Evangelho segundo S. Lucas 1,1-4 Visto que muitos empreenderam compor uma narração dos fatos que entre nós se consumaram, como no-los transmitiram os que desde o princípio foram testemunhas oculares e se tornaram Servidores da Palavra , resolvi eu também, depois de tudo ter investigado cuidadosamente desde a origem, expô-los a ti por escrito e pela sua ordem, caríssimo Teófilo, a fim de reconheceres a solidez da doutrina em que foste instruído. Santo Ireneu de Lião (c.130-c.208), bispo, teólogo e mártir Contra as Heresias, III,14 São Lucas, companheiro e colaborador dos apóstolos Que Lucas tenha sido o inseparável companheiro de Paulo, e seu colaborador no Evangelho, o próprio o mostra com evidência, não por gloríola, mas pela força da própria Verdade. Escreve ele: «Depois de Barnabé e João, também chamado Marco, se terem separado de Paulo e embarcado para Chipre, fomos para Tróade» (Act 16, 11); após o que descreve em pormenor toda a viagem, a sua ida a Filipos e o primeiro discurso que fizeram. […] E relata também, pela mesma ordem, toda a viagem que fez com Paulo, referindo com grande cuidado as circunstâncias precisas desta […]. Porque em todas elas Lucas estava de facto presente, tendoas registado com cuidado – não surpreendemos nos seus relatos mentira nem vaidade, porque aqueles factos aconteceram realmente […]. Que Lucas tenha sido não só o companheiro, mas ainda o colaborador dos apóstolos, de Paulo sobretudo, di-lo claramente o próprio Paulo nas suas epístolas: «Demas abandonou-me e foi para Tessalónica. Crescente foi para a Galácia, Tito para a Dalmácia. Apenas Lucas está comigo» (2 Tm 4, 11). O que prova que Lucas esteve sempre unido a Paulo e de maneira inseparável. Também na epístola aos Colossenses se lê: «Lucas, o médico bem-amado, saúdavos» (Col 4, 14). Lucas, por outro lado, deu-nos a conhecer muitos episódios do Evangelho, e dos mais importantes […]. Quem sabe, aliás, se Deus não fez de maneira a que muitos acontecimentos do Evangelho tivessem sido revelados só por Lucas, precisamente para que todos aquiescecessem no testemunho que ele dá em seguida sobre os actos e a doutrina dos apóstolos e para que, ficando assim inalterada a regra da verdade, todos pudessem ser salvos. O testemunho de Lucas é pois verdadeiro: os ensinamentos dos apóstolos são claros, sólidos e não escondem nada […]. Tais são as vozes da Igreja, nas quais a Igreja encontra a sua origem. Cardeal John Henry Newman (1801-1890), padre, fundador de comunidade religiosa, teólogo PPS, vol. 3, n.º 22 : «A parte escolhida por Maria» São Lucas, evangelista, «servidor da Palavra» (Lc 1,2) Boa é toda a palavra de Cristo: ela tem uma missão e finalidade, ela não cai por terra. É impossível que em vez alguma tenha pronunciado palavras efémeras, Ele, o Verbo de Deus, que por seu próprio desejo exprimiu os conselhos profundos e a vontade santa do Deus invisível. Toda a palavra de Cristo é boa. Mesmo se os seus propósitos tiverem sido transmitidos por pessoas comuns, podemos estar certos de que nada do que nos foi conservado – sejam palavras dirigidas a um discípulo ou a um opositor, sejam conselhos, ou opiniões, sejam reprimendas, ou palavras de consolação, de persuasão ou de condenação – nada, em todas elas, terá uma significação puramente acidental, um alcance limitado ou parcial [...]. Pelo contrário, todas as palavras sagradas de Cristo, mesmo quando nos surgem revestidas de uma aparência temporária e dirigidas a um fim imediato - sendo difíceis portanto, porque há que nelas lograr perceber o que têm de momentâneo e de contingente - mesmo assim, elas nada perdem da sua força, a cada século que passa. Pertencendo à Igreja, estão destinadas a durar para sempre nos céus (cf. Mt 24,35); prolongam-se até è eternidade. São a nossa regra santa, justa e boa, palavras que são «farol para os meus passos e luz para os meus caminhos» (Sl 118,105), na mesma plenitude e de forma tão íntima, no nosso tempo, como quando pela primeira vez foram pronunciadas. Tudo isto terá sido verdadeiro, mesmo aceitando-se ter sido obra humana a recolha destas migalhas da mesa de Cristo. Mas temos uma certeza muito maior, porque as recebemos não dos homens, mas de Deus (1Ts 2,13). O Espírito Santo, que veio glorificar Cristo e dar aos evangelistas a inspiração da escrita, não nos traçou um Evangelho estéril. Louvado seja por ter escolhido e salvo para nós palavras que deveriam ser particularmente úteis aos tempos vindouros, as palavras que podiam servir de lei à Igreja, para a fé, para a moral e para a disciplina. Não uma lei escrita em tábuas de pedra (Ex 24,12), mas uma lei de fé e de amor, de espírito, e não de letras (Rm 7,6), uma lei para corações generosos que aceitam «viver da palavra», por mais modesta e humilde que seja, uma lei «que sai da boca de Deus» (Dt 8,3; Mt 4,4). Evangelho segundo S. Lucas 1,5-25. No tempo de Herodes, rei da Judeia, havia um sacerdote chamado Zacarias, da classe de Abias, cuja esposa era da descendência de Aarão e se chamava Isabel. Ambos eram justos diante de Deus, cumprindo irrepreensivelmente todos os mandamentos e preceitos do Senhor. Não tinham filhos, pois Isabel era estéril, e os dois eram de idade avançada. Ora, estando Zacarias no exercício das funções sacerdotais diante de Deus, na ordem da sua classe, coubelhe, segundo o costume sacerdotal, entrar no santuário do Senhor para queimar o incenso. Todo o povo estava da parte de fora em oração, à hora do incenso. Então, apareceu-lhe o anjo do Senhor, de pé, à direita do altar do incenso. Ao vê-lo, Zacarias ficou perturbado e encheuse de temor. Mas o anjo disse-lhe: «Não temas, Zacarias: a tua súplica foi atendida. Isabel, tua esposa, vai dar te um filho e tu vais chamar-lhe João. Será para ti motivo de regozijo e de júbilo, e muitos se alegrarão com o seu nascimento. Pois ele será grande diante do Senhor e não beberá vinho nem bebida alcoólica; será cheio do Espírito Santo já desde o ventre da sua mãe e reconduzirá muitos dos filhos de Israel ao Senhor, seu Deus. Irá à frente, diante do Senhor, com o espírito e o poder de Elias, para fazer voltar os corações dos pais a seus filhos e os rebeldes à sabedoria dos justos, a fim de proporcionar ao Senhor um povo com boas disposições.» Zacarias disse ao anjo: «Como hei-de verificar isso, se estou velho e a minha esposa é de idade avançada?» O anjo respondeu: «Eu sou Gabriel, aquele que está diante de Deus, e fui enviado para te falar e anunciar esta Boa-Nova. Vais ficar mudo, sem poder falar, até ao dia em que tudo isto acontecer, por não teres acreditado nas minhas palavras, que se cumprirão na altura própria.» O povo, entretanto, aguardava Zacarias e admirava se por ele se demorar no santuário. Quando saiu, não lhes podia falar e eles compreenderam que tinha tido uma visão no santuário. Fazia-lhes sinais e continuava mudo. Terminados os dias do seu serviço, regressou a casa. Passados esses dias, sua esposa Isabel concebeu e, durante cinco meses, permaneceu oculta. Dizia ela: «O Senhor procedeu assim para comigo, nos dias em que viu a minha ignomínia e a eliminou perante os homens.» Orígenes (c. 185-253), sacerdote e teólogo Comentário ao Evangelho de São João, 2, 193 ss. (trad. cf. SC 120, p. 339) "Vais ficar mudo [...] até ao dia em que tudo isto acontecer, por não teres acreditado nas minhas palavras." Em nós, a voz e a palavra não são a mesma coisa, porque a voz pode fazer-se ouvir sem conferir sentido, sem palavras, e a palavra também pode ser transmitida ao espírito sem voz, como acontece quando pensamos. Da mesma maneira, sendo o Salvador a Palavra [...], João difere Dele por ser a voz, por analogia com Cristo, que é a Palavra. É isso que o próprio João responde àqueles que lhe perguntam quem é ele: «Eu sou a voz do que brada no deserto: "Aplanai o caminho do Senhor"» (Jo 1,23). Talvez seja por isso, por ter duvidado do nascimento dessa voz qur viria a revelar a Palavra de Deus, que Zacarias perdeu a voz, recuperando-a quando nasceu esta voz que é o precursor da Palavra (Lc 1,64). É que, para poder captar a palavra que a voz designa, o espírito tem de ouvir a voz. É também por isso que João é um pouco mais velho do que Cristo; com efeito, ouvimos a voz antes da palavra. João designa Cristo dessa maneira, porque foi por uma voz que a Palavra Se manifestou. E Cristo também é baptizado por João, que confessa precisar de ser baptizado por Ele (Mt 3,14).[...] Em suma, quando João aponta para Cristo, é um homem que aponta para Deus, para o Salvador incorpóreo; é uma voz que aponta para a Palavra. Santo Agostinho (354-430), bispo de Hipona (Norte de África) e doutor da Igreja Sermão 293 «Não acreditaste nas minhas palavras» (Lc 1,20) «Feliz a que acreditou» (Lc 1,45) A mãe de João Baptista é uma mulher velha e estéril; a de Cristo uma jovem no auge da sua juventude. João é o fruto da esterilidade; Cristo o da virgindade… Um é anunciado pela mensagem de um anjo; ao anúncio do anjo, o outro é concebido. O pai de João não acredita na notícia do seu nascimento e emudece; a mãe de Cristo acredita em seu filho e, pela fé, concebe-o no seu seio. O coração da Virgem acolhe primeiro a fé e então, tornando-se mãe, Maria recebe um fruto no seu ventre. As palavras que Maria e Zacarias dirigem ao anjo são, contudo, mais ou menos semelhantes. Quando o anjo lhe anuncia o nascimento de João, o sacerdote responde: “Como vou saber que isso acontecerá? Eu sou um velho e a minha mulher é também idosa.” Ao anúncio do anjo, Maria responde: Como vai isso acontecer se eu sou virgem?” Sim, são quase as mesmas palavras… Contudo, o primeiro é repreendido e a segunda é esclarecida. A Zacarias é dito: “Porque não acreditaste…”; a Maria. “Eis a resposta que reclamas.” Mais uma vez, são contudo quase as mesmas palavras num e noutro caso… Mas aquele que ouvia as palavras via também os corações; nada lhe está oculto. A linguagem de cada um velava o seu pensamento; mas, se esse pensamento estava oculto para os homens, não o estava para o anjo, ou melhor, não o estava para aquele que falava por intermédio do anjo. Jean Tauler (c. 1300-1361), dominicano em Estrasburgo Sermão para a celebração do Natal «Eis por que deves guardar silêncio» No Natal festejamos um triplo nascimento […]. O primeiro e mais sublime nascimento é o do Filho único gerado pelo Pai celeste na essência divina, sendo nisso distinto das pessoas. O segundo nascimento é o que se deu numa mãe que na fecundidade guardou a pureza absoluta da sua castidade virginal. O terceiro é aquele pelo qual Deus, todos os dias, à mesma hora, nasce em verdade, espiritualmente, pela graça e pelo amor, numa alma boa […]. Para que seja possível este terceiro nascimento, permitamo-nos apenas a procura simples e pura de Deus, e abdiquemos de qualquer outro desejo que não nos seja próprio […], tendo apenas como única vontade a de Lhe pertencermos, de Lhe darmos lugar da maneira mais digna e elevada, em total intimidade com Ele, para que possa realizar a sua obra, para que possa nascer em nós sem o menor obstáculo […]. Por isso nos diz Santo Agostinho : «Esvazia-te para que possas ficar completo; sai para que possas entrar», e diz ainda noutro texto: «Ó tu, alma nobre, nobre criatura, porque procuras fora de ti o que está em ti próprio, tão inteiro, da maneira mais verdadeira e manifesta? E, pois que participas da natureza divina, porque te hás-de importar com as coisas criadas, que tens tu a ver com elas?» Se o homem preparasse assim um lugar no mais profundo do seu ser, Deus, sem dúvida, seria obrigado a ocupá-lo e completamente; o próprio céu romper-se-ia para o fazer. Deus não pode deixar as coisas vazias; tal seria contrário à sua natureza, à sua justiça. É por isso que deves calar-te; o Verbo deste nascimento poderá então ser pronunciado em ti e poderás ouvi-lo. Mas fica certo de que, se quiseres falar, Ele calar-se-á. A melhor maneira de servirmos o Verbo é calarmo-nos e escutarmo-Lo. Portanto, se saíres por completo de ti próprio, Deus entrará completo em ti; o quanto de ti próprio tu saíres, será o quanto Ele em ti entrará, nem mais, nem menos. Evangelho segundo S. Lucas 1,26-38. Ao sexto mês, o anjo Gabriel foi enviado por Deus a uma cidade da Galileia chamada Nazaré, a uma virgem desposada com um homem chamado José, da casa de David; e o nome da virgem era Maria. Ao entrar em casa dela, o anjo disse-lhe: «Salve, ó cheia de graça, o Senhor está contigo.» Ao ouvir estas palavras, ela perturbou-se e inquiria de si própria o que significava tal saudação. Disse-lhe o anjo: «Maria, não temas, pois achaste graça diante de Deus. Hás-de conceber no teu seio e dar à luz um filho, ao qual porás o nome de Jesus. Será grande e vai chamar-se Filho do Altíssimo. O Senhor Deus vai dar-lhe o trono de seu pai David, reinará eternamente sobre a casa de Jacob e o seu reinado não terá fim.» Maria disse ao anjo: «Como será isso, se eu não conheço homem?» O anjo respondeu-lhe: «O Espírito Santo virá sobre ti e a força do Altíssimo estenderá sobre ti a sua sombra. Por isso, aquele que vai nascer é Santo e será chamado Filho de Deus. Também a tua parente Isabel concebeu um filho na sua velhice e já está no sexto mês, ela, a quem chamavam estéril, porque nada é impossível a Deus.» Maria disse, então: «Eis a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra.» E o anjo retirou-se de junto dela. „No sexto mês, o anjo Gabriel foi enviado por Deus a uma cidade da Galiléia, chamada Nazaré, a uma virgem … e o nome da virgem era Maria“ – Lu 1,26-27 1. Louvando Maria / o povo fiel / a voz repetia / de São Gabriel: [:Ave, ave, ave, Maria:]! 2. Humilde, piedosa / rezava Maria. / Mensagem grandiosa / o anjo anuncia. 3. A Mãe pressurosa / à graça fiel / correu jubilosa / à prima Isabel. 4. Um dia sagrado / nas trevas brilhou: / Um Rei nos foi dado / que os homens salvou. 5. A Deus consagraram / Jesus nosso Rei / No templo ensinaram / amor à sua Lei. 6. Maria, ansiosa / procura Jesus. / Encontra, ditosa / do mundo a Luz. 7. Mãe santa e querida / de Cristo Jesus! / Guiai nossa vida / ao reino da Luz. Ave-Maria de Lourdes - Cantemos ….. n° 1040 Santo Efrém (c.306-373), diácono na Síria, doutor da Igreja Hino mariano «Vós a preservastes de toda a mancha do pecado original, para que, enriquecida com a plenitude da vossa graça, fosse a digna mãe de vosso Filho» (próprio da oração eucarística) Filho de Deus, concede-me o teu Dom admirável, para que eu possa celebrar a maravilhosa beleza da tua mãe bem-amada! Conservando a virgindade concebeu a Virgem seu Filho, em seu seio imaculado teve Aquele que traz nas mãos o universo, amamentou Quem às nações dá alimento. Virgem e mãe, o que não é ela, desde então? Ela é santa de corpo, bela na alma, pura de espírito, correcta na inteligência, perfeita nos sentimentos, casta e fiel, pura de coração e plena de virtude. Que em Maria exultem os corações virgens, porque dela nasceu Quem libertou o género humano votado a uma escravatura terrível. Que o velho Adão, ferido pela serpente, se alegre em Maria; Maria dá a Adão uma descendência que lhe permite esmagar a serpente maldita e que o sara da sua ferida mortal (Gn 3,15). Que os padres se alegrem na Virgem bendita; ela pôs no mundo o Padre Maior que a Si próprio se fez vítima, pondo fim aos sacrifícios da antiga aliança [...] Que em Maria se alegrem todos os profetas, porque nela se cumpriram as suas visões, nela se realizaram as suas profecias, se confirmaram os seus oráculos. Que em Maria exultem todos os patriarcas, porque ela recebeu a bênção que lhes foi prometida, ela que, em seu Filho, os tornou perfeitos [...] Maria é a nova árvore de vida, que dá aos homens, em vez do fruto amargo colhido por Eva, um dulcíssimo fruto de que o mundo inteiro se alimenta. Da liturgia bizantina Hino "acatistos" à Mãe de Deus (séc. VII) "Eu te saúdo, ó cheia de graça!" Do céu foi enviado um arcanjo eminente para dizer à Mãe de Deus: "Alegra-te!" Mas quando te viu, ó Senhora, a sua voz ganhou corpo e ele gritou a sua surpresa e o seu encantamento: "Alegra-te: em ti brilha a alegria da salvação. Alegra-te: por ti o mal desapareceu. Alegra-te, porque ergues Adão da sua queda. Alegra-te, porque Eva também já não chora. Alegra-te, montanha inacessível aos pensamentos dos homens. Alegra-te, abismo insondável aos próprios anjos. Alegra-te, porque te tornas o trono e o palácio do Rei. Alegra-te: tu levas em ti Aquele que tudo pode. Alegra-te, estrela que anuncias o nascer do Sol. Alegra-te, porque em teu seio Deus tomou a nossa carne. Alegra-te: por ti, toda a criação é renovada. Alegra-te: por ti, o Criador fez-se menino. Alegra-te, Esposa que não foste desposada." A Puríssima, conhecendo o seu estado virginal, respondeu confiadamente ao anjo Gabriel: "Que estranha