VITÓRIA DA CONQUISTA – BAHIA: EXPANSÃO URBANA E CONFLITOS DE USO DO SOLO EM AMBIENTES FRÁGEIS Espedito Maia Lima (Professor do DG/UESB, doutorando do NPGEO/UFS – [email protected]) Meirilane Rodrigues Maia (Professora do DG/UESB, doutoranda do NPGEO/UFS – [email protected]) RESUMO O objetivo principal do presente estudo foi analisar os conflitos socioambientais decorrentes do uso do solo urbano nos ambientes frágeis da cidade de Vitória da Conquista, Bahia. Para tanto, as etapas de trabalho constaram da análise das plantas urbanas em diferentes contextos históricos, delimitação dos ambientes frágeis e sua correlação com o processo de expansão urbana, levantamentos de campo e avaliação dos principais conflitos de uso do solo nesses ambientes. Constatou-se que a cidade de Vitória da Conquista tem se caracterizado por um intenso crescimento populacional e uma expansão urbana desordenada, aliados aos efeitos da especulação imobiliária. Os ambientes frágeis são os que sofrem os mais sérios problemas e conflitos socioambientais decorrentes da ocupação urbana, como é o caso da Serra do Periperi, Calha do Rio Verruga e do Riacho Santa Rita, Alvéolos, Lagoas e Baixadas. A magnitude desses problemas e conflitos depende do grau de fragilidade do ambiente e da intensidade da pressão humana sobre o mesmo. A gestão espacial desses conflitos perpassa pelo controle eficaz dos ambientes, visando a sua proteção integral. Só recentemente a Prefeitura Municipal vem intervindo seriamente na construção de moradias populares para relocação da população residente nas áreas de risco, como também no efetivo controle das bordas de algumas lagoas, alvéolos e baixadas, através da implantação de parques urbanos, como é o caso do Parque da Lagoa das Bateias. A superação dos conflitos socioambientais relacionados ao uso do solo urbano em Vitória da Conquista pode passar pela multiplicação dessas experiências positivas para os demais ambientes frágeis da cidade. PALAVRAS-CHAVE: Expansão Urbana, Ambientes Frágeis, Conflitos Socioambientais ABSTRACT The main purpose of this study was to analyze the social-environmental conflicts due to use of urban soil in the fragile environments of Vitória da Conquista, Bahia. Therefore, the phases of the work consist of analysis of urban plants in different historical contexts, delimitation of fragile environments and its correlation with the process of urban expansion, field survey and evaluation of main conflicts of use of the urban soil in these environments. It noted that Vitoria da Conquista has distinguished by an intense population growth and a disordered urban expansion, combined with the effects of land speculation. The fragile environments are those which suffer the most serious problems and social-environmental conflicts due to urban occupation, as it is the instance Rita Stream, Wells, Lagoons and Slopes. The greatness of these problems and conflicts depends on degree of fragility of environment and intensity of human pressure about the same. The space management of these conflicts pervades by efficient control of the environments, aiming at its integral protection. Just recently the municipal authorities have really intervened in the building of popular housings for reallocation of resident population in the areas with higher risk as well as in the effective control of the banks of some lakes, wells and slopes through the implantation of urban parks, as it is the example of Park of Bateias Lake. The overcoming of social-environmental conflicts related to the use of urban soli in Vitoria of Conquista can pass through the multiplication of these positive experiences to the other fragile environments of city. KEYWORDS: Urban Expansion; Fragile Environments; Social-environmental Conflicts. INTRODUÇÃO A ocupação desordenada dos mais diversos ambientes terrestres, sem se considerar a sua real capacidade de assimilação das investidas humanas, tem promovido uma gama de conflitos e problemas de ordem socioambiental. As transformações ambientais assumem séria conotação social, com repercussões diretas para a população e sérias encruzilhadas espaciais para os responsáveis pelo planejamento e ordenação do território. É no ambiente urbano que esses conflitos socioambientais se