Revista PALÍNDROMO 1
GARCEZ, Luciane R. N.
SOBRE UMA EDUCAÇÃO INTERDISCIPLINAR E MULTICULTURAL:
PARTINDO DE UM INSTRUMENTO DE MEDIAÇÃO NA ARTE-EDUCAÇÃO
Luciane Ruschel Nascimento Garcez
Resumo: Este artigo pretende comentar sobre a importância de uma educação
interdisciplinar e multicultural na atualidade, tendo por foco central a arte-educação; e
também comentar sobre o instrumento de mediação criado para análise de imagens pela
Profa. Dra. Teresinha Sueli Franz. Como exemplo da aplicação deste instrumento, foi
utilizado um trabalho do artista Hubert Duprat, seus Casulos de ouro.
Palavras chave: educação, arte, instrumento de mediação, Hubert Duprat, casulos.
Por que priorizar uma educação interdisciplinar e multicultural? Qual a importância
de um ensino que parte do conhecimento do educando e segue à frente, em direção a
novos horizontes? Na verdade esta é uma questão fundamental na educação, não só
para arte-educadores, mas no ensino de modo geral. Uma aula deve ser pensada de
maneira que possibilite trocas, não como um professor que transmite conhecimento e os
alunos apreendem o que podem, mas pessoas trocando experiências e conhecimentos.
Deve-se partir de um ponto pré-determinado pelo educador, que conhece seu aluno – ao
menos esta seria a situação ideal - e sabe até onde este aluno alcança, qual sua
experiência anterior, de onde se deve iniciar o diálogo para que esta troca não fique
perdida em palavras que não alcançam seus interlocutores e não têm significado algum
para o aluno, que se vê perdido em um discurso sem entendimento mútuo. Partindo do
conhecimento do aluno, o educador pode alcançá-lo de maneira efetiva, permitir que ele
enriqueça a aula com sua própria experiência. Teresinha Sueli Franz, arte-educadora e
teórica da educação, em seu texto Educação para uma compreensão crítica da arte
(2003), salienta este pensamento. Em suas próprias palavras:
Devemos começar sempre partindo do conhecimento
anterior dos alunos, do que eles já conhecem e sabem sobre
arte e sobre esta obra em particular. Por isso, não podemos
pensar em um modelo de pesquisa histórica, tanto em
relação à quantidade, quanto ao nível das informações a
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serem estudadas. Isso depende também das intenções, ou
das metas de compreensão estabelecidas pelo professor ou
pelo grupo de pesquisa envolvido no estudo da obra que se
deseja compreender mais e melhor. Depende ainda do nível
que objetivamos alcançar sobre a compreensão da arte (p.
46).
O entendimento deste processo de aprendizagem é fundamental para o sucesso
do projeto pretendido pelo educador, sem partir desta premissa está fadado a ser
somente mais uma aula, sem ganhos concretos na educação do aluno.
Richard Cary também fala sobre a complexidade da construção de conhecimento
do indivíduo em seu livro Critical Art Pedagogy – Foundations for Postmodern Art
Education (1998). Ele afirma que “todo conhecimento é construído dentro de um contexto
social complexo, e premissas e valores ideológicos moldam este contexto social” (p. 22 –
tradução da autora)1. Segundo Cary – e vários outros teóricos que partilham de sua teoria
– o conhecimento é socialmente construído, daí a importância de, em uma pesquisa sobre
determinada oba de arte, considerar o conhecimento prévio do aluno e também buscar
conhecer a vida da sociedade onde estava inserido o artista.
Qual a importância de um ensino multicultural? Quando o ensino respeita o
educando não pode haver segregação de culturas, os hábitos e diferenças culturais
devem ser respeitados e considerados, as diferenças são importantes na constituição do
sujeito, especialmente em uma cultura híbrida como a brasileira. Conforme F. Graeme
Chalmers (2003), tem-se que compreender o passado a fim de explicar as parcialidades
das práticas atuais e se dirigir a um futuro onde educadores de arte coloquem uma série
de exigências, como: respeitar e valorizar diferentes antecedentes, valores e tradições
dos alunos; reconhecer que todos os grupos podem produzir arte de excelente qualidade;
compreender que a arte existe por razões bastante similares em todas as cultura; os arteeducadores devem saber reconhecer nos materiais de ensino, como e onde estes são
racistas, e poder desenvolver material adequado culturalmente. Em uma sociedade
multicultural, o ensino e a aprendizagem devem atuar em várias direções.
Partindo destas premissas é possível alcançar um ensino com maior qualidade,
sem correr o risco de magoar ou inferiorizar algum aluno. Uma situação hipotética que
ilustra esta afirmação é uma visita a museu, onde um aluno, descendente de uma cultura
1 All knowledge is constructed within a complex social context, and ideological premises and values
within the social context shape it.
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estranha à nossa, se depara com obras referentes ao seu próprio povo. O mediador, ou
educador que está explanando a mostra refere-se à obra, e, pior ainda, ao povo ou cultura
que produziu aquela arte, de maneira preconceituosa, diminuindo seu valor, inferiorizando
a arte daquele povo, por ignorância ou desconhecimento, pode marcar este aluno de uma
forma muito forte, este indivíduo pode passar a se ver de uma maneira muito diminuída, o
que em certos casos pode vir a ser um dano permanente. Em uma educação multicultural,
todos os povos e culturas têm seus valores respeitados e considerados com igualdade.
