QUINTAIS AGROFLORESTAIS POR COLONOS MIGRANTES: AS PLANTAS
MEDICINAIS EM VILA NOVA, MOJUÍ DOS CAMPOS (SANTARÉM/PA)
1
2.
Eliane Raíssa Ribeiro Silva ; Maria das Graças Pires Sablayrolles
1. Aluna do Mestrado de Agriculturas Familiares e Desenvolvimento Sustentável, Universidade
Federal do Pará. [email protected]; 2. Profa. Dra. do Programa de Pós-Graduação em
Agriculturas Amazônicas. Universidade Federal do Pará. [email protected].
RESUMO
O quintal agroflorestal é uma área de produção, localizada próximo da casa, onde cultiva-se várias
espécies agrícolas e florestais, e criam-se pequenos animais domésticos. O objetivo deste estudo foi
de inventariar e realizar um levantamento etnobotânico sobre o uso e importância de plantas
medicinais, em quintais agroflorestais elaborados por colonos migrantes nordestinos, do Bairro de
0
0
Vila Nova, Distrito de Mojuí dos Campos (2 1’ 0’’ S e 54 8’ 34’’ W), Santarém/Pa. Foram
inventariados 20 quintais, e realizadas entrevistas estruturadas e semi-estruturadas, junto aos
agricultores. As plantas foram inventariadas, seus usos e importância levantados através do método
de turnê-guiada; sendo coletadas e identificadas botânicamente. A maioria dos quintais é
administrada por mulheres. No total, levantou-se 72 espécies de plantas medicinais, distribuídas em
35 famílias botânicas. A maioria das espécies é herbácea; e a folha, preparada sob a forma de chá, é
a parte mais utilizada no preparo dos remédios. As espécies mais utilizadas são: Coleus amboinicus
Lour (malvarisco) e Chenopodium ambrosioides L (mastruz), ambas no tratamento da gripe e da
tosse. Os quintais são pouco semelhantes entre si em termos de composição florística. As espécies
medicinais são cultivadas principalmente para o uso familiar não gerando renda para os agricultores.
A multiplicidade de usos atribuída às espécies indicando que colonos migrantes também detém
saberes relevantes sobre a agrobiodiversidade local, colaborando para mantê-la.
Palavras-chave: Quintais agroflorestais, Colonos migrantes, Agrobiodiversidade, Etnobotânica
INTRODUÇÃO
Segundo Dubois (1996), o quintal agroflorestal é uma área de produção, localizada perto da casa,
onde é cultivada uma mistura de espécies agrícolas e florestais, envolvendo também a criação de
pequenos animais domésticos (galinhas e cachorros) ou domesticados (paca). Dentro da realidade
amazônica, os quintais agroflorestais são utilizados para a complementação de alimentos e outros
recursos necessários à subsistência do agricultor, sendo comum dentro desses espaços locais
destinados ao cultivo de hortaliças e plantas medicinais.
Sablayrolles (2005), afirma que fatores culturais, sócio – econômicos e ecológicos são determinantes
para a composição dos quintais agroflorestais, e que os diferentes “modelos” e funções atribuídos a
este tipo de sistemas agroflorestais tradicionais na Amazônia, são conseqüência de sua heterogênica
população, composta por povos indígenas, mestiços (ribeirinhos e/ou caboclos), quilombolas e
colonos migrantes, oriundos, sobretudo, do Nordeste e Sul do Brasil.
Esforços vêm sendo feitos no sentido de se conhecer e divulgar a rica flora medicinal amazônica e
sua importância para as populações locais, como se pode observar através dos estudos realizados
por Amoroso e Gély (1988), Luz (2001), WinklerPrins (2002), Sablayrolles (2004) e Ming (2006).
Dessa forma, estudar a diversidade de plantas medicinais em quintais agroflorestais elaborados por
colonos migrantes, permite ao mesmo tempo, verificar a influência deste grupo humano na
conservação da agrobiodiversidade local, e valorizar estes espaços como de manutenção e
transmissão de saberes a elas relacionados.