acentuam, pelo maior adensamento e magnitude que adquirem. Historicamente, a ocupação do solo urbano não tem respeitado o grau de fragilidade de seus ambientes. Tal fato deriva do poder do capital sobre o valor do solo urbano, normalmente materializado pela especulação imobiliária. A cidade de Vitória da Conquista vive esse dilema, com rápida expansão urbana e forte poder da especulação imobiliária, associados à ineficiência dos instrumentos normativos de uso e ocupação do solo urbano e a conivência das gestões municipais, elementos que têm contribuído significativamente para o surgimento de sérios problemas de ordem socioambiental. Em face dessas questões, o objetivo principal do presente estudo foi analisar os conflitos socioambientais decorrentes do uso do solo urbano nos ambientes frágeis da cidade de Vitória da Conquista, Bahia. METODOLOGIA O trabalho foi desenvolvido a partir do levantamento dos ambientes frágeis da área urbana de Vitória da Conquista, avaliação do processo de crescimento e expansão urbana e sua repercussão sobre a ocupação e transformação desses ambientes. O trabalho iniciou-se pela análise das plantas urbanas em diferentes contextos históricos, avaliando-se as novas frações territoriais incorporadas ao ambiente da cidade, seja pela instalação de novos loteamentos e conjuntos habitacionais, ou pelo próprio crescimento espontâneo da cidade. A etapa seguinte consistiu na delimitação dos ambientes frágeis situados na área urbana, estabelecendo-se a sua correlação com o processo de expansão urbana e ocupação direta de cada um desses sistemas ambientais delimitados. Na fase dos trabalhos de campo procedeu-se ao levantamento e avaliação dos principais problemas e conflitos de uso do solo nos ambientes frágeis. Nesta etapa de trabalho foi utilizada uma ficha de campo, com critérios de avaliação quantitativa e qualitativa, aplicados em cada situação. A fase final do trabalho consistiu na análise e correlação dos dados e informações levantados, buscando interpretá-los à luz dos princípios da análise geográfica. RESULTADOS A fragilidade ambiental é uma característica que expressa a capacidade de reação dos atributos do meio físico frente à intervenção humana. Depende do grau de resistência de cada variável ambiental às ações de ocupação e transformação do território. É importante considerar que “os estudos relativos às fragilidades dos ambientes são de extrema importância ao planejamento ambiental” (SPÖRL e ROSS, 2004, p. 40). Os problemas ambientais atuais assumem uma forte conotação social, visto que não emergem da natureza e sim da sociedade, através do processo de apropriação dos recursos naturais, uso e transformação dos ecossistemas. “A forma como os homens se relacionam com a natureza depende do modo como se relacionam entre si, o que é determinado pelas relações sociais vigentes em certo modo de produção, em dado momento do percurso da história da sociedade humana” (MARTINELLI e PEDROTTI, 2001, p. 39). As alterações ambientais dependem tanto da tensão aplicada pelas investidas humanas, quanto da fragilidade natural de cada ambiente. Nesse sentido, o conhecimento do grau de fragilidade dos sistemas ambientais e da dinâmica da sociedade no processo de ocupação e transformação do espaço, são aspectos fundamentais para o planejamento de uso racional do território. O poder de transformação das atividades humanas sobre os ambientes tem uma forte relação com a sensibilidade ecossistêmica, mas principalmente com a densidade, a magnitude, a abrangência territorial e as medidas mitigadoras das ações sociais. Nesse sentido, é no ambiente urbano que as alterações ambientais decorrentes das atividades humanas são mais sentidas, a ponto de se reconstruir ambientes extremamente artificializados. As implicações ambientais das atividades humanas nas pequenas e médias cidades têm uma forte relação com a degradação progressiva da qualidade dos ambientes naturais, com os quais a população se obriga a conviver. A cidade de Vitória da Conquista vive o dilema de um rápido crescimento urbano, aliado a fragilidade da maioria de seus sistemas ambientais e a ineficiência do Plano Diretor Urbano e demais mecanismos de ordenamento da cidade. O crescimento da população urbana de Vitória da Conquista