ISSN 1984-6223
POLITIZANDO
Ano 1 - Nº. 3. Dez. de 2009
Boletim do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Política Social (NEPPOS/CEAM/UnB)
Como as políticas sociais
podem contribuir para a
solução desta situação
enfrentada por milhares
de brasileiros?
Entrevista: Cleisa Moreno Maffei Rosa
Os Desafios da População em Situação de Rua
Carlos Lima
Opulência e Miséria no Mundo do Capital
Eventos Saiba o que vai acontecer nos próximos meses
Espaço do Aluno Resumos de teses, dissertações e monografias
Sugestão de Filme
Oliver Twist (Roman Polanski)
Bibliografias Comentadas
Rua sem saída: um estudo sobre a relação entre o Estado e a População de Rua de Brasília
(Camila Potyara)
Trabalho e População em Situação de Rua no Brasil
(Lúcia Lopes)
POLITIZANDO
EDITORIAL
Com este número do Politizando - Boletim Informativo do Núcleo
de Estudos e Pesquisas em Política Social (NEPPOS/CEAM/UnB) - mais
um tema candente é colocado em circulação pelos seus editores
com o objetivo de problematizá-lo. Trata-se da realidade da população de rua, por muitos naturalizada, mas que contém em si os elementos explicativos da face mais cruel das sociedades divididas em
classe, dentre as quais a capitalista.
Sabe-se que a população de rua, isto é, aquele segmento social
que (sobre)vive nas vias “públicas” por falta de melhor opção e de
proteção estatal, não é um fenômeno recente. Sua história é tão
antiga quanto o desaparecimento das organizações comunais, que
não conheciam modos de produção geradores da pobreza de muitos em favor da riqueza de poucos. Essa discrepância aconteceu
nas sociedades escravistas e feudais e reapareceu contundentemente no capitalismo, desde os seus primórdios. Sabe-se também
que esse fato nunca deixou de ser registrado por espíritos inconformados com a desdita de grupos que, sob a pecha de vagabundos,
perambulavam pelas ruas sem “encontrar lugar de descanso” (Thomas Morus). Morus, citado por Marx, e autor do famoso romance Utopia, foi um desses espíritos; e Marx foi o pensador por excelência que elaborou uma teoria cientifica que desmitificou idéias,
ainda hoje influentes, que culpavam os pobres pelas suas privações.
No modo de produção capitalista a pobreza aguda ou crítica,
que está na base do fenômeno duradouro da população de rua,
assumiu configuração particular. Diferentemente dos modos de produção anteriores, caracterizados por crônica escassez de recursos, a
pobreza capitalista cresceu na razão inversa do espetacular crescimento da riqueza, especialmente a partir da revolução industrial.
Disso resultou uma perplexidade aparente, pois, se antes a pobreza
era explicada pela ausência de recursos, agora ela se explica pela
crescente acumulação de riqueza concentrada nas mãos da burguesia.
Contudo, é nessa aparente perplexidade que residem os fundamentos para compreensão da realidade tratada neste número do
Politizando. Centrando-se neles, o professor Carlos Lima fornece subsídios explicativos resgatados pela professora Cleisa Maffei na entrevista concedida ao Informativo. Assim, enquanto Carlos Lima ancora
-se na lei geral da acumulação capitalista, de Marx, para fornecer a
chave do entendimento da reprodução da miséria em meio à opulência, no capitalismo, Cleisa Maffei ressalta a relação de causalidade entre crise econômica, desemprego, desproteção social pública
e a reprodução da população rua. Ambas as análises se completam
e fornecem aos leitores preciosas lições.
TOME NOTA!
