José Manuel
Félix Ribeiro
Colaborador da Secretaria
de Estado do Planeamento
e Desenvolvimento Regional
nas áreas de economia
internacional e prospectiva de 1990
a 1995. Subdirector-Geral
do Departamento de Prospectiva
e Planeamento (DPP)
2000–2005
— a União Europeia
numa encruzilhada?
1. A dinâmica recente
da integração europeia
— a formação
de uma estrutura
A
Europa é atravessada desde meados dos anos 80 por duas grandes
forças de mudança de expressão
planetária – a Globalização na
Economia e a Fragmentação Geo política. Essas forças traduziram-se na Europa
por um conjunto de transformações. Começando
pela última.
A fragmentação geopolítica
Esta traduziu-se pela retirada da URSS da
Europa de Leste, pela aceitação soviética da
reunificação alemã, pela desintegração da URSS
nas suas repúblicas «constitutivas», pela desintegração da Jugoslávia com uma guerra civil entre
sérvios, croatas, muçulmanos bósnios e mais
recentemente albaneses, e pela desintegração
pacífica da Federação Checoslovaca.
A reunificação alemã realizou-se no respeito
pelas fronteiras «exteriores» da Alemanha herdadas da Segunda Guerra Mundial (que consagravam o desmembramento da Prússia), e sem
que tenha havido alterações no estatuto interna-
cional da Áustria (adiando assim uma eventual
segunda reunificação alemã, para sul, já que o
respeito pelas fronteiras do pós-guerra a norte
impedem pensar no renascimento de uma
«Alemanha prussiana»).
A reunificação alemã realizou-se no contexto
da sua integração na OTAN com a permanência no seu solo de tropas de Estados da Aliança
(EUA, Reino Unido, Holanda, Bélgica e França),
que passaram a estar integradas em «corpos
multinacionais» envolvendo também tropas
alemãs, permanecendo o território alemão
como o pivot da estrutura militar integrada da
OTAN.
Os processos de fragmentação geopolítica
referidos, se levaram à reunificação alemã,
levaram também à formação de dois «vazios»
geopolíticos nas fronteiras leste e sudeste da UE –
um entre a Alemanha e a Rússia, na Europa
Central e Báltica, outro entre a Alemanha/
/Áustria e a Turquia, nos Balcãs.
A reunificação alemã, pelos custos que
envolveu a forma específica sob a qual se concretizou, retirou à Alemanha a possibilidade de
liderar a canalização de fluxos de ajuda para a
Europa Central e Balcânica, que lhe permitiriam,
de forma autónoma, ganhar uma função de organização que a sua centralidade geográfica potencia.
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30
Os EUA e os Estados-membros da UE abordaram a reformulação da «arquitectura
europeia», exigida para preencher os dois
«vazios geopolíticos» referidos anteriormente – e
para travar o processo de novas fragmentações –
manifestando a sua preferência pela estabilidade
das fronteiras e pela democracia em Estados multiétnicos e oferecendo a perspectiva da
adesão/colaboração com a UE e a OTAN – as
duas grandes organizações ocidentais da «guerra
fria» – como factor disciplinador dos comportamento dos Estados situados nos referidos
«vazios».
A identidade da OTAN manteve-se como
aliança de defesa colectiva beneficiando da dissuasão nuclear dos EUA, num contexto de
redução de armamentos negociada com a Rússia
e de desnuclearização dos Estados resultantes da
desintegração da URSS.
A OTAN, liderada pelos EUA, que fornece
meios militares cruciais (C3I, poder de fogo e
logística) e tropas, acabou por se tornar no
instrumento-chave para travar o processo de
fragmentação geopolítica, quer por via do seu
alargamento à Europa Central (Polónia, Rep.
Checa e Hungria) quer pela criação de efectivos
«protectorados» no centro e sul dos Balcãs –
Bósnia-Hezergovina, Kosovo, Albânia e Macedónia.
A superioridade militar americana e o dispositivo geopolítico favorecido pelos EUA nas periferias da Europa – protecção das minorias muçulmanas nos Balcãs, procura de paz no Médio
Oriente a partir de um apoio incondicional a
Israel e reforço do papel da Turquia nos Balcãs e
no Médio Oriente – acabaram por levar alguns
Estados-membros da União Europeia (que se sentiram ameaçados industrial e politicamente por
essa superioridade e que, no fundo, discordam do
referido dispositivo) a reagir, apostando no
avanço de uma política de defesa comum e numa
reorganização «euro-europeia» das indústrias de
defesa, que permitisse, a médio prazo, uma maior
autonomia de decisão e de acção face aos EUA.