atingiu níveis extremamente elevados a partir de 1970, conforme demonstra a tabela 1. A população total do município aumentou 109% entre 1970 e 2000, sendo que a população urbana cresceu, no mesmo período, 168%. No ano de 2000 o município tinha uma população total de 262.494 habitantes. Desses, 215.079 residiam na área urbana. Isso significa que 82% de toda a população do município residiam na Cidade de Vitória da Conquista. Embora não tenha sido realizada a contagem da população após o ano de 2000, a estimativa do IBGE para a população total do município em 2007 era de 308.204 habitantes. Admitindo-se que a população da Cidade de Vitória da Conquista represente 82% da população municipal (valor referente ao ano de 2000), a população da cidade seria de aproximadamente 252.427 habitantes em 2007. TABELA1: VITÓRIA DA CONQUISTA: População urbana e Crescimento populacional no período de 1970 a 2000 População Urbana Rural Total 1970 84.053 41.520 125.573 1980 127.512 43.107 170.619 1991 188.351 36.740 225.091 2000 225.545 36.949 262.494 --2007 --308.204 Fonte: IBGE - Censo Demográfico 2000. Anos Crescimento populacional --35,87% 31,93% 16,62% 17,41% Taxa de Urbanização 69,94% 74,73% 83,68% 85,92% --- Esse crescimento vertiginoso da população urbana se refletiu espacialmente em um processo rápido de expansão urbana, seja pela implantação de conjuntos habitacionais (BNH, URBIS, Vilas Serranas, Inocoop, etc) e loteamentos, como também pelo crescimento espontâneo. A quantidade de loteamentos registrados nas décadas de 1980 e 1990 reflete bem esse crescimento urbano, e a especulação imobiliária que o acompanha. Muitos desses loteamentos foram aprovados e implantados sem a mínima observância da criação de uma infra-estrutura mínima, como água, luz, asfalto e meio fio. Da mesma forma, muitos desses empreendimentos imobiliários ocupam áreas impróprias, como a vertente da Serra do Periperi e as baixadas inundáveis. Talvez pelo fato da cidade possuir, na época, um plano diretor obsoleto, como também pela ineficiência da legislação sobre o uso do solo urbano, a expansão urbana de Vitória da Conquista ocorreu de forma desordenada, contribuindo substancialmente para o aumento dos problemas ambientais, especialmente em função da ocupação dos ambientes frágeis do sítio urbano. Os problemas afetam mais diretamente as populações carentes, que residem, em geral, nas áreas menos favoráveis à ocupação humana. Estes problemas, que se devem em parte à própria configuração topográfica do sítio urbano, se agravam ainda mais pela forma mal planejada do arruamento, aliada a uma macro-drenagem pluvial ineficiente. Esta dinâmica tem produzido um ambiente urbano que apresenta graves conseqüências para a qualidade de vida de sua população. A cidade tem crescido em direção aos ambientes frágeis, áreas que funcionam num primeiro momento como solução para as pessoas que não têm onde morar, se tornando, em seguida, as “áreas problemas” da cidade. Os ambientes dotados de maior fragilidade na área urbana de Vitória da Conquista estão representados pela Serra do Periperi, Calha do Rio Verruga e do Riacho Santa Rita, Alvéolos, Lagoas e Baixadas. A Serra do Periperi ocupa a porção norte da Cidade de Vitória da Conquista, sendo um importante residual quartzítico, com disposição aproximada no sentido leste-oeste. Destaca-se por possuir as maiores altitudes da região e por se comportar como um divisor de águas das drenagens locais. É uma área que possui características ambientais relevantes, sendo também dotada de ecodinâmica forte e grande fragilidade ambiental. Dadas as suas características ambientais, especialmente a associação entre fragilidades e riscos ambientais, parte significativa de sua porção cimeira constitui hoje o Parque da Serra do periperi que, juntamente com a Reserva do Poço Escuro, constitui a principal área protegida no perímetro urbano de Vitória da Conquista. Entretanto, a pressão das atividades humanas, especialmente por se tratar de uma área urbana em intenso ritmo de expansão, tem trazido sérias ameaças às condições de equilíbrio ecossistêmico, muitas vezes traduzidas em problemas socioambientais graves. Os principais conflitos socioambientais existentes na Serra do Periperi ocorrem de forma dispersa