Congreso Iberoamericano de las Lenguas en la Educación y en la
Cultura / IV Congreso Leer.es
Salamanca, España, 5 al 7 de septiembre de 2012
O ensino das Literaturas Hispano-Americanas na
Universidade Nova de Lisboa
Isabel Araújo Branco 1
Sección: Leer y comprender el arte
1
Universidade Nova de Lisboa. [email protected]
As literaturas hispano-americanas são pouco conhecidas em Portugal e a sua
divulgação é secundária. O próprio conhecimento histórico, geográfico, cultural, social,
político e económico da América Hispânica é, entre nós, bastante limitado.Dado este
contexto, o ensino das literaturas hispano-americanas nas universidades portuguesas tem
de assumir uma formação propedêutica, colmatando falhas básicas dos alunos. Nesta
comunicação, pretendemos partilhar a experiência concreta do ensino das Literaturas
Hispano-Americanas na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova
de Lisboa. Esboçaremos um panorama da presença literária da América Hispânica em
Portugal e a forma como esta é vista pelos portugueses. Analisaremos ainda um inquérito
a alunos da UNL sobre os seus conhecimentos de literaturas hispano-americanas e o seu
processo de aprendizagem.
A América Hispânica em Portugal
Xultún fica na Guatemala, na América Central. É um local arqueológico da antiga
civilização maia, que foi descoberto em 1905, mas passados mais de cem anos
continua muito pouco estudado, e por isso pronto a revelar surpresas 2 .
O primeiro parágrafo do artigo «O calendário maia mais antigo fica no n.º 54 da
povoação de Xultún», publicado em Maio pelo jornal portuguêsPúblico chama a atenção
por o jornalista sentir necessidade de informar que a Guatemala fica na América Central.
Esta situação seria caricata noutro país, não em Portugal. De facto, os conhecimentos
gerais sobre a América Latina são vagos e imprecisos e é provável que a maioria dos
leitores do Público não saiba situar no mapa do subcontinente a Guatemala ou mesmo a
América Central. Este cenário deve-se a vários factores, entre eles desinteresse e
preconceitos. Para muitos portugueses, a América Latina – à excepção do Brasil– é uma
amálgama de indígenas, guerrilheiros e revoluções, golpes de Estado e ditaduras, hotéis
à beira de praias com água morna, ruínas exóticas e bairros de lata gigantescos.
Uma grande parte deste desconhecimento tem origem nos preconceitos da
maioria dos portugueses em relação a Espanha, que são transmitidos, em certa medida, à
América Latina. Estas concepções são fruto de uma desinformação cultural e ideológica
transmitida a diversas gerações e associada também ao ensino da História de Portugal.
Espanha é tradicionalmente vista como um inimigo, ou melhor, como o maior ou mesmo o
único verdadeiro inimigo de Portugal, que procurou invadir o território e usurpar o poder
ao longo dos séculos. O escritor português José Saramago reflectiu sobre esta questão
num artigo publicado em 1988, «O (meu) iberismo»:
Como qualquer outro português antigo e moderno, fui instruído na convicção firme
de que o meu inimigo natural era, e sempre haveria de ser, Espanha. […]. Absoluto,
o que se chama absoluto, do nosso ponto de vista de Portugueses, só o rancor ao
2
Ferreira, Nicolau (11 de Maio de 2012). «O calendário maia mais antigo fica no n.º 54 da povoação de
Xultún». Lisboa: Público, 31.
1 Castelhano, sentimento dito patriótico em que fomos infatigáveis no decorrer dos
séculos 3 […].
Em relação às literaturas hispano-americanas, são populares autores como
Gabriel García Márquez, Isabel Allende, Luis Sepúlveda, Laura Esquivel, Pablo Neruda e,
em menor escala e mais recentemente, Mario Vargas Llosa e Roberto Bolaño. Jorge Luis
Borges, por seu lado, é muito considerado nos meios intelectuais e jornalísticos,
funcionando como figura de referência. Os restantes autores – mesmo aqueles que
integram o «cânone» – são praticamente desconhecidos e a maioria não está sequer
publicada entre nós. Por exemplo, a Prémio Nobel da Literatura Gabriela Mistral (que
chegou a viver em Lisboa durante dois anos) tem editada em Portugal apenas uma
Antologia poética (2002). O único texto de RubénDarío publicado é o poema «Litania do
Nosso Senhor D. Quixote», integrado numa antologia geral de poesia, ao passo que José
Martí tem publicados artigos e discursos, mas não literatura (Por outras palavras, 2003).