A fragmentação geopolítica, trouxe consigo
um apagar das clivagens ideológicas da guerra-fria que havia marcado os partidos políticos e
levou a três grandes consequências no espectro
partidário europeu:
a) O colapso dos partidos comunistas e das
esquerdas «anticapitalistas» que permitiu às
sociais democracias reposicionarem-se ao
«Centro» aceitando a globalização e a dinâmica do mercado, mas procurando na construção
europeia um modo de defesa da especificidade
do «modelo social europeu»;
b) O colapso das democracias cristãs como forças
principais de governo (que o foram durante a
guerra-fria na Itália, Alemanha e Benelux) próeuropeias e pró-americanas deixando o «centro» disponível para os avanços dos partidos
sociais democratas;
c) A emergência dos Verdes com um programa
ambíguo, que lhes permite ocupar um lugar de
relevo nos espectros partidários da Europa,
albergando no seu seio forças parcialmente anticapitalistas, mas não socialistas, que se tornaram
disponíveis para alianças com os sociais democratas, reposicionados ao «centro».
Assim, o fim da guerra-fria, e o enfraquecimento ideológico das correntes de esquerda mais
estatizantes facilitou, ao fim de meia década, e
para o conjunto da Europa Ocidental, uma corrida ao «centro político» que viabilizou um largo
consenso em torno do avanço da integração
europeia, nomeadamente na esfera económica e
monetária, mas também na área da política
externa e dos assuntos internos.
Globalização na economia
Por sua vez a necessidade de responder à glo balização na economia criou condições para o
avanço na integração europeia em direcção ao
Mercado Único e à Moeda Única.
A reunificação alemã constituiu o estímulo
decisivo para um novo avanço na integração
europeia centrado na Moeda Única, abrindo
espaço para a cooperação na Segurança Externa
e Interna. Mas os avanços na integração europeia
têm vindo a realizar-se, em termos institucionais,
com o reforço do seu carácter intergovernamental (vd. 2.º e 3.º Pilares).
O avanço para a Moeda Única baseou-se no
rigor orçamental e realizou-se no quadro de uma
tripla preferência – aumento da competição por
via da liberalização e desregulamentação dos
mercados de bens e serviços, redução do investimento público/privatização do investimento
infra-estrutural, manutenção do modelo social
europeu.
O fim da «guerra-fria», por seu lado, facilitou o
processo de adesão à União Europeia de três países ricos e neutros – Suécia, Finlândia e Áustria –
reforçando a presença nas regiões do Báltico e do
Danúbio, e contribuindo, num primeiro momento, para o reforço dos que na UE defendiam o
alargamento a Leste como uma prioridade.
A União Europeia propôs-se contribuir para a
garantia da preferência geopolítica – estabilidade
das fronteiras e democracia em Estados multi-étnicos – por via da promessa do alargamento e
de «pacotes» de ajuda financeira condicionados
ao respeito por aquelas preferências.
Este conjunto de evoluções (que as Figuras I e
II ilustram) determinado, em última instância,
pelas forças de mudança planetárias, deram
origem a uma estrutura que tem como «forças
dominantes» a «identidade, o reforço e reforma
da OTAN» e o «reforço da integração europeia»,
que se influenciam mutuamente, e em que a
coesão dos diversos elementos dessa estrutura,
tem sido assegurada por três preferências (Figura
III):
a) Em termos estratégicos – a preferência pela dissuasão nuclear e pelo combate à proliferação
nuclear;
b) Em termos geopolíticos – a preferência pela
estabilidade das fronteiras e pela democracia
em Estados multiétnicos, como princípios
de reorganização dos «vazios geopolíticos»
c) Em termos económico-sociais – a preferência
pelas reformas que permitam o aumento da
competição sem alterar o «modelo social
europeu» e pelo reforço da coordenação entre
Estados, sem existência de uma hegemonia.
A «centralidade» na estrutura que se tem vindo
a caracterizar é o local virtual em que estas
preferências se manifestam em conjunto com
mais intensidade, e em nenhum Estado-membro
da União Europeia é tão forte a adesão a esse
conjunto de preferências como na França.
