ITINERÁRIOS FORMATIVOS: CAMINHOS POSSÍVEIS NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL Gabriel Mathias Carneiro Leão1 - IFPR, UFPR Rosane de Fátima Batista Teixeira2 - IFPR Grupo de Trabalho – Cultura, Currículo e Saberes Agência financiadora: não contou com financiamento Resumo A Lei nº 11.892, de 29 de dezembro de 2008, institui a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica e criou os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia. Os Institutos Federais possuem características que permitem um planejamento diferenciado quanto à oferta de cursos e de organização curricular, pois sua área de atuação envolve desde a formação inicial e continuada até a pós-graduação stricto senso. Esse planejamento depende da compreensão dos itinerários formativos possíveis na educação profissional. O conceito de itinerário formativo nos Institutos Federais vai além da oferta de cursos e possibilidades de verticalização, pois abrange também uma organização curricular flexível que permita que os estudantes possam fazer escolhas de acordo com seus interesses de formação e, também, o próprio reconhecimento e respeito aos processos formativos individuais dos sujeitos envolvidos no processo de ensino aprendizagem, incluindo os professores. Esse trabalho teve com objetivo principal apresentar algumas possibilidades de interpretação para os itinerários formativos, considerando os principais documentos legais norteadores da educação profissional, como a Lei nº 9.394/1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), a Lei nº 11.892, de 29 de dezembro de 2008, que institui a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, a Resolução nº 2, de 30 de janeiro de 2012, que define Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio e a Resolução nº 6, de 20 de setembro de 2012, que define Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional Técnica de Nível Médio. Utilizando como referencial os principais documentos norteadores da educação profissional, é possível buscar interpretações mais abrangentes para definir os itinerários formativos em uma instituição de ensino, ampliando as possibilidades de organização curricular. Palavras-chave: Itinerários formativos. Educação Profissional. Instituto Federal do Paraná. 1 Biólogo. Professor do Instituto Federal do Paraná (IFPR), Doutorando no Programa de Pós-graduação em Biologia Celular e Molecular da Universidade Federal do Paraná (UFPR). E-mail: [email protected]. 2 Pedagoga. Coordenadora de Políticas Especiais de Ensino Médio do Instituto Federal do Paraná (IFPR). Doutora em Educação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). E-mail: [email protected]. ISSN 2176-1396 6843 Introdução Os Institutos Federais foram criados pela Lei nº 11.892, de 29 de dezembro de 2008, que institui a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica e criou os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (BRASIL, 2008). Com a implantação da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, 31 centros federais de educação tecnológica (Cefets), 75 unidades descentralizadas de ensino (Uneds), 39 escolas agrotécnicas, 7 escolas técnicas federais e 8 escolas vinculadas a universidades deixaram de existir para formar os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFPR, 2009; 2015). O Instituto Federal do Paraná (IFPR) foi criado mediante transformação da Escola Técnica da Universidade Federal do Paraná e possui a missão de promover a educação profissional e tecnológica, pública, de qualidade, socialmente referenciada, por meio do ensino, pesquisa e extensão, visando à formação de cidadãos críticos, autônomos e empreendedores, comprometidos com a sustentabilidade. Dessa forma, o IFPR busca ser referência em educação profissional, tecnológica e científica, reconhecida pelo compromisso com a transformação social (IFPR, 2011; 2012). Considerando suas características e as possibilidades de organização e proposição de cursos, os Institutos Federais constituem bons exemplos para se analisar o conceito e a aplicação de itinerários formativos no contexto da educação profissional. A expressão itinerários formativos, citada em diversos documentos relacionados à educação profissional e tecnológica, já permite, em si, prever algumas possibilidades de interpretação. Itinerário faz referência a caminhos, estradas, roteiro, uma