Dois exemplos de autores mais recentes: existem apenas dois títulos de Mario Benedetti
– A trégua (2007) e Obrigado pelo lume (2008) –, ao passo que Rayuela, de
JulioCortázar, foi traduzida apenas em 2008. Ou seja, há poucos títulos e uma parte
considerável foi publicada já no século XXI.
Quanto à língua, a proximidade do espanhol e do português faz com que a maioria
dos portugueses acredite que sabe falar espanhol sem ter tido formação, como se todos
os portugueses fossem bilingues por natureza. Apresentamos um exemplo, que ilustra
devidamente esta mentalidade: num artigo de 2010 publicado na revista Ler, a escritora e
jornalista Inês Pedrosa considerava inútil o ensino deste idioma. Afirmando admirar
profundamente a literatura, o cinema, a pintura, a arquitectura e até os churros espanhóis,
a actual Directora da Casa Fernando Pessoa escreve:
Para os rankings rápidos de progressão escolar que fazem a propaganda dos
governos o espanhol é óptimo, uma espécie de versão internacional de banha da
cobra ao estilo «Novas Oportunidades»: é fácil e barato. Mas dá milhões? Não: dá
uma geração com uma língua a menos, o que é triste e empobrecedor, física e
metafisicamente. […] ama-se melhor Espanha quando temos o direito a não ser
esmagadoramente espanhóis 4 .
Inês Pedrosa demonstra o forte e generalizado preconceito português em relação
a Espanha, como se alguém que aprende uma língua fosse colonizado pelo país nativo
dessa língua. Se isso acontece com o espanhol, não será semelhante com o inglês ou o
francês? Por outro lado, esquece que o espanhol não se limita geograficamente a
Espanhae que qualquer língua é uma porta para novos conhecimentos culturais,
históricos, geográficos, musicais, etc.
O campo da tradução sofre igualmente com este logro linguístico: grande parte
das traduções de espanhol para português é realizada por pessoas que aprenderam
várias línguas, mas não o espanhol. Convencidos de que a proximidade dos idiomas é
suficiente, os tradutores (incluindo tradutores conceituados) e as editoras portuguesas
fazem publicar textos com uma qualidade tradutória baixa. Não identificar «falsos amigos»
3
Saramago, José (30 de Outubro de 1988). «O (meu) iberismo». Lisboa: Jornal de Letras, 33.
4
Pedrosa, Inês (Novembro de 2010). «Somos todos espanhóis?». Lisboa: Ler, 85.
2 é um dos erros mais comuns, o que muitas vezes inverte o sentido das frases.
Apresentamos alguns exemplos retirados de três obras:
a) A Virgem dos sicários, de Fernando Vallejo (tradução de Jorge Fallorca) 5 :
Original
«Yo decía que estaba allí,
encaletado, en cualquier
resquicio del presupuesto.»
«Y ese olor espantoso de
fritangas
con
aceite
rancio...»
«Algún día acabarán lo
inconcluso y cruzará el tren
elevado sobre mi ciudad
[…].»
Tradução publicada
«Eu dizia que estava ali,
em
qualquer
encaletado,
resquício do pressuposto.»
«E esse cheiro espantoso a
fritos em óleo rançado…»
Tradução correcta
«Eu dizia que estava ali,
escondido, em qualquer
resquício do orçamento.»
«E esse cheiro terrível a
fritos em óleo rançado…»
«Um
dia
acabaram
o
inconcluído
e
o
comboio
elevado atravessará a minha
cidade […].»
«Um dia acabarão o
inconcluído e o comboio
elevado atravessará a
minha cidade […].»
b) Memória das minhas putas tristes, de Gabriel García Márquez (tradução de Maria do
Carmo Abreu) 6 :
Original
«De joven iba a los salones
de cine sin techo, donde lo
mismo
podía
sorprendernos un eclipse
de luna que una pulmonía
doble por un aguacero
descarriado.»