maravilha essa que dizes! Ela parece incompreensível à minha alma; como conceberei sem semente para engravidar, como tu está a dizer?" Aleluia, aleluia, aleluia! Para compreender este mistério desconhecido, a Virgem dirige-se ao servo de Deus e pergunta-lhe como é que um Filho poderia ser concebido nas suas castas entranhas. Cheio de respeito, o anjo aclama-a: "Alegra-te: a ti Deus revela os seus desígnios inefáveis. Alegra-te, confiança dos que rezam em silêncio. Alegra-te: tu és a primeira das maravilhas de Cristo. Alegra-te: em ti são recapituladas as doutrinas divinas. Alegra-te, escada pela qual Deus desce do Céu. Alegra-te, ponte que nos conduz da terra ao Céu. Alegra-te, inesgotável admiração dos anjos. Alegra-te, ferida incurável para os demónios. Alegra-te: tu geras a luz de forma inexprimível. Alegra-te: tu não revelas o segredo a ninguém. Alegra-te: tu ultrapassas a sabedoria dos sábios. Alegra-te: tu iluminas a inteligência dos crentes. Alegra-te, Esposa que não foste desposada." O poder do Altíssimo cobriu então com a sua sombra a Virgem que não tinha sido desposada, para a levar a conceber. E o seu seio fecundado tornou-se um jardim de delícias para os que nele querem colher a salvação, cantando: "Aleluia, aleluia, aleluia!" Aelred de Rielvaux (1110-1167), monge cisterciense inglês 2º sermão sobre a Anunciação EVA mudada em AVE Adão tinha escalado a montanha da soberba; o Filho de Deus quis descer ao vale da humildade. Encontrou um vale para onde descer. Onde se encontra ele? Não em ti, Eva, mãe do nosso mal, não em ti – mas na bem-aventurada Maria. Ela é bem este vale de Hébron, devido à sua humildade e à sua força. Ela é forte devido à sua participação na força da qual está escrito: “O Senhor é forte e poderoso” (Sl 24,8). Ela é a mulher virtuosa que Salomão desejava: “Uma mulher virtuosa, quem a poderá encontrar?” (Prov 30,10). Eva, apesar de criada no paraíso sem corrupção e sem mancha, sem enfermidade nem dor, revelou-se tão fraca, tão insegura. “Quem encontrará pois a mulher virtuosa?” Podemos encontrá-la nesta terra de miséria, uma vez que não a pudemos encontrar na beatitude do paraíso?... Dado que se encontrou no paraíso uma mulher tão fraca, quem poderá encontrar aqui a mulher virtuosa? Hoje, Deus Pai encontrou essa mulher, para a santificar; o Filho encontrou-a, para nela habitar; o Espírito Santo encontrou-a, para a iluminar… E o anjo encontrou-a, para a saudar assim: “Ave, ó cheia de graça, o Senhor está contigo”. Ei-la, a mulher virtuosa, aquela em quem a ponderação substitui a curiosidade, em quem a humildade elimina toda a vaidade, em quem a virgindade liberta de toda a voluptuosidade. „Ave, cheia de graça!“ – Lu 1,28 1. Um anjo à Virgem Santa / embaixador de Deus / mensagem traz que espanta / o inferno, a terra os céus:/ „Ave, cheia de graça! / Deus quer de Vós nascer!“ / „Em mim assim se faça / do Eterno o bel-prazer“. 2. Salve, dia bendito / no qual Deus se encarnou / e as tramas do maldito / em bênçãos transformou. / Salve, hora de mistério / em que surgiu Jesus / e aos homens deu o Império / da sempiterna luz. 3. Salve, anjo mensageiro / que nos trazeis do além / o fim do cativeiro / que do pecado vem! / Salve, núncia de vida / aos míseros mortais / mercê não merecida / por nossos pobres pais. Tradicional - Cantemos ….. n° 69 Santo Efrém (c. 306-373), diácono da Síria, doutor da Igreja Hinos sobre Maria, nº 7 Maria Imaculada, cumulada de uma graça particular, pelos méritos de seu Filho Vós todos, que sabeis discernir, vinde e admiremos A Virgem que é mãe, a filha de David. […] Vinde e admiremos a Virgem puríssima, Maravilha em si mesma, única em toda a criação. Ela deu à luz sem ter conhecido homem, Sua alma pura inteiramente deslumbrada. A todo o momento seu espírito se entregava ao louvor, Porque se alegrava com a dupla maravilha: Mantida a virgindade, ter o filho de todos mais amado! Jovem pomba (Cant 6, 9), transportou a águia O Ancião dos dias (Dan 7, 9), cantando os seus louvores: “Meu Filho, Tu, de riqueza sem igual, quiseste crescer Num ninho miserável. Harpa melodiosa, Permaneces em silêncio como criança de berço. Permite-me, pois, que cante para Ti. […] Tua morada, meu Filho, é mais que todas as outras, Todavia quiseste que fosse eu tua morada. O céu é pequeno para conter tua glória, Eu, porém, o mais humilde dos seres, Te trago em mim. Permite a Ezequiel vir ver-Te no meu colo, Reco nhecer em Ti Aquele que os querubins Transportavam no carro (Ez, 1) […]; hoje sou eu quem Te transporta […] E com grande tremor os querubins exclamam: ‘Bendita seja a glória de Deus no lugar onde ela repousa!’ (Ez 3, 12). Esse lugar é em mim, meu seio é Tua morada; Meus braços são o trono da tua grandeza. […] Vem ver-me, Isaías, vê e alegremo-nos! Eis que concebi, permanecendo embora virgem (Is 7, 14). Profeta do Espírito, de visões tão ricas, Vê agora o Emanuel que de ti permaneceu escondido. […] Vinde, pois, todos vós que sabeis discernir, Vós que, pela vossa voz, dais testemunho do Espírito. […] Erguei-vos, rejubilai, porque eis aqui a colheita! Olhai: tenho nos braços a espiga da vida.” Santo Amadeu de Lausana (1108-1159), monge cisterciense, posteriormente bispo Terceira homilia mariana O Espírito Santo faz nascer em Maria a nova criação «O Espírito Santo descerá sobre ti». Ele revelar-se-á em ti, Maria. Veio a outros santos, e a outros virá; mas em ti, revelar-se-á. […] Revelar-se-á na fecundidade, na abundância, na plenitude da sua efusão em todo o teu ser. Quando te tiver tomado, continuará em ti, presente em teus fluidos para fazer em ti obra melhor e mais admirável do que quando, movendo-se na superfície das águas no começo, fez evoluir em diversas formas a matéria criada (Gn 1,2). «E a força do Altíssimo estenderá sobre ti a sua sombra». Cristo, força e sabedoria de Deus, envolver-te-á na sua sombra; tomará então de ti a natureza humana, e a plenitude de Deus, que não poderias ter, mantê-la-á em Si ao mesmo tempo que assume a nossa carne. Estenderá sobre ti a sua sombra porque a humanidade que for escolhida pelo Verbo será como um véu para a luz inacessível de Deus; e essa luz, assim joeirada, penetrará nas tuas tão castas entranhas […]. Rogamos-te pois, Soberana, digníssima Mãe de Deus, não desprezes os que pedem com verdadeiro temor, os que procuram com piedade, os que com amor te batem à porta. Diz-nos, rogamos-te, que sentimento te comoveu, por que amor foste tomada […] quando em ti se realizou a maravilha, quando o Verbo em ti se fez carne? Em que estado se encontrava a tua alma, teu coração, o espírito, os sentidos e a razão? Como a sarça outrora mostrada a Moisés, inflamavas-te, sem te queimares (Ex 3,2). Abandonavas-te no calor de Deus, sem que a chama te consumisse. Assim ardente, fundias-te sob o fogo do Altíssimo; mas desse fogo divino ganhavas novas forças, para ficares sempre ardente e n’Ele te fundires mais ainda […]. Ficaste mais virgem – e bem mais do que isso, porque virgem e mãe. Louvamos-te pois, ó cheia de graça; o Senhor é contigo; bendita sejas entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre. Santa Teresa Benedita da Cruz [Edith Stein] (1891-1942), carmelita, mártir, co-padroeira da Europa As Núpcias do Cordeiro (trad. Source Cachée, p. 261) "Mãe de todos os viventes" (Gn 3, 20) "Vi a cidade santa, a Nova Jerusalém, que descia do céu, de junto de Deus, bela como uma esposa que se ataviou para o seu esposo" (Ap 21, 2). Tal como Cristo desceu do céu à terra, também a Sua esposa, a Santa Igreja, tem origem no céu; nasceu da graça de Deus, desceu com o próprio Filho de Deus e está-Lhe indissoluvelmente unida. É formada por pedras vivas (1 Ped 2, 5); e a sua pedra angular (Ef 2, 20) foi colocada quando o Verbo de Deus assumiu a natureza humana no seio da Virgem. Nesse instante, estabeleceu-se entre a alma do filho divino e a alma de sua virginal mãe o laço da mais íntima de todas as uniões, a que chamamos união nupcial. Oculta ao mundo, a Jerusalém celeste tinha descido à terra. Desta primeira união nupcial haveriam de nascer todas as pedras que se juntariam à poderosa construção, todas as almas que a graça despertaria para a vida. Deste modo, a mãe esposa seria a mãe de todos os redimidos. João Paulo II Alocução de 27.11.1983 "Rejubila, cheia de graça!" A alegria é uma componente fundamental do tempo sagrado que começa. O Advento é um tempo de vigilância, de oração, de conversão, para além de uma espera fervorosa e alegre. O motivo é claro: «O Senhor está próximo» (Fl 4,5). A primeira palavra dirigida a Maria no Novo Testamento é um convite jubiloso: «Exulta, rejubila!» (Lc 1,28 grego). Tal saudação está ligada à vinda do Salvador. Maria é a primeira a quem é anunciada uma alegria que, em seguida, será proclamada a todo o povo; Maria participa nela de uma forma e numa medida extraordinária. Em Maria, a alegria do antigo Israel concentra-se e encontra a sua plenitude; nela, a felicidade dos tempos messiânicos manifesta-se irrevogavelmente. A alegria da Virgem Maria é, de modo particular, a do «pequeno resto» de Israel (Is 10,20 sg), dos pobres que esperam a salvação de Deus e que experimentam a sua fidelidade. Para participarmos também nesta festa, é necessário esperarmos com humildade e acolhermos o Salvador com confiança. «Todos os fiéis que, pela liturgia, vivem o espírito do Advento, considerando o amor inefável com que a Virgem Maria esperava o Filho, serão levados a tomá-la como modelo e a preparar-se para ir ao encontro do Senhor que vem, 'vigilantes na oração e cheios de alegria'» (Paulo VI, Marialis cultus,4; Missal Romano). João Paulo II Mulieris dignitatem (trad. copyright © Libreria Editrice Vaticana) «Quando chegou a plenitude dos tempos, Deus enviou o seu Filho, nascido de uma mulher» (Ga 4,4) [Em resposta às] aspirações do espírito humano em busca de Deus..., a "plenitude do tempo" põe em relevo a resposta do próprio Deus... O envio de Seu Filho, consubstancial ao Pai, como homem "nascido de mulher" (Ga 4,4), constitui a etapa culminante e definitiva da revelação que Deus faz de Si mesmo à humanidade... A mulher encontra-se no coração deste acontecimento salvífico. Na sua essência, a revelação que Deus faz de Si mesmo, a saber, a unidade insondável da Trindade, está contida na Anunciação de Nazaré. "-Eis que conceberás no teu seio e darás à luz um filho, e chamar-lhe-ás Jesus. Ele será grande e será chamado o Filho do Altíssimo. -Como será isso, se eu não conheço homem? -O Espírito Santo virá sobre ti e o poder do Altíssimo te cobrirá com a Sua sombra; por isso, o santo que nascer será chamado Filho de Deus... Porque nada é impossível a Deus." É fácil compreender este acontecimento na perspectiva da história de Israel, o povo eleito de quem Maria é filha, mas é também fácil compreendê-lo na perspectiva de todos os caminhos por onde a humanidade procura desde sempre uma resposta às questões fundamentais e ao mesmo tempo definitivas que mais a obsecam. Não é verdade que, na Anunciação de Nazaré, se encontra o início da resposta definitiva pela qual o próprio Deus vai ao encontro da inquietação do coração humano? Não se trata aqui apenas de palavras de Deus reveladas pelos profetas mas, no momento desta resposta, o Verbo faz-se realmente carne (Jo 1,14). Maria atinge uma tal união a Deus que ultrapassa todas as expectativas do espírito humano. Ultrapassa mesmo as expectativas de todo o Israel e, em particular, das filhas desse povo eleito que, em virtude da promessa, podiam esperar que uma deles se tornasse um dia a mãe do Messias. Contudo, qual, de entre elas, podia supor que o Messias prometido seria o "Filho do Altíssimo"? A partir da fé monoteísta no tempo do Antigo Testamento, era dificilmente imaginável. Só pela força do Espírito Santo que "veio sobre ela" é que Maria pôde aceitar o que "é impossível aos homens mas possível a Deus" (Mc 10,27). Papa Bento XVI Encíclica Deus Caritas est, § 41; Libreria Editrice Vaticana Maria, mulher de fé, de esperança e de amor Os santos são os verdadeiros portadores de luz dentro da história, porque são homens e mulheres de fé, esperança e caridade. Entre os Santos, sobressai Maria, Mãe do Senhor e espelho de toda a santidade. No Evangelho de Lucas, encontramo-La empenhada num serviço de caridade a sua prima Isabel, junto da qual permanece «cerca de três meses» (1, 56), assistindo-a na última fase da gravidez. «Magnificat anima mea Dominum – A minha alma engrandece o Senhor» (Lc 1, 46), diz por ocasião de tal visita, exprimindo assim todo o programa da sua vida: não se colocar a si mesma ao centro, mas dar espaço ao Deus que encontra tanto na oração como no serviço ao próximo — só então o mundo se torna bom. Maria é grande, precisamente porque não quer fazer-se grande a si mesma, mas engrandecer a Deus. Ela é humilde: não deseja ser mais nada senão a serva do Senhor (cf. Lc 1, 38.48). Sabe que contribui para a salvação do mundo, não realizando uma obra sua, mas apenas colocandose totalmente à disposição das iniciativas de Deus. É uma mulher de esperança: só porque crê nas promessas de Deus e espera a salvação de Israel, é que o Anjo pode vir ter com Ela e chamá-la para o serviço decisivo de tais promessas. É uma mulher de fé: «Feliz de Ti, que acreditaste», diz-lhe Isabel (cf. Lc 1, 45). Pregador do Papa: dogma da Imaculada mostra que Deus é mais forte que pecado Comentário do Pe. Cantalamessa na festa mariana ROMA, quinta-feira, 6 de dezembro de 2007 (ZENIT.org).- Publicamos o comentário do Pe. Raniero Cantalamessa, OFM Cap. – pregador da Casa Pontifícia – sobre a Solenidade da Imaculada Conceição. *** Solenidade da Imaculada Conceição Gênesis 3, 9-15.20; Efésios 1, 3-6.11-12; Lucas 1, 26-38 Sem pecado Com o dogma da Imaculada Conceição, a Igreja Católica afirma que Maria, por singular privilégio de Deus e em vista dos méritos da morte de Cristo, foi preservada de contrair a mancha do pecado original e veio à existência já totalmente santa. Quatro anos depois da definição do dogma pelo Papa Pio IX, esta verdade foi confirmada pela própria Virgem em Lourdes, em uma das aparições a Bernadete, com as palavras: «Eu sou a Imaculada Conceição». A festa da Imaculada recorda à humanidade que existe uma só coisa que contamina verdadeiramente o homem, e é o pecado. Uma mensagem urgente para ser proposta. O mundo perdeu o sentido do pecado. Brinca-se como se fosse o mais inocente do mundo. Alinha com a idéia de pecado seus produtos e seus espetáculos para torná-los mais atrativos. Refere-se ao pecado, inclusive aos mais graves, com diminutivos: pecadinho, viciozinho. A expressão «pecado original» se utiliza na linguagem publicitária para indicar algo bem diferente da Bíblia: um pecado que dá um toque de originalidade a quem o comete! O mundo tem medo de tudo, menos do pecado. Teme a contaminação atmosférica, as penosas doenças do corpo, a guerra atômica, atualmente o terrorismo, mas não lhe dá medo a guerra a Deus, que é o Eterno, o Onipotente, o Amor, enquanto Jesus diz que não se tema aos que matam o corpo, mas só a quem, depois de ter matado, tem o poder de lançar à geena (cf. Lc 12, 4-5). Esta situação «ambiental» exerce uma tremenda influência até nos crentes que, contudo, querem viver segundo o Evangelho. Produz neles um adormecimento da consciência, uma espécie de anestesia espiritual. Existe uma narcose por pecado. O povo cristão já não reconhece seu verdadeiro inimigo, o senhor que o mantém escravizado, só porque se trata de uma escravidão dourada. Muitos que falam de pecado têm dele uma idéia completamente inadequada. O pecado se despersonaliza e se projeta unicamente sobre as estruturas; acaba-se por identificar o pecado com a postura dos próprios adversários políticos ou ideológicos. Uma pesquisa sobre o que as pessoas pensam que é o pecado daria resultados que provavelmente nos aterrorizariam. Ao invés de livrar-se do pecado, todo o empenho se concentra hoje em livrar-se do peso de consciência relativo ao pecado; em vez de lutar contra o pecado, luta-se contra a idéia do pecado, substituindo-a por aquela – bastante diferente – do «sentimento de culpa». Faz-se o que em qualquer outro campo se considera o pior de tudo, ou seja, negar o problema ao invés de resolvê-lo, voltar a jogar e sepultar o mal no inconsciente em vez de extrai-lo. Como quem crê que elimina a morte suprimindo o pensamento sobre a morte, ou como quem se preocupa por baixar a febre sem curar a doença, da qual aquela é só um providencial sintoma. São João dizia que se afirmamos estar sem pecado, enganamos a nós mesmos e fazemos de Deus um mentiroso (cf. 1 João 1, 8-10); Deus, de fato, diz o contrário: que pecamos. A Escritura diz que Cristo «morreu por nossos pecados» (1 Cor 15, 3). Suprima o pecado e