Não pode haver situações como esta, ao contrário, ao ver sua cultura valorizada, este
aluno vai sentir-se também valorizado.
Por que uma educação interdisciplinar especialmente na arte? Como compreender
uma obra de arte sem nada entender de quem a produziu, qual o momento histórico em
que este artista produziu? Quem era esta pessoa? Quais eram os valores de sua
sociedade? Qual a importância desta obra para a sociedade de seu tempo, qual a
importância desta obra na contemporaneidade? A que se refere esta obra, o que ela diz
das pessoas inseridas nesta sociedade, o que ela reflete sobre a sociedade atual, na qual
está inserido este aluno? Não existem meios de se avaliar uma obra sem cercá-la de
várias informações, buscando conhecer o que permeia a obra e o meio no qual o artista
está inserido, a partir de uma pesquisa, que quanto mais minuciosa melhor, consegue-se
chegar a um coeficiente cultural que revela a obra de arte e quem a produziu. Nesta
maneira de ver a arte-educação, é pertinente afirmar que o educador tem que conhecer a
história política e social desta cultura, ter conhecimentos de antropologia, sociologia,
arqueologia até, história sem sombra de dúvida. Esta é uma área complexa, onde a
educação é sofisticada e ampla, o profissional desta área deve estar atualizado e em
constante processo de estudos e pesquisa para que possa dar conta do grau de
especialização que a arte-educação requer. Teresinha Sueli Franz comenta este aspecto:
Nesta perspectiva, também a educação artística para a
Compreensão exerce um papel fundamental, uma vez que uma
obra de arte pode servir de tópico gerador para realizar estudos
que visem a desenvolver elevados níveis de reflexão e
compreensão sobre arte, história, antropologia e sobre a vida
individual e social dos educandos. Partimos da crença de que o
papel da escola, numa perspectiva de educar para a
compreensão, deve ser também o de levar em conta as tensões
que cercam o mundo dos estudantes e que acabam por impregnar
também sua biografia (2003, p. 142).
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No âmbito da educação e da compreensão multicultural, deve-se estudar as artes
como instituições sociais que influenciam e são influenciadas pelas culturas e subculturas
às quais elas mesmas fazem parte, e se pode afirmar também que através das culturas,
as artes podem expressar e refletir aspectos religiosos, políticos e econômicos, as
imagens visuais ajudam a compreender as diversas culturas, suas histórias e valores e
todas as culturas possuem alguma forma de expressão artística internamente válida.
Os arte-educadores têm que questionar a crença de que o que uma cultura
denomina arte será reconhecido como tal em qualquer outro lugar e devem ter vários
tipos de lentes para analisar as múltiplas maneiras de ver, discutir, compreender e
valorizar a arte, devem refletir sobre os papéis que o artista adquire em diferentes
sociedades e frente a diferentes públicos e patrocinadores.
Os períodos históricos devem ser olhados com mais cuidado e também as
diferenças culturais existentes; neste sentido pode-se olhar em Chalmers, onde para ele
multiculturalismo é um convite para olhar as tradições artísticas ocidentais como uma
parte de um conjunto amplo de tradições artísticas, deve-se compreender arte
antropologicamente em um mundo plural e diversificado e não se podem julgar as
qualidades estéticas de uma obra partindo de um princípio de padrões eurocêntricos ou
ocidentais. Exemplos transculturais de arte ajudam a compreender porquê, por exemplo,
um tipo de monumento representou, em seu tempo, estabilidade e uma série de valores
que supostamente deveriam perdurar (arte na URSS no período comunista). Mas é
necessário salientar que a aprendizagem sociocultural da arte não nega a experiência
estética, mas melhora sua compreensão e possibilidade de experimentar uma
participação significativa nas artes. A arte necessita ser vista como uma poderosa
vertente da vida cultural.
que:
Clifford Geertz também tem um discurso que vai nesta direção, onde ele afirma
... só no ocidente e talvez só na Idade Moderna, surgiram pessoas
(...) capazes de chegar à conclusão de que falar sobre arte
unicamente em termos técnicos (...) é o suficiente para entendê-la;
e que o segredo total do poder estético localiza-se nas relações
formais entre sons, imagens, volumes, temas ou gestos. Em
qualquer parte do mundo (...) outros tipos de discurso (...) se
congregam ao redor da arte para conectar suas energias
específicas à dinâmica geral da experiência humana (1983).
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Sua fala está de acordo com o pensamento que está sendo desenvolvido neste
artigo e vai de acordo com o pensamento de Chalmers. Parece esta ser uma vertente
contemporânea na área da educação. Geertz também comenta a dificuldade em achar
um discurso que alcance o que a arte incita, ele diz que “como é notório, é difícil falar de
arte. Pois a arte parece existir em um mundo próprio, que o discurso não pode alcançar”
(1983). Este tipo de afirmação confirma a dificuldade em avaliar e apreender uma obra de
arte sem compreender seu entorno.