07 a 09/abril/2010
V CONASSS - Congresso Nacional
de Serviço Social em Saúde e VIII
SIMPESSS - Simpósio de Serviço Social em Saúde
Local: São Paulo/SP
Informações:
http://www.oxfordeventos.com.br/
conasss/ apresentacao.html
10 a 13/abril/2010
XI Colóquio Internacional de Psicossociologia e Sociologia Clínica: sociedade contemporânea, rupturas e
vínculos sociais
Local: Belo Horizonte/MG
Informações: http://
www.fafich.ufmg.br/coloquio/
13 a 16/abril/2010
VIII Semana de Ciências Sociais da
UFS: o ensino e a pesquisa em ciências sociais
Local: Universidade Federal de Sergipe/SE
Informações: http://
semanacsufs.blogspot.com/
31/julho a 05/agosto/2010
XIII CBAS - Congresso Brasileiro de
Assistentes Sociais
Local: Brasília/DF
Inscrições de trabalhos: até 28/
fevereiro de 2010
Informações:
http://www.cbas.com.br/
EXPEDIENTE:
Editora responsável: Camila Potyara Pereira Comissão Editorial: Carlos Lima, Potyara A. P. Pereira, Maria Auxiliadora
César, Vitória Góis de Araújo e Marcos César Alves Siqueira Bolsistas: Carolina Sampaio Vaz, Micheli Reguss Doege,
Rafaella Oliveira da Câmara Ferreira e Tázya Coelho Sousa Revisão: Marcos César Alves Siqueira Criação e Diagramação: Camila Potyara Pereira Capa: Camila Potyara Pereira Agradecimentos Profª. Ana Nogales e CESPE/UnB.
Núcleo de Estudos e Pesquisas em Política Social (NEPPOS / CEAM / UnB)
Universidade de Brasília - Campus Universitário Darcy Ribeiro – Pavilhão Multiuso I, Gleba A,
Bloco A. Asa Norte. CEP: 70910 –900. Brasília/ DF. Tel: +55 (61) 3107-5876.
Website: www.neppos.unb.br E-mails: [email protected] ou [email protected]
Página 2
POLITIZANDO
ESPAÇO DO ALUNO
OS SERVIÇOS PÚBLICOS DE SAÚDE E O ATENDIMENTO À POPULAÇÃO DE
RUA DO DISTRITO FEDERAL
Este trabalho procurou entender a relação entre a população de rua do
Distrito Federal e os serviços públicos de saúde. Buscou-se, também, estudar a assistência médica da população de rua pela saúde pública, tendo como proposta identificar os entraves que dificultam o atendimento
da mesma, bem como analisar a qualidade desse atendimento. O estudo concluiu que a população de rua do Distrito Federal não tem o seu
direito à saúde assegurado, não só devido a preconceitos e estigmas,
mas também graças à sua precária condição financeira. Além disso, a
população de rua do DF encontra-se em duas situações: ou não consegue acesso à saúde pública ou, quando tem acesso, a qualidade deste
é questionável. Para atingir esses resultados, esta monografia procurou
apresentar as condições de vida desse segmento populacional, aliada
aos determinantes presentes na realidade social do mesmo.
MESTRADO
Autora:
Danielle de Oliveira
Orientador:
Profª. Sílvia Cristina Yannoulas
Data de Defesa:
Dezembro/2007
Instituição:
Programa de Pós-Graduação
em Política Social/Departamento
de Serviço Social (SER)/Instituto
de Ciências Humanas (IH)/ Universidade de Brasília (UnB)
GRADUAÇÃO
Autora:
Alessandra C. da S. J. E. Pontes
Orientadora:
Profª. Camila Potyara Pereira
Data de Defesa:
Dezembro/2009
Instituição:
Departamento de Serviço Social
(SER)/Instituto de Ciências Humanas (IH)/Universidade de Brasília
(UnB)
O ESTIGMA DA MARCA CORPORAL INVISÍVEL: ESTUDO SOBRE O MUNDO
DO TRABALHO DAS PESSOAS COM ESTOMIA INTESTINAL DEFINITIVA
O estudo analisou o mundo do trabalho das pessoas com estomia intestinal definitiva, no Distrito Federal, sob o enfoque da deficiência, tendo
em vista o reconhecimento da estomia, com a perda do controle esfincteriano, como deficiência física. Em uma sociedade que oprime e segrega pessoas com deficiência, as que utilizam a bolsa coletora, para as
eliminações fecais, são discriminadas e vivenciam as incapacidades impostas socialmente ao serem afastadas dos atributos de independência,
eficiência e produtividade. O estudo utilizou o método qualitativo, com
as técnicas de aplicação de questionário fechado e de entrevista em
profundidade; e para as análises, a técnica de análise de conteúdo. As
pessoas com estomia intestinal definitiva enfrentam o processo de estigmatização, no que se refere à renda, à escolaridade e ao mundo do
trabalho; com isso, não retornam ao mundo do trabalho formal e, a partir da realização da estomia, observou-se uma valorização positiva diferente do trabalho no espaço doméstico.
