas e um pilar público assegurando uma protecção mínima na velhice com benefícios definidos, e separem o financiamento do novo sistema do pagamento dos benefícios devidos aos que descontaram para os actuais sistemas públicos dominantes (mesmo que tal se tenha de traduzir num aumento da dívida pública acima dos patamares previstos pelo «Pacto de Estabilidade e Crescimento» para tornar possível esse decoupling) e reduzam em paralelo os níveis de protecção social de que beneficia a população em idade activa; procedendo simultaneamente e no curto prazo à redução das despesas públicas (incluindo uma rápida redução de todos os gastos com subsídios do Estado, inclusive ao sector agrícola) por forma a gerar excedentes orçamentais que facilitem a gestão da transição entre os dois tipos de sistemas de pensões; Outra em que os governos dos grandes países da União com maiores problemas de crescimento optam por aliviar da carga fiscal no curto prazo, com o objectivo de estimular o investimento e de satisfazer opiniões públicas cansadas de quase uma década de rigor orçamental, adiando o corte radical dos subsídios e ajudas do Estado e a privatização de todas as empresas ainda sob propriedade pública ao mesmo tempo que evitam uma reforma profunda das pensões e da protecção social, contribuindo para criar uma crescente fractura no interior da União e reduzindo drasticamente a credibilidade do Euro face aos mercados. 3) A possibilidade de ascender à «ordem do dia» europeia a «questão romena», desencadeada por uma eventual separação da Transdnístria da Moldova e por uma crescente pressão à reunificação romena envolvendo a Roménia e a maioria do território da actual Moldova, habitado por populações de língua romena, podendo conceber-se duas evoluções contrastadas: Uma em que com o apoio da Rússia se verificaria uma secessão definitiva da região da Transdnístria, na Moldova, e se desencadearia o processo de reunificação das populações de língua romena que são maioritárias, quer na Roménia quer na Moldova, e em que se reabriria, em consequência de uma inevitável resposta da Hungria o dossier da redefinição das fronteiras herdadas do Tratado de Versalhes, processo que a ocorrer, e cruzando-se com as dificuldades de estabilização das fronteiras nos Balcãs, acabaria por forçar um novo arranjo de fronteiras, de Estados e de instituições pan-europeias; Outra em que, mesmo ocorrendo a secessão da Transdnístria, as enormes dificuldades económicas na Roménia e na Moldova desincentivariam a sua reunificação, sendo que neste caso a Rússia poderia colaborar na busca de uma so- 37 lução confederal para o relacionamento Transdnístria/Moldova e a União Europeia asseguraria ajuda quer à Roménia quer à Moldova. 4) A possibilidade de se concretizar uma mudança na postura estratégica dos EUA no duplo sentido da concentração das suas capacidades convencionais ao longo do «Arco de Crise» e da instalação de uma defesa antimísseis credível que permita no longo prazo aos EUA impedir a hegemonia da China na Ásia e contribuir para estabilização das relações entre a Índia e a China, podendo nesse caso considerar-se dois tipos de evolução: Uma em que os EUA optariam pela concretização da defesa antimísseis em confronto com a Rússia, ao mesmo tempo que pretendiam transferir os custos da manutenção de paz nos Balcãs para os aliados europeus da OTAN, criando uma divisão no seio destes, entre os 38 que veriam nestas circunstâncias únicas a oportunidade de reforçar a vertente «Segurança e Defesa» na União Europeia e de realizar uma aproximação à Rússia (servindo para reduzir os custos da manutenção de paz nos Balcãs) e os que prefeririam manter uma relação privilegiada com os EUA como condição para um diálogo posterior com a Rússia; Outra em que os EUA procurariam obter uma convergência com a Rússia na questão da defesa antimísseis e na redução dos armamentos estratégicos abrindo para um entendimento americano-russo sobre uma Europa que os EUA pretendem menos «consumidora» de energias estratégicas e da qual a Rússia não quer ser afastada, levando a uma desvalorização estratégica da Europa e a uma clivagem entre a França e a Alemanha a propósito das vantagens da desvalorização dos armamentos nucleares estratégicos na defesa da Europa.