Maria Emilia Sardelich, em um artigo publicado na revista eletrônica Educar em
Revista, em 2006, faz uma colocação muito interessante. Ela fala sobre leituras de
imagens e diz que “ler uma imagem historicamente é mais do que apreciar o seu
esqueleto aparente, pois ela é construção histórica em determinado momento e lugar, e
quase sempre foi pensada e planejada”. Indo mais adiante e complementando sua
reflexão, ela fala sobre a produção da imagem, diz:
Por exemplo, tanto fotógrafos como pintores negociam o cenário
das imagens que produzem, mas essa negociação não é aleatória,
pois visa um público e o que se quer mostrar a este público. O
cenário preparado aproxima a imagem de outros interesses ou
intenções como, por exemplo, o de apresentar uma determinada
realidade e ou alteração da realidade. No entanto, mesmo que se
constitua uma realidade montada e/ou uma alteração da mesma,
fruto da imaginação de um ou mais componentes, a imagem
fixada não existe fora de um contexto, de uma situação. Pedaços
desse contexto são encontrados tanto no interior da imagem
quanto no seu exterior. O interior corresponderia ao próprio
cenário com seus utensílios e apetrechos, as pessoas com suas
roupas, cabelos, modos e posturas corporais. O exterior
corresponderia de um lado ao próprio suporte da imagem, as
técnicas de produção no momento da criação, como também às
perspectivas que tal novidade técnica gerou ou não nas pessoas
em geral (SARDELICH, 2006).
Ela dá continuação à sua reflexão falando sobre a cultura visual e os aspectos da
vida contemporânea onde a saturação visual é absurda, seja em aspectos de vigilância,
espetáculo, prazer, controle ou manipulação. Ela cita alguns exemplos de como lidar com
esta questão em ambientes de aprendizagem, onde a abordagem deve incluir além de
obras de arte, os mais diversos artefatos visuais, de fotografias pessoais a souvenires de
cidade. Exemplifica o uso das fotografias familiares e propõe tanto a aprendizagem dos
códigos deste tipo de fotografia como também a reflexão sobre como e porque esses
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códigos se transformam. Neste texto ela sugere que os educandos falem de suas vidas e
experiências ao serem fotografados ao mesmo tempo em que examinam pinturas das
famílias de séculos passados e observam diferenças formais nas posturas, expressões
faciais, vestimentas, cenário e na ação, e o que isto pode significar nas relações
familiares. Incentivar questionamentos que incluem se a fotografia é sexista, se exclui, na
mesma medida em que inclui, e, portanto, estrutura uma falsa idéia de vida familiar, se
nesta imagem é possível identificar ser um jogo de poder a partir de um lado da câmera
fotográfica ou de ambos os lados. Este é mais um exemplo que confirma a necessidade
de uma pesquisa meticulosa na avaliação de uma imagem, seja ela uma obra de arte ou
um artefato da cultura visual que está imensamente diversificada na sociedade atual.
O teórico espanhol Fernando Hernandez, em seu texto Cultura visual, mudança
educativa e projeto de trabalho (2000), em sua abordagem sobre cultura visual,
acrescenta a expressão compreensão crítica. Para ele, a palavra “crítica” significa
avaliação e juízo que resultam de diferentes modelos de análise, como, por exemplo, os
modelos semiótico, estruturalista, desconstrucionista, intertextual, hermenêutico e
discursivo. Hernandez percebe a importância da cultura visual não só como campo de
estudos, mas também como um campo de economia, negócios, tecnologia, experiências
da vida cotidiana, de forma que tanto intérpretes quanto os produtores possam se
beneficiar com seu estudo.
Nesta abordagem de compreensão crítica, cultura visual é entendida como um
campo de estudo transdisciplinar multirreferencial que pode ter referentes na arte,
arquitetura, história, psicologia cultural, psicanálise lacaniana, construcionismo social,
estudos culturais, antropologia, estudos de gênero e meios, sem estagnar-se nestas
referências. Esta proposta enfatiza que o campo de estudos não se organiza a partir de
nomes de artefatos, fatos e sujeitos, mas sim em relação aos seus significados culturais,
suas representações, valores e identidades, ele fala que há que se “levar em conta que
nas imagens há mais do que vemos e isto nos leva a realizar investigações sobre os
discursos que as mediam” (HERNANDEZ In: FRANZ, 2003). Para Hernandez (2000) um
estudo sistemático da cultura visual pode proporcionar uma compreensão crítica do seu
papel e funções sociais, além das relações de poder às quais está vinculada, e da
apreciação ou prazer que possam proporcionar. Um primeiro passo seria explorar as
representações que cada um constrói da realidade a partir de suas características sociais,
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culturais e históricas, ou seja, compreender o que representa para compreender as
próprias representações.
Não cabe ao educador se perguntar o que o educando não sabe e se propor a
ensinar, mas sim se perguntar sobre o que ele já conhece e como ampliar as conexões
para que possa organizar outros discursos e interlocuções mais amplas. Neste sentido,
nas palavras do próprio Hernandez (2000):
Trata-se de expor os estudantes não só ao conhecimento formal,
conceitual e prático em relação às Artes, mas também à sua
consideração como parte da cultura visual de diferentes povos e
sociedades. Esse enfoque compreensivo trata de favorecer neles
e nelas uma atitude reconstrutiva, ou seja, de autoconsciência de
sua própria experiência em relação às obras, aos artefatos, aos
temas ou aos problemas que trabalham na sala de aula (e fora
dela). (p. 50)
Para ele os alunos são o resultado de contextos socioculturais concretos e de
épocas históricas que representam um determinado tipo de valores. Ele segue:
Eles têm acesso à escola com uma identidade, uma biografia em
construção, baseada em suas experiências de gênero, etnia e
classe social e com uma série de noções sobre a autoridade e o
saber. Trazem consigo não apenas conhecimentos, mas
construções da sociedade e de si mesmos, baseadas em suas
experiências socioculturais anteriores (Idem, p. 141).
