EXPERTISE Mauro Osorio ECONOMIA FLUMINENSE Rio vislumbra da virada RUMOS - 20 – Setembro/Outubro 2011 momento O estado do Rio de Janeiro, enfim, deixou o esvaziamento econômico para trás. As perspectivas indicam ser este um bom momento para construir um futuro mais promissor para a ex-capital do Brasil e para as cidades do interior. Disseminar o desenvolvimento por todo o estado, porém, ainda é um desafio. Por Silvia Noronha Noel Joaquim Faiad O estado do Rio de Janeiro tem sido apontado como o maior concentrador de investimentos do mundo, considerando o volume de recursos a serem aportados por quilômetro quadrado, segundo o estudo Decisão Rio, da Federação das Indústrias local (Firjan). O estado deverá receber R$ 181,4 bilhões em investimentos públicos e privados entre 2011 e 2013. O setor de petróleo e gás lidera o ranking, com cerca de R$ 107,9 bilhões em investimentos da Petrobras e de empresas parceirias, que incentivam também a indústria naval. Os projetos relacionados à Copa do Mundo de 2014 e aos Jogos Olímpicos de 2016 somam mais R$ 11,5 bilhões. Outros destaques são o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (R$ 9,1 bilhões), a Usina termonuclear Angra 3 (R$ 8 bilhões), a Usina Termelétrica Porto do Açu (R$ 5,1 bilhões); o Estaleiro da Marinha do Brasil - Prosub (R$ 3,8 bilhões); e a PSA Peugeot Citroën, em Porto Real (R$ 725 milhões). A despeito dos megaeventos, um aspecto novo apontado pela Firjan é a interiorização dos projetos, pois a participação da capital nos investimentos previstos caiu de 20,4%, há cinco anos, para os atuais 11,7%. Outro estudo, este do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic), considerando somente os novos investimentos privados anunciados em 2010, colocou o estado do Rio na liderança entre todas as unidades da federação. Elaborado pela Rede Nacional de Informações sobre o Investimento (Renai), o estudo computou US$ 18 bilhões em projetos para o território fluminense, enquanto São Paulo e Minas Gerais, segundo e terceiro colocados, registraram em torno de US$ 10 bilhões, cada um. Além disso, as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), base da nova política de segurança pública num estado até então refém do controle de territórios por traficantes fortemente armados, completam um quadro apontado como o momento da virada. A segunda maior economia do Brasil perdia espaço ano após ano, com baixo dinamismo econômico e sérios problemas sociais e ambientais. Com o objetivo de contribuir para a compreensão deste momento, Rumos ouviu o economista Mauro Osorio da Silva, professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e um dos maiores especialistas em economia local, característica incomum num estado acostumado a pensar a nação e o mundo. Questionado se este é o momento da virada, ele afirma: “Temos que botar o pé no chão. De fato melhorou muito, mas nós temos algumas dificuldades”. Crescimento acompanha média do país – Ele entende que governos e entidades empresariais “joguem com o otimismo”, mas lembra que todos esses investimentos fazem com que o Rio apenas encoste na trajetória nacional. “O esvaziamento econômico passou não porque o Rio está crescendo mais do que o restante do país. O Rio passou a crescer igual ao resto”, pondera. Mas o fato de acompanhar a média do país é um bom indicador porque, até dois, três anos atrás, o Rio era o lanterna dos indicadores econômicos, frisa Osorio, que é doutor em Planejamento Urbano e Regional pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (Ippur/UFRJ). Segundo ele, o único indicador que atualmente coloca o Rio à frente dos demais é a renda do trabalho formal e informal, conforme mostra a Pesquisa Mensal de Emprego (PME), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Isso ocorre, diz Osorio, devido à vinda de executivos, principalmente na área de petróleo e gás. Com isso, o salário na indústria extrativa, que era de R$ 4 mil, hoje é de R$ 10 mil. “A renda cresce mais do que a média, porém o emprego cresce igual. Ainda temos o desafio de