1a JIED – Jornada Internacional de Estudos do Discurso 27, 28 e 29 de março de 2008 FALA-EM-INTERAÇÃO: A CO-CONSTRUÇÃO DA PARTICIPAÇÃO EM SALA DE AULA Jakeline Aparecida SEMECHECHEM (PG-UEM) Introdução A interação tem sido enfatizada por várias vertentes teóricas como condição para o desenvolvimento e a aprendizagem, ocasionando assim a disseminação de pesquisas que tem como lócus as aulas. Sendo assim, é no lócus da sala de aula que se tem direcionado pesquisas de natureza etnográfica, micro etnográfica, etc., para evidenciar como se dá a interação nestes contextos e de que modo são condizentes ou não para a aprendizagem. A relevância da interação tem sido enfatizada e justificada pela perspectiva sócio-histórica (VYGOTSKY, 1988) de aprendizagem que se dá no espaço social, nas relações intersubjetivas e que é mediado fundamentalmente pela linguagem. Sendo que são várias as pesquisas ancoradas em tais pressupostos teóricos que enfocam a interação no processo de escolarização, os PCNs, documentos de orientação curricular tem na sala de aula o foco na interação. Também estudos que tem como lócus a sala de aula de Língua Estrangeira têm buscado investigar o processo interativo, contudo, embora tais estudos tenham focalizado a interação face a face na aula de Língua Estrangeira eles não abordam a interação como ação conjunta, ou seja, co-construídas pelos participantes engajados na interação. Entretanto, é importante ressaltar que as pesquisas fundamentadas pela perspectiva sócio-histórica não dão conta e não tem o objetivo de interpretar a interação face a face com vistas às ações co-construídas pelos participantes durante a fala-eminteração. Sendo assim, em consonância a esses pressupostos sócio-históricos é possível se valer de aportes teóricos metodológicos que interpretam a fala-em-interação, a partir das ações que são co-construídas pelos participantes. Nessa perspectiva, para os estudos da fala-em-interação se justifica os pressupostos teóricos metodológicos da Análise da Conversa (SACKS, SCHEGLOFF & JEFFERSON, 1974). Sendo assim, no presente trabalho pretende-se descrever e interpretar a partir da perspectiva da Análise da Conversa Etnometodológica uma situação de interação de sala de aula, buscando verificar através da análise da seqüencialidade da tomada de turnos como os participantes co-constroem a participação no desenvolvimento de uma atividade que visa o cumprimento de um mandato institucional e também os modelos interacionais que são co-construidos no decorrer da interação. Deste modo, serão utilizados dados de fala-em-interação de uma aula de Língua Estrangeira, Língua Inglesa de uma 1ª série do Ensino Fundamental de uma escola particular da região centro-oeste do Paraná. Assim, para o desenvolvimento deste trabalho o texto terá a seguinte organização: contextualização e descrição da Análise da Conversa Etnometodológica. Também será enfocada a fala em interação institucional e a fala em interação cotidiana, depois será enfatizado a organização da fala em interação em sala segundo modelos interacionais buscando exemplificar a partir dos excertos dos dados de fala-em- 1a JIED – Jornada Internacional de Estudos do Discurso 27, 28 e 29 de março de 2008 interação nas aulas lócus deste trabalho e tecendo comentários sobre a organização da participação na interação. 1. Desenvolvimento 1.1 Análise da Conversa Etnometodológica A fundamentação teórico metodológica deste trabalho na Análise da Conversa Etnometodológica, dorovante ACE se dá por esta co-sustentar uma visão de linguagem enquanto ação conjunta, o que corrobora com a perspectiva de Clark (2000) que o uso da linguagem é uma forma de ação conjunta que dá sentido as situações com propósito de interação social. Sendo assim, se faz mister salientar a origem da ACE, que segundo Garcez (2007) é anglo-norte americana, de proveniência sociológica, voltada para o estudo da ação social humana situada no espaço e no decorrer do tempo real. Garcez (2007) também ressalta que dos textos mais difundidos que versaram sobre ACE são os de Sacks, Schegloff & Jefferson (2003 [1974]) e a coletânea organizada por Atkinson & Heritage (1984). Freitas e Machado (2007) salientam que a ACE