PARCERIAS E POBREZA NO BRASIL: AS CONTRADIÇÕES DOS ARRANJOS
REALIZADOS ENTRE ENTIDADES GOVERNAMENTAIS E EMPRESAS PRIVADAS
PARA COMBATER A POBREZA NO BRASIL DOS ÚLTIMOS 20 ANOS
DOUTORADO
Autora:
No Brasil, como no resto do mundo, tem crescido de forma significativa a
realização, em caráter voluntário, de associações entre organizações
governamentais e empresas privadas para combater a pobreza, as chamadas parcerias públicas privadas (PPPs) na nomenclatura das Nações
Unidas. A questão central que procurou-se responder nesta tese de doutorado refere-se ao papel que as empresas privadas podem vir a exercer
na implementação de políticas de combate à pobreza, ou seja, até que
ponto o setor empresarial pode partilhar com o Estado o atendimento
de direitos sociais básicos. Para tanto, buscou-se investigar as ambivalências e as ambiguidades que caracterizam o processo de institucionalização das PPPs no Brasil, especialmente a partir da década de 1990. Partiu
-se da hipótese de que a atual conformação das parcerias no país insere-se num movimento global que busca despolitizar a questão das desigualdades sociais e contempla o enfrentamento da pobreza a partir de
seu deslocamento da esfera dos direitos.
Nathalie Beghin
Orientadora:
Profª. Denise Bontempo Birche
de Carvalho
Data de Defesa:
Agosto/2009
Instituição:
Programa de Pós-Graduação
em Política Social/Departamento
de Serviço Social (SER)/Instituto
de Ciências Humanas (IH)/ Universidade de Brasília (UnB)
Página 3
POLITIZANDO
Carlos Lima
Opulência e Miséria no Mundo do Capital
A mercadoria é a forma mais simples e elementar da riqueza na sociedade burguesa
(Marx). Nas sociedades pretéritas a produção
humana não visava a troca, mas sim, o consumo do clã ou comunidade. O processo de produção e reprodução humana dependia, na
antiguidade, do trabalho escravo que, por sua
vez, tinha muito do seu esforço direcionado
para trabalhos improdutivos: artes, canais, obras públicas, igrejas, palácios, etc. A produção se encontrava, portanto, coagulada.
O desenvolvimento dos transportes e do comércio vai possibilitar o aparecimento do capitalismo. Para isso, o proprietário dos meios de
produção e subsistência tem que encontrar, no
mercado, uma mercadoria que produza valor
superior ao seu custo. É um longo processo histórico que faz com que a mercadoria especial
força de trabalho se ponha no mercado: são
os cercamentos. O servo, nesse processo, foi
expropriado de seus meios de produção, expulso das terras em que vivia e, portanto, se
encontrava na cidade disposto a vender sua
força de trabalho porque era despossuído. Há,
aí, uma clivagem entre trabalho e trabalhador,
pois o trabalho não mais lhe pertence. O resultado do processo laboral é apropriado pelo
capitalista que é, efetivamente, a personificação do capital e, pour cause, o dono das condições de produção. Assim, as mercadorias
produzidas pelos trabalhadores, se afastam
deles como capital, os comprimindo, os esmagando. Assim, “a exteriorização do trabalhador
em seu produto tem o significado não somente
de que seu trabalho se torna um objeto, uma
existência externa, mas, bem além disso, [que
se torna uma existência] que existe fora dele,
independente dele e estranha a ele, tornandose uma potência autônoma diante dele, que a
vida que ele concedeu ao objeto se lhe defronta hostil e estranha” (MARX, 2004, p.81).