você torna vã a própria redenção de Cristo, destrói o significado de sua morte. Cristo teria lutado contra simples moinhos de ventos, teria derramado seu sangue por nada. Mas o dogma da Imaculada nos diz também algo sumamente positivo: que Deus é mais forte que o pecado e que onde abunda o pecado superabunda a graça (cf. Rom 5, 20). Maria é o sinal e a garantia disso. A Igreja inteira, detrás d’Ela, está chamada a ser «resplandecente, sem que tenha mancha, nem rugas nem coisa parecida, mas que seja santa e imaculada» (Ef 5, 27). Um texto do Concílio Vaticano II diz: «Enquanto a Igreja na Santíssima Virgem já chegou à perfeição, pela qual se apresenta sem mancha nem ruga, os fiéis, no entanto, ainda que se esforçam por crescer na santidade, vencendo o pecado; e por isso dirigem seu olhar a Maria, que brilha ante toda a comunidade dos eleitos, como modelo de virtudes» (Lumen gentium, n. 65]. [Traduzido por Zenit] Lc, 1,49 Santa Catarina de Sena (1347-1380), terceira dominicana, doutora da Igreja, co- padroeira da Europa Oração de 25 de Março 1379 “O Omnipotente fez por mim maravilhas” (Lc 1,49) Maria, templo da Trindade, lareira do fogo divino, Mãe de misericórdia..., tu és o tronco novo (Is 11,1) que produziu a flor que inebria o mundo, o Verbo, o Filho único de Deus. É em ti, terra fecunda, que este verbo foi semeado (Mt 13,3s). Tu escondeste o fogo na cinza da nossa humanidade. Vaso de humildade onde arde a luz da verdadeira sabedoria..., pelo fogo do teu amor, pela chama da tua humildade, tu atraíste para ti e para nós o Pai eterno... Graças a esta luz, ó Maria, tu nunca foste como as virgens insensatas (Mt 25,1s), mas estavas cheia da virtude da prudência. É por isso que quiseste saber como se poderia cumprir o que o anjo te anunciava. Tu sabias que “Tudo é possível a Deus”; tu não tinhas disso nenhuma dúvida. Porque dizer então: “Eu não conheço homem”? Não era a fé que te faltava; era a tua humildade profunda que te fazia dizer isso. Tu não duvidavas do poder de Deus; tu olhavas-te como indigna de um tão grande prodígio. Se tu te perturbaste com a palav ra do anjo, não foi por medo. À luz do próprio Deus, parece-me que era mais por admiração. E que é que tu admiravas, ó Maria, senão a imensidade da bondade de Deus? Olhando para ti própria, tu julgavas-te indigna desta graça e ficaste estupefacta. A tua questão é a prova da tua humildade. Tu não estavas cheia de medo, mas unicamente de admiração diante da imensa bondade de Deus, comparada à tua pequenez, à tua humilde condição. «O anjo disse»; por Dom Walmor Oliveira de Azevedo Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte (Brasil) BELO HORIZONTE, domingo, 11 de dezembro de 2005 (ZENIT.org).- Publicamos artigo de Dom Walmor Oliveira de Azevedo, arcebispo metropolitano de Belo Horizonte (MG), divulgado pela assessoria de comunicação da arquidiocese mineira. *** "O anjo disse" (Lc 1,30) ‘Não tenhais medo!’ Esta palavra ressoa forte no coração humano. Ela abre uma nova perspectiva para quem vive na obscuridade de horizontes que só o medo configura na vida de cada dia. O medo é uma escuridão. É terrível viver com medo. O medo desestabiliza tudo. Ele move tempestades e furações nos corações. As fantasias presidem, por isso, o caminho de quem vive com medo. A vida é insegura. Não se vê com clareza o caminho a seguir. A confiança fica comprometida. O medo é real. Há ciladas e artimanhas. Não são poucas as maldades e perversidades. O medo é o resultado das armas e princípios usados pelos covardes e perversos, por aqueles que se elegem como centro e razão única de tudo. Vale tudo. Não se tem sentido de limites. Não há quem não tenha algum medo. No seu reverso estão as incertezas do caminho, a falta de clareza para o rumo certo, o apego a evidências sem apostas no discernimento. É incômodo viver com medo. É grande aposta na vida ouvir dizer: “Não tenhais medo”. De onde vem a garantia? Esta voz que ressoa no coração dizendo para não ter medo, é preciso saber quem a pronuncia. Qual é o coração que pode dar esta garantia? Vale seguir o diálogo que se deu naquela casa simples na cidade de Nazaré da Galiléia. Este diálogo revela o segredo e as raízes da condição para se vencer todo medo. Lá em Nazaré dialogaram Maria, a Virgem, prometida em casamento a José, e o anjo Gabriel, enviado por Deus. O diálogo foi estabelecido entre a criatura e o enviado do Criador. Sua era a palavra. Do seu coração nascia toda garantia. Esta garantia desafia o humano a compreender suas dimensões. Não, porém, outra resposta e nenhuma outra direção. Só a inserção neste coração divino é a condição e garantia para se vencer todo medo. Nele não há ciladas ou falácias. Tudo é transparente porque tudo nasce do amor. Nada se sobrepõe. Não tem sentido nenhuma disputa. Passa longe qualquer mecanismo de disputa. Tudo é amor. Um amor que alcança o seu ápice amando os amados e neles realizando maravilhas grandes e admiráveis. Foi assim o convite-desafio posto à Virgem de Nazaré. Alegra-te cheia de graça A alegria verdadeira é a direção contrária do medo. O medo faz mover tudo pela insegurança. Ele gera os fantasmas do apego e das disputas ferrenhas. O outro é sempre um adversário. A guerra é permanente. A vida é presidida pela dinâmica das disputas por lugares e honrarias, mandos e ajuntamento de bens. O importante passa a ser o que está do lado de fora. O medo faz da vida um verdadeiro inferno. Não se respeita, vive-se de ameaças incontáveis. As artimanhas e ciladas enchem os corações de preconceitos. Não há sossego. Não há sossego porque não se está enraizado a não ser em si e nos próprios interesses e cálculos. Não há amor. Cada qual se torna apenas peça nos mecanismos que vão garantindo a subsistência, movidos todos por ilusões e miragens. A alegria verdadeira, gerando doação de si, abertura e alianças que sustentam a vida, nasce da graça. Só a graça de Deus pode dar a verdadeira alegria. Alegria que vence o medo. Medo que não existe no coração de quem é íntimo de Deus pela força de sua graça. Medo que não existe mesmo quando existem ameaças e perigos concretos. Os ganhos todos estão para além daquilo que se ajunta e se possui. O estar com o Senhor e a certeza de que “o Senhor está contigo” é a verdadeira alegria e a vitória sobre todo medo e todo ódio. A alegria verdadeira será sempre ação da graça amorosa de Deus. Maria ficou perturbada As dimensões incalculáveis da ação amorosa da graça de Deus desafiam o humano de toda criatura. A perturbação no coração de Maria indica o caminho de procura que a condição humana há de seguir para alargar o coração até à medida que só a graça de Deus pode edificar. As palavras do anjo abrem um horizonte novo e infinito para a criatura na largueza incalculável do coração amoroso de Deus. A perturbação não é inconsistência de sentimentos e de afetos. Afetos e sentimentos se vêm à luz diáfana do amor verdadeiro, único e eterno, o amor de Deus. Ao pensar o significado da saudação, Maria aceitava o desafio, amorosamente posto por Deus, na sua predileção por ela, de enraizar-se nas garantias de Deus e viver tão somente da obediência a ele. O sentido único é passar a viver a vida, em tudo e em todos os momentos, a partir do horizonte de Deus, o amor. Esta é uma possibilidade que só a graça de Deus pode configurar nas estreitezas do humano e da condição de criatura diante do amor criador. O pensar de Maria indica a dinâmica única que cria a condição da procura. A procura permanente do coração de Deus, dos seus sentimentos e de sua vontade. Nada, absolutamente nada, senão à luz do que Deus quer, pela força da confiança n’Ele depositada, a força transformadora do seu amor e a inteligência de sua condução em todos os passos. Como acontecerá isso? Esta pergunta salutar e reveladora do coração predileto de Deus e a ele totalmente aberto dá a oportunidade para compreender o segredo para vencer todo medo e viver, ainda que em meio aos medos, suas causas e raízes, presidindo o mundo, da alegria verdadeira, espalhando-a por todos os cantos e em todos os corações. O coração de Deus, na voz do anjo Gabriel, faz ecoar na condição humana de Maria, preservada de todo o pecado por esta mesma graça, para entendimento de toda outra criatura, o que faz não ter medo. Não tem medo quem encontra graça diante de Deus, assegurou o anjo à virgem. Encontrá-la é o desafio humano e existencial, de cada dia, na abertura total a Deus, pelo cultivo de uma compreensão e, sobretudo, pela atitude incondicional de confiança n’Ele depositada. Um desafio de compreensão que se responde a partir das circunstâncias concretas da própria vida entrelaçada na vida dos outros todos. Nestas circunstâncias a ação de Deus, pela força de sua graça amorosa, realiza as transformações e constrói para além de toda lógica e de toda expectativa meramente humana. A criatura apresenta a vida que é sua, dom de Deus. Ele, Pai amoroso, pela ação do Espírito realiza o que só a força do seu amor pode realizar. Não há esterilidade sem transformação. Não há o que o amor, acima de todo medo, não possa realizar. Vale tão somente viver para dizer, como Maria: “Eis aqui a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra”. O resultado é experimentar e convencer-se que é verdade: “Para Deus nada é impossível”. ZP05121116 Lucas 1,26-38 Missal Romano "Preservaste-a de todo o pecado por uma graça que vinha já da morte do teu Filho" (oração colecta da festa) Pai Santo, Deus eterno e omnipotente, é verdadeiramente nosso dever, é nossa salvação dar-Vos graças, sempre e em toda a parte, e louvar-Vos, bendizer-Vos e glorificar-Vos na Imaculada Conceição da Virgem Santa Maria. Vós a preservastes de toda a mancha do pecado original para que, enriquecida com a plenitude da Vossa graça, fosse a digna Mãe do Vosso Filho. Nela destes início à Santa Igreja, esposa de Cristo, sem mancha e sem ruga, resplandecente de beleza e santidade. Dela, Virgem puríssima, devia nascer o Vosso Filho, Cordeiro inocente que tira o pecado do mundo. Vós a destinastes, acima de todas as criaturas, a fim de ser, para o Vosso povo, advogada de graça e modelo de santidade. Por isso, com os Anjos e os Santos, proclamamos com alegria a Vossa glória, cantando numa só voz: "Santo, Santo, Santo, Senhor Deus do Universo!" Pregador do Papa: Imaculada Conceição, «Festa da beleza» Padre Raniero Cantalamessa comenta o Evangelho da Solenidade mariana ROMA, quarta-feira, 7 de dezembro de 2005 (ZENIT.org).- Publicamos o comentário do padre Raniero Cantalamessa OFM Cap --pregador da Casa Pontifícia-- ao Evangelho da quinta-feira, 8 de dezembro, Solenidade da Imaculada Conceição (Lc 1, 26-38). *** Festa da beleza Dizendo que Maria é a Imaculada, dizemos dela duas coisas, uma negativa e uma positiva: negativamente, que foi concebida sem a «mancha» do pecado original; positivamente, que chegou ao mundo cheia já de toda graça. Nesta palavra está a explicação de tudo o que Maria é. O Evangelho da festa o sublinha fazendo que voltemos a escutar a palavra do anjo: «Alegra-te, cheia de graça, o Senhor está contigo». A palavra graça tem dois significados. Pode significar favor, perdão, anistia, como quando dizemos de um condenado à morte que obteve graça. Mas pode significar também beleza, fascinação, amabilidade. O mundo de hoje conhece bem este segundo sentido de graça, o único que conhece. Também na Bíblia graça tem estes dois significados. Indica antes de tudo e primeiramente o favor divino gratuito e imerecido que, em presença do pecado, traduz-se em perdão e misericórdia, mas indica também a beleza que se deriva deste favor divino, o que chamamos de estado de graça. Em Maria encontramos estes dois significados de graça. Ela é «cheia de graça» antes de tudo porque foi objeto de um favor e de uma eleição únicos; ela foi também «agraciada», isto é, salva gratuitamente pela graça de Cristo. (Ela foi preservada do pecado original, «em previsão dos méritos de Cristo!»). Mas é «cheia de graça» também no sentido de que a eleição de Deus a fez resplandecente, sem mancha, «toda bela», «tota pulchra», como canta a Igreja nesta festa. Se a Imaculada Conceição é a festa da graça e da beleza, esta tem algo importantíssimo que dizer-nos hoje. A beleza toca todos nós, é dos alicerces mais profundos da ação humana. O amor por ela nos une a todos. «O mundo será salvo pela beleza», disse Dostoievski. Mas devemos acrescentar imediatamente, o mundo também pode perder-se pela beleza. Por que tão freqüentemente a beleza transforma-se em uma armadilha mortal e em causa de delitos e de lágrimas amargas? Por que muitas personalidades da beleza, a partir de Helena, de Homero, foram causa de enormes lutos e tragédias e muitos modernos mitos de beleza (o último o de Marilyn Monroe) acabaram de forma tão triste? Pascal diz que existem três ordens de grandeza, ou categorias de valores, no mundo: a ordem dos corpos e das coisas materiais, a ordem da inteligência e do gênio, e a ordem da bondade ou santidade. Pertencem à primeira ordem a força, as riquezas materiais; pertencem à segunda ordem o gênio, a ciência; pertencem ao terceiro nível a bondade, a santidade, a graça. Entre cada um destes níveis e o sucessivo há um salto de qualidade quase infinito. Ao gênio não tira nem põe nada o fato de ser rico ou pobre, belo ou feio; sua grandeza situa-se em um plano diferente e superior. Da mesma forma, ao santo não acrescenta nem tira nada o fato de ser forte ou hábil, rico ou pobre, um gênio ou um iletrado: sua grandeza situa-se em um plano diferente e infinitamente superior. O músico Gounod dizia que uma gota de santidade vale mais que um oceano de gênio. Tudo o que Pascal diz da grandeza em geral aplica-se também à beleza. Existem três tipos de beleza: a beleza física ou dos corpos, a beleza intelectual ou estética e a beleza moral e espiritual. Igualmente aqui entre um plano e o sucessivo há um abismo. A beleza de Maria Imaculada situa-se no terceiro plano, o da santidade e da graça, mais ainda, constitui seu vértice, depois de Cristo. É beleza interior, feita de luz, de harmonia, de correspondência perfeita entre a realidade e a imagem que Deus tinha ao criar a mulher. É Eva em todo seu esplendor e perfeição, a «nova Eva». Nós, cristãos, depreciamos ou temos medo da beleza, no sentido ordinário do termo? Em absoluto. O Cântico dos Cânticos celebra esta beleza na esposa e no esposo, com entusiasmo e sem complexos. Também ela é criação de Deus, e mais, a própria flor da criação material. Mas dizemos que ela deve ser sempre uma beleza «humana», e por isso reflete de uma alma e de um espírito. Não pode ser rebaixada ao nível de beleza puramente animal, reduzida a puro clamor para os sentidos, a instrumento de sedução, a sex appeal. Será desumanizada. Todos podemos fazer algo para entregar às gerações que virão um mundo um pouco mais belo e limpo, ao eleger bem o que deixamos entrar em nossa casa e em nosso coração através das janelas dos olhos. Aquilo que foi para Maria o ponto de partida na vida é para todo crente o ponto de chegada. Também a Igreja de fato está chamada a ser um dia «sem mancha nem ruga, mas santa e imaculada» (Ef 5, 27). [Traduzido por Zenit] ZP05120720 Cardeal Joseph Ratzinger [Papa Bento XVI] Einführung in das Christentum (Trad. A fé cristã de ontem e de hoje) "O Espírito Santo virá sobre ti e o poder do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra" Em todos os nascimentos milagrosos da Antiga Aliança, nos momentos decisivos da história da salvação..., o sentido do acontecimento é sempre o mesmo: a salvação do mundo não vem do homem, da sua própria força; é preciso que o homem a acolha e apenas a pode receber como um dom gratuito. O nascimento virginal de Cristo é, antes de tudo, uma mensagem sobre a forma como a salvação vem até nós - na simplicidade do acolhimento, como dom totalmente gratuito do amor que resgata o mundo. "Grita de alegria e de júbilo, tu que não conheceste as dores do parto, porque são mais numerosos os filhos da abandonada do que os da esposa, diz o Senhor" (Is 54,1). Em Jesus, Deus propõe, no meio da humanidade estéril e desesperada, um novo começo, que não é o produto da nossa história mas um dom do alto. Se já cada homem constitui uma novidade inefável, se ele representa uma criatura de Deus única na história, Jesus, em si, é a verdadeira novidade. Ele não procede d a própria raiz da humanidade mas do Espírito de Deus. É por isso que ele é o "novo Adão" (1Co 15,47), uma nova humanidade começa com ele... A fé cristã confessa que Deus não é prisioneiro da sua eternidade, limitado ao que é puramente espiritual. Pelo contrário, ele pode agir aqui, hoje, no meio do meu universo; efectivamente agiu aqui, em Jesus novo Adão, nascido da Virgem Maria pelo