Tradução publicada
«Quando era jovem ia às salas
de cinema sem tecto, onde
tanto nos podia surpreender um
eclipse da Lua como uma
pneumonia dupla por causa de
um aguaceiro perdido.»
«Los senos recién nacidos
parecían todavía de niño
varón pero se veían urgidos
por una energía secreta a
punto de reventar.»
«[…] la besé por todo el
cuerpo hasta quedarme sin
aliento: la espina dorsal,
vértebra por vértebra, hasta
las nalgas lánguidas, el
costado del lunar, el de su
corazón inagotable.»
«Os
seios
recém-nascidos
ainda pareciam de menino
varão, mas viam-se túrgidos por
uma energia secreta pronta a
rebentar.»
«[…] beijei-a por todo o corpo
até ficar sem fôlego; a espinha
dorsal, vértebra por vértebra, até
às nádegas lânguidas, a zona
lunar, a do seu coração
inesgotável.»
Tradução correcta
«Quando era jovem ia às
salas de cinema sem
telhado, onde tanto nos
podia surpreender um
eclipse da Lua como uma
pneumonia
dupla
por
causa de um aguaceiro
perdido.»
«Os seios recém-nascidos
ainda pareciam de rapaz,
mas estavam túrgidos por
uma
energia
secreta
pronta a rebentar.»
«[…] beijei-a por todo o
corpo até ficar sem fôlego;
a espinha dorsal, vértebra
por vértebra, até às
nádegas lânguidas, o seu
sinal, a do seu coração
inesgotável.»
5
Vallejo, Fernando (2001).A Virgem dos Sicários. Trad. deJorge Fallorca. Lisboa: Teorema.
6
García Márquez, Gabriel (2005), Memória das minhas putas tristes. Trad. de Maria do Carmo Abreu. Lisboa:
Publicações Dom Quixote.
3 c) O carteiro de Pablo Neruda, de Antonio Skármeta (tradução de José Colaço
Barreiros) 7 :
Original
«—Sí, papá — respondía
Mario,
limpiándose las
narices con la manga del
chaleco.»
«[…] el juego propuesto por
esa pálida pueblerina sería
a) más fome que bailar con
la hermana […].»
«[…] dijo Beatriz González,
apoyando
su
meñique
sobre el hule de la mesa-.
¿Qué se va a servir?»
Tradução publicada
«—Sim, pai — respondia Mario,
limpando as narinas com a
manga do colete.»
«[…] o jogo proposto por essa
pálida aldeã seria a) mais fome
que dançar com a irmã […].»
«[…] disse Beatriz González,
apoiando o cotovelo no oleado
que cobria a mesa. — O que
vamos servir?»
Tradução correcta
«—Sim, pai — respondia
Mario,
limpando
as
narinas com a manga do
casaco.»
«[…] o jogo proposto por
essa pálida aldeã seria a)
mais
aborrecido
que
dançar com a irmã […].»
«[…]
disse
Beatriz
González, apoiando o
dedo mindinho no oleado
que cobria a mesa. — O
que querem beber?»
Este complexo contexto faz com que o número de interessados em aprender
espanhol seja reduzido. A situação, contudo, começou a mudar nos últimos anos, com a
diminuição do interesse por França e o crescimento das expectativas económicas em
relação a Espanha. O aumento de alunos de espanhol no ensino básico e secundário,
associado às importantes taxas de desemprego na área educativa, levou a que
numerosos professores decidissem formar-se em espanhol de modo a ensinar
esteidioma.
Depois desta longa mas necessária introdução, passemos a um outro ponto: o
perfil dos alunos de Literaturas Hispano-Americanas na Universidade Nova de Lisboa.
Quem estuda Literaturas Hispano-Americanas?
A maioria dos alunos da disciplina de Literaturas Hispano-Americanas frequenta a
licenciatura em Línguas, Culturas e Literaturas Modernas, mas há também estudantes de
História, Tradução e Ciências da Comunicação. Para além do «aluno clássico» (de cerca
de 20 anos), temos um número muito considerável de estudantes mais velhos, a
frequentar uma segunda licenciatura, os referidos professores do ensino básico e
secundário que pretendem leccionar espanhol. A grande maioria das pessoas é
trabalhadora-estudante, o que significa que dispõe de pouco tempo para frequentar as
aulas e estudar. Muitos não têm hábitos de estudo e alguns não querem prescindir do seu
tempo livre com a família, prejudicando o seu desempenho académico. Os referidos
preconceitos são especialmente visíveis neste grupo, acirrados pela sua situação laboral.