tem interesse em contemplar o modo seqüencial como a fala interacional acontece, ou seja, em contextos e situações naturais de interação. Sendo assim, as autoras mencionam que a partir da análise da fala-em-interação a ACE descreve duas organizações fundamentais que regulam o uso da linguagem, sendo estas, a organização de tomada de turnos (SACKS, SCHEGLOFF & JEFFERSON, 1974) e a organização do reparo (SCHEGLOFF, JEFFERSON & SACKS, 1977). Entretanto, a descrição do uso da linguagem não se dá em situações criadas com vistas a esse objetivo, mas de acordo com Garcez (2007) a ACE é ligada a observação detalhada de dados de uso da linguagem em ocorrência natural, valorizando assim a chamada perspectiva êmica, a perspectiva dos participantes sobre as ações conforme eles demonstram uns para os outros. Garcez (2007) destaca que embora a valorização da perspectiva dos participantes da ação seja compartilhada com a maior parte das tradições de pesquisa interpretativas em Antropologia, é peculiar a ACE esse procedimento de articulação da análise turno a turno que os próprios participantes empreendem e demonstram uns para os outros. Sendo assim, é particular da perspectiva teórico metodológica da ACE a análise e descrição da fala-em-interação a partir da ação desempenhadas pelos participantes durante as interações naturais e reais. Deste modo os estudiosos da ACE, os analistas da conversa buscam situações reais para descrever e interpretar, sempre priorizando a perspectiva êmica, ou seja, a maneira como os participantes demonstram uns para os outros seu engajamento na conversa. Ademais, também Garcez (2007) enfatiza que analistas da conversa estudam não apenas a conversa, mas a fala-em-interação mais amplamente. Sendo assim, pode-se compreender que além do foco na conversa cotidiana, a ACE, pesquisa a fala em situações de fala-em-interação variada, como por exemplo, palestra, etc. 420 1a JIED – Jornada Internacional de Estudos do Discurso 27, 28 e 29 de março de 2008 Contudo, é importante ressaltar que ACE tem como referente a forma básica de sistema de troca de fala, a qual garante que os participantes da interação falem um de cada vez e que a alocação de turnos de fala entre eles seja sempre local. (GARCEZ, 2007). Para o estudo da fala-em-interação, da troca de fala ou turnos, é preciso considerar algumas noções fundamentais para análise da conversa, dentre estas de acordo com Loder, Salimen e Muller (2007) a noção de seqüencialidade e de pares adjacentes. Sendo que a noção de seqüência refere-se ao fato de que as ações constituídas pelo uso da linguagem são organizadas em seqüência de elocuções produzidas por diferentes participantes. Todavia as autoras ressaltam que na ACE a noção de seqüência é constituída por dois elementos, sendo estes as elocuções produzidas sucessivamente e a alternância ordenada dos participantes na vez de tomar a palavra. Deste modo a seqüência pode se dar nos turnos em séries assim como naqueles que não estão necessariamente em seguida mas que tem relação com os turnos anteriores. É importante ressaltar também que é essa noção de seqüencialidade na ACE são chamadas de pares adjacentes, uma vez que são compostas de duas elocuções posicionadas uma seguida da outra, sendo um exemplo condizente uma pergunta seguida por uma resposta, ou seja, num turno uma pergunta e no outro seqüente uma resposta. (LODER; SALIMEN; MULLER). Sendo assim, é através da seqüencialidade da tomada de turnos que a ACE estuda a fala-em-interação, por isso convém ressaltar noções fundamentais sobre turnos de fala. Freitas e Machado (2007) descreve a organização de tomada de turnos tomando como base a abordagem de Schegloff (1992b) para o qual os turnos são seqüências de fala de um participante da conversa, são segmentos construídos a partir de Unidades de Construção de Turno (UCTs) e podem corresponder a unidades como sentenças, orações, palavras isoladas, locuções frasais e recursos prosódicos. Deste modo, um turno não precisa necessariamente ser uma frase completa, mas uma palavra, uma exclamação, etc. Entretanto, na seqüencialidade dos turnos um vai sendo seguido por outro, sendo assim como o falante define o momento de troca de turno