Efeméride: nascimento da teoria quântica Mais uma contribuição de Luís Alcácer, a assinalar os 107 anos do nasc ime nto da mec ânic a quâ ntica, tão maltratada e m anos mais recentes por pseudo-ciências e banhas da cobra sortidas. O dia 14 de Dezembro de 1900, em que Max Planck formulou publicamente, pela primeira vez, a hipótese dos " qua nta", marca o nascimento da mecânica quântica. Foi a ideia de que a luz era emitida (e absorvida) em quantidades discretas — os quanta — que, nas quase três décadas que se se guiram, le va ram à criação de uma das teorias mais fecundas da história da ciência. Vejamos em que consistiu a ideia de Planck. Nesse dia, Max Planck deu uma conferência na Sociedade Alemã de Física em Berlim, na qual apresentou uma dedução teórica da fórmula que desc re ve a chamada " ra diação do corpo ne gro" . O "corpo negro" é um objecto ideal que absorve toda a radiação (luz) que sobre ele incide — não reflecte nenhuma radiação, parecendo portanto perfeitamente negro. Todos já ob servámos que um pedaço de ca rvão a a lta temperatura emite luz (embo ra o carvão seja um corp o negro imperfeito). A intensidade da luz emitida pelo corpo negro e os seus comprimentos de onda são caracterísiticos da sua temperatura. Planck propôs que essa luz era emitida em quantidades discretas, ou seja, aos bocados. Planck não ousou ir ao ponto de dizer que a luz era um feixe de partículas, como Newton já tinha sugerido. Na sua teoria, Planck partiu do princípio que a energia (sob a forma de luz) contida no corpo negro e que dele imanava, era formada por algo que vibrava como se fossem pequenas molas (osciladores) e assim conseguiu chegar a uma fórmula matemática que contém essas quantidades discretas, que agora se chamam quanta [i] e que são proporcionais à frequência da radiação que rep rese ntam, sen do a con stante de proporcionalidade designada hoje por constante de Planck [ii]. Não se pense que a ideia de Planck lhe surgiu de repente, caída do céu. Numa carta a Robert Williams Wood de 7 de Outubro de 1931, mais de trinta anos depois, Planck recordava: "posso caracterizar todo o processo (de dedução da fórmula inovadora) como um acto de de sespero, uma vez que por nature za, so u u ma pessoa ca lma e a dve rsa a a ve ntura s. Lutei du rante 6 anos (desde 1894) com o problema do equilíbrio entre a radiação e a matéria se m c he ga r a nenhu m re sultado satisfatório. Estava consc iente de que esse era um problema de importância fundamental e conhecia a fórmula que descrevia os resultados experimentais; portanto a interpretação teórica teria de ser encontrada a todo o custo." Notese que Planck baseou a dedução da sua fórmula na suposição de que a radiação podia ser tratada como ondas electromagnéticas clássicas. Em 1905, Einstein, no mais revolucionário dos seus cinco a rtigos desse mesmo ano, su geriu que, pe lo menos a lguns tipos de radiação tinham propriedades de partículas materiais, admitindo a h i p ó t e s e a q u e c h a m o u " d o s q u a n t a d e l u z" . Essa hipótese explicava vários fenómenos, especialmente o efeito fotoeléctrico, que consiste em arrancar electrões de uma superfície metálica fazendo incidir sobre ela uma luz ultravioleta. Só se compreendia que os electrões (então apenas considerados como partículas), fossem arrancados do metal com a velocidade observada, se a luz fosse formada por partículas que colidiam com eles, arrancando-os do metal, sendo precisa uma energia mínima para os arrancar pois estavam liga dos ao metal. Apesa r das muitas aplicações, a maioria dos físicos não acreditava na hipótese dos quanta de luz. O próprio Planck, juntamente com outros físicos, escreveu em 1913, quando da proposta para Einstein leccionar na Un ive rsidade de Berlim " que ele tinha por ve zes falha do o alvo nas suas especulações, como por exemplo, na história dos quanta de luz" . Durante a década seguinte, praticamente ninguém levou os quanta de luz a