Daí ser comum dizerem aos professores no início do ano lectivo que odeiam espanhol e
que estão ali por falta de alternativa.
7
Skármeta, Antonio (2011).O carteiro de Pablo Neruda. Trad. de José Colaço Barreiros. Lisboa: BiisLeya.
4 Para conhecer melhor a relação dos alunos com as literaturas hispanoamericanas, preparámos um inquérito com um conjunto de perguntas sobre os seus
conhecimentos anteriores e posteriores à frequência da disciplina e o seu processo de
aprendizagem 8 . Nesse sentido, preparámos uma proposta de cânone das literaturas
hispano-americanas, a partir de três das mais relevantes obras críticas: Historia de la
literatura hispanoamericana, de Jean Franco, Historia de la literatura hispanoamericana,
de José Miguel Oviedo, e Nueva historia de la literatura hispanoamericana, de Giuseppe
Bellini. À lista dos autores destacados nos três livros (a partir de José Martí), juntamos
quatro outros, pela sua popularidade em Portugal: Isabel Allende, Laura Esquivel, Luis
Sepúlveda e Roberto Bolaño. Indicando os nomes que se encontram nesta listagem,
pedimos aos entrevistados que identificassem aqueles que conheciam antes de
frequentar a FCSH, os que passaram a conhecer durante os seus estudos e aqueles que
não conhecem, e, de seguida, quantas obras de cada autor leram.
Os resultados do inquérito mostram que uma parte considerável dos estudantes
entra em contacto com importantes nomes das literaturas hispano-americanas pela
primeira vez na FCSH. É o caso de Alejo Carpentier, José Martí, RubénDarío e, em
menor escala, Juan Rulfo e JulioCortázar. Os únicos escritores que todos os inquiridos já
conheciam ou de que tinham ouvido falar são Gabriel García Márquez e Isabel Allende.
Autores com bastante projecção no âmbito das literaturas do subcontinente são de todo
desconhecidos: José EustasioRivera, José Lezama Lima, Roberto Arlt e Rómulo
Gallegos, entre outros. Por outro lado, os nomes de Augusto Roa Bastos, César Vallejo,
Guillermo Cabrera Infante, José Donoso, Juan Carlos Onetti e Miguel ÁngelAsturias são
reconhecidos apenas por um número reduzido de alunos.
A disciplina revela-se importante também no contacto directo com os textos:
muitos são os casos em que a resposta «Leu uma obra deste autor» corresponde à leitura
de um título obrigatório da matéria. É o caso dos cem por cento referentes a José Martí,
mas também dos elevados valores de Alejo Carpentier e RubénDarío. Ainda no âmbito
das leituras, destaque para os consideráveis números associados a García Márquez,
Isabel Allende, Jorge Luis Borges, JulioCortázar, Laura Esquivel, Luis Sepúlveda, Mario
Vargas Llosa e Pablo Neruda. Repare-se que, entre os mais lidos, incluem-se autores fora
do cânone (Allende, Esquivel e Sepúlveda), o que se explica pelas características do
próprio mercado editorial português.
A falta de conhecimentos sobre literatura, história e cultura da América Hispânica,
bem como a falta de disponibilidade para estudar, são apontadas como as maiores
dificuldades sentidas ao longo do semestre. Curiosamente os poucos níveis de espanhol
completados pela maioria dos inquiridos não são reconhecidos como uma dificuldade,
apesar de tal se notar durante as aulas: os «falsos amigos», por exemplo, constituem
claramente um entrave à compreensão dos textos. Apresentamos apenas um exemplo: o
espanhol «traer» tem como tradução portuguesa «trazer», e não «trair», como julgam
muitos estudantes. Este engano leva a interpretações erradas, nomeadamente em
poemas de José Martí estudados durante o semestre:
[…] Ondas de luz y flores
Trae la mañana,
8
O inquérito foi enviado por correio electrónico a antigos alunos, contando com a sua boa-vontade. As
respostas podem ser consultadas no fim da nossa comunicação.