é explicado pela ACE. Nessa perspectiva Freitas e Machado (2007) abordaram sobre estes locais relevantes para transição dos turnos (LRT), ou seja, os lugares em que os falantes identificam uma possível completude de uma UCT e a possibilidade de fazer a troca de turno. Sendo que também segundo as autoras, Sacks, Schegloff, e Jefferson (1974) apontam que outros aspectos também podem sinalizar um lugar relevante para transição de turno, por exemplo, a entonação. Desta maneira, definido que os turnos têm uma unidade de construção (UCT) que o compõe e também um lugar (LRT) ou pistas relevantes para sua transição, é importante discorrer sobre a alocação dos turnos nos lugares relevantes (LRT). Para alocação dos turnos nos lugares relevantes para transição há dois tipos de prática para a seleção dos próximos falantes, sendo estas, a seleção do próximo, quando falante corrente seleciona o próximo falante e a auto-seleção, quando o próximo falante se autocadidata para tomar o turno. (FREITAS, MACHADO, 2007). Contudo, tais práticas de alocação de turnos nos lugares relevantes para transição da UCTs, são pertinentes a conversa cotidiana, variando na fala-em-interação institucional que será descrita na próxima subseção. 421 1a JIED – Jornada Internacional de Estudos do Discurso 27, 28 e 29 de março de 2008 Ademais, para descrição dos dados de fala-em-interação, é necessário recursos como o audiovisual, o qual segundo Garcez (2007) só foi possível com o desenvolvimento tecnológico da segunda parte do século XX. Também para se trabalhar com os dados de fala-em-interação na ACE é necessário adotar o chamado sistema Jefferson que consiste num padrão de convenções de transcrição já considerado padrão para os dados interacionais. De acordo com Loder (2007) o sistema Jefferson de transcrição, inicialmente desenvolvido pela analista da Conversa Gail Jefferson e atualmente empregado por analistas da conversa em todo mundo. Sendo assim, foram definidos alguns conceitos básicos concernentes a ACE, sendo estes primordiais, para o trabalho com a fala-em-interação, os quais serão exemplificados através de dados de fala-em-interação no decorrer do artigo. 1.2 Fala-Em-Interação Institucional Primeiramente antes de enfatizar a fala-em-interação institucional é importante ressaltar que o sistema de tomada de turno foi descrito originalmente para conversa cotidiana (SACKS, SCHEGLOFF & JEFFERSON, 1974), para daí englobar os eventos de interação institucional (DREW & HERITAGE, 1992). (DEL CORONA, 2007; JUNG, GONZALEZ, 2007). Del Corona (2007) discorre que o que caracteriza uma interação como institucional não é o ambiente em que esta se realiza, mas os objetivos que esta visa cumprir que faz com que a interação seja organizada e co-construída com vistas a cumprir aquele objetivo. (DREW & HERITAGE, 1992). A autora também enfatiza que as interações institucionais são pautadas pela necessidade de realização de uma tarefa institucional, deste modo tendem a desenvolver formatos organizacionais que visam o cumprimento desta tarefa. Drew & Heritage (1992) apontam três características principais que pautam a fala institucional, sendo estas, orientação para o cumprimento do mandato institucional, restrições às contribuições aceitas e inferência de enquadres e procedimentos. (DEL CORONA, 2007). Partido de tais conceituações pode-se discorrer sobre o cumprimento do mandato institucional, como a finalidade da interação, na qual os interagentes têm objetivos a cumprir, como por exemplo, audiência, consulta médica, aula, etc. Já as restrições e contribuições aceitas caracterizam-se pelo fato que os participantes de uma interação institucional conduzem suas ações de acordo com as restrições impostas pelo evento em questão (ATKINSON & DREW, 1979 apud DEL CORONA, 2007). Sendo assim, há interações, nas quais há restrições para ações dos participantes, por exemplo, uma audiência, porém, também há interações institucionais nas quais pode ocorrer uma alternância de estilos, sem que infrinja o cumprimento do mandato institucional, por exemplo, numa consulta médica podem ser tratados de outros assuntos além dos procedimentos rotineiros da consulta. Del Corona (2007) respaldada