Quando o trabalho humano se cinge à produção de valores de uso é porque se encontra
integrado a seu produtor e, de forma alguma,
separado. Bem diversa é a produção no mundo do capital. O valor de troca só se afirma na
Página 4
sociedade quando há a generalização da
mercadoria. O trabalho humano vira, portanto,
mercadoria. De um lado, o trabalhador vende
sua força de trabalho ao capital e, do outro, o
capitalista a compra no mercado. Nessa qualidade temos uma troca de equivalentes que
envelopa a realidade da exploração sofrida
pelo trabalhador.
Além de produzir meios de subsistência necessários à reprodução da sociedade, o trabalhador produz meios de produção. Tanto um
quanto outro têm que funcionar como capital.
Neste sentido, o trabalho do trabalhador assalariado desenvolve trabalho produtivo, pois,
além de conservar o valor existente, acrescenta valor, ou seja, valoriza o valor existente. A
sociedade capitalista, abarrotada de mercadorias, não vive sem revolucionar constantemente a tecnologia, a ciência, a produção, os
costumes, a moral, a ética, etc. Nesse sentido
“quando se afirma que ‘ao moinho de vento
corresponde a sociedade feudal e ao moinho
a vapor, a sociedade capitalista’, não se está
realizando uma determinação mecanicista.
Não se afirma a existência de uma causação
direta e de sentido unívoco entre os instrumentos de trabalho e o modo de produção. Como
parte de uma totalidade como produto social
e histórico, os instrumentos de trabalho expressam o nível aproximado de expansão das forças produtivas. As relações sociais da produção têm certa correspondência com o grau
de evolução tecnológica dos instrumentos de
trabalho. Se uma sociedade utiliza como instrumento de trabalho produtos de pedra polida,
não se pode esperar que ela consiga obter um
excedente vendável capaz de caracterizar
um a
e c on om i a
m erc a n t i l
a va n ç a da” (CAMPOS, 1998).
A composição orgânica do capital, ou seja, a
relação entre capital constante/capital variável, tende, no processo de acumulação capitalista a substituir homens por máquinas a fim
de obter o maior lucro possível. Cada capitalista, na concorrência com os demais proprietários de capital, procura reduzir seu custo e, no
POLITIZANDO
caso os salários, custo primário, visando auferir O resultado é a baixa da taxa de lucro e a
maior lucro. Há, portanto, diminuição relativa consequente crise do capital.