Nas palavras de Hernandez consegue-se identificar o mesmo raciocínio que
Richard Cary defende sobre o conhecimento ser socialmente construído.
Neste artigo, propõe-se pensar uma análise, usando o instrumento de mediação
criado pela Profa. Dra Teresinha Franz, de um artista francês.
Hubert Duprat nasceu, em 1957 em Nérac, no sudoeste da França (entre
Bordeaux e Toulouse). Filho de agricultores, ele viveu sua infância no interior, uma vida
simples no campo, rodeado de pequenos riachos e natureza exuberante. Passou um ano
em Guadalupe prestando serviço militar. Foi professor na Escola de Belas Artes de
Montpellier de 1986 até 1991, de 1991 em diante tem trabalhado na Escola de Belas
Artes de Nîmes, na região de Evene, onde vive e produz em seu ateliê.
Duprat iniciou uma produção artística de casulos de ouro em 1983, e continua
desenvolvendo este trabalho - paralelo à sua vasta produção em artes plásticas – até
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hoje, idealizado através de suas frequentes incursões pela natureza que rodeia sua casa,
onde ele costumava observar umas larvas presentes nos riachos próximos. Estas larvas
aquáticas da família das tricópteras constroem casulos com o material disponível no leito
dos rios; diferentes materiais encontrados em seu meio: grãos de areia, gravetos, folhas,
conchas, madeiras. Sua construção é possível graças a uma secreção que é expelida
pelas glândulas salivares das larvas, que ela trabalha em movimentos helicoidais e une
estes materiais formando o casulo. Este se torna sua habitação, indispensável para
proteger seu frágil abdômen e servir de camuflagem contra predadores, mesclando a
larva com o ambiente que a rodeia.
O trabalho de Duprat consiste em disponibilizar materiais nobres para que as
larvas construam seus casulos com eles (ver figura 1). Materiais naturais, mas que o
homem, culturalmente, atribui caráter precioso (PAUL, 2000, p. 61), sagrado até, levandose em conta a história e o significado que o ouro ou as jóias adquiriram em vários
momentos da história.
A experiência de confecção dos casulos começa pela coleta e junção de pequenas
peças em ouro, pérolas e outras pedras preciosas, que vão constituir a matéria-prima das
larvas. Ele coleta ovos destas larvas tricópteras e as deposita em aquários com água
tratada e mantida a uma temperatura de aproximadamente 5º C, mantendo-as num
inverno permanente para retardar o processo de confecção; passado o período da
incubação começa o período da coleta de materiais e construção do casulo. A construção
dura alguns meses. Neste procedimento vê-se o aprendizado do cientista; através de uma
observação metódica e escrupulosa que permite a Duprat descobrir como se reconstitui
as condições ideais para a construção do casulo em um meio artificial (ver figura 2).
As larvas escolhidas, ainda em ovos, jamais conheceram nada além do material
disponibilizado pelo artista: ouro, safiras, diamantes, pérolas, turquesas, opalas, rubis. É o
homem a serviço do animal. Tudo se faz na penumbra e em ambiente privado, no escuro
do atelier de Duprat, laboriosamente preparado para receber estas pequenas criaturas.
Um objeto que sem a interferência do artista não seria possível construir, objeto este que
traz em seu corpo um material tão sagrado quanto o processo que o torna real. As larvas
transformam seus casulos em pequenas jóias, peças de 2 a 3 cm, exemplos barrocos de
uma artesã da natureza, objetos tão pequenos e surpreendentes que se tornam
monumentais, segundo Guy Renié, em seu artigo sobre os casulos barrocos de Duprat,
não pela virtuosidade do inseto construtor, mas pelo aspecto bizarro e estranho da larva,
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e pelo imenso campo de perspectiva que ela nos oferece com seu trabalho (RENIÉ,
1988). O resultado final é uma realidade estrangeira, um fator externo ao mundo da larva.
Figura 1
Imagem adaptada pela autora.
Hubert Duprat
Casulos
Larvas aquáticas com casulos, 1980 – 2006
Ouro e pedras preciosas – dimensões variáveis de 2 a 3 cm
Nas palavras de Duprat a Christian Besson:
Eu coloco o inseto em um ambiente cheio de ouro pelo tempo
necessário para que a criatura forme um casulo base. A larva deve
poder se movimentar em seu novo casulo e ser pega sem nenhum
risco de quebrar a frágil construção. Primeiro, eu fornecia a larva
somente com circunferências de ouro, mas depois, gradualmente,
acrescentei bolinhas de turquesa, opala, lápis lazuli e coral,
também rubis safiras, diamantes, pérolas barrocas e hemisféricas,
e pequenas varinhas de ouro 18 kilates. A larva conecta estes
materiais com corda de seda por dentro do casulo, usando um
movimento espiral, e então estofa o interior do casulo com um
enchimento também feito de seda (DUPRAT e BESSON, 1998, p.