E se são três as «Preferências Estruturais» são
duas as relações-chave que suportam as «forças
dominantes» da estrutura. Assim:
O «reforço da integração europeia» – é suportado basicamente pela relação entre a França e a
Alemanha;
A «identidade, reforço e reforma da OTAN» –
é suportada basicamente pelas relações entre os
EUA, o Reino Unido, a Alemanha e a Turquia.
Figura I
A estrutura que suporta o processo de Integração Europeia (I)
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Figura II
A estrutura que suporta o processo de Integração Europeia (II)
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Figura III
A estrutura que suporta o processo de Integração Europeia (III)
Globalização económica
• A globalização na economia mundial permite a expansão simultânea das fronteiras geoeconómica (desenvolvimento das economias emergentes) e tecnológica (desenvolvimento das tecnologias emergentes).
• No centro da expansão da fronteira geoeconómica encontram-se as economias chinesas – Rep.
Popular da China/Hong Kong, Taiwan e Singapura, articuladas através da diáspora chinesa com
as economias mais dinâmicas do Sueste Asiático – Tailândia e Malásia;
• No centro da expansão das tecnologias emergentes encontram-se os EUA, o Japão e a Coreia
do Sul; o Reino Unido, a Suécia e a Finlândia.
• O processo de globalização assenta numa articulação complexa interna ao «Mundo do
Pacífico» – que reúne os EUA, o Japão, as «economias chinesas», o México/Venezuela e a
Arábia Saudita (e partes da Índia), mas envolve também o «Mundo do Atlântico»-EUA, as três
economias situadas nas Ilhas Britânicas (Inglaterra, Escócia e Irlanda), a Holanda, a Suíça, a
Suécia e a Finlândia.
Globalização geopolítica
A fragmentação geopolítica traduz-se:
• No crescimento da importância estratégica de um «Arco de Crise» que engloba a Ásia Central,
o Médio Oriente, o Golfo Pérsico, a Ásia do Sul, e a Ásia do Pacífico (Coreias, Curilhas, estreito da Formosa e Mar do Sul da China)
• Na desvalorização estratégica da Europa Continental e no crescimento da importância estratégica, dentro da Eurásia, dos Balcãs, do mar Negro e do Cáucaso.
O processo de fragmentação geopolítica, em termos de alteração na relação de forças entre
potências, traduz-se pela:
• Afirmação dos EUA como única potência ainda com capacidade de projecção de poder ao longo
deste «Arco de Crise» e com meios tecnológicos e financeiros para reduzir a vulnerabilidade do
seu território às armas de destruição maciça em difusão (defesa antimísseis);
• Emergência complexa e possivelmente tumultuosa de novas grandes potências (China, Índia e
Irão) que tentarão afirmar-se primeiro como actores principais nos «complexos regionais de
segurança» em que se inserem e que se localizam ao longo do «Arco de Crise»;
• Declínio do poder externo (e da base económica externa) da Rússia dividida entre os extremos
da opção por um entendimento privilegiado com os principais aliados dos EUA durante a
«guerra fria» – Alemanha, Japão, Coreia do Sul e Turquia – e a utilização da ascensão de novas
potências para tentar reduzir a capacidade de actuação externa dos EUA, ao longo do «Arco de
Crise».
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2. Europa 2005 — expectativas
de continuidade
e riscos de ruptura
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A maior parte das expectativas actuais quanto
à evolução europeia num horizonte 2005 apontam para a continuidade desta estrutura, o que
teria que supor a permanência de um entendimento entre a França e a Alemanha em relação às
três preferências estruturais e à consolidação dos
dois pilares «Integração Europeia» e «identidade,
reforço e reforma da OTAN».
Esses cenários permitiriam à França manter a
centralidade na Estrutura sem impedir que a
Alemanha explorasse as potencialidades da sua
«centralidade» geográfica na Europa.
Ora, estão em curso um conjunto de processos
e interacções que podem atingir a viabilidade
destes pressupostos, embora o façam em momentos diferentes do curto/médio prazo, pelo que a
sua actuação não deve ser encarada como uma
simultaneidade mas como uma interacção
sequencial.
Nesse sentido distinguiram-se dois períodos –
os anos 2001/2002 e 2000/2005.
2001/2002 — anos de todos os riscos?
Neste período podem destacar-se os seguintes
processos geradores de riscos :
1) A interacção entre globalização económica
e Integração Europeia que abra a possibilidade
de ocorrência de turbulências na UEM no
momento de passagem definitiva para o Euro.