da massa física de trabalhadores. O problema
Para resolver, transitoriamente, a crise
que se põe é que a nível individual, o objetivo de 1929, por exemplo, o Estado capitalista despode ser alcançado, mas, a nível macro, se os locou-se da esfera da produção para a esfera
demais capitalistas fizerem o mesmo, haverá da circulação, a fim de criar consumidores pacrise de subconsumo porque a massa salarial ra resolver a crise de insuficiência de demanda
diminuirá não sendo suficiente para realizar as efetiva segundo o diagnóstico keynesiano. O
mercadorias produzidas. O centro nevrálgico Estado, então, passou a consumir produtos bédo capitalismo se encontra na produção. É lá licos, espaciais, de propaganda etc. Assim, a
que o trabalhador produz a
demanda estatal é monopsônica
mais-valia, forma social do
junto às empresas ofertantes. Os
“ No processo de
excedente no modo de protrabalhadores dessas indústrias
produção, a
dução capitalista. No processão trabalhadores improdutivocomposição orgânica
so de produção, a composidestrutivos, consomem mercadodo capital deixa claro
ção orgânica do capital deirias e não as produzem. No canto
como o sistema, ao
xa claro como o sistema, ao
do cisne do capital que tem a
mesmo tempo em que produção tanática como seu
mesmo tempo em que se desenvolve, produz sua negase desenvolve, produz
carro chefe a “sociedade em
ção e, mais, ao criar riqueza
sua negação e, mais, ao que as mercadorias, para serem
sob a forma de capital proproduzidas, exigem a vida de escriar riqueza sob a
duz, necessariamente, a misécravos-trabalhadores ou impõem
forma de capital
ria. Assim, a riqueza de uns
uma jornada de trabalho que abproduz,
poucos tem seu leite fértil na
sorve as energias físicas e espiritunecessariamente, a
miséria de muitos. O processo
ais dos trabalhadores assalariamiséria”.
de reprodução ampliada do
dos, as pessoas passam a ser docapital se subdivide em: a)
minadas pelas coisas a partir de
concentração de capital e b)centralização de sua produção. Além disto, uma parcela da pocapital. No primeiro temos o aumento do capi- pulação, altamente qualificada e bem dotatal por meio do processo de capitalização da da, deve, necessariamente, dedicar-se à promais-valia e, no segundo, a luta fratricida entre dução de armas, de produtos bélicos, de meras empresas produtoras de máquinas de produ- cadorias explosivas e destruidoras que consozir máquinas (departamento I) e as empresas mem a vida ‘útil’ de seus produtores e destroprodutora s
de
meios
de
c onsumo em as populações que as ‘consomem’ ao se(departamento II). O resultado desta luta se a- rem vitimadas pelas guerras. A sociedade que
presenta nas fusões, concordatas, falências de assim se organiza, estrutura seus valores e estaempresas, etc. Nesse sentido, a tendência do belece quais são as prioridades reais do sisteprocesso de capitalização da mais-valia é, ine- ma, é fetichista, comandada pelas mercadorigavelmente, a formação de oligopólios. O agi- as que são produzidas pelo trabalho coletigantamento do capital não significa maior bem vo” (CAMPOS, s/d, p.1).
-estar para a sociedade. Ao substituir homens
Referências
por máquinas, o capital está se voltando contra
o trabalhador que produz sua raison d’être: a CAMPOS, L. A máquina oligopólica: a linha de montagem: conservação da concorrência e estrutura
mais-valia, origem do lucro. A massa de maisde oligopólio, 1998 (mimeo).
valia, chegado um determinado nível do processo acumulativo, se torna insuficiente para CAMPOS, L. Xuxu, targeting e o neofetichismo, s/d
(mimeo).
valorizar o capital. Produz-se mais-valia, mas
não o montante suficiente para permitir que o MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. São
capital obtenha a taxa de lucro média anterior. Paulo: Boitempo, 2004.
Página 5
OPINIÃO: Cleisa M. Maffei Rosa
Os Desafios da População em Situação de Rua
Cleisa Rosa: Entendendo que as
crises econômicas teriam levado
trabalhadores ao desemprego, e
alguns deles às ruas, realizei, em
1996, um levantamento das principais reportagens sobre temas relativos à população de rua nos principais jornais da imprensa escrita da
cidade de São Paulo e em arquivos
de algumas organizações não governamentais. O manuseio deste
material trouxe à tona reflexões,
que podem ser sintetizadas basicamente em três principais contribuições:
Entrevista com Cleisa Moreno
Maffei Rosa, mestre em Serviço
Social pela PUC-SP onde também ensinou. Em 1989, iniciou
estudos e trabalhos com a população de rua na Prefeitura de
São Paulo quando foi coordenadora da Supervisão Regional de
Assistência Social da Sé-Lapa
da Prefeitura de São Paulo. Organizou o livro População de
Rua: Brasil e Canadá (Hucitec,
1995) e com outros organizadores População de Rua: Quem é,
Como vive, Como é Vista
(Hucitec, 1992) e publicou Vidas
de Rua (Hucitec/Rede Rua,
2005). Atualmente colabora
com o jornal O Trecheiro como
revisora e integra a equipe de
redação.