em vários trechos da área. A ocupação desse ambiente se deu através da expansão dos bairros Alto Maron, Cruzeiro, Guarani, Nossa Senhora Aparecida, Ibirapuera e Zabelê (conforme mostra a Figura 1). Os principais conflitos de uso do solo estão associados a ocupação de áreas com declividade acentuada, sistema de arruamento em quadriculado com extensas ruas no sentido do caimento geral do relevo, macro-drenagem ineficiente e significativa proporção de áreas impermeabilizadas. Por se tratar de uma formação quartzítica, a desagregação mecânica das rochas produz uma areia quartzosa de textura grossa, muito visada pela construção civil local. Essa característica tornou o ambiente muito vulnerável a ação de caçambeiros que exploram continuamente toda a porção leste da Serra, retirando a areia para comercializar junto a depósitos de material de construção e obras na cidade. O resultado dessa prática é a formação de uma paisagem degradada e de difícil recuperação associada a intensificação do remanejamento de sedimentos para a parte central da cidade em períodos de chuvas intensas. As enxurradas figuram como o principal problema socioambiental de Vitória da Conquista no período das chuvas de verão. É um problema antigo e de alta magnitude. Sua resiliência só é possível em longo prazo e com ações intensas e onerosas de controle e recuperação das áreas degradadas. Figura 1: Ocupação das encostas da Serra do Periperi A porção oeste da serra foi submetida a um processo antigo e contínuo de retirada de material terrígeno superficial para utilização em aterros, através de escavações mecânicas. É um problema que tem repercussões sobre o solo, com abrangência territorial média, mas de altíssima magnitude. Em alguns trechos a profundidade das escavações supera os 20 metros. Sua resiliência só é possível em longo prazo e com ações intensas e onerosas de controle e recuperação das áreas degradadas. Atualmente esta área funciona como ponto de destino final de entulhos da construção civil. Entretanto, não há um disciplinamento do processo de restauração da área erodida com adição de material inerte, acompanhada de terraplanagem. Tal prática permitiria a restauração parcial das escavações, que, com o posterior recobrimento com compostos organo-minerais, se criariam as condições mínimas necessárias para a sua revegetação definitiva com espécies nativas do ecossistema. No trecho dos quartzitos intensamente diaclasados e desagregados, a serra tem um importante papel na recarga de água para alimentação das nascentes que se encontram na base das vertentes. As intensas alterações nas paisagens, promovidas pelo desmatamento, exploração de material mineral e urbanização comprometeram a maioria dos vertedouros. Além dessas pressões, verificou-se que algumas dessas crênulas de nascentes sofrem aterro por conta do destino final de entulhos de construção civil. A conjunção entre gradiente topográfico, natureza da litologia e dos solos, urbanização e pressão das atividades humanas sobre as áreas pouco adensadas e ritmo concentrado das precipitações pluviométricas, repercute no surgimento de vários pontos de erosão linear nas encostas da serra. Este problema foi identificado em toda a encosta da serra do Periperi, com níveis diferenciados, de acordo com a duração e a intensidade do processo de intervenção na área. É representada normalmente por sulcos, ravinas e voçorocas, derivados principalmente do desmatamento generalizado no topo e trecho superior da encosta e a conseqüente retirada de material superficial. O rio Verruga é o principal curso d’água na malha urbana de Vitória da Conquista. Ele nasce no sopé da serra do Periperi, dentro da Reserva do Poço Escuro, e percorre a cidade no sentido sudeste em direção a serra do Marçal. Parte do ser percurso na área urbana é canalizada. O Riacho Santa Rita nasce no setor oeste da cidade e drena no sentido sudoeste, passando pelo povoado de Campinhos e desaguando no próprio Rio Verruga, próximo a Serra do Marçal. As calhas do Rio Verruga e Riacho Santa Rita representam os principais níveis de base local, recebendo influência do fluxo de matéria e energia de todos os demais setores da área urbana. Em face desta circunstância, elas são fortemente afetadas pelos demais mecanismos