5 Y tú en las luminosas
Ondas cabalgas 9 . […]
Outra evidência de que a língua constitui um problema é o facto de, apesar da
obrigatoriedade de ler as obras no original, muitos alunos recorrerem a versões em
português do Brasil encontradas na internet.
Em geral, a descoberta da riqueza e da importância destas literaturas tornam o
seu estudo compensador para os estudantes. Tal é visível nos resultados do inquérito:
todos os entrevistados afirmam que o aprofundamento dos seus conhecimentos sobre as
literaturas hispano-americanas funcionou como motivação no estudo. Outros aspectos
importantes foram o aumento do interesse por estas literaturas e pela América Hispânica,
o aprofundamento do conhecimento das realidades do subcontinente e da literatura em
geral e o apoio do professor e dos colegas. Estas respostas mostram que a frequente
resistência em relação ao universo hispânico acaba por ser vencida.
As aulas de Literaturas Hispano-Americanas
Visto existir apenas uma disciplina semestral de Literaturas Hispano-Americanas
na FCSH, procuramos dar uma panorâmica geral da literatura do subcontinente,
estudando alguns dos autores mais importantes. Além disso, é necessário colmatar falhas
de cultura geral básicas em aulas iniciais e no decorrer do semestre, como a
compreensão da designação «Índias Ocidentais», ou até a localização dospaíses e das
várias áreas existentes na América Latina. Ainda assim, existem alunos que insistem em
afirmar que Cuba se situa na América do Sul, visto terem como expressões sinonímicas
América Latina e Caribe e América do Sul. Nestas aulas iniciais são, em geral, abordadas
questões como a divisão regional do subcontinente; a génese territorial ao longo dos
séculos; os processos de construção das identidades nacionais; a América Latina no
«sistema-mundo» e como região. Já nesta fase se faz uma introdução literária, com a
análise de contos relacionados com esteponto do programa.
Passamos, em seguida, a uma panorâmica geral das literaturas hispanoamericanas e depois ao estudo de obras concretas, assumindo a não inclusão neste
grupo de textos précolombinos por falta de tempo. Começamos com os primeiros
cronistas das Índias Ocidentais, em particular El diário de la primera viaje, de Cristóvão
Colombo, e Brevísimarelación de la destrucción de las Índias, de Bartolomé de Las
Casas, obras que causam um impacto profundo nos estudantes pela sua riqueza histórica
e literária. Como forma de complementar e complexificar a matéria, juntamos excertos de
narrativas de vários autores literários que abordam o mesmo tema sob uma perspectiva
diferente e a partir de outro período histórico. Procuramos pois, desde logo, dar a
conhecer outros textos e escritores e alargar o debate sobre os temas do programa e a
reflexão por parte dos alunos. Neste ponto, por exemplo, juntamos excertos de El arpa y
la sombra, de Alejo Carpentier, e El otoñodel patriarca, de Gabriel García Márquez, que
abordam a chegada à América dos primeiros europeus, no final do século XV. O mesmo
acontece na obra seguinte do programa, La Araucana, de Alonso de Ercilla y Zúñiga,
texto fundador que é acompanhado por poemas sobre figuras históricas incluídas na
épica ou sobre a própria obra nomeadamente da autoria de Darío e Neruda.
9
Martí, José (2005). «Hijo del alma» in Poesía completa. Madrid: Alianza Editorial, 68.
6 O estudo de Sor Juana Inés de la Cruz é antecedido por uma introdução ao
barroco e ao barroco latino-americano. Os poemas da poeta são recebidos com
cepticismo pela sua complexidade vocabular e estilística, mas a sua leitura acaba por
conquistar os alunos, em particular as mulheres. Estas sentem-se verdadeiramente
maravilhadas com as concepções feministas desta freira mexicana do século XVII,
aprofundando voluntariamente o seu estudo. Algumas passagens de La Araucana
provocam um efeito semelhante, em particular o Canto X, em que é narrada a luta das
mulheres mapuches contra os conquistadores espanhóis.