disseminação.” E para disseminar é necessário infraestrutura e enten- RUMOS - 21 – Setembro/Outubro 2011 EXPERTISE Mauro Osorio dimento da lógica de competição dos setores. tamente falida. O Rio se deteriorou muito politicamente, e “Quando digo que temos que botar o pé no só agora começa a haver uma reversão, que requer prossechão é porque a complexidade e densidade da ecoguimento especialmente nas áreas de meio ambiente, saúde e nomia paulista acabam arrastando para lá muita segurança pública. “O estado do Rio passou por um procescoisa. É preciso ‘endogeneizar’ mais a economia so de desestruturação de 40 anos. Ainda tem muito desafio fluminense”, explica ele, ao alertar para o necessápela frente”, afirma ele, que é autor do livro Rio Nacional, Rio rio encadeamento das empresas de pequeno porte Local: Mitos e Visões da Crise Carioca e Fluminense (Editora como fornecedoras das grandes companhias que Senac, 2005). estão se instalando no estado. “A grande empresa é Entre as duras realidades vivenciadas, ele cita o escândalo uma âncora importante, mas se não houver um dos Sanguessugas (também conhecido como Máfia das encadeamento, se não conseguir atrair micro e Ambulâncias), ocorrido em 2006, que tinha 10% da bancada pequena empresa para o seu entorno, atrair cadeias federal envolvida e 30% da fluminense. Portanto, até a geração de lideranças é necessária para consolidar a inversão por produtivas, ela pode acabar virando muito mais que o Rio está passando. Na área de segurança pública, o proum enclave”, frisa ele, que também é professor de blema ganhou fama internacional, inclusive cursos de pós-graduação lato sendevido ao envolvimento e prisão de polítisu, no Instituto de Economia da cos e policiais da cúpula. A questão também UFRJ, nas áreas de Turismo e Economia Temos que botar o passou a ser enfrentada com uma nova políFluminense. pé no chão porque tica que requer prosseguimento. Elaborar políticas setoriais é fundamenSegundo o pesquisador, a Agência de tal. Na área de petróleo e gás, por exemplo, a complexidade e Fomento do Estado do Rio (Investe Rio) ele lembra que São Paulo possui uma polítidensidade da cumpre um papel positivo nesse momento ca bem organizada e vai procurar atrair economia paulista da virada, porém deveria crescer mais. “É tudo que for possível. “Não dá para achar acabam que vamos deitar nos louros de um importante ter instrumentos, e um deles é o momento mágico. Melhorou, mas tem muicrédito. A Investe Rio se tornou repassadoarrastando muita to desafio a ser enfrentado. Tem que pensar ra do BNDES para recursos do PMAT, volcoisa. É preciso de forma integrada, ter uma coordenação tado para modernização de prefeituras. O 'endogeneizar' de políticas, pensar no social e no econômiRio de Janeiro até muito recentemente era o co”, enfatiza o professor, ao observar que a que tinha proporcionalmente menos munimais a economia criação de emprego é um tópico impor tante cípios beneficiados pelo PMAT. Na verdafluminense. da política social, mas há outros. de, o setor público no estado se desestrutu Questionado sobre o peso da indústria rou demais. A prefeitura do Rio não, mas do petróleo, ele diz que o setor não é o patinho feio e sim na periferia e no interior, eles não conseguiam nem se org aniuma oportunidade de o Rio se tornar uma Noruega e, simulzar para pedir o recurso. O papel da Investe Rio é importante taneamente, estimular o turismo, o entretenimento e o espornisso. O governo do estado já vem capacitando prefeituras te. “Falava-se em Rio além do petróleo, agora acho que tem para mostrar como montar o projeto”, revela ele, citando o de ser Rio mais petróleo, não no sentido de ser o México ou a Programa BNDES de Modernização da Administração TriArábia Saudita, mas a Norueg a, que tem situação de pleno butária e da Gestão dos Setores Sociais Básicos. emprego; a crise sequer faz cosquinha na Noruega”, destaca. Fomento à reflexão local – Osorio observa que geralmenAtrasos da Região Metropolitana – O fato de grandes te quem faz um papel mais crítico dos acontecimentos