Esta possibilidade poderia revestir duas modalidades:
Uma caracterizada pela continuação do crescimento dos EUA, pelo reforço dos movimentos
de capitais a longo prazo do Japão em direcção
aos EUA (na sequência da libertação das
poupanças japonesas) e à China, e dos capitais
a curto prazo das «economias chinesas» para
os EUA, servindo como escudo de defesa do
dólar face ao Euro, e de razão para a continuação dos fluxos de capitais a longo prazo da
Europa para os EUA e Ásia que têm contribuído para a «fraqueza» do Euro;
Outra caracterizada pela ocorrência de uma
recessão nos EUA na sequência de novas correcções bolsistas centradas nas acções da «nova
economia», com reflexo na saúde do sistema
bancário dos EUA e levando a uma retracção
temporária dos movimentos de capitais a longo
prazo do Japão para os EUA, a uma travagem
no crescimento europeu (um crescimento não
endógeno mas determinado pelas exportações)
e a crises bancárias em países da zona Euro,
devido ao seu envolvimento em operações de
alto risco com títulos de empresas americanas,
traduzindo-se numa falta de confiança na
moeda única.
2) O impacte sobre o comportamento futuro
do Euro na transformação dos sistemas financeiros das economias europeias, num momento
em que se podem estar a acumular focos de risco
no sector de «novas tecnologias» e no sector
bancário europeus, podendo referir-se dois tipos
de evoluções contrastadas:
Uma em que se assistiria a uma rápida conversão das grandes empresas europeias ao financiamento pelo mercado de capitais, levando a
um forte crescimento das obrigações colocadas em Euros e ao aumento da colocação de
acções nas bolsas europeias, sem que se assistisse a crises nas empresas que na Europa
materializam as novas tecnologias – ou seja as
que estão associadas à instalação de redes de
terceira geração de telefonia móvel (UMTS) e
à internet móvel, e sem que o sector bancário
europeu experimentasse alguma grande crise,
resultante do envolvimento em operações cada
vez mais arriscadas em consequência da
deserção dos grandes clientes e dos depositantes para o mercado de capitais. Nesta
hipótese o mercado de capitais europeu
tornar-se-ia muito atraente para os investidores institucionais dos EUA, que aqui encontrariam um lote de empresas do tipo das que
encontram no Dow Jones (em contraste com o
que acontece com o Nasdaq). Neste caso o
Euro teria tendência a valorizar-se num horizonte de dois ou três anos;
Outra em que se assistiria a um recurso cada vez
maior das empresas europeias ao mercado de
capitais, através nomeadamente de emissão de
obrigações, mas em que devido aos atrasos na
integração dos mercados na Europa e à incerteza
quanto à evolução do Euro e das taxas de juro,
tal desvio para os mercados de capitais favoreceria a colocação de empréstimos em uma quebra acentuada das expectativas de rendibilidade
do sector europeu de telecomunicações internet
devido a dificuldades no arranque do mercado
da internet móvel e à degradação rápida da
situação financeira dos operadores de telecomunicações (devido ao endividamento contraído
para financiar o acesso às licenças de UMTS e a
instalação das respectivas redes), e se assistiria a
crises bancárias atingindo um ou mais dos
grandes bancos europeus, pondo à prova o funcionamento do Banco Central Europeu como
Lender of Last Resort. Neste caso a transformação gradual do sistema financeiro das economias europeias levaria a um enfraquecimento
continuado do Euro.
3) A coesão interna no pilar «Integração
Europeia» em torno da Moeda Única, poderá
ficar ameaçada após duas evoluções verificadas
em 2000:
O resultado do referendo na Dinamarca que
abriu a possibilidade do adiamento da integração na zona Euro, não só da Dinamarca,
como da Suécia e Reino Unido;
A adesão da Grécia à zona Euro.
Apontam as duas evoluções para um período
em que os novos membros da zona Euro não
serão países desenvolvidos e com credibilidade
mas países recém-convertidos ao rigor orçamental e/ou na fase final da transição para a economia de mercado, o que não deixará de ser tido em
linha de conta pelos mercados, podendo conceber-se duas evoluções contrastadas:
Uma em que as dificuldades do Euro seriam
passageiras, em que seria adiada a entrada de
novos membros na UEM, e em que a introdução do Euro em Janeiro de 2002 seria pacífica, nomeadamente na Alemanha;
Outra em que as dificuldades do Euro nos mercados cambiais, os crescentes desacordos intra-europeus e a hostilidade das opiniões públicas
se traduziria, no momento da introdução do
Euro, em movimentos de desobediência civil
– nomeadamente na Alemanha em torno da
defesa do marco – levando a que o projecto
central do Pilar «Integração Europeia» ficasse
posto em causa.