em Drew & Heritage (1992) também aborda a terceira característica da fala institucional que é a inferência de enquadres e procedimentos, ou seja, procedimentos que são peculiares a contextos institucionais específicos. Para melhor explicar essa característica é pertinente valer-se do exemplo da 422 1a JIED – Jornada Internacional de Estudos do Discurso 27, 28 e 29 de março de 2008 autora, que cita a entonação na conversa cotidiana, a qual serve para acusar o recebimento de uma informação, já na aula, interação institucional, a entonação pode ser característica de avaliação positiva ou negativa. Deste modo, a partir das características gerais da fala institucional, orientação para o cumprimento do mandato institucional, restrições às contribuições aceitas e inferência de enquadres e procedimentos, verifica-se que a fala em aula caracteriza-se como institucional, por um objetivo um mando institucional a cumprir que é o ensino e aprendizagem, tem restrições como por exemplo, a alocação dos turnos que será detalhada na próxima subseção e também enquadres e procedimentos peculiares. Sendo assim, considerando que a escola é um lócus de interação institucional que segundo Garcez (2002) cada um dos participantes tem objetivos que visam cumprir em ação conjunta na interação, ou seja, o objetivo da interação na sala de aula é o processo de ensino e aprendizagem, neste enfoque torna-se relevante para o estudo da interação as propostas de modelo interacional para fala-em-interação institucional. Ademais, ainda na perspectiva dos desdobramentos teóricos de Drew e Heritage (1992) que enfocam a interação em sala de aula é importante salientar que são as finalidades da aula que a caracterizam o evento de interação institucional e não necessariamente o espaço físico enquanto sala de aula, mas as metas e ações dos participantes em tal perspectiva. Também são com vistas a tais finalidades que os participantes da interação professor e aluno co-constroem ações que ratificam suas identidades sociais naquela instituição. Sendo assim não é o professor necessariamente que se afirma como tal que constrói sua identidade social de professor, mas são suas ações em sala de aula que caracterizam, por exemplo, o professor tem o direito de alocar o turno dos alunos, ou seja, determinar que alguns alunos façam uso da fala, o aluno por sua vez ratifica essa identidade do professor, sua ação co-constrói esta identidade ao passo que também co-constrói a sua de aluno, pois, no momento que este faz uso da fala quando designada isto é alocada pelo professor enquanto que um aluno não seleciona outro como falante. (JUNG, GONZALEZ, 2007) Sendo assim, são as ações co-construídas em sala de aula que caracterizam a identidade do professor enquanto aquele que tem o objetivo de ensinar e o aluno aquele que tem o de aprender. No entanto, de acordo com Jung e Gonzalez (2007) na sala de aula a simetria na construção muitas vezes não é válida, ou seja, pode-se dizer que professor e alunos co-constroem ações não para uma participação colaborativa na construção do conhecimento, em que ambos empreendem ações mais ou menos igualitárias neste objetivo, mas sim tais participantes co-constroem uma assimetria na interação e nas ações para construção do conhecimento, ou seja, o professor posicionase com aquele que tem maior poder e que sabe e o aluno ratifica isso empreendendo ações em conjunto com o professor, tendo assim sua participação na construção da aprendizagem em aula reduzida. Desta maneira, a sala de aula enquanto cenário de fala institucional é o espaço onde a fala-em-interação é co-construida com vistas ao cumprimento do mandato institucional, também levando em conta as dimensões de conduta interacional (DREW, HERITAGE, 1992 apud DEL CORONA, 2007), sendo estas: escolha lexical, construção dos turnos, seqüencialidade, organização macro-estrutural e epistemologia social e relações sociais. Entretanto, com relação as dimensões de conduta interacional sobre a fala em aula será enfatizado a seqüencialidade e a construção de turnos com vistas a descrever 423 1a JIED – Jornada Internacional de Estudos do Discurso 27, 28 e 29 de março de 2008 as estruturas de participação e os