sério, pelo menos até Dezembro de 1922, altura em que surgiram os resultados da experiência de Arthur Compton, que implicavam ine vitave lmen te a inte rpretação de que, na inte racção com o s e lectrões, a radiaçã o se comportava como se fosse um feixe de quanta, discretos, com energia e momento (ou quantidade de movimento) bem definidos, isto é, como partículas. O nome fotão para esse tipo de partículas foi sugerido por Gilbert Lewis em 1926. Curiosamente, em 1924, em Paris, Louis de Broglie completava a sua tese de douto rame nto, na qual demonstra va, com base na teoria da relatividade, q ue uma partícula mate rial (c om massa em repouso não nula), como o electrão, tinha comportamento de onda quando em movimento. Uma das ideias fundamentais, senão a ideia mais fundamental, da teoria quântica é a de que quer a luz, quer as partículas materiais, como os electrões, se propagam como ondas, mas têm comportamento de partículas quando interactuam com outras. Essa ideia pode talvez ser melhor entendida com a ajuda do exe mplo segu inte. Um qu antum de luz, proveniente de um " laser" , pode ser detectado numa placa fotográfica, onde é absorvido por u m átomo de prata, desencadeando um processso que dá origem a um ponto negro. No processo de absorção, o "quantum" de luz comporta-se como uma partícula com energia e momento linear (produto da velocidade pela massa) bem definidos, que transfere para o átomo, o qual recua. Entre a fonte onde é emitido (como partícula) e o alvo onde é absorvido, o quantum de luz propaga-se como uma onda. Também as partículas de matéria, como os electrões e os átomos, têm este comportamento dual — propagam-se como ondas, mas, quando interactuam com outras, têm o comportamento típico de partículas. Esta dualidade, perfeitamente assente e confirmada, tem várias consequências, algumas das quais são desconcertantes. Por exemplo, uma partícula não pode estar simultaneamente em dois lugares. Mas uma onda pode! Uma onda do mar pode virar vários barcos ao mesmo tempo. O comportamento ondulatório das partículas em movimento é evidenciado pelos fenómenos de interferência, característicos das ondas. De facto, na mecânica quântica, como na óptica, quando u ma o nda po de seguir dois percursos difere ntes (por exemplo, passando por duas fendas), a sua intensidade varia de lugar para lugar e mostra máximos e mínimos (riscas alternadamente claras e escuras, no caso da luz), cuja existência constitui o fenómeno de interferência. Basicamente, esse fenómeno é devido à sobreposição das amplitudes das ondas que seguiram os diferentes percursos. Sempre que deixamos que uma partícula (por ex., um electrão) passe livremente por duas fendas, observamos que ao passar simultaneamente pelas duas fendas, interfere consigo própria. Claramente, é incorrecta a nossa descrição da realidade ao conside rar o movimento de pa rtículas como pontos materiais que desc re vem trajectórias bem definidas de acordo com a lei de Newton, ou, por outro lado, considerar a propagação da luz como um fenómeno puramente ondulatório, de acordo com a teoria de Maxwell. A realidade é aparentemente mais complexa. Que um electrã o passe po r duas fe ndas ao mesmo tempo, vá q ue não vá. Para mim, o electrão é algo estra nho; é uma particula p ontual (sem dimensõe s) e tal ve z não me choque que se comporte como onda, mas que moléculas relativamente grandes, com 60 ou mais átomos de carbono, sejam difractadas sem se decompor (equivalente a passar por duas fendas ao mesmo tempo) é ce rtamente c hocante. No entanto, vá rios resultados e xpe rime ntais confirmam que assim é [iii]. Luís Alcácer [i] Do latim: "quanta" é o plural de "quantum". [ii] A constante de Planck é representada pela letra h e tem o valor h = 6,6260693 x10−34 J s. [iii] Nature 409, 680 (1999). Para moléculas ainda maiores: http://physicsworld.com/cws/article/print/21590 Fonte: Blog De Rerum Natura Data: Dezembro 2007 Autor: Luís Alcácer