173, tradução da autora) 2
2. I put the insect in a gold-filled environment for as long as it takes the creature to form a rough
case. The larva must be able to move around in its new case and be picked up without any risk of
breaking the fragile construction. First I only provided the larvae with gold spangles, but then I
gradually added beads of turquoise, opal, lapis lazuli and coral, as well as rubies, sapphires,
diamonds, hemispherical and Baroque pearls, and tiny rods of 18-karat gold.
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Figura 2
Imagem adaptada pela autora.
Hubert Duprat
Casulos
Larvas aquáticas com casulos, 1980 – 2006
Ouro e pedras preciosas – dimensões variáveis de 2 a 3 cm
Estas larvas são animais muito antigos em nosso planeta, segundo Irina
Soukatcheva (DUPRAT e BESSON, 1998, p. 176), pesquisadora do Instituto de
Paleontologia na Academia Russa de Ciências, são insetos que vêm se desenvolvendo
ao longo de séculos de evolução, uma das quais foi a construção de seu casulo, também
chamado por alguns de “casa-móvel”. A representação mais antiga desta ordem biológica
no planeta Terra data de aproximadamente 200 milhões de anos. Naqueles tempos
remotos, as larvas tricópteras somente pareciam-se vagamente com suas descendentes
modernas, e não eram construtoras de casulos; isto foi acontecendo conforme se deu sua
evolução na natureza. Isto parece ter acontecido há aproximadamente 150 milhões de
anos, quando as larvas deixaram de ser carnívoras e se tornaram vegetarianas. Este
ponto de mutação significou que este inseto não mais necessitava de grande mobilidade,
mas sim de algo que o defendesse de seus predadores. Entre os casulos, os mais antigos
descobertos em grande número foram na Ásia Central e pertencem ao período Jurássico
tardio. Sua construção é de certa maneira grosseira e primitiva – não muito meticulosa em
sua montagem com areia, fragmentos de plantas, conchas, pedaços de ossos de peixes,
grãos de diversos formatos etc. Com o tempo, conforme seu instinto construtor se tornou
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mais complexo e se desenvolveu, a larva aprendeu a construir casulos cada vez mais
diversificados e bem feitos. Os mais bem acabados destes primeiros tempos datam de
aproximadamente 50 milhões de anos, neste período as tricópteras já estavam
espalhadas pelo mundo e sua diversidade já podia ser comparada ao que se vê hoje em
dia. Por seu aprendizado ter durado dezenas de milhões de anos, a larva aprendeu a
utilizar não somente uma variada gama de materiais, mas também a arranjá-los de
diversas maneiras, seguindo um método preciso. O que é muito triste constatar é que um
inseto que traz consigo toda uma história de evolução que data do tempo dos dinossauros
está ameaçado de extinção, uma vez que as larvas necessitam de um certo grau de
pureza na água para garantir sua sobrevivência e não conseguem se manter em águas
poluídas. Existe um risco de que futuras gerações não possam conhecer este exemplo de
inseto construtor, milagre da natureza.
Conhecer o lugar de referência do artista dá uma noção do contexto onde vive
este povo, uma realidade extremamente diferente do que se vê aqui no Brasil. É
importante conhecer esta realidade para que se possa entender, um pouco que seja, a
vida de Hubert Duprat. Brasil e França são dois mundos diversos, aqui se convive com
uma história muito recente, como relata a Profa. Dra. Sandra Makowiecky em sua
dissertação de Mestrado, A Cidade de Florianópolis: Memória, Imagem, Território e
Imaginário Urbano (1999), onde ela cita o antropólogo Lévi-Strauss, no livro Tristes
Trópicos, quando, ao falar de São Paulo, ele afirma que “as cidades da América não
tinham tempo para se tornarem antigas” (MAKOWIECKY, 1999). Ela continua
comentando que o antropólogo condenava a ausência de vestígios do passado nas
cidades americanas, e segue dizendo:
Lembrava que enquanto para as cidades européias a
passagem dos séculos constituía uma promoção, para os
americanos a passagem dos anos era uma degradação.
Não criticava o frescor e a novidade das cidades, mas
apontava para o fato delas serem destruídas para se
renovarem com a mesma rapidez com que foram
construídas, quer dizer, mal construídas. O caráter de
transitoriedade, e de precariedade, levaram-no a notar um
envelhecimento que não permitia o assentamento de uma
antiguidade naquilo que já nascia para não durar.
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Esta é uma característica muito sintomática no continente americano, o que difere
em muito da maneira de ver o patrimônio, e, também a história, do povo europeu,
acostumado a conviver com sua história no dia-a-dia, independente da ação de museus, o
europeu caminha por entre os muros da história, vive em construções seculares, respira
na paisagem de seus antepassados. Sandra Makowiecky continua discorrendo sobre este
aspecto e cita um historiador inglês, professor da Universidade de Cambridge, que no
período de 1994 e 1995 foi professor visitante da Universidade de São Paulo. Ele faz
algumas reflexões sobre características americanas que para ele se tornaram evidentes
no Brasil e que diferenciam amplamente este povo do povo europeu. Makowiecky (1999)
conta que o professor discorreu sobre as diferentes posturas em relação a tempo e
espaço:
Para um europeu na América – seja nos EUA, na Argentina,
no Canadá ou no Brasil – o tempo parece expandir, e o
espaço, contrair. O que pareceu a ele, de início, como uma
longa distância é tratada como curta. Pode-se dirigir horas a
fio para jantar com amigos. Mil quilômetros não é
considerado longe. Em compensação, cem anos é uma
eternidade. O século 19, que para ele, especialmente em
Cambridge, parece mais ou menos como ontem, assume um
ar de antigüidade remota. Na Inglaterra, vivia numa casa
construída em 1880 e a considerava mais ou menos nova,
pois era a casa mais recente em que já havia morado.