modelos interacionais pela alocação dos turnos que são co-construidos no decorrer da fala-em-interação na sala de aula. 1.3 Sequencialidade, Alocação de Turnos e Modelos Interacionais: A CoConstrução da Participação em Sala de Aula Na perspectiva de estudar a interação em aula deve se considerar que esta não é um processo que é determinado e instaurado por alguém a priori, isto é, não é o professor que individualmente constrói os modos de interação da mesma forma que não são os alunos, mas sim ambos, professor e alunos que co-constroem a interação através de ações que são guiadas por finalidades especificas, neste caso ensinar e aprender. (DREW & HERITAGE, 1992 apud DEL CORONA, 2007, JUNG, GONZALEZ, 2007). Sendo assim, é importante considerar que de acordo com Coulon (1995) “as normas em que se baseia a instituição escolar em particular, a seleção e exclusão escolares, não são instituídas por uma ordem diabólica oculta; pelo contrario, são produzidas no dia-a-dia, pelos parceiros do ato educativo.” (p.105). Deste modo as relações na sala de aula são co-construídas pelos participantes no decorrer da interação, ou seja, direcionando para a aula de Língua Estrangeira tal situação não poderia ser diferente, pois é na interação face a face que o contexto de ensino e aprendizagem é co-construído. Na sala de aula a interação que é co-construída face a face entre os participantes pode ser descrita em modelos interacionais que podem ser identificados através da seqüencialidade da tomada de turnos. Dentre os modelos interacionais descritos temos por exemplo: o padrão interacional Iniciação-Resposta-Avaliação (IRA) proposto por Sinclair e Coulthard (1975); o sistema de McHoul (1978), piso conversacional (SHULTZ, FLORIO & ERICKSON, 1992) (JUNG, GONZALEZ, 2007) e o revozeamento de O’Connor e Michaels (1996). Nessa perspectiva, o presente trabalho tem como principal objetivo abordar a fala interação em sala de aula, buscando descrever modelos interacionais desta e suas implicações para a participação do aluno na interação, considerando que tais modelos interacionais são descritos através da análise da seqüencialidade da tomada de turnos dos participantes, professor e aluno na aula. Deste modo, buscar-se-á evidenciar tais modelos interacionais em dados de fala em interação que foram coletados através de gravações em áudio de aulas de Língua Estrangeira na 1ª série do ensino fundamental de uma escola particular do centro-oeste do Paraná. Sendo assim, entre os modelos interacionais serão abordados os modelos Iniciação-Resposta-Avaliação (IRA) proposto por Sinclair e Coulthard (1975) e o sistema de tomada de turnos de McHoul (1978) e o Revozeamento de O’Connor e Michaels (1996). Sinclair e Coulthard (1975) definiram um modelo de sequência interacional chamado de Iniciação-Resposta-Avaliação (IRA) como um conjunto organizado de ações e de trocas de turnos entre professores e alunos. (JUNG, GONZALEZ, 2007). O modelo interacional Iniciação-Resposta-Avaliação (IRA) proposto por Sinclair e Coulthard (1975) consiste numa das ações mais empreendidas em sala de aula, sendo que nestas o professor pergunta, o aluno responde e o professor avalia ratificando positiva ou negativamente a resposta do aluno. 424 1a JIED – Jornada Internacional de Estudos do Discurso Excerto 1 1 Julia: 2 Paulo: 3 Ariel: 4 Julia: 27, 28 e 29 de março de 2008 Como que era? Pen, pen, pencil. Sharpner. Sharpner. Neste excerto Julia é a professora, optou-se por não designar a priori a identidade da professora e dos alunos uma vez que na perspectiva da etnometodologia eles as co-constroem através de suas ações. No caso Julia pode ser identificada como professora uma vez que ela que pergunta, ou seja, na perspectiva do IRA, dá a iniciação na linha 1 como que era e os alunos ratificam a posição da professora ao fornecerem a resposta como Paulo e Ariel e a Julia os avalia dizendo sharpner, desta forma ratificando a resposta de Ariel como correta. É importante ressaltar ainda que no IRA segundo Garcez (2006) o professor faz uma pergunta para qual já tem uma resposta, ou seja, faz uma testagem para o aluno simulando o desconhecimento de uma resposta, por ele, o professor, já conhecida. É