4) A interacção no seio do Pilar «Integração
Europeia» entre alargamento e questões ins-
titucionais/políticas comuns traduzindo-se na
dificuldade em obter um consenso sobre a extensão do alargamento, a dimensão e repartição dos
seus custos entre os Estados-membros e a criação
de um novo equilíbrio institucional. Estas dificuldades podem originar dois tipos de evolução:
Uma em que seria impossível chegar a um acordo sobre o alargamento e as reformas institucionais entre os Estados-membros, divididos
entre grandes e pequenos, contribuintes e beneficiários líquidos, atlantistas convictos e «continentais», na «linha da frente» ou na «retaguarda» face às migrações de populações do
Leste europeu, traduzindo-se numa crise institucional de grandes proporções em 2001/2002,
coincidindo com a passagem definitiva ao
Euro;
Outra em que só seria possível chegar a um
consenso que evitasse uma crise na União
Europeia no momento sensível da introdução
definitiva do Euro no sentido de um pequeno
alargamento da União Europeia dirigido aos
países da Europa Central e Báltica mais
avançados na transição e mais integrados na
economia da Europa Ocidental, acompanhado
por forte controlo sobre os movimentos
migratórios que podem usar esses países como
porta de acesso à União Europeia, e com adaptações institucionais centradas no reforço das
«cooperações reforçadas», na reponderação
dos votos no Conselho e na extensão do voto
por maioria qualificada a questões pouco relevantes.
5) A inclusão de Chipre no primeiro grupo do
alargamento, condição para que a Grécia aprove o
processo e se evite uma crise entre um membro da
zona Euro e as instâncias comunitárias, vai trazer
para o interior do processo de Alargamento da UE
um problema geopolítico central para a Europa: o
das relações com a Turquia e a Rússia, podendo
conceber-se duas evoluções distintas:
Uma em que se consideraria que o principal
processo estabilizador do Continente é o que
envolve a intensificação das relações entre a
União Europeia e a Rússia, ambas se projectando no palco mundial, e ambas procurando aumentar a sua autonomia face aos EUA, e
em que se atribuiria um papel secundário às
relações da União Europeia com a Turquia
(tornando mais difícil reduzir a rivalidade
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russo-turca nos Balcãs, no mar Negro e no
Cáucaso);
Outra em que se consideraria que a reconciliação Grécia-Turquia, timidamente iniciada em
1999, constitui o principal processo geopolítico
capaz de estabilizar a zona de turbulências do
Sueste europeu e se encontraria o modo de integrar a Turquia na dinâmica europeia, o que obrigaria a rever o conceito de «pequeno alargamento» (e a escolher entre a integração europeia
como projecto económico e geopolítico ou
como projecto identitário) ou a completar o
alargamento com outro conceito – o da criação
de uma Comunidade do Mar Negro (com sede
em Istambul), associada à União Europeia.
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6) A mudança de regime na Jugoslávia e na
Sérvia, mantendo-se ainda em suspenso o futuro
do Kosovo, vai levar a pressões cada vez maiores
da população albanesa e dos seus líderes partidários para a independência deste território (nas
suas actuais fronteiras ou com fronteiras renegociadas), e criar condições para divisões no seio da
União Europeia, dando novo alento aos países a
quem a presença de Milosevic impedia de
apostarem claramente na Sérvia como actor principal do espaço balcânico (vd. os casos da França
e da Grécia), sendo possíveis duas evoluções:
Uma em que a independência do Kosovo
levaria a uma rearrumação balcânica envolvendo uma deslocação do centro de gravidade
das alianças para sul, com uma aproximação
da Macedónia e da Sérvia/Montenegro e de
ambas com a Bulgária, mas que seria acompanhada pela consolidação da Bósnia-Hezergovina multiétnica como Estado-chave
para a estabilidade dos Balcãs;
Outra em que a independência do Kosovo
levaria a um questionar geral de fronteiras nos
Balcãs, envolvendo nomeadamente o colapso e
divisão da Bósnia, na base de um novo acordo
entre Croácia e Sérvia, uma unificação
Albânia/Kosovo e uma aliança Macedónia/Bulgária, apoiada pela Turquia.