descrição de caminho a seguir para ir de um lugar a outro. A palavra formativo, por sua vez, indica algo que forma ou serve para formar, que contribui para a formação ou para a educação de algo ou alguém. Esse trabalho tem com objetivo principal discutir as definições para itinerários formativos, considerando as possibilidades de interpretação dos principais documentos legais norteadores da educação profissional. Para a realização desse trabalho, as principais leis e resoluções referentes à educação profissional foram analisadas, a fim de verificar os conceitos trazidos e as possibilidades de interpretação e de transposição para a organização escolar. Os documentos analisados foram: 1) Lei nº 9.394/1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional); 6844 2) Lei nº 11.892, de 29 de dezembro de 2008. Institui a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, cria os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, e dá outras providências; 3) Resolução nº 2, de 30 de janeiro de 2012. Define Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, 4) Resolução nº 6, de 20 de setembro de 2012. Define Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional Técnica de Nível Médio. Desenvolvimento Itinerários e processos formativos A Lei nº 9.394/1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, traz, logo em seu primeiro artigo, a expressão processos formativos para auxiliar a definição da própria palavra educação: Art. 1º. A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais. A expressão processos formativos, nesse caso, é utilizada para indicar a diversidade de fatores relacionados ao processo de constituição humana e que, dessa maneira, interferem diretamente no processo educativo (Figura 1). Figura 1-Itinerários como processos formativos Fonte: Os autores. A formação da identidade de cada indivíduo é influenciada pela educação (formal ou informal) e pela cultura as quais teve contato e através das relações construídas no ambiente 6845 familiar, acadêmico ou do trabalho. Dessa forma, ao mesmo em que discute as possibilidades de oferta de cursos e de organização curricular, é necessário considerar os itinerários pessoais dos sujeitos envolvidos com o processo de ensino aprendizagem: estudantes e professores (BRASIL, 1996). Itinerários formativos e a oferta de cursos A Lei nº 11.892, de 29 de dezembro de 2008, institui a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica e criou os Institutos Federais. Embora a expressão itinerários formativos não seja citada diretamente (BRASIL, 2008), é possível destacar conceitos importantes, necessários para se pensar na organização dos campi: Art. 2º Os Institutos Federais são instituições de educação superior, básica e profissional, pluricurriculares e multicampi, especializados na oferta de educação profissional e tecnológica nas diferentes modalidades de ensino (...). Art. 7º Observadas as finalidades e características definidas no art. 6º desta Lei, são objetivos dos Institutos Federais: I - ministrar educação profissional técnica de nível médio, prioritariamente na forma de cursos integrados, para os concluintes do ensino fundamental e para o público da educação de jovens e adultos; II - ministrar cursos de formação inicial e continuada de trabalhadores, objetivando a capacitação, o aperfeiçoamento, a especialização e a atualização de profissionais, em todos os níveis de escolaridade, nas áreas da educação profissional e tecnológica; VI - ministrar em nível de educação superior: a) cursos superiores de tecnologia visando à formação de profissionais para os diferentes setores da economia; b) cursos de licenciatura, bem como programas especiais de formação pedagógica, com vistas na formação de professores para a educação básica, sobretudo nas áreas de ciências e matemática, e para a educação profissional; c) cursos de bacharelado e engenharia, visando à formação de profissionais para os diferentes setores da economia e áreas do conhecimento; d) cursos de pós-graduação lato sensu de aperfeiçoamento e especialização, visando à formação de especialistas nas diferentes áreas do conhecimento; e e) cursos de pós-graduação stricto sensu de mestrado e doutorado, que contribuam para promover o estabelecimento de bases sólidas em educação, ciência e tecnologia, com vistas no processo de geração e inovação tecnológica. É importante