O presente estudo foi desenvolvido no Distrito de Mojuí dos Campos (02° 01’ 00’’ S e 54° 08’ 34 W),
situado no Vale do Igarapé Mojuí (no Planalto Santareno), à 37 km ao sul do Município de Santarém,
Oeste do Estado do Pará. Esta região é marcada pela grande presença de migrantes, oriundos
especialmente do Estado do Ceará. O clima da região obedece ao padrão Ami, de acordo com a
classificação de Köppen, e é caracterizado por temperatura do ar média anual de 25,9 ºC e umidade
relativa do ar de 86%. Atualmente, o Distrito de Mojuí dos Campos é composta por cinco bairros:
Centro, Esperança, Alto Alegre, Cidade Alta e Vila Nova, e possui cinco escolas, sendo uma (1) de
ensino médio e quatro (4) de ensino fundamental. Com relação ao atendimento à saúde, o Distrito
conta com um hospital, que por falta de infra-estrutura, funciona como posto de saúde. Os casos mais
graves de saúde são encaminhados ao Hospital Municipal de Santarém.
Dentre os bairros que compõem o Distrito foi escolhido aquele de Vila Nova para realização da
pesquisa, por localizar-se mais distante do centro urbano, e seus moradores possuírem quintais em
algumas das primeiras colônias agrícolas instaladas na região. Vila Nova conta com
aproximadamente 470 habitantes, em 115 famílias, constituídas por migrantes nordestinos e seus
descendentes, do sul e sudeste do país, por paraenses advindos da região ribeirinha de Santarém e
de outros municípios da região.
O estudo teve como objetivos: inventariar e realizar um levantamento etnobotânico sobre o uso e
importância de plantas medicinais, em quintais agroflorestais elaborados por colonos migrantes
nordestinos, numa área da Amazônia brasileira.
METODOLOGIA
Foram selecionadas em Vila Nova, 20 propriedades agrícolas mantidas por colonos migrantes
nordestinos, para a realização do estudo. Para a seleção destas propriedades foram utilizados mapas
do local, consultas à auxiliar técnica de saúde, e visitas aos moradores. Em seguida, foram realizadas
entrevistas estruturadas e semi-estruturadas com os agricultores e suas famílias, que aceitaram
participar da pesquisa, dos quais cinco (5) são homens e 15 são mulheres. Durante estas entrevistas
foram obtidas informações sobre o perfil sócio-econômico do grupo, bem como sobre a importância
das plantas medicinais dos quintais agroflorestais, para estes agricultores. Para a realização do
inventário e levantamento etnobotânico, o quintal foi percorrido integralmente, medido e os usos das
plantas medicinais obtidos através do método de turnê-guiada (Albuquerque e Lucena, 2004). As
plantas medicinais inventariadas, foram coletadas, herborizadas e identificadas pelos métodos
usuais. Para avaliar a participação das plantas medicinais, espontâneas e cultivadas, nos quintais
utilizou-se o índice S/C proposto por Sablayrolles (2004), o qual consiste em dividir-se o número de
espécies espontâneas (S) pelo número de espécies cultivadas (C), presentes em cada um dos
quintais. Visando comparar quantitativamente a similaridade florística entre os quintais estudados,
utilizou-se o índice de similaridade de Sorensen, comparando dois a dois os quintais, através da
fórmula: S= 2A /2A+B+C, onde 2A corresponde as espécies comuns aos dois quintais, B ao número
de espécies que ocorrem somente no quintal 2, e C ao número de espécies que ocorrem somente no
quintal 1. Os valores encontrados devem sempre ser inferiores a 1.
RESULTADOS E REFLEXÃO
Os colonos migrantes nordestinos entrevistados em Vila Nova possuem faixa etária entre 20 e 73
anos de idade, e a maioria (65%) têm como principal ocupação anterior a agricultura,
desempenhando atualmente, além desta, outras atividades para a complementação da renda familiar;
50% recebem aposentadoria.