importante destacar que no excerto 1 ao Julia ratificar a resposta de Ariel como correta sharpner, ela não co-sustententa o turno de Paulo Pen, pen, pencil, sendo assim, este não tem seu turno ratificado, caracterizando assim, o que ressalta Garcez (2006) que o professor só tem ouvidos para as respostas consideras corretas, tornando se insensível para qualquer outra resposta que não seja aquela esperada. A estrutura do IRA desta forma se dá em uma estrutura tripartite, pergunta, resposta e avaliação, sendo que sempre a iniciação é feita pelo professor, característica que também será verificada posteriormente no modelo de McHoul (1978). No excerto seguinte vemos especificamente a iniciação feita por Julia, a resposta dada por Pablo e a avaliação de Julia sobre a resposta dele. Excerto 2 1 Julia: Como que eu posso chamar esse? 2 Pablo: eraser 3 Julia: ruler Nesse excerto, Julia avalia Pablo na terceira posição, já fornecendo a resposta correta, o que de certo modo limitou a participação de Pablo e também de seus outros colegas, pois seguido do par adjacente pergunta/resposta, ela já avalia corrigindo Pablo. Entretanto, a estrutura tripartite do IRA pode ser na sala de aula não somente, testagem do que já se sabe, seguida da avaliação ratificando positiva ou negativamente o aluno, o que de certo modo limita a participação do aluno, mas também um percurso para a co-construção da participação em aula, caracterizando o que Garcez (2006) destaca como IRA e correção no discurso de sala de aula convencional nãotrangressivo. Sendo que neste artigo denominaremos de IRA e avaliação no discurso de sala de aula convencional não-transgressivo. Para melhor exemplificar usa-se como exemplo do excerto 3. Excerto 3 1 Julia: What’s this? 2 Cintia: eu sei, eu sei 425 1a JIED – Jornada Internacional de Estudos do Discurso 3 4 5 6 7 8 9 10 11 27, 28 e 29 de março de 2008 Felipe: ruler Julia: Ruler, Ruler, será Ariel: é culd book Julia: é quase parecido Cintia: book Julia: só book Cintia: book, não, também tem, é notebook Ariel: notebook, notebook. Julia: yes, this is a notebook, very good. Nesse excerto verifica-se que Julia não está somente fazendo uma testagem em busca de uma resposta certa, mas está oportunizando que os alunos vão participando e buscando a resposta. Sendo assim, na seqüencialidade da interação os alunos vão tomando turno e respondendo a pergunta feita na iniciação de Julia, ela por sua vez não avalia já na primeira resposta, mas fornece pistas para que os alunos continuem buscando a resposta. É importante ressaltar que a estrutura do IRA é um prática presente em todas as salas de aula, está inerente na fala-em-interação da aula, sendo possível fazer deste apenas uma testagem e controle da a participação dos alunos, ou também valer-se de sua forma não-transgressiva como propõe Garcez (2006) co-construindo oportunidades para participação. Como visto no modelo IRA a fala em sala de aula apresenta um sistema diferenciado da conversa cotidiana, pois no dia-a-dia ninguém pergunta para avaliar, mas sim porque deseja realmente obter a informação. Sendo que também quanto ao sistema de tomada turnos em aula é o professor que dá a iniciação. Ademais, diferente do modelo IRA sempre presente na sala de aula há mais um modelo interacional identificado e nomeado por O’Connor e Michaels (1996), o Revoicing ou revozeamento. O’Connor e Michaels (1996) enfatizaram uma prática na fala-em-interação na qual a professora ao invés de utilizar a seqüência IRA fazia uso do revozeamento, ou seja, um redizer do turno anterior para reexame pelo seu produtor. (GARCEZ, 2007). Sendo assim, ao invés de avaliar o que o aluno diz, a professora repete o turno do aluno, para que este além de ser ratificado possa ter um trabalho melhor desenvolvido, uma vez que seu turno torna-se relevante para a interação. O’Connor e Michaels (1996) ressaltam que, as seqüências de revozeamento e de IRA codificam um conjunto diferente de potenciais de sentido. Ao animar outros que falam, a estrutura de participação do revozeamento torna possível um conjunto mais expandido, e mais em contraponto, de vozes e de papéis na construção de uma idéia do que a IRA. (p. 98 apud GARCEZ, 2006, p. 8) Desta maneira o revozeamento possibilita melhor desenvolvimento na fala-eminteração em sala de aula. Contudo, como destaca Garcez (2006), o trabalho de revozeamento exige estudo e trabalho, este precisa ser fundamentado e co-construido gradativamente, sempre considerando as condições e possibilidades do contexto interacional. 