Em geral, saltamos para o século XIX, para os períodos de pré e pósindependência com a poesia e a prosa de José María Heredia, Domingo Faustino
Sarmiento, EstebanEcheverría, José Hernandez, José Martí e RubénDarío, devidamente
enquadradas em aulas sobre o romantismo hispano-americano, a poesia gauchesca e o
modernismo hispânico. Neste ponto, é necessário sublinhar as variações em português e
em espanhol de vários conceitos. Por exemplo, o modernismo hispânico corresponde ao
simbolismo e ao decadentismo na literatura portuguesa, não ao modernismo português ou
brasileiro. Na mesma linha, há que explicar as diferenças entre as denominações dos
géneros literários nas duas línguas («relato», «cuento» e «novela», e «conto», «novela» e
«romance»). Em geral, a diversidade de conceitos origina alguma confusão, tal como a
diferenciação de estilos, como acontece no barroco europeu e latino-americano.
Chegamos finalmente ao século XX, com autores como Alejo Carpentier, Juan
Rulfo e Júlio Cortázar. O realismo mágico e o fantástico estão presentes nas obras
estudadas, dada a posição central que estes ocupam nas literaturas hispano-americanas
do período. A definição destes conceitos – bem como do maravilhoso e do estranho – é
um ponto de partida indispensável, permitindo também uma leitura mais aturada de
escritores não estudados no âmbito da disciplina mas conhecidos dos alunos, como
García Márquez. A não opção pelo Prémio Nobel colombiano e por outros autores
populares justifica-se por um dos objectivos da disciplina: dar a conhecer novos aspectos,
obras e escritores aos estudantes.
Existe muito pouca bibliografia disponível nas bibliotecas públicas, incluindo nos
estabelecimentos de ensino, situação que se explica pela posição periférica que as
literaturas hispano-americanas ocupam em Portugal. A alternativa mais viável para muitos
alunos é encomendar livros em livrarias ou sistemas de venda online. Um dos problemas
é o custo dos próprios livros e dos portes, além do tempo prolongado do envio. A solução
encontrada por muitos é procurar material na internet. Contudo, a aparente facilidade
deste meio é também um «falso amigo», visto que encerra em si muitas informações
erradas, algumas absurdas.
Em conclusão, podemos afirmar que o contexto português não é dos mais
favoráveis às literaturas hispano-americanas, ao contrário do que seria de esperar num
país com tão fortes vínculos históricos ao subcontinente. Aliando preconceitos face à
língua espanhola e um desconhecimento geral em relação à realidade e às culturas da
América Hispânica, a maioria das pessoas não manifesta interesse em conhecer mais
sobre estas literaturas. O panorama que acabámos de descrever naturalmente reflecte-se
nos estudantes, em particular naqueles que têm como motivação imediatas possíveis
saídas profissionais. No entanto, este cenário pouco animador é invertido graças às
próprias obras estudadas, que surpreendem e seduzem a esmagadora maioria dos
alunos. No final do semestre, são frequentes os comentários de reconhecimento por parte
7 dos estudantes, garantindo que continuarão a ler outras obras hispano-americanas. De
facto, esta força é o maior impulso ao seu ensino em Portugal.
Bibliografia
BELLINI, Giuseppe, Nueva historia de la literatura hispanoamericana. 3a ed.,
correg. y aumentada. Madrid: Castalia, 1997.
Ferreira, Nicolau (11 de Maio de 2012). «O calendário maia mais antigo fica no n.º
54 da povoação de Xultún». Lisboa: Público.
FRANCO, Jean, Historia de la literatura hispanoamericana, 18.ª impr. Barcelona:
Editorial Ariel, 2009.
García Márquez, Gabriel (2005), Memória das minhas putas tristes. Trad. de Maria
do Carmo Abreu. Lisboa: Publicações Dom Quixote.
Martí, José (2005). «Hijo del alma» in Poesía completa. Madrid: Alianza Editorial.
OVIEDO, José Miguel, Historia de la literatura hispanoamericana, vol. II, II e IV,
3.ªreimpr. Madrid: Alianza Editorial, 2005.
Pedrosa, Inês (Novembro de 2010). «Somos todos espanhóis?». Lisboa: Ler, 85.
Saramago, José (30 de Outubro de 1988). «O (meu) iberismo». Lisboa: Jornal de
Letras.
Skármeta, Antonio (2011). O carteiro de Pablo Neruda. Trad. de José Colaço
Barreiros. Lisboa: BiisLeya.
Vallejo, Fernando (2001). A Virgem dos Sicários. Trad. de Jorge Fallorca. Lisboa:
Teorema.
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