2
2
O tamanho das propriedades agrícolas variou entre 100 e 6.840 m , em média 1.004,2 m ; a maioria
dos quintais ocupam cerca de 87,5% da área das propriedades. A idade dos quintais variou bastante
(entre 2 e 45 anos), assim como o número de plantas medicinais por quintal (entre 1 e 31
espécies/quintal), bem como o número de indivíduos destas espécies (entre 2 e 368
indivíduos/quintal). Não há correlação entre idade e números de espécies nos quintais. Os valores de
S/C aproximaram-se de zero, e apenas em dois dos quintais (os de número sete e dez), este índice
atingiu um valor, respectivamente, de 0,5 e 0,6, evidenciando que as plantas medicinais dos quintais
de colonos migrantes em Mojuí dos Campos, são predominantemente cultivadas, e oriundas de
outras localidades (Tabela 1).
Nos 20 quintais estudados em Vila Nova, foram levantadas 72 espécies de plantas medicinais
pertencentes a 35 famílias e 53 gêneros, das quais mais da metade (53,8%), além de fins
terapêuticos, são empregadas na alimentação humana, tais como: banana, graviola e côco. Dentre as
plantas medicinais mais freqüentes nestes quintais agroflorestais encontram-se: Chenopodium
ambrosioides L. (mastruz – 50% dos quintais), Psidium guajava L. (goiaba – em 40%); Eryngium
foetidum L. (chicória), Bryophyllum calycinum Salisb (corama), Citrus sinensis L. Osbeck. (laranja),
Citrus limon (L.) Burman F. (limão comum), Coleus amboinicus Lour. (malvarisco), Mangifera indica L.
(mangueira) em 35% dos quintais. Nenhuma espécie ocorreu em todos os quintais estudados.
Os resultados obtidos com relação à freqüência das espécies, aliados àqueles dos índices de
similaridade, considerados baixos, revelam uma elevada diferença entre os quintais em termos de
composição florística de plantas medicinais (Tabela 2). O que reforça a hipótese que esta encontra-se
diretamente relacionada a escolhas feitas pelos próprios agricultores, em função de diversos fatores:
culturais e sócios-econômicos.
Tabela 1: Área das propriedades, dos quintais, e diversidade de plantas medicinais em quintais de colonos migrantes
nordestinos em Vila Nova, Distrito de Mojuí dos Campos, Santarém/PA.
Propriedades
agrícolas
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
Tamanho da
propriedade (m²)
1.600
7.040
500
1.000
850
924
471
992
1.153
1.000
2.000
381
234
882
1.175
405
200
500
1.436
200
Área do quintal
m²
1302
6830
438
598
713
787
347
937
1074
938
1857
332
157
822
985
255
100
355
1.100
157
Idade do quintal
(anos)
35
40
20
15
12
15
20
4
5
4
4
10
2
3
12
24
13
3
27
45
Nº de espécies
medicinais
31
1
26
27
14
11
3
1
13
5
15
2
1
8
16
20
8
9
8
7
N° de
indivíduos
328
130
134
358
143
369
72
2
82
9
86
2
2
9
119
152
14
18
12
16
S/C
0,19
0
0,08
0
0,07
0
0,5
0
0,2
0,66
0
1
0
0,14
0,05
0
0
0
0
0
*S/C= n° de espécies espontâneas / n° de espécies cultivadas.
Tabela 2: Similaridade florística de plantas medicinais entre quintais de colonos migrantes em Vila Nova, Distrito de Mojuí dos
Campos, Santarém/PA.
