ELOGIO DO PROFESSOR VÍTOR AGUIAR E SILVA
MAGNÍFICO REITOR DA UNIVERSIDADE DE LISBOA,
EX.MO SENHOR PROFESSOR DOUTOR VÍTOR AGUIAR E SILVA
SENHORES VICE-REITORES E SENHORES PRÓ-REITORES,
SENHOR DIRECTOR DA FACULDADE DE LETRAS DA
UNIVERSIDADE DE LISBOA,
SENHORES PROFESSORES JUBILADOS OU APOSENTADOS
LISBOA E DE OUTRAS UNIVERSIDADES,
SENHORES PROFESSORES DE OUTRAS UNIVERSIDADES,
ILUSTRES CONVIDADOS,
CAROS COLEGAS,
ESTIMADOS ALUNOS,
MINHAS SENHORAS E MEUS SENHORES,
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DA UNIVERSIDADE DE
Embora nunca tenha sido, no sentido formal da palavra, aluna
do Professor Aguiar e Silva, o meu percurso na Faculdade de Letras
da Universidade de Lisboa foi, como o de tantos outros, marcado pelo
seu ensinamento e pelo seu iluminante saber. Posso assim recordar,
em nome desses tantos, o usufruto daquilo que todos quantos foram
seus alunos reconhecem: o encontrar na relação entre discípulo e
mestre aquela inesperada capacidade de ultrapassar o objecto
específico sobre o qual a reflexão no imediato se fazia – fosse ele
Camões ou a poesia maneirista e barroca, que o olhar do Professor
Aguiar e Silva transformou e reviu; ou a indagação teorética sobre o
fenómeno literário, cujas pontes com saberes outros, como a
Linguística, a História, a Filosofia ou a Antropologia, se encontram
por ele iluminadas; ou ainda as inúmeras considerações, a que às
vezes chamou (e com inteira razão) “tempestivas”, sobre o Ensino do
Português e o lugar da Literatura no quadro da educação em Portugal,
em momentos que tão adversos lhe têm sido – como se da Literatura
não nos viesse uma das possibilidades de experiência simbólica e Page | 2
antropológica mais significativas.
Esta tem sido uma constante qualidade do Professor Aguiar e
Silva: o recorte de uma personalidade intelectual brilhante, cujas
curiosidade e abertura o impedem, precisamente, de se alhear daquilo
que é “tempestivo” – mesmo quando as posições a tomar precisam de
ser, como sabemos desde Nietzsche, intempestivas. Porque é desse ir
contra um certo espírito do tempo que também se faz o presente e o
que podemos querer imaginar como futuro.
Esta imaginação, que o magistério mais nobre tem de ser,
significou, para tantas gerações de alunos, ter o privilégio de o ter tido
como professor e como mestre. Há uma qualidade de professores em
que não é sequer tão-só a competência, o saber e a sensibilidade que
entram em jogo e os definem, embora tudo isto lá esteja sempre. É
outra coisa: não só sabemos mais com o que deste professor
aprendemos, mas (e talvez sobretudo) sabemos melhor.
Vítor Manuel de Aguiar e Silva tem um percurso a todos os
títulos exemplar dentro da Universidade portuguesa, e para ela, no
seu conjunto, tem contribuído de forma extraordinária, quer como
professor catedrático das Universidades de Coimbra e do Minho, quer
como Vice-Reitor desta última, quer ainda pelos numerosos júris e
provas académicas de que fez parte, e naturalmente pela sua
actividade como professor, ensaísta e investigador exímio e exigente.
Sublinho
ainda
a
leccionação
que
assegurou
em
diferentes
universidades, nos Estados Unidos e na Europa, bem assim a
tradução de obras suas para diferentes línguas (castelhano, alemão,
ou até japonês). Todas estas actividades lhe permitiram difundir o Page | 3
padrão de alta qualidade que ele sempre imprimiu aos estudos
portugueses, bem como a áreas como a teoria literária e a literatura
comparada.
Notável foi também o seu contributo nos lugares institucionais
que ocupou a nível nacional, permitindo-lhe apoiar, de forma
sustentada, o ensino e a investigação universitária, neles deixando a
sua
marca.
Mencionem-se,
entre
outros,
cargos
como
o
de
Coordenador da Comissão de Avaliação de área para as Universidades
portuguesas, a Presidência da Comissão Nacional da Língua
Portuguesa, ou a sua participação no Conselho Nacional de Cultura ou
no Conselho Geral do Instituto Camões.
Mas, naturalmente, o exemplo maior que o Doutor Aguiar e
Silva tem constituído é aquele que ele mesmo tem vivido enquanto
professor e investigador. Para além de trabalhos como Para uma
Interpretação do Classicismo, ou Maneirismo e Barroco na poesia
lírica portuguesa , e das edições fac-simile por que se responsabilizou,
como as de António Ferreira e Sá de Miranda, das Rimas de Camões e
de Os Lusíadas, é a sua obra de investigador erudito,
rigoroso e
inventivamente surpreendente, que gostaria de aqui destacar. Desde
1967 a sua Teoria da Literatura, agora na 8ª edição e 15ª
reimpressão, tem formado todos os que, na área dos estudos
literários, compreenderam o alcance nunca adjacente dos contributos
provenientes da teoria literária e da literatura comparada para os
estudos literários em geral e os estudos portugueses em particular. A
este título decisivo juntam-se vários outros, dentro dos quais seriam
de destacar os referentes a duas grandes áreas que ajudou a redefinir
e redescrever. Em primeiro lugar, a área do ensino da literatura, Page | 4
nomeadamente da literatura portuguesa, nos níveis quer do ensino
universitário quer do ensino secundário, em reflexões que se
prolongam para a questão da filologia e do papel das Humanidades.