é a universidade. O Rio já era um espaço nacional antes de ser empresas estarem se instalando na periferia da região metrocapital, porque nasceu como porto, eixo de logística, fortifipolitana exigirá investimentos do governo em serviços básicação e centralidade militar do país. Mesmo na história cos como abastecimento de água e tratamento de esg oto e recente, o olhar nacional encontra justificativa. Até os anos também em telecomunicações, porque as micro e pequena 1960, por exemplo, não havia sequer eleição para prefeito do empresas precisam encontrar a infraestrutura pronta. A periRio. Todos esses aspectos fizeram com que a população feria do Rio, enfatiza Osorio, é muito mais precária do que a construísse uma tradição de reflexão local muito rarefeita, de São Paulo e a de Belo Horizonte. Por outro lado, a região tanto que até os dias de hoje não há nenhum programa de metropolitana fluminense é um patrimônio do estado devido mestrado e doutorado em economia do Rio de Janeiro com à sua riqueza ambiental muito mais importante do que a ainuma linha de pesquisa na área regional, conforme salienta o da existente na região metropolitana paulista ou mineira. especialista. Buscando reverter o quadro, o Instituto MuniciEle cita como exemplo o Arco Metropolitano, que ligará pal de Urbanismo Pereira Passos (IPP), da prefeitura da capiItaboraí ao Porto de Itaguaí, desviando o tráfego hoje feito tal, lançou este ano um prêmio para dissertações e teses via ponte Rio–Niterói. A via, que deverá ficar pronta em sobre o Rio. Osorio, que preside o Conselho de Informação 2013, facilitará o eixo logístico do estado. Entretanto, o arco Estratégica do IPP, diz que a premiação será anual. margeia áreas ambientais que requerem uma política firme A baixa reflexão é prejudicial porque gera mitos sobre o de preservação. Nesse sentido, o pesquisador ressalta o proRio, alguns com sérias consequências. A discussão sobre a cesso de reestruturação da rede estadual, que estava compleRUMOS - 22 – Setembro/Outubro 2011 RM, evidenciando a necessidade de integrar distribuição dos royalties do petróleo se as políticas. encaixa neste caso. Conforme explica OsoQuando a indústria Outro ponto é que a capital tend e a não rio, quase 40% da indústria da transforexporta, ela não crescer mais; e de 2000 para 2010, segundo o mação do estado se referem ao refino de censo, a população jovem até 14 anos de idapaga ICMS; e o petróleo e à siderurgia. Quando a indúsde diminuiu 7% na região metropolitana. tria exporta, ela não paga Imposto sobre petróleo, por sua “Até hoje a gente pensou em urbanismo para Circulação de Mercadorias e Serviços vez, paga ICMS no cidades que se expandem, agora precisa pen(ICMS). E o petróleo, por sua vez, paga destino e não na sar para essa nova realidade”, ressalta. ICMS no destino e não na origem. “Tudo Ele cita ainda outros problemas. Por isso dá uma base de arrecadação muito origem. Tudo isso exemplo, há poucos hospitais na baixada flufalha para o estado, ainda mais agora que dá uma base de minense e a qualidade do ensino na região estão querendo mexer (nos royalties), o que arrecadação muito metropolitana fica a desejar. Se comparar as é um absurdo do ponto de vista federatiregiões metropolitanas fluminense, paulista vo. O Rio não recebe imposto da extração falha para o estado e mineira, os piores resultados educacionais de petróleo, mas ela infla o PIB, joga para do Rio. estão na periferia do Rio. Outro ponto baixo para efeito do Fundo de Participaenvolve a desigualdade de resultado nas ção dos Estados e, além disso, ainda tiraescolas públicas, que também é maior no Rio, segundo Osorem os royalties, aí é uma maluquice completa”, pontua. rio, por causa das áreas conflagradas. Outra comparação Além disso, até hoje existe a imagem de que a carga trirefere-se ao emprego para os jovens. Em São Paulo, há 20% butária do Rio é mais elevada do que a de outros estados. dos jovens entre 18 e 24 anos sem trabalhar ou sem procuOsorio diz que essa crença foi disseminada por estudos de rar emprego, segundo