Quintal
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
1
1
0,03
0,63
0,21
0,07
0,1
0,03
0,03
0,12
0,06
0,24
0
0,03
0,08
0,15
0,14
0,03
0,02
0,03
0,08
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
1
0,04
0,04
0
0,09
0
0
0
0
0
0
0
0,12
0,06
0,05
0
0
0
0
1
0,19
0,29
0,27
0,03
0,04
0,22
0,11
0,28
0,04
0,04
0,1
0,2
0,28
0,13
0,1
0,13
0,18
1
0,28
0,15
0,03
0,04
0,21
0,07
0,31
0,07
0
0,09
0,16
0,81
0,09
0,16
0,09
0,1
1
0,19
0,06
0
0,23
0,12
0,21
0,14
0,07
0,05
0,15
0,21
0,29
0,21
0,16
0,16
1
0,17
0,09
0,33
0,14
0,18
0,18
0,09
0,17
0,23
0,11
0,05
0,18
0,12
0,06
1
0
0,07
0,14
0,06
0,25
0
0,1
0,05
0,09
0,22
0,33
0
0,11
1
0,1
0
0,1
0
0
0
0
0
0
0
0
0
1
0,3
0,3
0,2
0,1
0,1
0,2
0,2
0,2
0,2
0,1
0,2
1
0,1
0,2
0
0
0,1
0,1
0,2
0,1
0
0,1
1
0
0,07
0,09
0,24
0,17
0,09
0,09
0,09
0,05
12
13
14
15
16
17
18
19
1
0
1
0
0
1
0,06 0,06 0
1
0,05 0 0,04 0,02 1
0,11 0 0,08 0 0,2 1
0,22 0 0,06 0,2 0,1 0,21 1
0,11 0
0 0,04 0,1 0,07 0,06 1
0,12 0 0,07 0,04 0,1 0,25 0,14 0,07
20
1
O hábito predominante entre as plantas medicinais dos quintais estudados é o herbáceo (39 sps),
seguido do arbóreo (17sps), arbustivo (15 sps) e por fim, trepador e palmeiras (2sps cada um).
Todas as partes das plantas podem ser utilizadas com finalidades terapêuticas, todavia é a folha (em
71% dos casos), seguida do fruto (em 10%), e a casca (em 5% dos mesmos) as partes mais
utilizadas na preparação dos remédios caseiros. As receitas dos remédios caseiros são preparadas
também de diferentes formas, sendo a decocção (em 58% dos casos), seguida do suco (em 11%) e
do xarope (em 9% dos casos), as mais utilizadas pelos agricultores. A maioria das espécies
medicinais dos quintais apresentam mais de uma indicação de uso; no total os agricultores
apontaram 224 indicações de uso para estas plantas, entre as quais destacam-se: os tratamentos
para a gripe (28,4% das citações), dores de barriga e indigestão (8,26%) e tosse e rouquidão (5,04%
das citações).
Embora o número de espécies de plantas medicinais nos quintais de Vila Nova tenha sido mais baixo
que aquele encontrado em outros estudos realizados na região, com agricultores ribeirinhos
tradicionais (Sablayrolles, 2004), a multiplicidade de usos atribuída a este grupo de plantas pelos
colonos migrantes nordestinos, demonstra que estes agricultores também detém saberes que
corroboram com sua saúde e bem-estar e contribuem para a conservação da agrobiodiversidade
local.
RELAÇÃO DO TRABALHO COM A SUSTENTABILIDADE
A multiplicidade de usos atribuída às plantas medicinais dos quintais pelos agricultores compensa a
existência de uma menor diversidade de espécies neles. As plantas são uma alternativa terapêutica
barata e eficaz no tratamento das doenças mais comuns que acometem à população local estudada.
CONCLUSÕES E LIÇÕES APRENDIDAS
O cultivo das plantas medicinais nos quintais elaborados por colonos migrantes de Vila Nova, em
Mojuí dos Campos, à semelhança do que é relatado em outras pesquisas, é destinado a suprir
principalmente as necessidades da família dos agricultores. A diversidade de plantas medicinais
nestes quintais embora mais baixa, se comparada àqueles elaborados por agricultores ribeirinhos na
mesma região, ajuda a conservar a agrobiodiversidade local e os saberes a ela associada. A
necessidade de uma determinada planta medicinal, não cultivada no espaço do quintal, pode ser
temporariamente suprida por vizinhos e/ou parentes, estabelecendo-se, assim, relações de trocas de
plantas e de saberes entre os agricultores.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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