O animador é uma espécie de super-herói. Ele não precisa se submeter às leis da
física, embora deva conhecê-las, nem às regras da proporção e do bom comportamento. Pode
deslocar seus personagens para qualquer canto do mundo, pode deter o curso de um planeta
e fazer o tempo dar uma volta sobre si mesmo. É capaz de driblar a morte e transformar pedra
em ouro diante de nossos olhos. Ele pode quase tudo, mas na hora de colocar seu filme no
mercado, vira um simples mortal como outro qualquer.
No Brasil, principalmente, essa é uma história que vem sendo construída passo a passo, com
a paciência necessária para se animar, frame a frame, um boneco de massinha. Na primeira
metade do século passado, a animação praticamente só encontrava lugar de figurante em
cinejornais e campanhas publicitárias ou educativas. A diversificação verificada nas décadas
de 1960 a 80, com engajamento ativo do CTAv a partir de 1985, lentamente preparou as
condições para a fase de afirmação que se seguiu ao surgimento do Anima Mundi – Festival
Internacional de Animação do Brasil, nos anos 90.
O efeito do Anima Mundi sobre a formação de público, a produção e a autoestima dos
animadores brasileiros não pode ser visto como menos do que um divisor de águas. Por isso
recorremos aos organizadores do festival e aos dirigentes da ABCA – Associação Brasileira
de Cinema de Animação para nos ajudarem a pensar a pauta da revista que você começa a
folhear agora, com direito a flipbook de José Araripe Jr.
Existe aqui não apenas a celebração de uma metamorfose em andamento – de patinho feio a
cisne do audiovisual brasileiro, na feliz imagem cunhada por Daniel Caetano no título do seu
artigo –, mas também o desejo de investigar os desafios e as limitações que ainda tolhem
uma explosão mais potente da nossa animação.
História, economia, técnicas e aplicações do filme animado receberam a atenção de gente
que há muito vem pensando, fomentando e criando no setor. O animador e ilustrador Alê
Abreu publica um belíssimo ensaio gráfico. O jornalista Roberto Maia nos fornece um emotivo
retrato de seu pai, o célebre animador Roberto Miller. O roteirista Guilherme Sarmiento nos
intriga com sua “mal contada história” de um animador galego no Brasil.
Como é de praxe por aqui, o dossiê temático divide espaço com outros assuntos nas diversas
seções da revista. Esse modelo de edição foi firmado desde a retomada da publicação pelas
mãos de Gustavo Dahl, em 2010. Agora, quando chegamos a esse marco da edição nº 60, vale
erguer um brinde a todos os que fizeram sua história, desde 1966, quando Flavio Tambellini
e Ely Azeredo lançaram seu primeiro número, ainda com um “&” juntando as palavras “Filme”
e “Cultura”.
Naquele ano morria Walt Disney e o Instituto Nacional de Cinema Educativo produzia a série
Alfabeto animado. O Brasil ainda se alfabetizava em animação. Hoje pode-se dizer que o
animador brasileiro, embora não chegue a ser exatamente um super-herói, já domina as
ferramentas para arriscar-se em voos mais altos.
filmecultura 60 | julho · agosto · setembro 2013
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O animador é uma espécie de super