Ele também fala que enquanto morava em São Paulo - que para ele dá a
impressão de ser uma cidade em permanente construção – aprendeu a observar e ver os
prédios de 1920, especialmente no bairro de Higienópolis, como construções antigas, e os
prédios de 1900, como monumentos históricos. Quando se pensa nestas realidades tão
diferentes, tem-se que transpor um abismo temporal para tentar compreender os
habitantes do Velho Continente. E é com esta visão que se deve observar os Casulos de
Hubert Duprat, tentando compreender seu contexto e os locais por onde o artista viveu,
vive e circula. Desta forma pode-se alcançar uma educação multicultural, colocando-se no
lugar do outro e tentando apreender seu contexto, seus hábitos, sua cultura.
Nérac, a cidade onde Hubert Duprat nasceu, é um vilarejo milenar e repleto de
locais históricos. Um local conhecido por sua gastronomia, arte e cultura. Nas vielas
medievais percebe-se a influência italiana. O vilarejo é considerado patrimônio histórico.
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Nérac é banhada por um importante rio que faz do lugar um local propício para a
navegação fluvial. O fluxo das águas se oferece aos navegadores que preferem a calma e
a tranquilidade. Os pequenos portos refletem o tempo em que ferviam com as diversas
mercadorias que rodavam pelas pequenas ilhas locais, como o tabaco, os tonéis de vinho
de Buzet e farinha. Hoje resta o charme que recria o ambiente festivo de outrora. Se nos
dias atuais estas águas se oferecem aos que navegam por prazer e esporte, no final do
século XIII foram muito utilizadas para o transporte fluvial. Foi neste cenário de águas
tranquilas que Hubert Duprat conheceu e se encantou pelas larvas Tricópteras.
Algumas figuras muito importantes na história européia passaram por este local
deixando suas marcas. Uma delas foi Marguerite de Valois (1492 – 1549), ela nasceu em
Angoulême e fixou residência em Nérac com seu marido, Henrique I, rei de Navarre. Ela
fez de Nérac uma academia e acolheu proscritos do movimento reformista, Calvino visitou
o local em 1534. Ela era uma mulher muito instruída, seu papel no desenvolvimento do
humanismo não foi espetacular, mas foi mais importante que o de seu irmão, François I.
Mãe de Jeanne d’Albret, avó de Henrique IV, foi uma poetisa, amante das artes, escreveu
um livro de poesias, Le miroir de l’âme pécheresse, e em 1547, várias de suas poesias
forma reunidas em um livro chamado Les Marguerites de la Marguerite des Princesses.
Jeanne d’Albret, filha de Marguerite de Valois com Henrique I, foi conhecida por
seu espírito combativo e rebeldia. Fez de Nérac a capital do protestantismo quando, sob
influência de Calvino, ela se converteu. Nérac se torna então uma cidade voltada para a
política e para a religião. Face à sua velha inimiga, Catarina de Médicis, Jeanne será
nomeada chefe de um dos dois clãs que dividiram a França e antecederam o massacre
de Wassy. Prova disto foi uma viagem que Catarina de Médicis empreendeu em 1565 à
Nérac acompanhada de sua comitiva na tentativa de dobrar o temperamento de Jeanne.
A tentativa foi frustrada, e em 1568 a guerra recomeça. Seu filho, Henrique, se casa com
a filha de Catarina de Médicis - a décima segunda Marguerite de Valois, mais conhecida
por Rainha Margot - pouco antes de sua morte e é coroado rei.
Henrique de Navarre, futuro rei Henrique IV, o Belo, transforma Nérac em uma
verdadeira capital da política. Enche sua corte de intelectuais e escritores, diplomatas e
cavaleiros, tanto católicos como protestantes, em um ambiente de festa e jogos, música e
comédia italiana. Várias personalidades sucumbem ao charme dos parques, lagos e
beleza natural da região de Nérac, que neste momento se torna a capital do amor e do
prazer, em detrimento da política.
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Tornou-se impossível dissociar a história e a identidade de Nérac da
personalidade forte e emblemática do Rei Henrique IV. O casamento de Henrique e
Marguerite é a ocasião propícia para Catarina de Médicis reger seus contatos.
Aproveitando-se da chegada à Paris de numerosos cavaleiros Gascons e Huguenotes,
ela promove o massacre de São Bartolomeu, em vinte e dois de agosto de 1572. O horror
do sangue penetra a casa dos recém casados onde os cavaleiros protestantes procuram
proteção em vão. Henrique jamais esquecerá esta noite de horror e sangue. Assim é
formado o caráter deste homem de Estado.