Politizando: Diferentes nomenclaturas foram utilizadas para conceituar este grupo populacional ao
longo dos anos. Em sua opinião,
de que forma o conceito adotado
pode influenciar as práticas políticas e a visão da sociedade como
um todo, perante este fenômeno
social?
Página 6
1. Nas três últimas décadas, observou-se o surgimento de uma variada nomenclatura em relação à
população que vive em ruas, praças, marquises, logradouros públicos e nos chamados albergues,
carregada de significados, que,
por sua vez, expressa não apenas
as representações que a sociedade tem sobre ela, mas também a
articulação com determinadas
conjunturas sociais, econômicas e
político-institucionais. Essas denominações são, portanto, historicamente construídas e empregadas
para nomear as diferentes situações das pessoas que se utilizam
da rua para morar e sobreviver na
cidade de São Paulo.
2. Desde a década de 1970 e, mais
exatamente na de 1980, pode-se
verificar uma relação estreita entre
a ocupação dos espaços públicos
da cidade para morar e sobreviver
com o desemprego e a situação
econômica recessiva. Para ilustrar,
na década de 1970, notícias já relacionavam a vida nas ruas como
sendo uma consequência da ausência de condições de trabalho, o
que provocaria a ocupação dos
espaços públicos sob viadutos e
casas abandonadas, das áreas
centrais da cidade, as quais, por
sua vez, vão sofrendo um processo
de deterioração. A expressão mais
radical dessa crise é composta, sobretudo,
por
trabalhadores
“expulsos” do mercado de trabalho,
que exercem atividades de caráter
informal, temporário, precário e são
frequentemente submetidos à intensa violência cotidiana e ao isolamento.
3. Assim, verifica-se uma tendência,
nos meios de comunicação e na
sociedade, de se buscar um denominador comum, uma expressão
que abarque a heterogeneidade
de situações de rua, tanto no sentido generalizante de desqualificar a
população que mora e sobrevive
nas ruas e em albergues - mendigos
-, quanto como uma outra expressão que funcione de contraponto e
que atenue preconceitos ou explicite posições, como marginalizados,
ex-trabalhadores, exército de miseráveis, povo sem casa, população
de rua. Essas novas terminologias
parecem trazer à tona o debate
O
que temos visto
são ações de
retirada das
pessoas dos
espaços
públicos à força e com
muita violência
sobre a lógica de como a sociedade está organizada, tornando-se
geradora de extremas desigualdades sociais.
POLITIZANDO
Dessa forma, as concepções sobre
essa população presentes no uso
de ampla nomenclatura expressam, por diversos grupos sociais e
órgãos públicos, diferentes visões
de mundo e de sociedade que por
sua vez determinam práticas e políticas sociais e públicas diferenciadas.
Politizando: Muitos pesquisadores
classificam a população de rua
como “excluída socialmente”. Este
termo condiz com as características deste grupo?
Cleisa Rosa: Não sou uma estudiosa
desta questão, mas apenas para
comentar, o termo exclusão apareceu na França na década de 1980
para designar o que se chamou de
“nova pobreza”, isto é, a aparição
de aspectos novos que exigiam
reflexões atualizadas a partir da
conjuntura social da época. Para
Robert Castel, é preciso desconfiar
dessa noção porque ela traz uma
armadilha tanto para a reflexão
como para a ação. Representa
uma noção com muitos significados, que englobam tanto os desempregados de longa duração,
como jovens pouco escolarizados
em busca de empregos; os que
apresentam problemas específicos
(deficientes, por exemplo), bem
como pessoas que mesmo com
inserção anterior no mercado de
trabalho vivem as consequências
do desemprego e da precarização
do trabalho. É o que ele chama de
noção “mala”, onde tudo cabe e
nada explica (Castel, 1997, p.15-48)
Politizando: Existe um polêmico debate acerca do direito de uso do
espaço público. Alguns estudiosos
do tema defendem que sempre
haverá pessoas habitando as ruas
das grandes cidades e elas devem
ter o direito de realizar esta escolha. O que acha desta visão?