426 1a JIED – Jornada Internacional de Estudos do Discurso 27, 28 e 29 de março de 2008 Quanto a tomada de turnos na sala de aula temos o sistema de McHoul (1978) desenvolvido na perspectiva de dar conta da assimetria existente entre os participantes no cenário institucional que é a sala de aula. (JUNG, GONZALEZ, 2007). Sendo assim, diferente do sistema de alocação de turnos de Sacks, Schegloff e Jefferson (1974) para conversa cotidiana, o modelo de McHoul contempla o caráter institucional da fala-em-interação para sala de aula. O modelo de Mc Houl (1978) descreve as seguintes regras de alocação de turnos: (I) Para qualquer turno do professor, no lugar relevante para a transição inicial de uma unidade de construção de turno inicial: (A) se o turno do professor construído até o momento envolver o uso da técnica “o falante atual seleciona o próximo”, então o direito é dado a um único falante; nenhum outro participante tem tal direito ou obrigação e a transferência ocorrem nesse lugar. (B) Se o turno do professor construído até o momento não envolver o uso da técnica “o falante atual seleciona o próximo”, então o falante atual (o professor) deve e continuar. (II) Se I (A) for efetuado, para o turno de qualquer aluno então selecionado, no lugar relevante para a transição inicial de uma unidade de construção de turno inicial: (A) Se o turno do aluno selecionado construído até o momento envolver o uso da técnica “o falante atual seleciona o próximo”, então o direito e obrigação de falar é dado ao professor, nenhum outro participante tem tal direito ou obrigação, e a transferência ocorre nesse lugar. (B) Se o turno do aluno selecionado, construído até o momento não envolver o uso da técnica “o falante atual seleciona o próximo”, então a auto-seleção do próximo falante pode, mas não precisa ser realizada pelo professor como o primeiro a in iniciar a transferência que ocorre naquele lugar relevante pra transição. (C) Se o turno do aluno selecionado construído até o momento não envolver o uso da técnica “o falante atual seleciona o próximo”, então o falante atual (o aluno) pode, mas não precisa continuar a menos que o professor se auto-selecione. (III) Para qualquer turno do professor, se, no lugar relevante para a transição inicial de uma unidade de construção do turno inicial nem I (A) nem I (B) tenha operado e o professor tenha continuado, então o conjunto I (A) a II (C) se reaplica no próximo lugar relevante para a transição até que a transferência para o aluno seja efetuada. (IV) Para qualquer turno do aluno, se, no lugar relevante para a transição inicial de uma unidade de construção de turno inicial nem II (A) nem II (B) tenha operado, e, seguido da ocorrência de II (C), o falante atual (o aluno) tenha continuado, então o conjunto II (A)- II (C) se reaplica no próximo lugar relevante para a transição e recursivamente até que a transferência para um aluno seja efetuada. (MCHOUL, 1978, p. 188 apud GONZALEZ, JUNG, 2007, p. 4-5). Como pode se observar nas regras do sistema de tomada de turno de McHoul (1978), o direito a alocação de turnos nos lugares relevantes para a transição é dado ao professor. Jung e Gonzalez (2007) enfatizaram que a própria composição das regras já 427 1a JIED – Jornada Internacional de Estudos do Discurso 27, 28 e 29 de março de 2008 define que alocação dos turnos deve ser feita pelo professor e não por um falante em geral, sendo assim a regra descreve a assimetria existente na fala-em-interação na sala de aula. Dentre as regras descritas no modelo tomemos como exemplo I (A), na qual é dado ao professor a alocação do turno inicial e a seleção do próximo falante, sendo que nenhum outro falante tem o direito de tomar o turno. No excerto seguinte Julia seleciona Caio para tomar o turno, no entanto este não o faz, já Ariel tenta assaltar o turno de Caio, mas, no entanto não é ratificado