Em segundo lugar, a área dos estudos camonianos, em que a sua
investigação tem deixado contributos inigualáveis no tocante ao
estabelecimento do cânone da lírica, da edição princeps de Os
Lusíadas, da releitura de Camões enquanto grande poeta do
Renascimento
e
do
Maneirismo
português,
ou
da
revisão
amplificadora do papel do Poeta no quadro da poesia europeia, quer
em termos de heranças quer em termos de presenças coevas. A este
respeito deverão ser lembrados os volumes que publicou nos últimos
quinze anos: Camões: Labirintos e Fascínios (1994); A lira dourada e
a tuba canora: novos ensaios camonianos (2008); Jorge de Sena e
Camões. Trinta Anos de Amor e Melancolia (2009). Já em 2010
publicou ainda um título decisivo, sobre As Humanidades, os estudos
culturais, o ensino da literatura e a política da língua portuguesa.
Todos estes títulos foram objecto de reputados prémios de ensaio
(Grande Prémio Ensaio/APE, Prémio de Ensaio Jacinto Prado Coelho
(APCL), Prémio Fundação Casa de Mateus, Grande Prémio de Ensaio
Eduardo Prado Coelho da APE), a que se juntaram o Prémio Vida
Literária, atribuído pela APE (2007), e o Prémio Vergílio Ferreira,
pela Universidade de Évora (2003). O Doutor Aguiar e Silva foi ainda
agraciado pelo Presidente da República com a Grã-Cruz da Ordem da
Instrução Pública (2004).
Assim, os que não foram seus alunos acabaram por o ser de
tantos outros modos: pela irradiação da sua experiência pedagógica, Page | 5
as suas leituras, os seus livros, as suas sugestões, as suas orientações,
as suas dúvidas, a consistência do seu saber, aliada à atitude de
generosa partilha que fez também sempre parte do modo como tem
ensinado e nos faz aprender. Numa academia, como a nossa, com uma
arreigada tradição de fechamento e desconfiança relativamente ao
exterior, a figura tutelar do Doutor Vítor Manuel Aguiar e Silva
representou sempre a força da possibilidade oposta: a certeza de que
aquilo que sabemos, sabemos sempre com outros, e que as fronteiras
do nacional e do próprio são, no campo do pensamento, justamente
aquilo que precisa de ser ultrapassado, até para poder ser pensado; a
arguta curiosidade intelectual, capaz de trazer para dentro de
qualquer debate as relações com o que de mais interessante e
pertinente na Europa e nos Estados Unidos estava a ser criticamente
pensado; a consciência de uma versão robusta daquilo que deve ser o
lugar da Universidade dentro da sociedade actual, como lugar por
excelência da consciência crítica e da produção de um conhecimento
que não se limita a ser aditivo mas é, sobretudo, transformador e
auto-consciente.
Por todas estas razões, estamos diante de uma daquelas raras
figuras a que gostamos de chamar mestres: aqueles que sabiamente
realizam a convergência entre abertura, curiosidade, generosidade e
cintilação de pensamento. Com eles aprendemos a aprender – quando
nos ensinam que um bom professor é sempre mais do que só um
excelente professor. E aprendemos sobretudo que querer pensar, e
saber pensar, é uma das formas que pode tomar a alegria, mesmo
quando nos confronta com as condições e os limites do nosso próprio
conhecimento.
Hölderlin interrogou-se – e esta pergunta reverbera até nós –
sobre se haveria lugar para os Poetas “em tempos de indigência”:
“para que servem poetas em tempos de indigência?”. É uma
interrogação que cada um de nós deveria fazer sua. Deixem-me por
isso reformular esta reflexão decisiva, que não é menos válida hoje,
nem é válida apenas para os Poetas. Cada um de nós, seja qual for o
domínio de pensamento (e de acção) em que se situe, não pode deixar
de se ver confrontado com os sinais destes “tempos de indigência”, e
será bom que possa propor a sua resposta, que é uma forma de
testemunho, a esta questão.
A minha resposta é, apesar de tudo, apesar das lutas e dos
desânimos, que sim. Há lugar para aqueles que não se deixam medir
pelo molde da indigência. A Universidade, na sua acepção (e
concepção) mais nobre, tem de ser um dos lugares que escapam às
formas de pobreza que nos rodeiam, e das quais desesperamos por
vezes. São figuras, que não hesito em qualificar de ímpares, como a do
Doutor Vítor Aguiar e Silva, que nos fazem acreditar no que, em nós,
se dirige contra a indigência do pensamento, que é uma das formas
terríveis que pode tomar a indigência do que existe. A exortação final
a Dom Sebastião, no Canto X de Os Lusíadas, não é outra coisa senão a
consciência (e a melancólica esperança) de que não devemos apagar
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do nosso horizonte a possibilidade de erradicar a “apagada e vil
tristeza”.
Por tudo isto, pela cintilação do seu saber e do seu exemplo, por
nos mostrar que a Universidade de Lisboa pode agora ser, Page | 7
formalmente, aquela “segunda casa” que sempre lhe chamou,
convidamo-lo, Senhor Professor Vítor Aguiar e Silva, a integrar o
corpo doutoral desta Universidade.
Em nome da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa,
peço as insígnias de Doutor Honoris Causa para o Professor Doutor
Vítor Aguiar e Silva.
Helena Carvalhão Buescu
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