Cleisa Rosa: Primeiramente, não
compartilho com a idéia de que as
pessoas optam por permanecerem
nas ruas e utilizarem-se de serviços
socioassistenciais, como os restaurantes populares ou albergues, por
exemplo. Elas são forçadas a esta
situação seja por questões de natureza econômica (como o desemprego e/ou salários precários ou por
um conjunto variado de questões
que se associam, principalmente as
ligadas à fragilização e/ou quebra
de vínculos afetivos familiares, rom-
N
ão se visualizam
políticas públicas
consistentes,
com perspectiva
de continuidade e com
recursos financeiros para
projetos que permitam a
saída das ruas.
pidos ou por deslocamentos em
busca de trabalho, saídas do circuito restrito da família, perdas drásticas por morte ou abandono, rupturas por conflitos e brigas. Além disso,
há a presença do crack, agora muito mais próximo do dia-a-dia da
população adulta de rua, comprometendo a saúde física e mental
em curto prazo. As pessoas nas ruas
estão à mercê da rede do tráfico,
podendo tornar-se usuárias ou traficantes. Finalmente, não se visualizam políticas públicas consistentes,
com perspectiva de continuidade e
com recursos financeiros para projetos que permitam a saída das ruas.
Politizando: Sabe-se que a população de rua não é homogênea. Além de ser constituída por diferentes
tipos sociais, as circunstâncias que
levaram estes indivíduos para a rua
são múltiplas e variadas. Como fazer política social para um segmento tão heterogêneo? O que os Governos deveriam levar em conta no
momento da formulação de estratégias para oferecer melhor qualidade de vida a este grupo?
Cleisa Rosa: O nascente Movimento Nacional da População de Rua
(MNPR) tem defendido o direito de
ir-e-vir, mas também o de ficar.
Nessa direção, reivindica-se políticas públicas efetivas, principalmente nas áreas da Assistência
Social, Saúde e Habitação, considerando suas necessidades e que
expressem em suas ações cuidado, respeito e dignidade. Ao contrário, o que temos visto são ações
de retirada das pessoas dos espaços públicos à força e com muita
violência, como podemos verificar
em muitas cidades brasileiras.
Neste mês de dezembro do corrente ano, o Presidente Lula assinou em São Paulo, dias antes do
Natal, documento em que formaliza a criação de Política Nacional
para a População em Situação de
Rua, que é fruto de um processo
participativo de representantes do
MNPR de várias cidades brasileiras,
criando, também, o Comitê Nacional para acompanhamento e monitoramento dessa política. Este
evento está dentro de uma tradicional festa natalina em que o Presidente se encontra com catadores e pessoas em situação de rua
desde 2003. Trata-se de um momento muito importante de reconhecimento do protagonismo cada vez mais expressivo e de conquistas significativas da população
em situação de rua de várias regiões brasileiras.
Referências:
CASTEL, Robert. As armadilhas da
exclusão. In. BELFIORE-WANDERLEY,
Mariângela; BÓGUS, Lúcia; YAZBEK,
Maria Carmelita (orgs.) Desigualdade e Questão Social. São Paulo:
EDUC, 1997.