poder criador de Deus, cujo Espírito, no princípio, pairava sobre as águas (Gn 1,2), criando o ser a partir do nada. João Paulo II Alocução de 27/11/1983 «Alegra-te, cheia de graça» A alegria é uma componente fundamental do tempo sagrado que começa. O Advento é um tempo de vigilância, de oração, de conversão, para além de uma espera ferverosa e alegre. O motivo é claro: «O Senhor está próximo» (Fil 4,5). A primeira palavra dirigida a Maria no Novo Testamento é um alegre convite: «Exulta, rejubila!» (Lc 1, 28 grego). Uma tal saudação está ligada à vinda do Salvador. A Maria, é, em primeiro lugar, anunciada uma alegria que em seguida será proclamada a todo o povo; ela participa nisso de uma maneira e numa medida extraordinária. Nela, a alegria da antiga Israel concentra-se e encontra a sua plenitude; nela, a felicidade dos tempos messiânicos explode irrevogavelmente. A alegria da Virgem Maria é especialmente a do pequeno resto de Israel (Is 10,20s), dos pobres que esperam a salvação de Deus e que fazem a experiência da sua fidelidade. Para participar nessa festa, também nós, é preciso esperar com humildade e acolher o Salvador com confiança. «Todos os fié is que, pela liturgia, vivem o espírito do Advento, considerando o amor inefável com o qual a Virgem Mãe esperava o Filho, levarão a que a tomem por modelo e se preparem para ir ao encontro do Senhor que vem, “vigilantes na oração e cheios de júbilo”» (Paulo VI, Marialis cultus 4; Missal Romano). São Bernardo (1091-1153) monge cisterciense e doutor da Igreja Na Anunciação do Senhor «Eis aqui a escrava do Senhor» «O Anjo Gabriel foi enviado por Deus a uma cidade da Galileia chamada Nazaré». Admiraste que uma cidade tão insignificante como Nazaré seja honrada com o embaixador de um Rei tão excelso e com semelhante mensagem? Nesta pequena cidade, há um tesouro escondido; está oculto aos homens, não a Deus. Por ventura não é Maria o tesouro de Deus? Onde quer que Ela esteja, ali está o coração de Deus. Nunca a perde vista. Não aparta os Seus olhos da humildade da sua escrava. Se o Unigénito de Deus Pai conhece o céu, da mesma maneira conhece Nazaré. Como não havia de conhecer a sua pátria ou ignorar a sua herança? O céu pertence-Lhe por seu Pai, e Nazaré por sua Mãe. Por isso, não duvida em afirmar que é Filho de David e Senhor… «Não temas, Maria; encontraste graça diante de Deus». Quanta? Uma graça total, uma graça singular. Singular ou universal? … Tão singular como universal, porque foste a única a encontrar graça. É singular porque foste a única a encontrar a plenitude, e é universal, porque todos recebem dessa plenitude. «Bendita és Tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre». É fruto único do teu ventre, mas por teu intermédio chegou às almas de todos … Só em Ti Se aniquilou a Si próprio aquele Rei tão rico, Se humilhou o Excelso, Se tornou pequeno o Infinito e Se fez inferior aos anjos. Numa palavra: em Ti incarnou o Deus verdadeiro e Filho de Deus. Com que fim? Para nos enriquecer a todos com a sua pobreza, exaltar-nos com a sua humildade, engrandecer-nos com a sua pequenez, unir-nos a Deus fazendo-Se homem e começarmos a ser um só espírito com Ele. „Disse então, Maria: „Eu sou a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra!“ – Lu 1,38 1. Quando teu Pai revelou o segredo a Maria / que, pela força do Espírito, conceberia / a Ti, Jesus, ela não hesitou logo em responder: / „Faça-se em mim, pobre serva, o que a Deus aprouver!“ / Hoje imitando Maria que é imagem da Igreja / nossa familia outra vez Te recebe e deseja / cheia de fé, de esperança e de amor dizer „sim“ a Deus: / Eis aqui os teus servos, Senhor! Que a graça de Deus cresça em nós sem cssar!/ E de Ti, nosso Pai, venha o Espírito Santo / de amor pra gerar e formar Cristo em nós. 2. Por um decreto do Pai ela foi escolhida / para gerar-Te, ó Senhor, que és origem da vida / cheia do Espirito Santo no corpoe no coração. / Foi quem melhor cooperou com a tua missão. / Na comunhão recebemos o Espírito Santo / e vem contigo, Jesus, o teu Pai sacrossanto; / vamos agora ajudar-Te no plano da salvação: / Eis aqui os teus servos, Senor! 3. No coração de Maria, no olhar doce, terno / sempre tiveste na vida um apoio materno. / Desde Belém, Nazare, só viveu para te servir; / quando morrias na cruz, tua Mãe estava ali. / Mãe amorosa da Igreja, quer ser nosso auxílio / reproduzir nos cristãos as feições de seu Filho. / Como ela fez em Caná, nos onvida a Te obedecer: / Eis aqui os teus servos, Senhor! Dom Carlos Alberto Navarro - Cantemos ….. n° 1058 Evangelho segundo S. Lucas 1,39-56. Por aqueles dias, Maria pôs-se a caminho e dirigiu-se à pressa para a montanha, a uma cidade da Judeia. Entrou em casa de Zacarias e saudou Isabel. Quando Isabel ouviu a saudação de Maria, o menino saltou-lhe de alegria no seio e Isabel ficou cheia do Espírito Santo. Então, erguendo a voz, exclamou: «Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre. E donde me é dado que venha ter comigo a mãe do meu Senhor? Pois, logo que chegou aos meus ouvidos a tua saudação, o menino saltou de alegria no meu seio. Feliz de ti que acreditaste, porque se vai cumprir tudo o que te foi dito da parte do Senhor.» Maria disse, então: «A minha alma glorifica o Senhor e o meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador. Porque pôs os olhos na humildade da sua serva. De hoje em diante, me chamarão bemaventurada todas as gerações. O Todo-poderoso fez em mim maravilhas. Santo é o seu nome. A sua misericórdia se estende de geração em geração sobre aqueles que o temem. Manifestou o poder do seu braço e dispersou os soberbos. Derrubou os poderosos de seus tronos e exaltou os humildes. Aos famintos encheu de bens e aos ricos despediu de mãos vazias. Acolheu a Israel, seu servo, lembrado da sua misericórdia, como tinha prometido a nossos pais, a Abraão e à sua descendência, para sempre.» Maria ficou com Isabel cerca de três meses. Depois regressou a sua casa. Santo Ambrósio (c. 340-397), bispo de Milão e doutor da Igreja Comentário a S. Lucas 2, 26-27 “Em uníssono exaltemos o Seu nome” (Sl 33, 4) Que em todos resida a alma de Maria que glorifica o Senhor; que em todos resida o espírito de Maria que exulta em Deus. Se, fisicamente, há uma só Mãe de Cristo, pela fé, Cristo é fruto de todos, porque todas as almas recebem o Verbo de Deus se permanecerem sem mancha, preservadas do mal e do pecado, guardando a castidade numa pureza inalterada. Assim, todas as almas que alcançam este estado exaltam o Senhor, como a alma de Maria exaltou o Senhor e o seu espírito se alegrou em Deus Salvador. Com efeito, o Senhor é exaltado, como lestes noutra passagem: “Em uníssono exaltemos o Seu nome” (Sl 33, 4). Não que a palavra humana possa acrescentar seja o que for ao Senhor, mas porque Ele cresce em nós. Porque “Cristo é a imagem de Deus” (2 Cor 4, 4), de maneira que a alma que faz coisas justas e religiosas exalta esta imagem de Deus, à semelhança da qual foi criada. E, exaltando-a, participa de alguma maneira na sua grandeza, na qual é elevada, parecendo reproduzir em si esta imagem através das cores vivas das suas boas obras, e como que copiá-la pelas suas virtudes. S. Nicolau Cabasilas (c. 1320-1363), teólogo leigo grego Homilia sobre a Dormição da Mãe de Deus "Exalta os humildes" Era preciso que a Virgem fosse associada a seu Filho em tudo o que respeita à nossa salvação. Tal como ela o fez partilhar a sua carne e o seu sangue..., assim ela tomou parte em todos os seus sofrimentos e em todas as suas dores... Foi ela quem primeiro se tornou conforme à morte do Salvador por uma morte semelhante à dele (Rm 6,5). Foi por isso que, antes de qualquer outro, ela participou da ressurreição. Com efeito, depois de o Filho ter quebrado a tirania do inferno, ela teve a felicidade de o ver ressuscitado e de receber a sua saudação e de o acompanhar tanto quanto pôde até à sua partida para o céu. Depois da ascensão, ela tomou o lugar que o Salvador tinha deixado livre entre os apóstolos e os outros discípulos... Não convinha isso a uma mãe, mais do que a qualquer outra pessoa? Mas era preciso que aquela alma santíssima se separasse daquele corpo sacratíssimo. Deixouo e uniu-se à alma de seu Filho, ela que era uma luz criada uniu-se à luz que não teve princípio. E o seu corpo, depois de ter ficado algum tempo debaixo da terra, também ele foi levado ao céu. Era preciso, com efeito, que ele passasse por todos os caminhos que o Salvador tinha percorrido, que resplandecesse para os vivos e para os mortos, que santificasse a natureza em todos os aspectos e que, em seguida, recebesse o lugar que lhe convinha. Por isso, o túmulo o abrigou durante algum tempo; depois, o céu acolheu aquela terra nova, aquele corpo espiritual, mais digno do que os anjos, mais santo do que os arcanjos. E o trono foi entregue ao rei, o paraiso à árvore da vida, o mundo à luz, a árvore ao seu fruto, a Mãe ao Filho; ela era perfeitamente digna pois que ela o tinha gerado. O bem-aventurada! Quem encontrará as palavras capazes de exprimir os benefícios que recebeste do Senhor e os que prodigalizaste a toda a humanidade?... Só lá em cima podem resplandecer as tuas maravilhas, nesse "novo céu" e nessa "nova terra" (Ap 21,1), onde brilha o Sol da Justiça (Ma 3,20) que as trevam nem seguem nem precedem. O próprio Senhor proclama as tuas maravilhas, enquanto os anjos te aclamam. Paulo VI, papa de 1963 a 1978 Exortação apostólica sobre a alegria cristã « Gaudete in Domino » (trad. DC n° 1677, 1/6/1975, p. 505 © Libreria Editrice Vaticane) "A minha alma exulta no Senhor" Desde há vinte séculos, a fonte da alegria cristã não cessou de jorrar na Igreja e, especialmente, no coração dos santos... Na primeira fila, está a Virgem Maria, cheia de graças, a Mãe do Salvador. Acolhedora do anúncio do alto, serva do Senhor, esposa do Espírito Santo, mãe do Filho eterno, ela deixa explodir a sua alegria diante da sua prima Isabel que lhe celebra a fé: "A minha alma exalta o Senhor e o meu espírito exulta de alegria em Deus meu Salvador... Doravante, todas as gerações me chamarão bem-aventurada". Ela compreendeu, melhor do que todas as outras criaturas, que Deus faz maravilhas: o seu nome é santo, Ele mostra a sua misericórdia, ergue os humildes, é fiel às suas promesas. Não que, para Maria, o desenrolar visível da sua vida saia da trama habitual, mas ela medita nos menores sinais de Deus, rememorando-os no seu coração (Lc 2, 19.51). Não que os sofrimentos lhe tenham sido poupados: ela está de pé, junto da cruz, eminentemente associada ao sacrifício do Salvador inocente, mãe das dores. Mas ela está também aberta, sem medida, à alegria da Ressurreição; também ela foi elevada, em corpo e alma, à glória do céu. Primeira a ser resgatada, imaculada desde o momento da sua conceição, incomparável morada do Espírito, habitáculo puríssimo do Redentor dos homens, ela é ao mesmo tempo a Filha bemamada de Deus e, em Cristo, a Mãe universal. Ela é o símbolo perfeito da Igreja terrestre e glorificada. Na sua existência singular de Virgem de Israel, que ressonância maravilhosa adquirem as palavras proféticas a respeito da nova Jerusalém: "Eu exulto de alegria no Senhor, a minha alma rejubila no meu Deus, porque me revestiu com as vestes da salvação, envolveu-me no manto da justiça, tal como um jovem esposo se orna com um diadema, tal como uma noiva se enfeita com as suas joias" (Is 61,10)! Papa Bento XVI Encíclica Deus Caritas est, § 41; Libreria Editrice Vaticana «Maria deu graças ao Senhor» O Magnificat — um retrato, por assim dizer, da sua alma — é inteiramente tecido com fios da Sagrada Escritura, com fios tirados da Palavra de Deus. Desta maneira se manifesta que Ela Se sente verdadeiramente em casa na Palavra de Deus, dela sai e a ela volta com naturalidade. Fala e pensa com a Palavra de Deus; esta torna-se palavra Dela, e a sua palavra nasce da Palavra de Deus. Além disso, fica assim patente que os seus pensamentos estão em sintonia com os de Deus, que o Dela é um querer juntamente com Deus. Vivendo intimamente permeada pela Palavra de Deus, Ela pôde tornar-Se mãe da Palavra encarnada. Enfim, Maria é uma mulher que ama. E como poderia ser de outro modo? Enquanto crente que, na fé, pensa com os pensamentos de Deus e quer com a vontade de Deus, Ela não pode ser senão uma mulher que ama. Isto mesmo o intuímos nós nos gestos silenciosos que nos referem os relatos evangélicos da infância. Vemo-lo na delicadeza com que, em Caná, se dá conta da necessidade em que se acham os esposos e a apresenta a Jesus. Vemo-lo na humildade com que aceita ser esquecida no período da vida pública de Jesus, sabendo que o Filho deve fundar uma nova família e que a hora da Mãe chegará apenas no momento da cruz, que será a verdadeira hora de Jesus (cf. Jo 2, 4; 13, 1). Então, quando os discípulos tiverem fugido, Maria permanecerá junto da cruz (cf. Jo 19, 25-27); mais tarde, na hora de Pentecostes, serão eles a juntar-se ao redor Dela à espera do Espírito Santo (cf. Act 1, 14). Coração de Maria, segundo Bento XVI Intervenção na conclusão do mês mariano CIDADE DO VATICANO, sexta-feira, 1º de junho de 2007 (ZENIT.org).- Publicamos na íntegra a intervenção de Bento XVI, pronunciada na noite da quinta-feira, ante numerosíssimos fiéis que participaram da celebração mariana de conclusão do mês de maio, uma tradicional convocatória nos jardins vaticanos. Nesse dia, a liturgia celebrava a Visitação da Virgem Maria à sua prima Isabel. *** Queridos irmãos e irmãs! Com alegria me uno a vós ao término desta vigília mariana, sempre sugestiva, com a qual se conclui no Vaticano o mês de maio na festa litúrgica da Visitação da Santíssima Virgem Maria. Saúdo com afeto fraterno os cardeais e bispos presentes, e dou graças ao arcipreste da Basílica, Dom Angelo Comastri, que presidiu a celebração. Saúdo os sacerdotes, as religiosas e religiosos, em particular à monjas do Mosteiro Mater Ecclesiae do Vaticano; igualmente, as muitas famílias que participam neste rito. Meditando os Mistérios Luminosos do Santo Terço, haveis subido a esta colina onde haveis revivido espiritualmente, no relato do evangelista Lucas, a experiência de Maria, que desde Nazaré da Galiléia «pôs-se a caminho para a montanha» (Lc 1, 39) para chegar a uma aldeia de Judá onde vivia Isabel com seu marido Zacarias. O que impulsionou Maria, uma jovem, a enfrentar aquela viagem? O que, sobretudo, a impulsionou a esquecer de si mesma para passar os primeiros três meses de sua gravidez ao serviço de sua prima, que precisava de ajuda? A resposta está escrita em um Salmo: «Corro pelo caminho de teus mandamentos, [Senhor], pois tu dilatas meu coração» (Sal 118, 32). O Espírito Santo, que fez presente o Filho de Deus na carne de Maria, dilatou seu coração às dimensões do de Deus e a impulsionou pela via da caridade. A Visitação de Maria se compreende à luz do acontecimento que lhe precede imediatamente no relato do Evangelho de Lucas: o anúncio do Anjo e a concepção de Jesus por obra do Espírito Santo. O Espírito Santo desceu sobre a Virgem, o poder do Altíssimo a cobriu com sua sombra (v. Lc 1, 35). Aquele mesmo Espírito a impulsionou a «levantar-se» e a partir sem demora (v. Lc 1, 39), para ser de ajuda à sua anciã parente. Jesus apenas começou a formar-se no seio de Maria, mas seu Espírito já encheu seu coração, de forma que a Mãe já começa a seguir o Filho divino: no caminho que da Galiléia conduz a Judá, é o próprio Jesus quem «impulsiona» Maria, infundindo-lhe o ímpeto generoso de sair ao encontro do próximo que tem necessidade, o valor de não priorizar as próprias e legítimas exigências, dificuldades, perigos para sua própria vida. É Jesus quem a ajuda a superar tudo, deixando-se guiar pela fé que atua pela caridade (v. Ga 5, 6). Meditando este mistério, vemos bem o que significa que a caridade cristã seja uma virtude «teologal». Vemos que o coração de Maria é visitado pela graça do Pai, é penetrado pela força do Espírito e impulsionado interiormente pelo Filho; isto é, vemos um coração humano perfeitamente introduzido no dinamismo da Santíssima Trindade. Este movimento é a caridade, que em Maria é perfeita e se converte em modelo da caridade da Igreja, como manifestação do amor trinitário (Encíclica Deus caritas est, 19). Todo gesto de amor genuíno, também o menor, contém em si um traço do mistério infinito de Deus: o olhar de atenção ao irmão, fazer-se próximo dele, compartilhar sua necessidade, atender suas feridas, a responsabilidade por seu futuro, tudo, até nos mais mínimos detalhes, torna-se «teologal» quando está animado pelo Espírito de Cristo. Que Maria nos obtenha o dom de saber amar como Ela soube amar. A Maria confiamos esta singular porção da Igreja que vive e trabalha no Vaticano; confiamos-lhe a Cúria Romana e as instituições a ela ligadas, para que o Espírito de Cristo anime todo dever e todo serviço. Mas desde esta colina ampliamos o olhar a Roma e ao mundo inteiro, e oramos por todos os cristãos, para que possam dizer com São Paulo: «o amor de Cristo nos insta», e com a ajuda de Maria saibam difundir no mundo o dinamismo da caridade. Agradeço-vos novamente pela devota e calorosa participação. Levai minha saudação aos enfermos, aos anciãos e a cada um de vossos entes queridos. A todos envio de coração minha Bênção Apostólica. [Tradução realizada por Zenit. © Copyright 2007 - Libreria Editrice Vaticana] ZP07060104 Transcrevemos -- em sua tradução ao português --, a oração que fez o Papa ao concluir o mês mariano: Maria, Mãe do «sim», tu escutaste Jesus e conheces o timbre de sua voz e a batida de seu Coração. Estrela da manhã, fala-nos d’Ele e conta-nos teu caminho para segui-lo na via da fé. Maria, que em Nazaré viveste com Jesus, imprime em nossa vida teus ensinamentos, tua docilidade, teu silêncio que escuta e faz florescer a Palavra em opções de verdadeira liberdade. Maria, fala-nos de Jesus, para que o frescor de nossa fé brilhe em nossos olhos e aqueça o coração de quem nos encontre, como fizeste ao visitar Isabel, que em sua velhice se alegrou contigo pelo dom da vida. Maria, Virgem do «Magnificat», ajuda-nos a levar a alegria ao mundo e, como em Caná, impulsiona todo jovem, comprometido no serviço aos irmãos, a fazer só o que Jesus disser. Maria, porta do céu, ajuda-nos a elevar o olhar ao alto. Queremos ver Jesus, falar d’Ele, anunciar o seu amor a todos. Amém. ZP07060109 Maria ensina o caminho da felicidade, assegura Papa Homilia na solenidade da Assunção da Virgem, em 15 de agosto de 2006 CASTEL GANDOLFO, domingo, 27 de agosto de 2006 (ZENIT.org).