7) O reforço da vertente «PESC e Defesa
Comuns» do Pilar Integração Europeia está a
ocorrer no momento em que se assiste ao fim de
um «parênteses político» no Médio Oriente/Golfo Pérsico, parênteses que decorreu entre
1991 e 1999 e foi marcado pelo enfraquecimen-
to da OPEP, pelas expectativas do processo de
paz israelo-palestiniano e pela aceitação da política dos EUA de dupla contenção do Iraque e do
Irão, por parte da maioria dos seus aliados árabes
e europeus. O fim deste parênteses aumentará
inevitavelmente os problemas defrontados pelos
EUA nesta parte do «Arco de Crise» (agravados
ainda pela eminência das sucessões do rei Fahd e
de Arafat), e confrontará a nascente cooperação
europeia nos campos da política externa e de
segurança com escolhas difíceis, podendo considerar-se duas modalidades de evolução:
Uma em que os EUA conseguiriam negociar
uma redução das tensões na Palestina até que
uma nova liderança palestiniana, legitimada
pela actual rebelião, tivesse condições para
negociar com Israel, e aproveitariam esse período para realizar uma aproximação mais geral
com a Rússia e com o Irão (no estreito espaço
em que tais movimentos não antagonizassem
a Arábia Saudita), colocando a União Europeia
perante crescentes pressões dos EUA para que
compensasse a Turquia com um rápido processo de integração;
Outra em que a Rússia e o Irão (e a China)
decidiriam aproveitar o final do «parênteses»
para enfraquecer os EUA, vulnerabilizando o
seu sistema de alianças na região (embora prevendo cada um deles a hipótese de negociar
posteriormente com os EUA, mas numa
posição de maior força) e colocando a Europa
perante o dilema de alinhar com os EUA em
defesa de Israel ou de seguir as orientações pró-árabes de alguns sectores europeus.
Incertezas no Horizonte 2005
Seleccionaram-se, a título de exemplo, quatro
questões, duas de índole económico e social e
duas de carácter político e estratégico que
poderão ter no médio prazo um impacto na
solidez do Pilar «Integração Europeia» ou na sustentabilidade das três preferências estruturais
atrás referidas:
1 ) A interacção entre uma nova fase da força
motriz «globalização», centrada na exploração
do ciberespaço e o pilar «Integração Europeia»
na vertente UEM, traduzida pelo fim generalizado da soberania monetária dos Estados sobre os
«seus» territórios, podendo admitir-se duas
evoluções:
Uma em que a consolidação do ciberespaço
como espaço de transacções provoca neste horizonte temporal uma revolução na liberdade
de circulação das poupanças a nível mundial e
se traduz numa coexistência de várias moedas
sobre o território de cada «economia nacional»
(conforme as preferências dos aforradores
quanto à moeda ou cabaz de moedas em que
em cada momento decidem deter as suas
poupanças), leva ao reforço do papel internacional do dólar ou do par dólar/yen, e em que
o futuro do Euro se jogará na sua transformação em «moeda comum» (eventualmente
privatizada);
Outra em que a consolidação do ciberespaço
como espaço de transacções é mais lenta, devido a problemas de segurança nas transacções
financeiras e à falta de regras que permitam a
defesa dos aforradores, e em que o Euro se
poderia consolidar como «moeda única» para
os Estados-membros da União Europeia que
integrassem a 3.ª fase da UEM e como «moeda
comum» para os que ficassem de fora.