destacar a abrangência e as possibilidades de atuação dos Institutos Federais, ofertando cursos em diferentes níveis e modalidades. Ao mesmo tempo em que essa abrangência é um grande diferencial dos Institutos Federais, traz o compromisso com a formação do estudante ingresso e com os arranjos produtivos locais. A integração e a verticalização da educação básica à educação profissional e superior é promovida na mesma instituição, gratuitamente e com qualidade (LEÃO, JACOMEL, & TAVARES, 2014). A organização dos itinerários formativos em um campus possibilita, por exemplo, que um estudante ingresse através de um curso de Formação Inicial e Continuada, conclua o 6846 Ensino Médio em um curso técnico integrado e prossiga com sua formação através de cursos de Graduação e Pós-Graduação. A ampla abrangência em relação às formas de oferta e níveis de ensino exige ampla discussão da organização pedagógica e administrativa nos campi dos Institutos Federais. Os cursos a serem ofertados e, consequentemente, os itinerários formativos planejados, devem ser organizados de acordo com as demandas regionais, em atendimento às demandas socioeconômicas e ambientais dos sujeitos e do mundo do trabalho (Figura 2). Figura 2 - Itinerários formativos e exemplo de oferta de cursos. Fonte: Os autores. Assim, itinerários formativos podem ser compreendidos como a carta de cursos ofertados por uma instituição de ensino, sejam eles de formação inicial e continuada, de nível médio ou superior. A organização de itinerários formativos permite que um câmpus centralize suas ações para determinados cursos, de acordo com os eixos tecnológicos, otimizando recursos e aproveitando tecnologias comuns (laboratórios e materiais), bem como o quadro de professores e técnicos administrativos. Esse conceito de itinerário formativo é corroborado pela Resolução CNE/CEB nº 06/2012: 6847 Art. 3º § 3º Entende-se por itinerário formativo o conjunto das etapas que compõem a organização da oferta da Educação Profissional pela instituição de Educação Profissional e Tecnológica, no âmbito de um determinado eixo tecnológico, possibilitando contínuo e articulado aproveitamento de estudos e de experiências profissionais devidamente certificadas por instituições educacionais legalizadas. § 4º O itinerário formativo contempla a sequência das possibilidades articuláveis da oferta de cursos de Educação Profissional, programado a partir de estudos quanto aos itinerários de profissionalização no mundo do trabalho, à estrutura sócio ocupacional e aos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos de bens ou serviços, o qual orienta e configura uma trajetória educacional consistente. O Catálogo de Cursos Técnicos, o Guia Pronatec de Cursos FIC e a Classificação Brasileira de Ocupações são documentos orientadores quanto à proposição de cursos, considerando sua importância para o mundo do trabalho (BRASIL, 2012b). Itinerários formativos e a organização curricular A verticalização vai além da simples oferta simultânea de cursos em diferentes níveis de ensino. Há que se preocupar também com a organização dos componentes e dos conteúdos curriculares, que também podem constituir itinerários formativos dentro de um curso. Como princípio de organização dos componentes curriculares, a verticalização implica no reconhecimento de fluxos que permitam a construção de itinerários de formação entre os diferentes cursos da educação profissional e tecnológica: qualificação profissional, técnico, graduação e pós-graduação tecnológica (PACHECO, 2011). A Resolução CNE/CEB nº 2, de 30 de janeiro 2012, que define diretrizes curriculares nacionais para o Ensino Médio, traz em seu artigo 14 (BRASIL, 2012a): Art. 14. XI - a organização curricular do Ensino Médio deve oferecer tempos e espaços próprios para estudos e atividades que permitam itinerários formativos opcionais diversificados, a fim de melhor responder à heterogeneidade e pluralidade de condições, múltiplos interesses e aspirações dos estudantes, com suas especificidades etárias, sociais e culturais, bem como sua fase de desenvolvimento; Ainda, em seu artigo 17: 6848 Art. 17. Os sistemas de ensino, de acordo com a legislação e a normatização nacional e estadual, e na busca da melhor adequação possível às necessidades dos estudantes e do meio social, devem: III - fomentar alternativas de diversificação e flexibilização, pelas