- Publicamos a homilia que Bento XVI pronunciou em 15 de agosto, na missa da solenidade da Assunção da Virgem Maria, celebrada na paróquia de São Tomás de Villanova, em Castel Gandolfo. *** Venerados Irmãos no Episcopado e no Sacerdócio Prezados irmãos e irmãs No Magnificat, o grande cântico de Nossa Senhora que acabamos de ouvir no Evangelho, encontramos uma palavra surpreendente. Maria diz: «De hoje em diante todas as gerações me chamarão bem-aventurada». A Mãe do Senhor profetiza os louvores marianos da Igreja para todo o futuro, a devoção mariana do Povo de Deus até ao fim dos tempos. Louvando Maria, a Igreja não inventou algo «ao lado» da Escritura: respondeu a esta profecia feita por Maria naquela hora de graça. E estas palavras de Maria não eram somente pessoais, talvez arbitrárias. Como afirma São Lucas, Isabel tinha clamado repleta do Espírito Santo: «Bendita aquela que acreditou». E Maria, também cheia do Espírito Santo, continua e completa aquilo que Isabel disse, afirmando: «Todas as gerações me chamarão bem-aventurada». É uma verdadeira profecia, inspirada pelo Espírito Santo, e a Igreja, venerando Maria, responde a uma ordem do Espírito Santo, faz aquilo que deve fazer. Nós não louvamos a Deus suficientemente calando-nos acerca dos seus santos, sobretudo sobre "a Santa", que se tornou a sua morada na terra, Maria. A luz simples e multiforme de Deus nós é manifestada precisamente na sua variedade e riqueza somente no rosto dos santos, que constituem o verdadeiro espelho da sua luz. Exatamente quando contemplamos o rosto de Maria, podemos ver mais do que de outras maneiras a beleza de Deus, a sua bondade e a sua misericórdia. Podemos realmente sentir a luz divina neste rosto. «Todas as gerações me chamarão bem-aventurada.» Nós podemos louvar Maria, venerar Maria, porque é «bem-aventurada», é bendita para sempre. Este é o contexto da presente Solenidade. É bem-aventurada porque está unida a Deus, vive com Deus e em Deus. O Senhor, na vigília da sua Paixão, ao despedir-se dos seus, disse: «Eu vou preparar-vos, na casa do Pai, uma morada. E há muitas moradas na casa do meu Pai». Quando Maria dizia: «Eu sou a tua serva, faça-se em mim segundo a tua vontade» preparava aqui na terra a morada para Deus; de corpo e alma, tornou-se morada, e assim abriu a terra ao céu. São Lucas, no Evangelho que há pouco ouvimos, com várias indicações faz compreender que Maria é a verdadeira Arca da Aliança, que o mistério do Templo -- a morada de Deus aqui na terra -- foi completado em Maria. Em Maria realmente habita Deus, tornando-se presente aqui na terra. Maria torna-se a sua tenda. O que desejam todas as culturas, isto é, que Deus habite no meio de nós, realiza-se aqui. Santo Agostinho diz: «Antes de conceber o Senhor no corpo, já O tinha concebido na alma». Reservou ao Senhor o espaço da sua alma e assim tornou-se realmente o autêntico Templo onde Deus encarnou, tornando-se presente nesta terra. Deste modo, como morada de Deus na terra, nela já está preparada a sua morada eterna, já está preparada esta morada para sempre. E é nisto que consiste todo o conteúdo do dogma da Assunção de Maria à glória do céu de corpo e alma, aqui expresso também com estas palavras. Maria é "bem-aventurada" porque se tornou totalmente, de corpo e alma e para sempre, a morada do Senhor. Se isso é verdade, Maria não nos convida apenas à admiração, à veneração, mas também nos orienta, nos indica o caminho da vida e nos mostra como podemos tornar-nos bem-aventurados, como podemos encontrar a vereda da felicidade. Agora ouçamos mais uma vez a palavra de Isabel, completada no Magnificat de Maria: «Bendita aquela que acreditou». O primeiro e fundamental ato para se tornar morada de Deus e para assim encontrar a felicidade definitiva é crer, é a fé, a fé em Deus, naquele Deus que se manifestou em Jesus Cristo e que se faz sentir na palavra divina da Sagrada Escritura. Crer não significa acrescentar uma opinião às outras. E a convicção, a fé em que Deus existe não é uma informação como as outras. Sobre muitas informações, pouco nos importa se são verdadeiras ou falsas, pois não mudam a nossa vida. Mas se Deus não existe, a vida é vazia, o futuro é vazio. E se Deus existe, tudo se transforma, a vida é luz, o nosso futuro é luz, e temos a orientação para a nossa vida. Por isso, acreditar constitui a orientação fundamental da nossa vida. Crer, dizer: «Sim, acredito que Vós sois Deus, creio que no Filho encarnado Vós estais presente no meio de nós», orienta a minha vida, impelindo-me a apegar-me a Deus, a unir-me a Deus e assim a encontrar o lugar onde viver e o modo como viver. E crer não é apenas um tipo de pensamento, uma idéia; é, como já dissemos, um agir, um estilo de vida. Acreditar significa seguir as indicações que nos foram deixadas pela Palavra de Deus. Maria, além deste ato fundamental da fé, que é um ato existencial, uma tomada de posição para a vida inteira, acrescenta mais uma palavra: «A sua misericórdia estende-se sobre aqueles que o temem». Fala, com toda a Escritura, do «temor de Deus». Esta é, talvez, uma palavra que conhecemos pouco ou da qual não gostamos muito. Todavia, «temor de Deus» não quer dizer angústia, é algo totalmente diferente. Como filhos, não sentimos angústia em relação ao Pai, mas temos temor de Deus, a preocupação de não destruir o amor sobre o qual está depositada a nossa vida. Temor de Deus é aquele sentido de responsabilidade que nós devemos ter, responsabilidade pela porção do mundo que nos for confiada na nossa vida. Responsabilidade pela boa administração desta parte do mundo e da história que nós somos, e assim contribuir para a justa edificação do mundo, contribuir para a vitória do bem e da paz. «Todas as gerações te chamarão bem-aventurada»: isto quer dizer que o futuro, o porvir, pertence a Deus, está nas mãos de Deus, que Ele vence. E quem vence não é o dragão, tão forte, de que fala a primeira leitura de hoje, o dragão que é a representação de todos os poderes da violência do mundo. Parecem invencíveis, mas Maria nos diz que não o são. A Mulher -- é o que nos indicam a primeira leitura e o Evangelho -- é mais vigorosa porque Deus é mais forte. Sem dúvida, diante do dragão, assim armado, esta Mulher que é Maria, que é a Igreja, parece indefesa, vulnerável. E realmente Deus é vulnerável no mundo, porque é o Amor, e o amor é vulnerável. Contudo, Ele tem o futuro nas suas mãos, é o amor que vence, e não o ódio; no final é a paz que vence. Esta é a grande consolação contida no dogma da Assunção de Maria de corpo e alma à glória do céu. Demos graças ao Senhor por esta consolação, mas vejamos também esta consolação como um compromisso para nós, em vista de nos colocarmos do lado do bem, da paz. E oremos a Maria, Rainha da Paz, para que nos ajude em ordem à vitória da paz hoje: «Rainha da Paz, rogai por nós». Amém! © Copyright 2006 - Libreria Editrice Vaticana ZPS06082712 Homilia de Bento XVI no Santuário austríaco de Mariazell «Não basta ser e pensar como todos os demais» MARIAZELL, domingo, 9 de setembro de 2007 (ZENIT.org).- Publicamos a homilia que Bento XVI pronunciou na manhã desse sábado, ao visitar o santuário mariano de Mariazell, o mais importante da Áustria, ao se celebrarem os 850 anos de sua fundação. *** Queridos irmãos e irmãs: Com nossa grande peregrinação a Mariazell, celebramos a festa patronal deste Santuário, a festa da Natividade de Maria. Até aqui, desde há 850 anos, vêm pessoas de diferentes povos e nações, que rezam levando consigo os desejos de seus corações e de seus países, as preocupações e as esperanças mais íntimas. Deste modo, Mariazell converteu-se para Áustria, e muito mais além de suas fronteiras, em um lugar de paz e de unidade reconciliada. Aqui experimentamos a bondade consoladora da Mãe; aqui encontramos Jesus Cristo, no qual Deus está conosco, como afirma a passagem evangélica de hoje – Jesus, de quem a leitura do profeta Miquéias diz «e Ele será a Paz» (Cf. 5, 4). Hoje nos unimos a esta grande peregrinação de muitos séculos. Detemo-nos perante a Mãe do Senhor e lhe imploramos: «Mostra-nos Jesus. Mostra-o a nós, peregrinos, a quem é ao mesmo tempo o caminho e a meta: a verdade e a vida. A passagem evangélica que acabamos de escutar amplia nossos horizontes. Apresenta a história de Israel a partir de Abraão como uma peregrinação que, com subidas e descidas, por caminhos breves e por caminhos longos, ao final conduz a Cristo. A genealogia, com suas figuras luminosas e obscuras, com seus êxitos e seus fracassos, demonstra-nos que Deus também escreve certo nas linhas tortas de nossa história humana. Deus nos deixa nossa liberdade e, contudo, sabe encontrar em nosso fracasso novos caminhos para seu amor. Deus não fracassa. Assim esta genealogia é uma garantia da fidelidade de Deus; uma garantia de que Deus não nos deixa cair, é um convite a orientar nossa vida novamente para Ele, a caminhar sempre de novo para Cristo. Peregrinar significa estar orientados para uma certa direção, caminhar para uma meta. Isto atribui também ao caminho e a seu cansaço uma beleza própria. Entre os peregrinos da genealogia de Jesus alguns se haviam esquecido da meta e queriam pôr-se a si mesmos como meta. Mas o Senhor havia suscitado de novo pessoas que se haviam deixado impulsionar pela nostalgia da meta, orientando sua vida. O impulso para a fé cristã e o início da Igreja de Jesus Cristo foi possível porque existiam em Israel pessoas com um coração em busca – pessoas que não se acomodaram à rotina, mas que escrutaram ao longe em busca de algo maior: Zacarias, Isabel, Simão, Ana, Maria e José, os Doze e muitos outros. Dado que seus corações estavam em atitude de espera, podiam reconhecer em Jesus Cristo a quem Deus havia mandado e ser assim o início de sua família universal. A Igreja dos povos pôde ser realizada porque tanto na área do Mediterrâneo como na Ásia, aonde chegavam os mensageiros de Jesus Cristo, havia pessoas à espera que não se conformavam com o que faziam e pensavam todos, mas que buscavam a estrela que podia indicar-lhes o caminho para a própria Verdade, para com o Deus vivo. Precisamos deste coração inquieto e aberto. É o centro de uma peregrinação. Também hoje não basta ser e pensar como todos os demais. O projeto de nossa vida vai mais além. Nós temos necessidade de Deus, desse Deus que nos mostrou seu rosto e abriu seu coração, Jesus Cristo. João, com razão, afirma que «Ele é o Filho único, que está no seio do Pai» (João 1, 18); assim só Ele, desde o íntimo do próprio Deus, podia revelar-nos a Deus, e revelar-nos quem somos nós, de onde vimos e para onde vamos. Certamente existem numerosas grandes personalidades na história que fizeram belas e comovedoras experiências de Deus. Ficam, contudo, em experiências humanas com seu limite humano. Só Ele é Deus e por isso só Ele é a ponte, que põe em contato imediato a Deus com o homem. Agora, se nós o consideramos como o único Mediador da salvação válido para todos, que afeta a todos e do qual, em definitivo, todos têm necessidade, isto não significa de nenhuma maneira que desprezemos as outras religiões nem que sejamos soberbos de pensamento, mas unicamente que fomos conquistados por quem interiormente nos tocou e nos cumulou de dons para que por sua vez possamos entregá-los aos demais. De fato, nossa fé se opõe decididamente à resignação que considera o homem incapaz da verdade, como se esta fosse demasiado grande para ele. Segundo minha convicção, esta resignação ante a verdade é a origem da crise do Ocidente, da Europa. Se para o homem não existe uma verdade, no fundo, não pode nem sequer distinguir entre o bem e o mal. Então os grandes e maravilhosos conhecimentos da ciência se fazem ambíguos: podem abrir perspectivas importantes para o bem, para a salvação do homem, mas também – e o vemos – podem converter-se em uma terrível ameaça, na destruição do homem e do mundo. Precisamos da verdade. Mas claro, por causa de nossa história, temos medo de que a fé na verdade comporte intolerância. Se este medo, que tem suas boas razões históricas, nos assalta, é tempo de contemplar Jesus como o vemos aqui, no santuário de Mariazell. O vemos em duas imagens: como filho nos braços de sua Mãe e sobre o altar principal da basílica, crucificado. Estas duas imagens nos dizem: a verdade não se afirma mediante um poder externo, mas é humilde e só é aceita pelo homem através de sua força interior: o fato de ser verdadeira. A verdade se demonstra a si mesma no amor. Nunca é propriedade nossa, não é um produto nosso, como tampouco é possível produzir o amor, mas só se pode receber e transmitir como dom. Precisamos desta força interior da verdade. Como cristãos, nos fiamos desta força da verdade. Somos testemunhas dela. Temos de entregá-la como a recebemos, tal e como se nos entregou. «Olhar a Cristo» é o lema deste dia. Este convite, para o homem que busca, se transforma sempre em uma espontânea petição, uma petição dirigida em particular a Maria, que nos deu a Cristo como Filho seu: «Mostra-nos Jesus!». Rezamos hoje assim com todo o coração; rezamos assim também não só neste momento, interiormente, na busca do Rosto de Redentor. «Mostra-nos Jesus!». Maria responde, apresentando-nos antes de tudo como criança. Deus se fez pequeno por nós. Deus não vem com uma força exterior, mas vem com a impotência de seu amor, que é o que constitui sua força. Põe-se em nossas mãos. Pede nosso amor. Convidanos a fazer-nos pequenos, a descer de nossos altos tronos e aprender a ser crianças ante Deus. Oferece-nos o Tu. Pede-nos que nos fiemos dEle e que aprendamos desse modo a viver na verdade e no amor. O menino Jesus nos recorda naturalmente também todas as crianças que vivem na pobreza; que são exploradas como soldados; que não puderam experimentar nunca o amor de seus pais; as crianças enfermas e as que sofrem, mas também naquelas alegres e sãs. A Europa empobreceu-se de crianças: queremos tudo para nós mesmos, e talvez não nos fiemos demasiado do futuro. Mas a terra carecerá de futuro se se apagam as forças do coração humano e da razão iluminada pelo coração, quando o rosto de Deus deixe de luzir sobre a terra. Ali onde está Deus, ali há futuro. «Olhar a Cristo»: voltamos a dirigir brevemente o olhar ao Crucificado sobre o altar maior. Deus não redimiu o mundo com a espada, mas com a Cruz. Morrendo, Jesus estende os braços. Este é antes de tudo o gesto da Paixão, na qual se deixa cravar por nós, para dar-nos sua vida. Mas os braços estendidos são ao mesmo tempo a atitude do orante, uma posição que o sacerdote assume quando, na oração, estende os braços: Jesus transformou a paixão – seu sofrimento e sua morte – em oração, em um ato de amor a Deus e aos homens. Por este motivo, os braços estendidos são também um gesto de amor, com o qual quer atrair-nos para si, abraçar-nos em seu amor. Deste modo, é imagem do Deus vivo, é Deus mesmo, e a Ele podemos encomendar-nos. «Olhar a Cristo». Se o fazemos, damo-nos conta de que o cristianismo é mais e algo distinto que um sistema moral, uma série de preceitos e leis. É o dom de uma amizade que perdura na vida e na morte: «Não vos chamo servos mas amigos» (João 15, 15), diz o Senhor aos seus. Encomendamo-nos a esta amizade. Mas, precisamente pelo fato de que o cristianismo é mais que uma moral, ao ser o dom da amizade, implica uma grande força moral que tanto precisamos, ante os desafios de nosso tempo. Se com Jesus Cristo e com sua Igreja voltamos a ler de maneira sempre nova o Decálogo do Sinai, penetrando em suas profundezas, então este se nos revela como um grande ensinamento. É antes de tudo um «sim» a Deus, a um Deus que nos ama e nos guia, que nos apóia e que também nos deixa nossa liberdade, e mais, a transforma em verdadeira liberdade (os primeiros três mandamentos). É um «sim» à família (quarto mandamento), um «sim» à vida (quinto mandamento), um «sim» a um amor responsável (sexto mandamento), um «sim» à solidariedade, à responsabilidade social e à justiça (sétimo mandamento) um «sim» à verdade (oitavo mandamento), e um «sim» ao respeito ao próximo e àquilo que lhe pertence (nono e décimo mandamento). Em virtude da força de nossa amizade com o Deus vivo, nós vivemos este múltiplo «sim», e ao mesmo tempo o levamos como indicador do percurso por nosso mundo nesta hora. «Mostra-nos Jesus!». Com este pedido à Mãe do Senhor nos pusemos a caminho para este lugar. Este mesmo pedido nos acompanhará em nossa vida cotidiana. E sabemos que Maria escuta nossa oração: sim, em qualquer momento, quando olhamos Maria, nos mostra Jesus. Deste modo podemos encontrar o caminho justo, segui-lo passo a passo, com a gozosa confiança de que esse caminho leva à luz, à alegria do Amor eterno. Amém. [Traduzido por Zenit] „Maria, então, disse: „A minha alma engrandece o Senhor“ – Lu 2,46 Magnificat, magnificat. É o canto de amor. / Minha alma engrandece a Deus, meu Salvador 1. [:Canta coração, alegre e feliz / com gratidão a Deus bendiz:]. 