Dos vinte e três aos trinta anos o rei manteve sua corte em Nérac. Muito hábil
Henrique IV é o chefe da república independente formada pelos protestantes e ao mesmo
tempo é o Rei, sem nunca ter se afiliado totalmente ao partido protestante. Ele dirige o
Estado, onde Nérac é a capital, centro da política nacional e internacional. Ao mesmo
tempo, não permite que Paris o esqueça, os escreve frequentemente lembrando que ele
está lá a bem servir ao povo. Com a ajuda da Liga Católica ele se alia à Espanha após o
assassinato de Henrique III por Jacques Clément. Este foi um rei que usou da monarquia
burocrática, autoritária e centralizada, e que se mascarou atrás da lenda do bom pai e
servidor do povo. Assim, de Nérac à Paris, se fez o maior político do século XVI.
Esta é uma pincelada sobre o cenário histórico da cidade natal de Hubert Duprat.
Conviver com tantas memórias com certeza influencia a vida de uma pessoa, e isto se
reflete no processo artístico e na visão de mundo de cada um.
Desde 1991 o artista vem ministrando aulas de artes na École Supérieure des
Beaux-Arts de Nîmes, que está situada no coração histórico da cidade, e faz parte do
patrimônio artístico e cultural. Está instalada no Hotel Rivet, construído em 1786 por David
Rivet, um rico comerciante local. Já foi sede de um hospital, da prefeitura e de uma escola
primária. Desde sua restauração em 1987 se tornou a École Supérieure des Beaux-Arts.
Em 1988 a fachada, o vestíbulo e a escada principal foram inscritos no Inventário
Suplementar de Monumentos Históricos e o Hotel Rivet foi classificado como monumento
histórico em 2005.
A cidade de Nîmes tem mais de dois mil anos. Dois mil anos de história, de
arquitetura, de arte e de paixões. É uma porta de encontro com o século XVII, um convite
para vagar por suas vielas de influência romana. E como sempre, a arte contemporânea
acompanha a história. Nîmes integra a lista nacional de locais classificados como País de
arte e de história.
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Conviver assim tão de perto com lembranças da monarquia francesa, com
patrimônios históricos importantes, onde a arte se faz presente em cada canto da cidade,
fazer parte deste mesmo cenário, permite pensar o ouro de outras formas, permite
entender o ouro na arte de Duprat com outros olhares.
É fundamental tentar compreender os antecedentes deste artista excepcional,
tentar ver com seus olhos o mundo que o cerca, para buscar apreender sua obra de outra
maneira, não com o olhar do brasileiro, de história recente, pouca memória e uma história
da arte truncada e com pouco tempo de vida. Para buscar uma compreensão crítica dos
Casulos de Hubert Duprat é necessário encontrá-la em seu do próprio contexto, caso
contrário, só o que se faz possível é o olhar de apreciação, não de apreensão da obra.
Sem um maior entendimento fica difícil ver estes pequenos casulos de ouro em sua
totalidade. Na educação deve-se priorizar um ensino multicultural, onde os olhares a
outras culturas vêm abertos e livres de pré-conceitos, onde o outro também tem
importância na sala de aula, sua vivência também contribui.
Para o teórico e educador Paulo Freire, o Humanismo, numa perspectiva filosófica,
é toda reflexão em torno do ser humano, reconhecendo, portanto, seus valores, suas
buscas, seus limites, suas possibilidades de liberdade, seus interesses e todos os
aspectos a ele relacionados. Ele diz:
O homem está no mundo e com o mundo. Se apenas
estivesse no mundo não haveria transcendência nem se
objetivaria a si mesmo. Mas como pode objetivar-se, pode
também distinguir entre um eu e um não-eu. Isto o torna um
ser capaz de relacionar-se; de sair de si; de projetar-se nos
outros; de transcender. Pode distinguir órbitas existenciais
distintas de si mesmo. Estas relações não se dão apenas
com os outros, mas se dão no mundo e pelo mundo
(FREIRE, 1979, p. 30).
Freire assume um humanismo vivo e real que só pode efetivar-se na relação
histórica e cultural entre os seres humanos. Afirma radicalmente sua convicção e certezas
ontológicas, como ele mesmo diz, “social e historicamente fundadas” (1993, p.10), na
vocação do ser humano para ser mais, o que significa dizer que o ser humano se move
no tempo e no espaço para constituir, permanentemente, a sua humanização. A
dimensão e a contemporaneidade da pedagogia humanista de Paulo Freire se inserem
num contexto de enfrentamento a uma realidade marcada pela desigualdade social que
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rouba a vida e o existir, o ter e o ser de milhões de seres humanos, em todo o planeta.
Nesse sentido, a pedagogia freireana, pela sua dimensão esperançosa, transformadora e
libertadora, cumpre um papel indispensável enquanto instrumento sócio-educacional.
A multiculturalidade surge, então, para Paulo Freire, como uma ação de
resistência às ideologias reprodutoras de discriminação e como possibilidade de
construção de atitudes democráticas viabilizadoras de convivências sociais humanizadas
entre as diversas culturas, na intenção da concretização da unidade na diversidade.