por Julia que volta a selecionar Caio. Excerto 3 1 Julia: Caio What’s this? 2 Ariel: Pencil 3 Julia: Caio What’s this? É importante ressaltar também a regra II (A), na qual o turno do aluno selecionado pelo professor deve ser substituído pelo professor e não por outro falante (aluno). No excerto abaixo continuação do anterior, nota-se que tendo Caio tomado turno, no lugar relevante para transição é Julia quem tem o direito a alocação do turno. Excerto 3 (continuação) 1 Julia: Caio What’s this? 2 Ariel: Pencil 3 Julia: Caio What’s this? 4 Caio: Pencil 5 Julia: Ok. Very Good. Pencil Outra regra do sistema de tomada de turnos para sala de aula que convém destacar é a II (C) a qual discorre que se o turno do aluno selecionado não envolver o uso da técnica o falante atual seleciona o próximo, então o aluno pode continuar a menos que o professor se auto-selecione. Excerto 4 1 Pablo: Na minha school tem classroom, é notebook, tem pencil, deixa eu ver book também. 2 Julia: Legal Pablo, tem library também. Nesse excerto, Pablo, como visto, na regra não tem direito de selecionar o próximo falante, mas poderia continuar o excerto se Julia não se auto-selecionasse, sendo que foi isso que aconteceu e ela acabou alocando o turno novamente. Sendo assim, a partir das regras do sistema de tomada de turno percebe-se que o professor é que sempre tem direito a alocação de turnos, auto-seleção e seleção dos próximos falantes. Deste modo verifica-se que a sala de aula tem caráter institucional que as relações são assimétricas e que a identidade de professor é facultado o direito de conduzir a interação, certamente que sempre em co-construção com os alunos. 428 1a JIED – Jornada Internacional de Estudos do Discurso 27, 28 e 29 de março de 2008 Considerações Finais O presente artigo abordou com subsidio nos pressupostos teóricos metodológicos da Análise da Conversa (SACKS, SCHEGLOFF & JEFFERSON) a falaem-interação em sala de aula, descrevendo através da seqüencialidade da tomada de turnos as estruturas de participação e os modelos interacionais da sala de aula. Sendo que os dados que foram utilizado no decorrer do trabalho consistem em falas reais de situações naturais numa aula de Língua Inglesa de uma 1ª série do Ensino Fundamental de uma escola particular da região centro-oeste do Paraná. Sendo assim, os modelos interacionais evidenciados nos excertos oriundos de eventos daquela aula em particular, correspondem há um padrão encontrado nas outras aulas, de outras escolas, séries, etc, pois tratam-se de um padrão de fala que está inerente na interação desse tipo de cenário educacional. Porém, todos, os cenários de aula tem suas particularidades, suas ações na co-construção da interação com vistas a cumprir o mandato institucional que é o ensino e aprendizagem. Então, é relevante citar Erickson (2001,) no prefácio de Cenas da sala de aula (2001): Nossa crença de que já conhecemos as salas de aula-como futuros professores, professores experientes, administradores educacionais e técnicos educacionais – cega-nos para as nuanças da particularidade na construção local da interação cotidiana como ambiente de aprendizagem. (p10-11) Nessa perspectiva, desvelar a fala-em-interação na aula de Língua Estrangeira é contribuir para a compreensão das particularidades inerentes à interação na aula que se constituem diversas, uma vez que são sempre construídas e reconstruídas no decorrer da interação. Enfim, a apresentação neste artigo da Análise da Conversa Etnometodológica, do uso da linguagem enquanto ação e construção conjunta é mais um elo no que propõe Garcez (2006) que “talvez tenhamos, portanto, no entendimento da organização da falaem-interação um bom modo de olhar o que está acontecendo em nossas salas de aula”. (p.15) Referências CLARK. H. O uso da linguagem. In: AZEVEDO, N. O; GARCEZ, P. M. (trad) Cadernos de Tradução. Porto Alegre, p. 42-71, 2000. COULON, A. Etnometodologia e Educação. Tradução de Guilherme João de Freitas Teixeira. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995. DEL CORONA, M. Fala-em-interação cotidiana e fala-em-interação institucional. In: LODER. L. L. JUNG. N. M. 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