2. [:Santo é seu nome que está em toda a terra. / Puro é seu amor que alegria encerra:]. 3. [:Nossa união é o milagre de amor / vindo de Jesus o nosso Salvador:]. 4. [:Deus é um Pai fiel, de ninguém se esquece. / Obrigado, Deus, ouve esta prece:]. Cantemos ….. n° 1043 São Bernardo (1091-1153), monge cisterciense e doutor da Igreja Sermão para a oitava da Assunção, sobre as doze prerrogativas de Maria “Bem-aventurada Aquela que acreditou” Maria é bem-aventurada, como lhe diz sua prima Isabel, não apenas porque Deus a olhou, mas porque acreditou. A sua fé é o mais belo produto da bondade divina. Mas foi necessário que a arte inefável do Espírito Santo poisasse sobre Ela, para que tanta grandeza de alma se unisse a tanta humildade no segredo do seu coração virginal. A humildade e a grandeza de alma de Maria são, como a sua virgindade e a sua fecundidade, semelhantes a duas estrelas que se iluminam mutuamente, porque em Maria a profundidade da humildade em nada prejudica a generosidade da alma, e reciprocamente. Julgando-se a si mesma de forma tão humilde, Maria nem por isso foi menos generosa na sua fé na promessa que lhe tinha sido feita pelo anjo. Ela que apenas se considerava uma pobre serva, não duvidou de que tivesse sido chamada a este mistério incompreensível, a esta união prodigiosa, a este segredo insondável. E acreditou imediatamente que se tornaria de facto a Mãe de Deus encarnado. É a graça de Deus que produz esta maravilha no coração dos eleitos; a humildade não os torna receosos e timoratos, como a generosidade de alma os não torna orgulhosos. Pelo contrário, nos santos, estas duas virtudes reforçam-se uma à outra. A grandeza de alma, não só não abre a porta ao orgulho, como é sobretudo ela que permite avançar no mistério da humildade. Com efeito, os mais generosos ao serviço de Deus são também os mais penetrados pelo temor do Senhor e os mais reconhecidos pelos dons recebidos. Reciprocamente, quando está em jogo a humildade, cobardia alguma se insinua na alma. Quanto menos tem o hábito de presumir das suas próprias forças, mesmo nas coisas mais pequenas, mais a pessoa se confia ao poder de Deus, mesmo nas maiores. Concílio Vaticano II Constituição sobre a Igreja «Lumen Gentium», § 63, 65 Maria à luz do Verbo feito homem Pelo dom e missão da maternidade divina, que a une a seu Filho Redentor, e pelas suas singulares graças e funções, está também a Virgem intimamente ligada, à Igreja: a Mãe de Deus é o tipo e a figura da Igreja, na ordem da fé, da caridade e da perfeita união com Cristo, como já ensinava S. Ambrósio (188). Com efeito, no mistério da Igreja, a qual é também com razão chamada mãe e virgem, a bem-aventurada Virgem Maria foi adiante, como modelo eminente e único de virgem e de mãe. Porque, acreditando e obedecendo, gerou na terra, sem ter conhecido varão, por obra e graça do Espírito Santo, o Filho do eterno Pai; nova Eva, que acreditou sem a mais leve sombra de dúvida, não na serpente antiga, mas no mensageiro celeste. E deu à luz um Filho, que Deus estabeleceu primogénito de muitos irmãos (Rom. 8,29), isto é, dos fiéis, para cuja geração e educação Ela coopera com amor de mãe... Mas, ao passo que, na Santíssima Virgem, a Igreja alcançou já aquela perfeição sem mancha nem ruga que lhe é própria (cfr. Ef. 5,27), os fiéis ainda têm de trabalhar por vencer o pecado e crescer na santidade; e por isso levantam os olhos para Maria, que brilha como modelo de virtudes sobre toda a família dos eleitos. A Igreja, meditando piedosamente na Virgem, e contemplando-a à luz do Verbo feito homem, penetra mais profundamente, cheia de respeito, no insondável mistério da Encarnação, e mais e mais se conforma com o seu Esposo. Pois Maria, que entrou intimamente na história da salvação, e, por assim dizer, reune em si e reflecte os imperativos mais altos da nossa fé, ao ser exaltada e venerada, atrai os fiéis ao Filho, ao Seu sacrifício e ao amor do Pai. Por sua parte, a Igreja, procurando a glória de Cristo, torna-se mais semelhante àquela que é seu tipo e sublime figura, progredindo continuamente na fé, na esperança e na caridade, e buscando e fazendo em tudo a vontade divina. Orígenes (c. 185-253), presbítero e teólogo 7ª homilia sobre S. Lucas "Donde me vem esta graça de que a mãe do meu Senhor venha até mim?" "Tu és bendita entre as mulheres e o fruto do teu ventre é bendito. Donde me vem esta graça de que a mãe do meu Senhor venha até mim?" Estas palavras: "Donde me vem esta graça?" não são sinal de ignorância como se Isabel, toda cheia do Espírito Santo, não soubesse que a mãe do Senhor tinha vindo até ela de acordo com a vontade de Deus. Eis o sentido das suas palavras: "Que fiz eu de bom? Em que é que as minhas obras são tão importantes que a mãe do Senhor venha ver-me? Serei uma santa? Que perfeição, que fidelidade me mereceram esta graça, a visita da mãe do Senhor?" "Porque ainda a tua voz não tinha aflorado os meus ouvidos e já o meu filho exultava de alegria no meu seio". Ele tinha sentido que o Senhor viera para santificar o seu servo ainda antes do seu nascimento. Pode acontecer que me chamem louco os que não têm fé por eu ter acreditado nestes mistérios!... Porque o que é considerado loucura por essa gente é para mim ocasião de salvação. Na verdade, se o nascimento do Salvador não tivesse sido celeste e bem-aventurado, se não tivesse tido nada de divino e de superior à natureza humana, nunca a sua doutrina teria atingido toda a terra. Se, no seio de Maria, tivesse havido apenas um homem e não o Filho de Deus, como teria sido possível que nesse tempo, e ainda hoje, fossem curadas todas as espécies de doenças, não só do corpo mas também da alma?... Se reunirmos tudo o que se diz acerca de Jesus, podemos constatar que tudo o que foi escrito a seu respeito é considerado divino e digno de admiração, porque o seu nascimento, a sua educação, o seu poder, a sua Paixão, a sua Ressurreição não são apenas factos que ocorreram naquele tempo: eles agem em nós ainda hoje. S. Francisco de Sales (1567-1622), bispo de Genebra e doutor da Igreja Ephata I "O Todo-Poderoso fez em mim maravilhas" Quando toca um coração, é típico do Espírito Santo afastar dele toda a tibieza. Ele ama a prontidão, é inimigo dos adiamentos, dos atrasos na execução da vontade de Deus... "Maria partiu apressadamente"... Que graças se teriam derramado sobre a casa de Zacarias quando Maria ali entrou! Se Abraão recebeu tantas graças por ter albergado três anjos em sua casa, que bênçãos se derramaram sobre a casa de Zacarias onde entrou o Anjo do Grande Conselho (Is 9,6), a verdadeira arca da Aliança, o divino profeta, Nosso Senhor escondido no seio de Maria! Toda a casa ficou repleta de alegria: o menino estremeceu, o pai recuperou a fala, a mão ficou cheia do Espírito Santo e recebeu o dom da profecia. Vendo Nossa Senhora entrar em sua casa, ela exclamou: "De onde me vem esta graça, que a Mãe do meu Deus me venha visitar?"... E Maria, ouvindo o que sua prima dizia em seu louvor, humilhou-se e rendeu glória a Deus de todo o seu coração. Confessando que toda a sua felicidade procedia desse Deus que "tinha olhado para a humildade da sua serva", ela entoou entoou o belo e admirável do seu Magnificat. Como devemos estar transbordantes de alegria, também nós, quando nos visita esse divino Salvador no Santíssimo Sacramento ou através das graças interior, as palavras que dia a dia ele diz no nosso coração! Orígenes (cerca de 185 – 253), presbítero e teólogo Comentário ao Cântico dos Cânticos, III, 11,10 s «Maria pôs-se rapidamente a caminho, em direcção a uma cidade nas montanhas da Judeia» «Ei-lo que vem, saltando as montanhas» (Ct 2,8). Primeiro que tudo, Cristo faz-se conhecer à Igreja pela sua voz. Começou por lançar a sua voz por intermédio dos profetas; fazia-se ouvir sem se deixar ver. A sua voz erguia-se nas mensagens que dele davam notícia e, durante esse tempo, a Igreja-Esposa, reunida desde o princípio do mundo, apenas o ouvia. Mas, um dia, ela viu-o com os seus olhos e disse: «Ei-lo que vem, saltando as montanhas!»… E cada alma, se ao menos o amor do Verbo de Deus a impele…, fica feliz e consolada quando sente a presença do Esposo, ela que até então se encontrva apenas diante das palavras difíceis da Lei e dos profetas. À medida que ele se aproxima dos seus pensamentos para a esclarecer na sua fé, ela vê-o saltar por cima de montanhas e colinas…, e pode bem dizer: «Ei-lo que vem!»… É certo que o Esposo prometeu à Esposa, quer dizer, aos seus discípulos: «Estarei convosco todos os dias, até ao fim do mundo» (Mt 28,20). Mas isso não o impede de dizer também que se vai embora para tomar posse do Reino (Lc 19,12); então, de novo em plena noite, ergue-se o grito: «Eis o Esposo que vem» (Mt 25,6). Portanto, umas vezes o Esposo está presente e ensina; outras, dizem-no ausente e deseja-se que chegue… Deste modo, quando a alma procura compreender e não consegue, para ela o Verbo de Deus está ausente. Mas quando encontra quem procura, ele está presente sem dúvida nenhuma e ilumina-a com a sua luz… Portanto, se quisermos também nós ver o Verbo de Deus, o Esposo da alma, «saltando por cima das colinas», escutemos primeiro a sua voz e, depois, poderemos também vê-lo. São João Damasceno (c. 675-749), monge, teólogo, doutor da Igreja I Homilia sobre a Dormição, 11-14 A Virgem Maria, "imagem da Igreja futura […] que guia e sustenta a esperança do teu povo" (Prefácio) Ó Mãe de Deus, sempre virgem, a tua sagrada partida deste mundo é verdadeiramente uma passagem, uma entrada na morada de Deus. Saindo deste mundo material, entras numa “pátria melhor” (Heb 11, 16). O céu acolheu com alegria a tua alma: “Quem é esta, que surge como a aurora, bela como a lua, brilhante como o sol?” (Cant 6, 10) “O rei introduziu-te nos seus aposentos” (Cant 1, 4) e os anjos glorificam aquela que é a Mãe do seu próprio Senhor, por natureza e em verdade, segundo o plano de Deus. […] Os apóstolos levaram o teu corpo sem mancha, o teu corpo, verdadeira arca da aliança, e depositaram-no no seu santo túmulo. E aí, como que passando outro Jordão, tu chegaste à verdadeira Terra prometida, à “Jerusalém lá do alto” (Gal 4, 26), de que Deus é arquitecto e construtor. Porque a tua alma não desceu “à habitação dos mortos”, nem “a tua carne conheceu a decomposição” (Act 2, 31; Sl 15, 10). O teu corp o puríssimo, sem mácula, não foi abandonado à terra, antes foste elevada até à morada do Reino dos Céus, tu, a Rainha, a Soberana, a Senhora, a Mãe de Deus, a verdadeira Theotokos. Hoje aproximamo-nos de ti, a nossa Rainha, Mãe de Deus e Virgem; voltamos a nossa alma para a esperança que és para nós. […] Queremos honrar-te com “salmos, hinos e cânticos espirituais” (Ef 5, 19). Ao honrar a serva, exprimimos a nossa ligação ao nosso Senhor comum. […] Lança os teus olhos sobre nós, ó Rainha, Mãe do nosso bom Soberano; guia o nosso caminho até ao porto sem tempestades do desejo bom de Deus. Homilia grega do séc. IV, erradamente atribuída a S. Gregório de Neocesareia, chamado o Taumaturgo nº 2 “E de onde me é dado que venha ter comigo a Mãe do meu Senhor?” “Ao ouvir Isabel a saudação de Maria, o menino saltou-lhe de alegria no seio e Isabel ficou cheia do Espírito Santo.” Assim opera a voz de Maria, enchendo Isabel do Espírito Santo. Qual fonte eterna, anuncia à prima, em sua língua profética, um rio de graças, fazendo saltar e estremecer a criança que ela traz no seio: imagem de uma dança maravilhosa! Quando Maria aparece, cumulada de graças, tudo transborda de alegria. Então, Isabel soltou um grande brado e disse: “Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre! E de onde me é dado que venha ter comigo a Mãe do meu Senhor?” Tu és bendita entre as mulheres. Tu és o príncipe da sua regeneração. Tu abriste-nos o acesso ao paraíso e expulsaste as nossas dores antigas. Não, depois de ti, a multidão das mulheres não mais sofrerá. As herdeiras de Eva não mais temerão a sua maldição antiga, nem as dores da maternidade. Porque Jesus Cristo, o redentor da nossa humanidade, o Salvador de toda a natureza, o Adão espiritual que cura as feridas do homem terreno, Jesus Cristo sairá das tuas entranhas sagradas. “Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre!” S. Luis-Maria Grignion de Montfort (1673-1716), pregador, fondador de comunidades religiosasteur de Tratado da Verdadeira Devoção à Virgem Santíssima "O Todo-Poderoso fez em mim maravilhas" Ao longo da sua vida, Maria deu muito pouco nas vistas... A sua humildade era tão profunda que não teve na terra interesse mais forte e mais constante do que esconder-se perante si mesma e perante toda a criatura, para só ser conhecida por Deus... Deus Pai consentiu que ela não fizesse qualquer milagre durante a sua vida, pelo menos que se soubesse... Deus Filho consentiu que ela quase não falasse, embora lhe tivesse comunicado a sua sabedoria. Deus Espírito Santo consentiu que os apóstolos e os evangelistas falassem muito pouco dela, apenas o necessário para dar a conhecer Jesus Cristo, embora ela tivesse sido a sua Esposa fiel. Maria é a excelente obra-prima do Altíssimo, da qual só Ele tem o conhecimento e a posse... Maria é a fonte selada e a Esposa fiel do Espírito Santo, onde só Ele pode entrar. Maria é o santuário e o lugar do repouso da Santíssima Trindade, onde Deus está de forma mais magnífica e divina do que em qualquer outro lugar do universo, incluindo a sua morada ac ima dos querubins e dos serafins; e não é permitido a nenhuma criatura, por mais pura que seja, entrar nela sem um privilégio especial. Digo-o com todos os santos: Maria é o paraiso terrestre do novo Adão... É o grande e divino mundo de Deus, onde há belezas e tesouros inefáveis. É a magnificência do Altíssimo, onde Ele escondeu, como em seu próprio seio, o seu Filho único e, nele, tudo o que há de mais excelente e mais precioso. Oh! quantas coisas grandes e ocultas fez o Deus poderoso nesta criatura admirável, como ela mesma se sente obrigada a dizer, apesar da sua profunda humildade: "O Todo-Poderoso fez em mim grandes coisas!" O mundo não as conhece porque disso é incapaz e indigno. S. João Damasceno (cerca de 675-749), teólogo, doutor da Igreja 1º sermão sobre a Dormição da Virgem "Donde me vem a graça de que a mãe do meu Senhor venha até mim?" "És bendita entre as mulheres e o fruto do teu ventre é bendito..." Com efeito, eis que as gerações te chamam bem-aventurada, como tu declaraste (Lc 1,48). As filhas de Jerusalém, isto é, da Igreja viram-te e proclamaram a tua felicidade... Tu és, na verdade, o trono real junto do qual estavam os anjos contemplando o seu Senhor e Criador que nele estava sentado (Dn 7,9). No