A multiculturalidade não se constitui na justaposição de
culturas, muito menos no poder exacerbado de uma sobre
as outras, mas na liberdade conquistada, no direito
assegurado de mover-se cada cultura no respeito uma da
outra, correndo risco livremente de ser diferente, sem medo
de ser diferente, de ser cada uma ‘para si’, somente como
se faz possível crescerem juntas e não na experiência da
tensão permanente, provocada pelo todo poderosismo de
uma sobre as demais, proibidas de ser (1992, p. 156).
Segundo Freire, o ato educativo deve ser sempre um ato de recriação, de resignificação de significados. O Método Paulo Freire tem como fio condutor a alfabetização
visando à libertação. Essa libertação não se dá somente no campo cognitivo, mas
acontece essencialmente nos campos social e político.
Desta forma tem-se um apanhado geral e amplo do quanto a educação artística
pode proporcionar e enriquecer uma aula, se esta for bem preparada, der espaço ao
aluno para que este se manifeste e permita uma pesquisa mais profunda e reflexiva
acerca da obra, do artista e do que os cerca.
Mas existem maneiras de facilitar esta aprendizagem. O instrumento de mediação
criado pela Profa. Dra. Teresinha Sueli Franz ajuda a facilitar este ensino para a
compreensão crítica. Lançando perguntas que incitem reflexões e estudos, este método
possibilita uma maior apreensão da obra e seus significados e permite trazer
conhecimentos para a vida do estudante, para que este crie suas próprias conexões e
faça sua constelação de saberes, dando ao educando a oportunidade de relacionar estas
informações ao seu próprio mundo.
Dentro do âmbito histórico-antropológico podem surgir perguntas como:
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•
Como relacionar o contexto histórico, político e social francês do final do
século XX (momento em que Hubert Duprat inicia estes casulos de ouro)
com a referida obra?
•
Como relacionar este contexto com o contexto brasileiro neste mesmo
período?
•
O que mudou nestes últimos 30 anos na sociedade francesa? E na
brasileira?
•
Como compreender o modo de vida desta cultura européia e o que ela tem
a ver com a cultura brasileira?
•
Qual referência histórica se pode buscar no uso do ouro na obra de arte?
•
Existem exemplos de obras de arte onde o ouro é o elemento principal na
história da arte brasileira?
•
Como compreender os patrimônios históricos, culturais e artísticos onde
vive o artista francês?
•
Pode-se encontrar este tipo de patrimônio aqui no Brasil? Qual relação
patrimônio/história encontra-se aqui na sociedade brasileira?
Já no âmbito estético-artístico as perguntas levam a outro caminho.
•
Qual relação arte/luxo se pode encontrar na cultura francesa? E na
brasileira?
•
O que acontecia na arte brasileira no final do século XX? Existia alguma
relação com a arte francesa ou, em especial, com os Casulos de Hubert
Duprat?
•
O que se pode aprender sobre o processo artístico de Duprat em fazer
séries intermináveis de casulos de ouro e pedras preciosas, cópias sem
original, reproduções sem matriz?
•
Na história da arte, muitos artistas usaram deste recurso em suas
pesquisas (por exemplo, Claude Monet com suas séries sobre a Catedral
de Rouen, ou sobre as ninféias), como relacionar seus trabalhos – e
processos de produção artística – aos Casulos de ouro?
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No âmbito biográfico, devem-se levantar perguntas como:
•
Como os Casulos de ouro podem se relacionar à história de vida de Hubert
Duprat?
•
Como eles podem ser relacionados à realidade do aluno?
•
O que o processo de produção destes casulos - o uso do animal e da
tecnologia necessária para sua realização - pode dizer sobre a vida do
aluno? E o uso do ouro como elemento principal?
•
Como os casulos podem contribuir para aprimorar a visão de mundo, e de
si mesmo, e neste sentido melhor desenvolver sua identidade?
O próximo âmbito que se pode comentar é o crítico/social, onde as perguntas
levam em conta a relação entre poder e saber. Neste momento podem-se sugerir
questões como:
•
Como esta obra pode ser classificada na cultura onde vive Hubert Duprat?
•
O uso do ouro na obra diz alguma coisa sobre esta cultura?
•
Estes casulos teriam condições de serem feitos no Brasil da mesma
maneira?
•
O fato de o material utilizado ser nobre e de alto custo financeiro muda a
visão do espectador sobre a obra?
E por último, mas não menos importante, encontra-se o âmbito pedagógico que se
relaciona com a pedagogia crítica e onde as questões propostas podem ser como as que
seguem:
•
O que mais se pode aprender com estes casulos? Que questões
importantes esta obra levanta?
•
O que se deve levar em conta ao apresentar esta obra na educação?
•
Como ensinar para a compreensão crítica a partir desta obra?
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•
Quais são as questões relacionadas com as metodologias de leitura de
obras de arte que podem facilitar a compreensão crítica desta obra e
apreensão do processo artístico de Hubert Duprat?
Estes âmbitos não aparecem de forma isolada, mas são interconectados, embora
o fato de possibilitarem uma categorização na metodologia de ensino facilite uma melhor
elaboração da pesquisa e facilite abordar a obra por diversos lados, o que significa dizer
que os âmbitos são interdependentes. O uso deste instrumento de mediação salienta o
caráter interdisciplinar e transdisciplinar da educação artística, o que auxilia o educador
no processo de ensino.
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