ligados a dinâmica hidrológica urbana. As edificações que ocupam esses terrenos, algumas clandestinas e outras autorizadas pelo poder público municipal, emblemam os seus conflitos socioambientais, tanto por serem afetadas por problemas derivados de outras áreas, como diretamente pela instabilidade e fragilidade local. Da mesma forma, essas edificações promovem pressões sobre o ambiente, especialmente sobre os recursos hídricos, uma vez que não são atendidas pela rede de esgotamento sanitário da cidade, nem encontrarem no solo local, condições favoráveis a instalação de fossas sépticas. Com isso, o esgoto doméstico é canalizado diretamente para o Rio Verruga e para o Riacho Santa Rita. Mesmo o Poço Escuro, ambiente ainda florestado da principal nascente do Rio Verruga, sofre sérios conflitos com a ocupação urbana em suas áreas laterais. A relação das comunidades dos bairros Guarani e Cruzeiro (Comunidade Petrópolis) com a Reserva do Poço Escuro sempre foram conflituosos. De um lado há a pressão urbana derivada do arruamento que chega às bordas da reserva, com suas repercussões pela impermeabilização do solo e pela acumulação de entulho de lixo em seu entorno, e o conseqüente carreamento pelas enxurradas. Talvez o principal conflito de uso do solo nesse ambiente esteja relacionado a localização da Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) da cidade de Vitória da Conquista. A ETE está localizada às margens do Rio Verruga, na parte leste da cidade, sendo responsável pelo tratamento de todo o esgoto da cidade. O sistema é composto de quatro unidades de tratamento, sendo duas lagoas de estabilização aeradas e duas lagoas de maturação. O grande problema é que o sistema não é suficiente para o adequado tratamento de toda a carga de esgoto da cidade. Com isso, os efluentes finais que são lançados no Rio Verruga ainda conduzem expressiva carga de agentes contaminantes. O teor de coliformes totais e coliformes fecais no Rio Verruga após a carga de efluentes da ETE é elevadíssimo e compromete um expressivo trecho do rio, onde residem populações ribeirinhas. Além da carga total contabilizada pela Empresa Baiana de Águas e Saneamento (EMBASA) há uma carga expressiva de esgotos clandestinos (de residências e de postos de gasolina), provenientes de residências do centro da cidade e do bairro Conquistinha. Esse mecanismo ineficiente de tratamento do esgoto sanitário de Vitória da Conquista também se repercute sobre as residências que ocupam as áreas que margeiam a calha do Rio Verruga. Como o sistema de decomposição bacteriológica é ineficiente, há a propagação do mau cheiro pelas áreas vizinhas. Como a ETE está localizada à leste da cidade, este incômodo é fortemente ajudado pela direção geral dos ventos locais – sentido leste/oeste. Tal fato repercute diretamente sobre o bem estar da população, como também sobre o valor dos imóveis que ocupam a área de influência. Agentes imobiliários avaliam que a perda de valor dos imóveis afetados pelo odor da ETE chega a 40%. A calha do Riacho Santa Rita é influenciada tanto pelos esgotos domésticos quanto efluentes derivados do beneficiamento da mandioca. Isso porque o Riacho Santa Rita nasce na cidade e percorre uma área ainda urbana, mas fortemente influenciada por atividades agrícolas. No trecho em que o Riacho Santa Rita sai da cidade propriamente dita e percorre as Comunidades de Campinhos e Simão, sofre forte influência dos efluentes derivados do beneficiamento da mandioca. Essas duas comunidades reúnem cerca de 150 Casas de Farinha, trabalhando com o beneficiamento da mandioca, seja na produção de farinha, goma, biscoito, beiju, etc. No beneficiamento da mandioca há uma farta utilização de água para a lavagem da pasta de mandioca e extração da goma, o que redunda em uma quantidade expressiva de manipueira. Esse subproduto é altamente tóxico e normalmente é canalizado para locais próximas a usina de produção, sendo muitas vezes canalizados para o próprio Riacho Santa Rita (ver Figura 2). Figura 2: Efluentes de Casas de Farinha Os alvéolos, lagoas e baixadas são locais rebaixados topograficamente, de forte instabilidade e acentuada dinâmica ambiental. São representados principalmente pelas Baixadas da Jurema, dos Campinhos e do Leblon, Lagoa