primeiro, habitava o Adão terrestre; em ti, é o Senhor que veio dos céus (1Co 15,47). A arca de Noé preficurou-te, ela que salvou o gérmen da segunda criação, pois tu geraste a Cristo, a salvação do mundo, que submergiu o pecado e acalmou as vagas. Desce o princípio, foste tu quem a sarça ardente revelou, que as tábuas escritas por Deus designaram (Ex 31,18), que a arca da aliança contou; foi a ti que a urna de ouro, o candelabro... e o ramo florido de Aarão (Nm 17,23) manifestamente prefiguraram... E já me esquecia da escada de Jacob. Tal como Jacob viu o céu unido à terra pelas extremidades da escada e os anjos a subirem e descerem por ela e aquele que é realmente o forte e o invencível estabelecer com ele uma luta simbéolica, assim tu mesma te tornaste a mediadora e a escada por onde Deus desceu até nós e tomou sobre si as fraquezas da nossa substãncia, abraçando-a e unindo-se estreitamente com ela. Bem aventurada Elisabete da Trindade (1880-1906), carmelita Primeiro retiro, 10º dia, Na presença de Deus “Maria pôs-se a caminho” Parece-me que a atitude da Virgem durante os meses que decorrem entre a Anunciação e a Natividade é o modelo das almas interiores, dos seres que Deus escolheu para viver por dentro, no fundo do abismo sem fundo. Naquela paz, naquele recolhimento, Maria entregavase e prestava-se a tudo! Como se as coisas mais banais fossem divinizadas por ela – porque em todas as circunstâncias, a Virgem permanecia a adorante do dom de Deus! Isso não a impedia de se gastar exteriormente desde que se tratasse de exercer a caridade. O Evangelho diz-nos que “Maria percorreu apressadamente as montanhas da Judeia para se dirigir a casa da sua prima Isabel” (Lc 1,39). Nunca a visão inefável que ela contemplava em si mesma diminuiu a sua caridade exterior porque, diz o bem-aventurado Ruustroek, se a contemplação “leva ao louvor, e à eternidade do seu Senhor, ela possui a unidade e não a perderá. Quando chega uma ordem do céu, ela volta-se para os homens, compadece-se de todas as suas necessidades, inclina- se para todas as suas misérias; é necessário que ela chore e que ela fecunde. Ela ilumina como o fogo; como ele, ela queima, absorve e devora, elevando ao céu o que ela devora. E quando fez a sua acção aqui em baixo, eleva-se e retoma ardente do seu fogo o caminho das alturas”. Bem aventurada Teresa de Calcutá (1910-1997), Fundadora das Irmãs Missionárias da Caridade Não há maior amor «Maria partiu rapidamente» Depois de ter sido visitada pelo Anjo, Maria dirigiu-se apressadamente a casa de sua prima Isabel que, por sua vez, esperava um filho. E, antes de nascer, João Baptista estremeceu de alegria no seio de Isabel. Que maravilha! Deus Omnipotente escolheu uma criança ainda não nascida para anunciar a vinda de Seu Filho! Maria, pelo mistério da Anunciação e da Visitação, representa o próprio modelo da vida que deveríamos levar. Primeiramente ela acolheu Jesus na Sua existência; depois, partilhou o que tinha recebido. De cada vez que recebemos a Sagrada Comunhão Jesus, o Verbo, torna-Se carne na nossa vida- dom de Deus, ao mesmo tempo belo, gracioso, singular. Tal foi, portanto, a primeira Eucaristia: o ofertório feito por Maria do Filho que trazia em seu seio, primeiro altar que Ele aí tinha estabelecido. Maria, a única que podia afirmar com uma confiança absoluta: «isto é o meu corpo», a partir deste primeiro momento ofereceu o seu próprio corpo, a sua força, todo o seu ser, para qu e fosse formado o Corpo de Cristo. A Igreja nossa Mãe elevou as mulheres a uma grande honra diante da face de Deus ao proclamar Maria Mãe da Igreja. „Naqueles dias Maria pôs-se a caminho …“ – as caminhadas de Maria Lu 1,39 Maria, Mãe dos caminhantes, * ensina-nos a caminhar, * Nós somos todos viandantes, * mas é difícil sempre andar. 1. Fistes longa caminhada, * para servir a Isabel, * sabendo-te de Deus orada * após teu SIM a Gabriel. 2. Depois de dura caminhada, * para a cidade de Belém, * não encontraste lá pousada: * mandaram-te passar além. 3. Com fé fizeste a caminhada, * levando ao templo teu Jesus, * mas lá ouviste da espada, * da longa estrada para a cruz. 4. De medo foi a caminhada * que para longe te levou, * para escapar à vil cilada * que um rei atroz te preparou. 5. Quão triste foi a caminhada * de volta a Jerusalém, * sentindo-te angustiada * na longa busca do teu Bem. 6. Humilde foi a caminhada * em companhia de Jesus * quando pregava, sem parada, * levando aos homens sua luz. 7. De dores foi a caminhada, * no fim da vida de Jesus. * Mas O seguiste conformada; + com Ele foste até a cruz. 8. Vitoriosa caminhada * fez finalmente te chegar * ao céu, a meta da jornada * dos que caminham sem parar. Pe. Geraldo Pennock Papa Bento XVI Audiência geral do dia 15/2/06 ( © Libreria Editrice Vaticana) “Ergue os humildes” O Magnificat é um cântico que revela em filigrana a espiritualidade dos «anawin» bíblicos, quer dizer, daqueles fiéis que se reconheciam pobres não apenas na renúncia a qualquer idolatria da riqueza ou do poder, mas também na humildade profunda do coração, despojado de toda a tentação de orgulho, aberto à irrupção da graça divina salvadora. Todo o Magnificat é, na verdade, marcado por esta situação de humildade e de pobreza concretas… A alma desta oração é a celebração da graça divina que irrompeu no coração e na existência de Maria, fazendo dela a Mão do Senhor…: o louvor, a acção de graças, a alegria reconhecida. Mas esse testemunho pessoal não é solitário e intimista, puramente individualista, porque a Virgem Maria está consciente que tem uma missão a cumprir pela humanidade e que a sua história pessoal se insere na história da salvação… Por este louvor ao Senhor, a Virgem dá voz a todas as criaturas resgatadas que, no seu sim e, por conseguinte, na figura de Jesus nascido da Virgem Maria, encontram a misericórdia de Deus… É como se, à voz de Maria, se associasse toda a comunidade dos fiéis que celebram as coisas surpreendentes de Deus… O comportamento do Senhor da história é evidente: ele põe-se ao lado destes últimos. O seu projecto é um projecto muitas vezes escondido debaixo do terreno opaco dos negócios humanos, que vêem triunfar «os soberbos, os poderosos, os ricos». E, contudo, a sua força secreta está destinada a ser revelada no fim dos tempos, para mostrar quais são os verdadeiramente preferidos de Deus: «Aqueles que o temem», fiéis à sua Palavra ; «os humildes, os famintos, Israel seu servo», isto é, a comunidade do Povo de Deus que é constituido pelos que, tal como Maria, são «pobres», puros e simples de coração. S. Nicolau Cabasilas (1320-1363), teólogo grego Homilia mariana «O fruto mais excelente da Redenção» (Vaticano II; SC 103) Era necessário que a Virgem fosse associada a seu Filho em tudo quanto diz respeito à nossa salvação. Assim como ela O fez participante da sua carne e do seu sangue e foi gratificada em recompensa dos seus benefícios, do mesmo modo tomou parte em todos os seus sofrimentos e dores. Ele foi pregado à cruz e trespassado no peito pela lança; ela teve o coração trespassado por uma espada, como lhe tinha anunciado o santo Simeão (Lc 2, 35). A primeira, foi levada em conformidade à morte do Salvador por uma morte semelhante à sua (Rm 6, 5). Por isso é que ela tomou parte na Ressurreição antes de todos os outros. De fato, depois que o Filho destruiu a tirania do inferno, ela teve a felicidade de O ver ressuscitado e de receber a sua salvação e acompanhou-O, tanto quanto pôde, até à Sua partida para o Céu. Depois da ascensão, tomou o lugar que o Salvador deixara livre entre os Seus apóstolos e os outros discípulos, acrescentando assim aos benefícios que Deus tinha dispensado à humanidade, o de completar o que faltava a Cristo (Col 1, 24), muito melhor do que qualquer outra pessoa. Mais do que a qualquer outro, não convinha isto à sua mãe? Mas era preciso que esta alma santíssima se desprendesse deste corpo sacratíssimo. Ela deixou-o e uniu-se à alma do Filho, ela, S. Luís-Maria de Monfort (1673-1716), pregador, fundador de comunidades religiosas Tratado da verdadeira devoção à Virgem Maria “Ele inclinou-se para a sua humilde serva” Maria foi muito discreta na sua vida: é por isso que ela é chamada pelo Espírito Santo e pela Igreja “Alma Mater”: Mãe escondida e secreta. A sua humildade foi tão profunda que ela não teve sobre a terra nenhum interesse mais forte e mais contínuo do que esconder-se de si própria e de toda a criatura, para ser conhecida apenas por Deus. Para atender aos pedidos que ela lhe fazia para se esconder, empobrecer e humilhar, aprouve a Deus escondê-la desde a sua concepção, desde o seu nascimento, na sua vida, nos seus mistérios, na sua ressurreição e assunção, dos olhos de quase toda a criatura humana. Mesmo os seus familiares não a conheciam; os anjos perguntavam muitas vezes uns aos outros: “Quae est ista? Quem é esta?” (Ct 6,10) porque o Altíssimo a escondia; ou, se ele lhes dava a conhecer algo, ele escondia-lhes infinitamente mais... Que coisas grandes e escondidas fez este Deus forte nesta criatura admirável, como ela própria é obrigada a dizer de si mesma, apesar da sua pro funda humildade: “O Omnipotente fez em mim maravilhas”. O mundo não as conhece, porque é incapaz e indigno. Evangelho segundo S. Lucas 1,57-66.80. Entretanto, chegou o dia em que Isabel devia dar à luz e teve um filho. Os seus vizinhos e parentes, sabendo que o Senhor manifestara nela a sua misericórdia, rejubilaram com ela. Ao oitavo dia, foram circuncidar o menino e queriam dar-lhe o nome do pai, Zacarias. Mas, tomando a palavra, a mãe disse: «Não; há-de chamar se João.» Disseram-lhe: «Não há ninguém na tua família que tenha esse nome.» Então, por sinais, perguntaram ao pai como queria que ele se chamasse. Pedindo uma placa, o pai escreveu: «O seu nome é João.» E todos se admiraram. Imediatamente a sua boca abriu-se, a língua desprendeu-se-lhe e começou a falar, bendizendo a Deus. O temor apoderou-se de todos os seus vizinhos, e por toda a montanha da Judeia se divulgaram aqueles fatos. Quantos os ouviam retinham-nos na memória e diziam para si próprios: «Quem virá a ser este menino?» Na verdade, a mão do Senhor estava com ele. Entretanto, o menino crescia, o seu espírito robustecia-se, e vivia em lugares desertos, até ao dia da sua apresentação a Israel. Santo Ireneu de Lyon (c.130 – c. 208), bispo, teólogo e mártir Contra as heresias III, 10, 1 «A língua desprendeu-se-lhe e começou a falar, bendizendo a Deus» A propósito de João Baptista, lemos em São Lucas: «Será grande diante do Senhor, e reconduzirá muitos dos filhos de Israel ao Senhor, seu Deus, e irá à frente, diante do Senhor, com o espírito e a força de Elias, a fim de proporcionar ao Senhor um povo com boas disposições» (1,15-17). A Quem proporcionou ele então um povo, e diante de que Senhor foi grande? Diante d'Aquele que disse que João era «mais que um profeta», e que disse ainda que, de «entre os nascidos de mulher, não apareceu ninguém maior do que João Baptista» (Mt 11,9.11). Porque João preparava um povo, ao anunciar antecipadamente aos companheiros de servidão a vinda do Senhor e ao pregar-lhes a penitência, para que, quando o Senhor viesse, todos estivessem em condições de receber o perdão, a fim de voltarem para junto d'Aquele para Quem, pelos pecados que cometeram, se tinham tornado estrangeiros. [...] Sim, «na sua misericórdia», Deus visita-nos «como sol nascente; para iluminar os que jazem nas trevas e na sombra da morte e dirigir os nossos passos no caminho da luz» (Lc 1, 78-79). Foi nestes termos que Zacarias, liberto do mutismo que tinha atraído na sua incredulidade, e cheio do Espírito novo, passou a bendizer a Deus de uma maneira nova. Porque a partir de então tudo era novo, porque o Verbo, por um processo novo, acabara de cumprir o desígnio da Sua vinda na carne, para que o homem, que se tinha afastado de Deus, fosse por Ele reintegrado na amizade de Deus. É por isso que este homem ensinava a honrar a Deus de uma maneira nova. Beato Guerric d'Igny (c.1080-1157), abade cisterciense Sermão 1 para S. João Baptista, §2 "Tu, menino, serás chamado profeta do Altíssimo, porque caminharás diante do Senhor para prelarar o seu camiho" (Lc 1,76) É com razão que o nascimento deste menino foi para muitos causa de alegria: ainda o é hoje. Dado a seus pais na velhice, veio pregar a um mundo que envelhecia a graça de um novo nascimento. É bom que a Igreja festeje solenemente esta natividade, fruto maravilhoso da graça com o qual a natureza se maravilha. Quanto a mim, esta lâmpada destinada a iluminar o mundo (Jo 5,35), traz-me com o seu nascimento uma alegria nova, porque foi graças a ela que reconheci a verdadeira Luz, que brilha nas trevas mas que as trevas não quiseram receber (Jo 1,5-9). Sim, o nascimento deste menino traz-me uma alegria indizível pois é para o mundo fonte de tão grandes bens. Ele foi o primeiro a instruir a Igreja, começando a formá-la pela penitência, preparando-a pelo baptismo e, quando a tinha já preparada, entregando-a a Cristo e unindo-a a Ele (Jo 3,29). Ensinou-a a viver na sobriedade e, com o exemplo da sua própria morte, deu-lhe forças para morrer com coragem. Desse modo, ele preparou para o Senhor um povo perfeito (Lc 1,17). Pregador do Papa: Sobre as crianças que morrem sem batismo Comentário do padre Cantalamessa à liturgia do próximo domingo ROMA, sexta-feira, 22 de junho de 2007 (ZENIT.org).- Publicamos o comentário do padre Raniero Cantalamessa, ofmcap. -- pregador da Casa Pontifícia -- à liturgia do próximo domingo, Natividade de São João Batista. *** Natividade de São João Batista Isaías 49, 1-6; Atos 13, 22-26; Lucas 1, 57-66.80 João é seu nome No espaço do XII domingo do Tempo Comum, este ano se celebra a Natividade de São João Batista. Trata-se de uma festa antiqüíssima; remonta ao século IV. Por que a data de 24 de junho? Ao anunciar o nascimento de Cristo a Maria, o anjo lhe diz que Isabel, sua parente, está no sexto mês. Portanto, o Batista devia nascer seis meses antes de Jesus e deste modo se respeita a cronologia (em 24, em vez de 25 de junho, se deve à forma de calcular dos antigos, não por dias, senão por Calendas, Idus e Nonas). Naturalmente, estas datas têm valor litúrgico e simbólico, não histórico. Não conhecemos o dia nem o ano exato do nascimento de Jesus e portanto tampouco de Batista. Mas isso muda o quê? O importante para a fé é o fato de que nasceu, não quando nasceu. O culto difundiu-se rapidamente e João Batista converteu-se em um dos santos aos que estão dedicados mais igrejas no mundo. Vinte e três papas tomaram seu nome. Ao último deles, o Papa João XXIII, aplicou-se a frase que o Quarto Evangelho diz do Batista: «Houve um homem enviado por Deus; chamava-se João». Poucos sabem que a denominação das sete notas musicais (Do, Ré, Mi, Fá, Sol, Lá, Si) têm relação com João Batista. Obtêm-se da primeira sílaba dos sete versos da primeira estrofe do hino litúrgico composto em honra ao Batista. A passagem do Evangelho fala da eleição do nome de João. Mas é importante também o que se escuta na primeira leitura e no salmo responsorial da festividade. A primeira leitura, do livro de Isaías, diz: «Desde o seio materno Iahweh me chamou, desde o ventre de minha mãe pronunciou o meu nome. De minha boca fez uma espada cortante, abrigou-me na sombra da sua mão; fez de mim uma seta afiada, escondeu-me na sua aljava». O salmo responsorial volta sobre este conceito de que Deus nos conhece desde o seio materno: «Tu minhas vísceras formaste, me teceste no ventre de minha mãe... Meu embrião teus olhos viam». Temos uma idéia muito redutiva e jurídica de pessoa que gera muita confusão no debate sobre o aborto. É como se uma criança adquirisse a dignidade de pessoa a partir do momento em que esta lhe é reconhecida pelas autoridades humanas. Para a Bíblia, pessoa é aquele que é conhecido por Deus, aquele a quem Deus chama por seu nome; e Deus, nos é assegurado, conhece-nos desde o seio materno, seus olhos nos viam quando éramos ainda embriões no seio de nossa mãe. A ciência nos diz que no embrião existe, em desenvolvimento, todo o homem, projetado em cada mínimo detalhe; a fé acrescenta que não se trata só de um projeto inconsciente da natureza, mas de um projeto de amor do Criador. A missão de São João Batista está toda traçada, antes que nasça: «E tu, menino, serás chamado profeta do Altíssimo, pois irás diante do Senhor para preparar seus caminhos...». A Igreja considerou que João Batista foi santificado já no seio materno pela presença de Cristo; por isto celebra a festividade de seu nascimento. Isto nos oferece a ocasião para tocar num problema delicado, que se converteu em agudo por causa das milhões de crianças que, sobretudo pela terrível difusão do