a PME. No Rio, são 40%. “Você duas instituições. “Fica-se dizendo que o Rio está nadando poderia dizer que no Rio há mais jovens estudando, mas os em dinheiro e tem carga tributária alta. Então os outros estadados não mostram isso. Como estimular esse jovem a estudos pensavam: ‘O Rio quer ficar com tudo, então? Queredar, a ter outra perspectiva de vida?”, questiona ele. mos royalties para nós’, mas essa não é a realidade. Posso mostrar esses dados para qualquer um que desejar”, esclareImpacto dos megaeventos – Osorio, que presta consultoce ele, que considera plausíveis novas regras relativas à camaria econômica a entidades empresariais, lembra que o Rio da pré-sal. tem enorme potencialidade no complexo de turismo, entreOutro mito: os municípios do Rio ganham demais. tenimento, cultura, esporte e lazer, que também requer uma Segundo Osorio, isso é exceção. “Se pegarmos os 25 municípolítica integrada. Ele diz que as pessoas conhecem pouco o pios da região Sudeste com maior receita pública per capita, só interior e outras cidades litorâneas, que contam com atratem quatro no Rio; a maioria está em São Paulo e Minas. E ções das mais variadas. Entretanto, somente Itatiaia, Parati e mesmo desses quatro, só três por conta de royalty. O outro é Búzios possuem o turismo como atividade densa economiPorto Real, município pequeno com indústria automobilísticamente. O restante não, nem a badalada região serrana. Em ca, com muito repasse de ICMS e poucos habitantes”. Petrópolis, o turismo é importante apenas nos distritos de Itaipava e Araras. Nova Friburgo tem 37 mil empregos Falta planejamento urbano – Aos encadeamentos econôindustriais e apenas 500 em hotéis. micos em função dos investimentos industriais que o Rio “Um dos maiores problemas da rede hoteleira da capital está atraindo, Osorio acrescenta planejamento urbano. A é o que fazer com o turista quando chove. Se tiver política capital tem uma densidade por quilômetro quadrado das integrada, está chovendo no Rio mas não em Petrópolis, mais baixas do mundo. Segundo ele, continuar levando mais manda para o Museu Imperial ou para conhecer a parte hisgente para morar na periferia, onde há pouco emprego e tórica do Vale do Café (Vale do Paraíba), mas hoje essa não existe infraestrutura, representa um risco negativo para potencialidade é pouco usada”, afirma ele, que coordena o o processo de retomada do desenvolvimento. projeto de pesquisa intitulado: Rio de Janeiro, Trajetória, “O setor imobiliário pode ter interesse em expandir para Instituições e Desenvolvimento Regional, pela UFRJ. outras áreas, mas tem que pensar se é interesse da cidade. NesNo campo dos esportes o potencial também é g rande, se sentido, o projeto de revitalização da zona portuária é muisegundo o pesquisador. “A cidade de São Paulo tem o dobro to importante, porque nessa área e no centro há 35% dos de empregos da cidade do Rio, mas em esportes é quase empregos da cidade e só 4% das moradias. Ampliar a moradia igual. Aí você tem um nicho de oportunidade que precisa ser ali aumenta qualidade de vida e resolve problema da mobilidatrabalhado”, sugere. A Copa e os Jogos Olímpicos podem de. Hoje o tempo de transporte na região metropolitana do contribuir para transformar o Rio – que já é a cidade de refeRio é maior do que na de São Paulo. Isso porque 75% dos rência externa do Brasil – em capital do esporte da América empregos da região estão na cidade do Rio. A população que Latina. “Para a cidade com as características do Rio, foi bom mora em Nova Iguaçu, Belford Roxo, São Gonçalo, Caxias ter ganho os jogos, reforça a marca da cidade no mundo”. continua trabalhando no Rio”, analisa. Além de transfor mar o Ele, porém, defende mais do que o previsto em investimentrem suburbano em metrô de superfície, é preciso gerar tos na zona portuária como forma de gerar dividendos para a emprego nas periferias. E isso também requer a compreensão população, a exemplo do que fez Barcelona. n dos complexos produtivos. Há uma série de investimentos na RUMOS - 23 – Setembro/Outubro 2011