das Bateias e Alvéolos do “Tanque Seco” (Figura 3), da Felícia e de São Pedro. Apesar de imprópria à ocupação humana, a Baixada do Leblon foi loteada pela Imobiliária Leblon Ltda, com a autorização da prefeitura, no ano de 1983. Atualmente é possível observar que os proprietários dos lotes já iniciaram as construções e alguns já estão residindo no local. Na Baixada da Jurema ainda há ocupação irregular em área alagada, tanto nas bordas como no interior do ambiente, existindo aí a convivência da população com os conflitos socioambientais. Figura 3: Residências construídas no interior do “Tanque Seco” Esses ambientes evoluem por processos atuais de deposição de sedimentos finos, sendo os solos marcados pela presença constante ou quase constante de água. Dadas as suas características de fragilidade ambiental, são áreas protegidas pelo Código Florestal Brasileiro, especialmente por se tratarem de importantes nascentes dos pequenos riachos da região. A ocupação desses ambientes se dá através do aterro de suas bordas (Figura 4) e construção de habitações populares, oficinas e galpões comerciais nas bordas e em seu interior (Figura 5). Estas áreas apresentam sérios problemas durante a estação chuvosa, com alagamento de residências e áreas comerciais. Após uma seqüência de anos com pluviometria abaixo da média histórica, há um abaixamento no nível do lençol freático nesses ambientes, fato que tem permitido a sua ocupação com residências. Com o retorno da normalidade das precipitações, o nível do lençol freático tende a subir, promovendo o encharcamento do terreno e alagamento das residências. Tais fatos provocaram sérios problemas de ordem socioambiental para as populações do Tanque Seco e da Baixada da Jurema Figura 4: Aterro nas bordas da Baixada da Jurema Figura 5: Residências na Baixada da Jurema A Prefeitura Municipal de Vitória da Conquista relocou os moradores do Tanque Seco, incluindo-os no Programa de Habitação Popular. Entretanto, não foi implementada nenhuma outra ação efetiva de proteção desse ambiente. CONCLUSÃO Os conflitos socioambientais decorrentes do uso do solo em ambientes frágeis da área urbana de Vitória da Conquista resultam de um processo rápido de expansão da cidade, aliado a ineficácia dos instrumentos de controle do uso do solo urbano. Há claramente a dificuldade de aplicação dos princípios mais elementares do Código Florestal Brasileiro nas áreas urbanas, fato que se materializa claramente na cidade de Vitória da Conquista. A mera designação dos ambientes frágeis como Áreas de Preservação Permanentes (APPs) não tem se revelado uma medida eficiente de sua proteção. A ocupação e degradação desses ambientes se tornam inevitáveis, gerando sérios conflitos socioambientais. A gestão espacial desses conflitos perpassa por uma ação concreta do poder público municipal no controle eficaz dos ambientes dotados de maior fragilidade, visando a sua proteção integral. No caso da área urbana de Vitória da Conquista, só recentemente a Prefeitura Municipal vem intervindo seriamente na construção de moradias populares para relocação da população residente nas áreas de risco, como também no efetivo controle das bordas de algumas lagoas, alvéolos e baixadas, através da implantação de parques urbanos, como é o caso do Parque da Lagoa das Bateias. A superação dos conflitos socioambientais atuais relacionados ao uso do solo urbano em Vitória da Conquista pode passar pela multiplicação dessas experiências positivas para os demais ambientes frágeis da cidade. REFERÊNCIAS MARTINELLI, Marcello; PEDROTTI, Franco. A cartografia das unidades de paisagem: questões metodológicas. Revista do Departamento de Geografia, 14 (2001) 39-46. Disponível em: http://www.geografia.fflch.usp.br/publicacoes/RDG/RDG_14/RDG14_Martinelli.pdf. Acesso em: 30/04/2008. SPÖRL, C.; ROSS, J. L. S. Análise comparativa da fragilidade ambiental com aplicação de três modelos. GEOUSP - Espaço e Tempo, São Paulo, Nº 15, p.39-49, 2004. SEI. Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia. Estatística dos municípios baianos. Salvador: SEI, 2010. v. 4, 450 p.) IBGE. Censo Demográfico 2000. Disponível em: <http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/tabela/protabl.asp?c=202&z=t&o=4&i=P>. Acesso em: 20/07/2010.