aborto, morrem sem ter recebido o batismo. O que dizer delas? Também foram de alguma maneira santificadas no seio materno? Há salvação para elas? Minha resposta é sem vacilo: claro que há salvação para elas. Jesus ressuscitado diz também delas: «Deixai que as crianças venham a mim». Segundo uma opinião comum desde a Idade Média, as crianças não batizadas iam para o Limbo, um lugar intermediário no qual não se sofre, mas tampouco se goza da visão de Deus. Mas se trata de uma idéia que não foi jamais definida como verdade de fé pela Igreja. Era uma hipótese dos teólogos que, à luz do desenvolvimento da consciência cristã e da compreensão das Escrituras, já não podemos manter. Quando expressei há tempo esta opinião minha em um destes comentários dominicais, recebi diferentes reações. Alguns mostravam gratidão por esta tomada de posição que lhes tirava um peso do coração; outros me reprovaram que entrasse na doutrina tradicional e diminuísse a importância do batismo. Agora a discussão está fechada, porque recentemente a Comissão Teológica Internacional, que trabalha para a Congregação [vaticana] para a Doutrina da Fé, publicou um documento no qual afirma o mesmo. Parece-me útil voltar sobre o tema à luz deste importante documento, para explicar algumas das razões que levaram a Igreja a esta conclusão. Jesus instituiu os sacramentos como meios ordinários para a salvação. São, portanto, necessários, e quem, podendo-os receber, contra a própria consciência os rejeita ou os descuida, põe em sério perigo sua salvação eterna. Mas Deus não se atou a estes meios. Ele pode salvar também por vias extraordinárias, quando a pessoa, sem culpa sua, é privada do batismo. O fez, por exemplo, com os Santos Inocentes, mortos também eles sem batismo. A Igreja sempre admitiu a possibilidade de um batismo de desejo e de um batismo de sangue, e muitas destas crianças conheceram de verdade um batismo de sangue, ainda que de natureza distinta... Não creio que a clarificação da Igreja alente o aborto; se assim fosse seria trágico e teria que se preocupar seriamente não da salvação das crianças não batizadas, mas dos pais batizados. Seria brincar de Deus. Tal declaração dará, ao contrário, um pouco de alívio aos crentes que, como todos, questionam-se consternados pela sorte atroz de muitas crianças do mundo de hoje. Voltamos a João Batista e à festa do domingo. Ao anunciar a Zacarias o nascimento de seu filho, o anjo lhe disse: «Isabel, tua mulher, vai te dar um filho, ao qual porás o nome de João. Terás alegria e regozijo, e muitos se alegrarão com o seu nascimento» (Lucas 1, 13-14). Muitos na verdade se alegraram por seu nascimento, se à distância de vinte séculos seguimos ainda falando desse menino. Desejaria fazer dessas palavras a expressão de um desejo a todos os pais e mães que, como Isabel e Zacarias, vivem o momento da espera ou do nascimento de um filho: que também vós possais regozijar-vos e alegrar-vos no menino ou na menina que Deus vos confiou e vos alegreis de seu nascimento por toda vossa vida e pela eternidade! [Traduzido por Zenit] João Paulo II Homilia em Kiev, 24/6/01 (trad. DC 5/8/01, n° 2253 p. 733 © Libreria Editrice Vaticana) «O seu nome é João» «O Senhor chamou-me desde o seio materno, pronunciou o meu nome desde as entranhas de minha mãe» (Is 49,1). Celebramos hoje o nascimento de Joâo Baptista… Hoje podemos fazer nossa esta exclamação. Deus conheceu-nos e amou-nos antes mesmo que os nossos olhos pudessem contemplar as maravilhas da criação. Ao nascer, cada homem recebe um nome humano. Mas, ainda antes disso, ele possui um nme divino: o nome pelo qual Deus Pai o conhece e o ama desde sempre e para sempre. É assim para todos, sem exclusão. Nenhum homem é anónimo para Deus! Todos possuem igual valor aos seus olhos: todos são diferentes, mas todos iguais, todos chamados a ser filhos no Filho. «João é o seu nome» (Lc 1,63). Zacarias confirma o nome do seu filho perante os parentes maravilhados, escrevendo-o numa tabuinha. O próprio Deus, por intermédio do seu anjo, tinha indicado este nome, que em hebreu significa «Deus é favorável». Deus é favorável ao homem: quer que ele viva, quer a sua salvação. Deus é favorável ao seu povo: quer fazer dele uma bênção para todas as nações da terra. Deus é favorável à humanidade: guia o seu caminho para a terra onde reinam a paz e a justiça. Tudo isto está inscrito nesse nome: João! Liturgia síria Hino atribuído a Santo Efrém (c. 306-373), diácono na Síria, doutor da Igreja «Houve um homem enviado por Deus; o seu nome era João... veio para testemunhar, para dar testemunho da Luz» (Jo 1, 6-7) É a ti, João, que reconhecemos como un novo Moisés, pois viste Deus, já não como símbolo, mas com toda a clareza. É a ti que olhamos como um novo Josué: não atravessaste o Jordão de uma margem à outra, mas, com a água do Jordão, fizeste passaar os homens de um mundo para outro... És tu o novo Samuel que não deu a unção a David, mas que baptizou o Filho de David. És tu o novo David, que não foi perseguido pelo mau rei Saul, mas que foi morto por Herodes. És o novo Elias, alimentado no deserto, não de pão por um corvo, mas de lagartixas e de mel por Deus. És tu o novo Isaías que não disse: « Eis que uma virgem vai conceber e dar à luz» (7,14), mas que proclamou diante de todos: « Eis que ela deu à luz o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo»(Jo 1, 29)... Bem-aventurado és tu, João. Eleito de Deus, tu que impuseste as mãos sobre o teu Mestre, tu que tiveste nas mãos a chama cujo brilho faz tremer os anjos!Estrela de Alva, mostraste ao mundo a verdadeira Manhã; aurora radiosa, manifestaste o dia da glória; lâmpada cintilante, designaste a Luz sem igual! Mensageiro da grande reconciliação do Pai, o arcanjo Gabriel foi enviado adiante de ti para te anunciar a Zacarias, como um fruto muito para lá da sua expectativa... O maior entre os filhos dos homens (Mt 11, 11), tu vens adiante do Emanuel, daquele que transcende toda a criatura; primeiro filho de Isabel, precedes o Primogénito de toda a criação. Santo Agostinho (354-430), bispo de Hipona (norte de África) e doutor da Igreja Sermão 293 "A sua língua soltou-se e começou a falar, bendizendo a Deus" Por fim, João nasce, recebe o seu nome e eis que a língua de seu pai se solta. Aproximemos este episódio da realidade profunda que ele simboliza e contemplemos um grande mistério: Zacarias cala-se e fica mudo até ao nascimento de João, o percursor do Senhor, que lhe abre a boca. Que significa este silêncio de Zacarias, senão o véu que se estendia sobre as profecias e de alguma forma as escondia e as selava antes do anúncio da Boa Nova de Cristo? Com o seu nascimento, elas descobrem-se; tornam-se claras quando chega aquele de quem falavam. O nascimento de João solta pois a língua de Zacarias. Este acontecimento tem o mesmo sentido do rasgão do véu do Templo no momento da morte de Cristo na cruz (Mt 27,51). Se João não tivesse anunciado a vinda de um outro, a boca de Zacarias não se teria aberto; a sua língua solta-se porque o nascimento do seu filho é o nascimento da própria voz. Não dirá João mais tarde: “Eu sou a voz do que clama no deserto”? (Jo 1,23) Santo Agostinho (354-430), bispo de Hipona (Norte de África) e doutor da Igreja 6º sermão sobre a Natividade de João Baptista "Todos diziam: Quem virá a ser este menino?" Como será a glória do juiz, se a glória do arauto é tão grande? Como será aquele que deve vir como "o Caminho" (Jo 14,6), se o que prepara o caminho (Lc 3,6) já é assim?... Celebramos o nascimento de João; celebramos o nascimento de Cristo... João nasce de uma velha mulher estéril; Cristo nasce de uma jovem virgem. A idade dos pais não favorecia o nascimento de João; o nascimento de Cristo deu-se sem a união dos sexos. Um é anunciado por um anjo; o outro é concebido à voz de um anjo... O nascimento de João é recebido com incredulidade e o seu pai fica mudo; Maria acredita no de Cristo e concebe-O pela fé... João aparece, pois, como uma fronteira colocada entre os dois Testamentos, o antigo e o novo. É o próprio Senhor quem atesta que ele forma essa espécie de fronteira quando diz: "A Lei e os profetas duraram até João" (Lc 16,16). João representa assim o que é antigo, tal como o que é novo. Porque representa o que é antigo, ele nasce de dois velhos; porque representa os tempos novos, ele revela-se profeta desde o seio de sua mãe (Lc 1,41)... Aparece já como o percursor de Cristo, antes mesmo de se verem. São coisas divinas e ultrapassam a capacidade da fraqueza humana. Por fim, o seu nascimento acontece, ele recebe um nome e a língua do seu pai solta-se. Temos que ligar todos estes acontecimentos ao seu simbolismo profundo. Beato Guerrico d’Igny (c. 1080-1157), abade cisterciense Sermão 1 para São João Baptista «E tu, menino, serás chamado profeta do Altíssimo" Com razão o nascimento deste menino foi para muitos causa de alegria: e ainda hoje é assim. Dado a seus pais na velhice, vinha pregar a um mundo envelhecido a graça de um novo nascimento. É bom que a Igreja festeje solenemente esta natividade, fruto maravilhoso da graça, de que a natureza se assombra. Quanto a mim, esta lâmpada destinada a iluminar o mundo (Jo 5,35), traz-me com o seu nascimento uma alegria nova, porque é, graças a ela, que eu reconheci a verdadeira Luz que brilha nas trevas, mas que as trevas não receberam (Jo 1, 5.9). Sim, o nascimento deste menino traz-me uma alegria indizível, pois é para o mundo fonte de grandes bens. Ele, o primeiro a instruir a Igreja, começa a formá-la pela penitência, a prepará-la para o baptismo, e, quando já a tem assim preparada, leva-a a Cristo e une-a a Ele (Jo 3,29). Ensina-a a viver com sobriedade e, com o exemplo da sua própria morte, dá-lhe força para morrer com coragem. Com tudo isto, prepara para o Senhor um povo perfeito (Lc 1, 17). «Seu nome era João»; por Dom Walmor Oliveira de Azevedo Arcebispo de Belo Horizonte (Brasil) BELO HORIZONTE, domingo, 4 de dezembro de 2005 (ZENIT.org).- Publicamos a seguir artigo de Dom Walmor Oliveria de Azevedo, arcebispo de Belo Horizonte (MG), intitulado «Seu nome era João». O texto foi difundido pelo site arquidiocese mineira. *** Seu nome era João (Jo 1,6) A história do nome sempre se repete. O nome é muito importante. Não é por acaso que cada um recebe um nome. Este guarda muitos sentidos e referências. O nome é referência reveladora da verdade do ser. É a porta de entrada de cada história particular. Basta dizer o nome e uma realidade pessoal se coloca diante de todos. Não é por outra razão quando se diz que alguém tem nome. É uma pessoa de nome. O nome é muito, é quase tudo. Busca-se, por outro lado, tantas vezes, sujar o nome para prejudicar o caminho de alguém, ainda que seja com maledicências ou com mentiras. O nome alavanca a importância de eventos; gera questionamentos; define rumos e justifica indicações. E foi assim que o evangelista anunciou o começo de um novo tempo, marcado pela ação e na presença de ‘ um homem enviado por Deus, seu nome era João’. João, seu nome João é um nome, um nome especial. Nele são guardadas muitas e importantes lembranças. São lembranças de pessoas que honraram o sentido do nome com que foram batizados. A verdade deste nome se confirma e se sustenta na origem de sua história. Ele era enviado por Deus. Sua identidade recebeu a marca do querer de Deus nele realizado. Por isso, sua vida e sua presença concretizam a ação da graça. Deus é graça, significa João. A graça que gera a gratuidade da oferta amorosa. Ser João é ser graça amorosa de Deus na vida e na história de tantos. João, João de Deus é graça. A presença que confirma o ser João nasce do envio que Deus faz. Ser João é assumir a condição de anunciar, em nome de Deus, a força de sua presença redentora no mundo e no coração de cada um. Sua força de ação é o segredo do testemunho que sustenta. Para chegar à fé A identidade que o nome guarda não tem por finalidade o simples sustento de si. Esta direção é própria daqueles que vivem para fazer o seu próprio nome. Um interesse que satisfaz apenas a mesquinhez de ajuntar pra si, resguardar-se, criar garantias próprias. Fazer o nome, nas estreitezas do interesses, é responder a necessidades que estão muito aquém de qualquer generosidade comum. O nome, na verdade, tem força de missão. A conduta que ele abriga na sua significação tem como meta indicar aos outros novos rumos para que todos cheguem à fé. Zelar pelo próprio nome é abrir caminhos para encontros que efetivem a experiência de pertença e de sólida referência a Deus. Isto é, o encontro de cada um com o totalmente outro, reenviando a todos ao compromisso da vida. Honrar o próprio nome é tornar-se servidor, pela conduta, da experiência da fé. Quem és? A claridade da resposta à pergunta ‘quem és’ é o segredo de sustentação de todo testemunho verdadeiro. A autenticidade de todo testemunho verdadeiro finca raízes na consciência clarividente de si. Não tem como perder o sentido da referência insubstituível da presença de Deus para definir bem o território da própria identidade. João confessou e não negou. Ele confessou não ser o Messias. Não há sedução de poder ou de interesse que tenha força de obscurecer a luz de sua consciência. ‘Eu não sou o Messias’. O bombardeio de perguntas dos seus interlocutores passeia por identidades outras. Perguntar por Elias ou por outros profetas, na tentativa de serem encontrados na identidade de João, revela a força de seu testemunho. Sustentado por sua identidade ele revela o que está para além dele mesmo. Ele indica o caminho do conhecimento daquele que o enviou. Sua coerência de vida escancara ao conhecimento aquele de quem João é íntimo. Ele guarda no seu jeito de ser a resposta procurada por aqueles que enviaram embaixadores para questioná-lo. Jamais se entenderá quem é João sem abrir à procura daquele que o enviou. Só o encontro com Deus faz entender as razões da bondade e da graciosidade. É bom quem com ele se encontra e estabelece proximidades e vínculos. Voz no deserto O testemunho não é uma cena que se assiste. Uma simples constatação de atitude que merece o selo de nobreza. É uma experiência que provoca e tem força de mudança. Uma mudança que há de se operar com grandes transformações. Seus ecos incidem sobre a vida. O deserto, por isso, é a imagem da desolação que prova a força transformadora do testemunho. Uma força de presença. Um caminho novo, evocado pela força do testemunho. Uma configuração nova está em processo. Outra jamais será a resposta para aqueles que desejariam saber quem é este João. Ou tudo, ou nada. A exigência é não abrir mão do vínculo. O vínculo é um gesto de compromisso e respeito. Desamarrar as sandálias O compromisso é a graça da aliança. Ela é que define o sentido de pertença. A pertença ao Senhor requer o sentido profundo de referência e reconhecimento. Não é dispensável a atitude de reverência. Ela guarda o sentido da diferença e a consciência da força de sustento que está naquele, o Senhor, que é reverenciado. Há de se ter coragem de fazer rupturas. Estas são condições indispensáveis para que nasçam os vínculos da pertença. São eles que configuram o testemunho. O testemunho se revela na conduta. A conduta é o reverso do nome. O nome é a pessoa. Seu nome era João. Na sua identidade e no seu testemunho se inscrevem a inevitável ruptura, o convite para um tempo novo, a indicação de novas inserções ao batizar com água. Importa a cada um criar a oportunidade de conhecer ‘aquele que está no meio de vós, aquele que não conheceis’. Dom Walmor Oliveira de Azevedo Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte ZP05120415 Evangelho segundo S. Lucas 1,67-79. Então, seu pai, Zacarias, ficou cheio do Espírito Santo e profetizou com estas palavras: «Bendito o Senhor, Deus de Israel, que visitou e redimiu o seu povo e nos deu um Salvador poderoso na casa de David, seu servo, conforme prometeu pela boca dos seus santos, os profetas dos tempos antigos; para nos libertar dos nossos inimigos e das mãos de todos os que nos odeiam, para mostrar a sua misericórdia a favor dos nossos pais, recordando a sua sagrada aliança; e o juramento que fizera a Abraão, nosso pai, que nos havia de conceder esta graça: de o servirmos um dia, sem temor, livres das mãos dos nossos inimigos, em santidade e justiça, na sua presença, todos os dias da nossa vida. E tu, menino, serás chamado profeta do Altíssimo, porque irás à sua frente a preparar os seus caminhos, para dar a conhecer ao seu povo a salvação pela remissão dos seus pecados, graças ao coração misericordioso do nosso Deus, que das alturas nos visita como sol nascente, para iluminar os que jazem nas trevas e na sombra da morte e dirigir os nossos passos no caminho da paz.»