Página 7
POLITIZANDO Recomenda
Camila Potyara Pereira apresenta neste
livro um retrato atual
e detalhado da população de rua brasiliense e as formas pelas quais o Estado
vem se relacionando
com a mesma. Fruto
de sua dissertação de
mestrado, esta publicação aborda o tema com foco nas
políticas sociais voltadas a esse segmento
no período de 2003 a
2007. A autora busca,
por meio de uma abordagem macro-sociológica, refletir de forma crítica
acerca dos conceitos, causas e formas de reprodução da pobreza no sistema capitalista, destacando a
necessidade de inclusão imediata do tema na agenda pública, visando à criação de políticas sociais que
respondam de forma eficiente às demandas desta
população. São destacadas, no decorrer do livro, as
especificidades da população de rua de Brasília em
comparação com outras cidades brasileiras, bem como o trato dado pelo governo da Capital Federal à
questão, incluindo uma análise sobre o trabalho de
instituições voltadas ao atendimento desta população. O tema analisado pela autora é de extrema relevância para o atual debate acerca da pobreza e sua
pesquisa oferece importante subsídio para a formulação e avaliação de políticas sociais voltadas ao seu
enfrentamento.
Este livro, resultado
da dissertação de
mestrado da autora, busca responder quais são as
relações, destacadas no período de
1995 e 2005, entre
as mudanças recentes no mundo
do trabalho e o
fenômeno população em situação
de Rua no Brasil.
A análise apresentada parte da hipótese de que
este
fenômeno,
caracterizado por ser multideterminado, é inerente
à sociedade capitalista e está vinculado ao processo de expansão da acumulação de capital. Assim,
afasta-se de outras análises acerca do tema, se
constituindo em uma obra original, com dados inéditos. Álém disso, a autora entende que o fenômeno população de rua é uma expressão da questão
social, o que, segundo ela, possibilita ao leitor a
compreensão não só do fenômeno em si, mas de
estratégias para superá-lo uma vez que existem
pouco dados disponíveis sobre o tema e poucas
são as políticas públicas que possibilitem o seu enfrentamento. A obra é fundamental para todos que
buscam uma análise crítica do processo de transformações no mundo do trabalho via reestruturação produtiva e suas relações e consequências na
sociedade e, mais especificamente, na população
que vive da e na rua.
Referência: PEREIRA, Camila Potyara. Rua sem Saída:
um estudo sobre a relações entre o Estado e a População de Rua de Brasília. Brasília: Ícone Gráfica e Editora, 2009.
Referência: SILVA, Maria Lúcia Lopes da. Trabalho e
População em Situação de Rua no Brasil. São Paulo:
Cortez, 2009.
Por Carolina Sampaio Vaz
Aluna do 8º semestre de Serviço Social da UnB
Por Tázya Coelho Sousa
Aluna do 6º semestre de Serviço Social da UnB
Do premiado diretor de “O Pianista”, Roman Polanski, “Oliver Twist” é mais
uma das adaptações cinematográficas do famoso livro homônimo de Charles Dickens sobre a história de um órfão inglês nas temíveis ruas de Londres do
século XIX. O filme de Polanski, entretanto, destaca-se das adaptações anteriores pela excelente produção, além de uma direção de arte e um roteiro
que respeitam os principais trunfos da trama de Dickens, num jogo de luz e
sombra que acompanha toda a ação na tela, fiel a descrita pela narrativa
original do autor. A justificativa por mais uma adaptação de “Oliver Twist” em
pleno século XXI, pode ser creditada não só ao apelo universal da história,
mas a discussões como o retorno do Estado penal no trato à questão social,
em obras de autores como Loic Wacquant, e a desumanidade em uma realidade de extrema pobreza e desproteção social contraposta a uma outra,
de concentração e controle de riquezas por parte de uma pequena classe
privilegiada.
Referência: Roman Polanski. Oliver Twist. Inglaterra, França, República Tcheca
e Itália: Tristar Pictures. Cor/130 minutos, 2005.
Por Júlia de Albuquerque Pacheco
Aluna do 7º semestre de Serviço Social da UnB
Página 8
Download

Baixar - NEPPOS - Universidade de Brasília