unidades escolares, de formatos, componentes curriculares ou formas de estudo e de atividades, estimulando a construção de itinerários formativos que atendam às características, interesses e necessidades dos estudantes e às demandas do meio social, privilegiando propostas com opções pelos estudantes. Assim, temos o conceito de itinerários formativos dentro da própria organização de disciplinas dentro do currículo. Aqui, os itinerários formativos são colocados como formas diferenciadas da própria organização curricular, possibilitando opções de escolha aos estudantes. O currículo deve permitir que o estudante faça escolhas de acordo com seus anseios e objetivos). Os itinerários formativos constituem trajetórias de formação através das unidades curriculares de cursos e programas da educação profissional, em uma determinada área, possibilitando o aproveitamento contínuo e articulado dos estudos. Dessa maneira, movimentos horizontais também são possíveis, ampliando as possibilidades de certificação aos estudantes. Figura 3 - Itinerários formativos e exemplo de organização curricular flexível. Fonte: UFPE (2015) Considerações finais Os itinerários formativos podem ser compreendidos como um roteiro de estudos para formação continuada, ou seja, a descrição de percursos formativos que um estudante poderá cursar em uma instituição de ensino, possibilitando sua qualificação para fins de 6849 prosseguimento de estudos ou inserção no mundo do trabalho e exercício profissional. Os itinerários devem ser organizados de forma intencional e sistemática, estruturando ofertas educacionais que possibilitem ao estudante uma trajetória de formação coesa e contínua, vertical ou horizontalmente. A definição de itinerário formativo vai além das possibilidades de verticalização e de oferta de cursos nos Institutos Federais. Devemos considerar também os itinerários pessoais de cada indivíduo, os processos que contribuíram para sua formação como ser humano e que influenciam o processo de ensino aprendizagem. Ainda, podemos considerar as diversas possibilidades de construção e organização dos currículos escolares, com flexíveis onde o estudante possa escolher conteúdos e componentes de acordo com seus interesses de formação. REFERÊNCIAS BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília, 1996. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/ldb.pdf>. Acesso em 22 set. 2015. BRASIL. Lei nº 11.892, de 29 de dezembro de 2008. Institui a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, cria os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, e dá outras providências. Brasília, 2008. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11892.htm>. Acesso em 22 set. 2015. BRASIL. Resolução nº 2, de 30 de janeiro de 2012. Define Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Brasília, 2012a. Disponível em: <http://pactoensinomedio.mec.gov.br/images/pdf/resolucao_ceb_002_30012012.pdf>. Acesso em 22 set. 2015. BRASIL. Resolução nº 6, de 20 de setembro de 2012. Define Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional Técnica de Nível Médio. Brasília, 2012b. Disponível em: <http://mobile.cnte.org.br:8080/legislacao-externo/rest/lei/51/pdf>. Acesso em 22 set. 2015. IFPR. Plano de Desenvolvimento Institucional do Instituto Federal do Paraná 2009-2013. Curitiba, 2009. Disponível em: <http://info.ifpr.edu.br/wp-content/uploads/PDI.pdf>. Acesso em 22 set. 2015. IFPR. Estatuto do Instituto Federal do Paraná. Curitiba, 2011. Disponível em: <http://reitoria.ifpr.edu.br/wp-content/uploads/2011/09/estatuto.pdf>. Acesso em 22 set. 2015. 6850 IFPR. Regimento Geral do Instituto Federal do Paraná. Curitiba, 2012. Disponível em: <http://reitoria.ifpr.edu.br/wp-content/uploads/2013/01/Resolu%C3%A7%C3%A3o-56.12Aprova%C3%A7%C3%A3o-do-Regimento-Geral-do-IFPR-2.pdf>. Acesso em 22 set. 2015. IFPR. (2015). Portal de Informações do IFPR. Curitiba, 2015. Disponível em: <http://info.ifpr.edu.br/>. Acesso em: 13 ago. 2015. LEÃO, G. M. C., JACOMEL, M. C. W., & TAVARES, V. S. O compromisso do IFPR com o Ensino Profissional Tecnológico no Estado do Paraná. Revista Educação e Políticas em Debate, Uberlândia, v. 3, n. 1, p. 176-192. 2014. Disponível em: <http://www.seer.ufu.br/index.php/revistaeducaopoliticas/article/view/27691>. Acesso em: 22 set. 2015. PACHECO, E. 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