SEIS EXCERTOS DO DIÁLOGO FEDRO DE PLATÃO 1. Visto que a função do discurso é conduzir as almas, quem deseja vir a ser orador necessita conhecer quantas formas tem a alma. Ora há tantas e tais que tornam uns homens de determinada natureza e outros de natureza diferente. Então, uma vez definidas essas, o número de espécies de discursos é o mesmo, e cada um com características específicas. Por isso uns homens sob a acção de determinados discurso e por determinado motivo, tornam-se obedientes a certas convicções; outros, porém, com natureza diferente, não se deixam persuadir pelas mesmas razões. [271d] 2. […] afirmámos nós precisamente que o verosímil consegue surgir no espírito da maioria, devido à semelhança com a verdade. E as semelhanças […], quem conhece a verdade melhor as sabe descobrir por toda a parte. […] se uma pessoa não puder fazer a lista completa das diversas naturezas de quem o vai escutar, se não for capaz de dividir os seres segundo as suas espécies e de reduzir cada uma dessas espécies a uma só ideia, jamais será um artista da oratória, dentro do que é possível ao homem. [273e] 3. É isso precisamente, Fedro, que a escrita tem de estranho e que a torna muito semelhante à pintura. Os produtos desta apresentam-se na verdade como seres vivos, mas, se lhes perguntares alguma coisa, respondem-te com um silêncio cheio de gravidade. O mesmo sucede também com os discursos escritos. Poderá parecer-te que o pensamento anima o que dizem; no entanto, se movido pelo desejo de aprender, os interrogares sobre o que acabem de dizer, revelam-te uma única coisa e sempre a mesma. E uma vez escrito, cada discurso rola por todos os lugares, apresentando-se sempre do mesmo modo, tanto a quem o deseja ouvir como ainda a quem não mostra interesse algum. Não sabe, por outro lado, a quem deve falar e a quem não deve. Além disso, maltratado e insultado injustamente, necessita sempre da ajuda do seu autor, uma vez que não é capaz de se defender e socorrer a si mesmo. [275e] 4. Em minha opinião, muito mais bela se torna a ocupação nestas matérias, quando alguém, no uso da arte dialéctica, toma uma alma apta e nela planta e semeia discursos com entendimento — discursos capazes de vir em socorro de si mesmos e de quem os plantou, não improdutivos mas possuidores de gérmen, de que mais discursos nascem em outros temperamentos e podem tornar para sempre essa semente imortal, e assim conceder ao seu detentor o mais alto grau de felicidade que um ser humano pode ter. [277a] 5. Em primeiro lugar é preciso conhecer a verdade a respeito do que se fala ou escreve, ser capaz de definir cada assunto em si mesmo e, uma vez definido, saber dividi-lo de novo em espécies, até atingir o indivisível. Depois compreender a natureza da alma pelo mesmo método e encontrar para cada uma a forma de discurso apropriada, dispô-lo e ordená-lo em conformidade, de modo a oferecer à alma complexa uma oração complexa e elaborada, e discursos simples à alma simples. Antes disso não será possível manejar com arte — dentro do que nos concede a natureza — o género oratório, quer para ensinar quer para persuadir. [277c] 6. O que considerar que existe necessariamente uma dose abundante de divertimento nos discursos escritos, qualquer que seja o assunto, e que nenhum deles, em verso ou prosa, merece grande atenção ao ser escrito ou ao ser pronunciado […], sem espírito crítico e sem intenção de instruir, mas visando apenas a persuasão; que na realidade os melhores desses discursos constituem um meio de suscitar a recordação em quem sabe. O que considerar que os destinados ao ensino, feitos para instruir e realmente escritos na alma, a respeito do justo, do belo e do bom, são os únicos que mostram clareza, perfeição e merecem o nosso esforço. O que considerar que tais discursos devem ser considerados filhos legítimos, primeiro o que traz dentro de si desde que o descobriu, depois todos os que, filhos e irmãos daquele, nasceram nas almas dos outros, segundo o mérito de cada uma. O que proceder assim, com o abandono dos demais discursos — esse talvez seja, Fedro, o homem que eu e tu desejaríamos ser. [278b]