2) A interacção, entre o Pilar «Integração
Europeia» e uma nova «força de enquadramento» – a demografia, que coloca como
questão central para o comportamento futuro da
disciplina orçamental exigida pela UEM a reforma dos sistemas de pensões e de protecção social,
bem como dos serviços públicos ou socializados
de saúde, ou seja elementos centrais do modelo
social europeu, podendo conceber-se duas
evoluções contrastadas:
Uma em que os governos dos grandes países
da União com maior atraso na actuação preventiva face ao impacte da demografia (Alemanha, Itália e França) são capazes de levar a
cabo nos próximos anos reformas que criem
um sistema de pensões multipilar, com um
pilar privado maioritário, em regime de capitalização e com contribuições definidas e um
pilar público assegurando uma protecção
mínima na velhice com benefícios definidos, e
separem o financiamento do novo sistema do
pagamento dos benefícios devidos aos que
descontaram para os actuais sistemas públicos
dominantes (mesmo que tal se tenha de
traduzir num aumento da dívida pública
acima dos patamares previstos pelo «Pacto de
Estabilidade e Crescimento» para tornar possível esse decoupling) e reduzam em paralelo
os níveis de protecção social de que beneficia a
população em idade activa; procedendo simultaneamente e no curto prazo à redução das
despesas públicas (incluindo uma rápida
redução de todos os gastos com subsídios do
Estado, inclusive ao sector agrícola) por forma
a gerar excedentes orçamentais que facilitem a
gestão da transição entre os dois tipos de sistemas de pensões;
Outra em que os governos dos grandes países
da União com maiores problemas de crescimento optam por aliviar da carga fiscal no
curto prazo, com o objectivo de estimular o
investimento e de satisfazer opiniões públicas
cansadas de quase uma década de rigor orçamental, adiando o corte radical dos subsídios e
ajudas do Estado e a privatização de todas as
empresas ainda sob propriedade pública ao
mesmo tempo que evitam uma reforma profunda das pensões e da protecção social, contribuindo para criar uma crescente fractura no
interior da União e reduzindo drasticamente a
credibilidade do Euro face aos mercados.
3) A possibilidade de ascender à «ordem do
dia» europeia a «questão romena», desencadeada por uma eventual separação da Transdnístria
da Moldova e por uma crescente pressão à
reunificação romena envolvendo a Roménia e a
maioria do território da actual Moldova, habitado por populações de língua romena, podendo
conceber-se duas evoluções contrastadas:
Uma em que com o apoio da Rússia se verificaria uma secessão definitiva da região da
Transdnístria, na Moldova, e se desencadearia
o processo de reunificação das populações de
língua romena que são maioritárias, quer na
Roménia quer na Moldova, e em que se reabriria, em consequência de uma inevitável
resposta da Hungria o dossier da redefinição
das fronteiras herdadas do Tratado de
Versalhes, processo que a ocorrer, e cruzando-se com as dificuldades de estabilização das
fronteiras nos Balcãs, acabaria por forçar um
novo arranjo de fronteiras, de Estados e de
instituições pan-europeias;
Outra em que, mesmo ocorrendo a secessão da
Transdnístria, as enormes dificuldades económicas na Roménia e na Moldova desincentivariam a sua reunificação, sendo que neste caso a
Rússia poderia colaborar na busca de uma so-
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lução confederal para o relacionamento Transdnístria/Moldova e a União Europeia asseguraria ajuda quer à Roménia quer à Moldova.
4) A possibilidade de se concretizar uma
mudança na postura estratégica dos EUA no
duplo sentido da concentração das suas capacidades convencionais ao longo do «Arco de
Crise» e da instalação de uma defesa antimísseis
credível que permita no longo prazo aos EUA
impedir a hegemonia da China na Ásia e contribuir para estabilização das relações entre a
Índia e a China, podendo nesse caso considerar-se dois tipos de evolução:
Uma em que os EUA optariam pela concretização da defesa antimísseis em confronto com a
Rússia, ao mesmo tempo que pretendiam
transferir os custos da manutenção de paz nos
Balcãs para os aliados europeus da OTAN,
criando uma divisão no seio destes, entre os
38
que veriam nestas circunstâncias únicas a oportunidade de reforçar a vertente «Segurança e
Defesa» na União Europeia e de realizar uma
aproximação à Rússia (servindo para reduzir
os custos da manutenção de paz nos Balcãs) e
os que prefeririam manter uma relação privilegiada com os EUA como condição para um
diálogo posterior com a Rússia;
Outra em que os EUA procurariam obter uma
convergência com a Rússia na questão da defesa antimísseis e na redução dos armamentos
estratégicos abrindo para um entendimento
americano-russo sobre uma Europa que os
EUA pretendem menos «consumidora» de
energias estratégicas e da qual a Rússia não
quer ser afastada, levando a uma desvalorização estratégica da Europa e a uma clivagem
entre a França e a Alemanha a propósito das
vantagens da desvalorização dos armamentos
nucleares estratégicos na defesa da Europa.
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2000–2005 — a União Europeia numa encruzilhada? José Manuel