UNIDADE DE MEDIAÇÃO E ACOMPANHAMENTO DE CONFLITOS DE CONSUMO CONCURSO COM ATRIBUIÇÃO DE PRÉMIO “PARA A MELHOR FRASE”. INCUMPRIMENTO DO PROMITENTE PAULO MENDONÇA DUARTE Factos: Em Julho de 2003, o consumidor adquiriu à sociedade Y um CD cuja compra o habilitava a participar num concurso, sendo o prémio uma guitarra portuguesa. Para escolher um vencedor, a sociedade Y pediu aos concorrentes (consumidores) que, no cupão de concurso, inscrevessem uma frase; ao concorrente que elaborasse a melhor frase seria atribuído o prémio. Na data estipulada para o anúncio do premiado, o consumidor dirigiu-se às instalações da sociedade Y para saber se lhe tinha sido atribuído o prémio, tendo-lhe sido comunicado o adiamento do prazo do concurso. Em momento posterior, o consumidor dirigiu-se novamente às instalações da sociedade Y com o propósito de apurar o resultado do concurso mas, nessa ocasião, foilhe comunicada a decisão de já não se atribuir o prémio, por só haver dezassete concorrentes e por as frases apresentadas a concurso não serem suficientemente “originais”. Resolução: Qualificando-se em geral todos os concursos com prémios como promessas públicas, é aplicável o artigo 459.º do Código Civil, que estatui, no seu n.º 1, que «aquele que, mediante anúncio público, prometer uma prestação a quem se encontre em determinada situação ou pratique certo facto, positivo ou negativo, fica vinculado desde logo à promessa». No caso, a promessa tinha como destinatários todos os consumidores que adquirissem determinado CD, pelo que importava estabelecer em que termos a sociedade Y se obrigava à atribuição do prémio e quais as regras estipuladas para a selecção dos premiados, matéria essa objecto do regulamento do concurso. 1 UNIDADE DE MEDIAÇÃO E ACOMPANHAMENTO DE CONFLITOS DE CONSUMO Ora, revestindo a promessa em causa a natureza de concurso público, regulada no artigo 463.º do Código Civil e estando subordinada à indicação de um prazo para apresentação dos concorrentes e escolha do premiado, estava a promitente vinculada ao seu cumprimento, não lhe sendo lícito proceder à livre revogação da sua declaração pública, tendo em conta a previsão da segunda parte do n.º 1 do artigo 461.º do Código Civil e a sua necessária articulação com o artigo 463.º, n.º 1, do mesmo diploma. A esta objecção genérica que, desde logo e em abstracto, impedia a sociedade Y de revogar a promessa, acresce, em particular, a circunstância de já ter ocorrido a adesão de pelo menos um dos declaratários (o reclamante), o que também constituía motivo impeditivo de revogação da promessa, atenta a estatuição da parte final do n.º 2 do artigo 461.º, também do Código Civil. É também relevante o disposto no n.º 2 do artigo 463.º do Código Civil, que estatui que «a decisão sobre a admissão dos concorrentes ou a concessão do prémio pertence exclusivamente às pessoas designadas no anúncio ou, se não houver designação, ao promitente». Atenta esta norma, se as regras do concurso instituem um júri a quem cabe decidir sobre a admissão dos concorrentes e/ou sobre a atribuição do prémio, é exclusivamente a esse júri que cabe tomar tais decisões, pelo que o promitente tem apenas de honrar a promessa em função da decisão do júri (no pressuposto, naturalmente, de que tais decisões se conformaram com os critérios de admissão e/ou genericamente definidos nas regras do concurso). Porém, quando não exista a instituição de um júri, poderia parecer que ficaria o promitente liberto para tomar as decisões que mais lhe aprouvessem, nomeadamente as de não admitir concorrentes ou de se eximir a atribuir o prémio; ora, por identidade de razão, é manifesto que o promitente está obrigado nos mesmos e rigorosos termos a que estaria o júri, caso este tivesse sido instituído, pelo que está o promitente rigorosamente vinculado aos critérios de admissão e de atribuição que constam da declaração em que instituiu as regras do concurso. Do regulamento do concurso não constava qualquer cláusula que atribuísse à sociedade Y a faculdade de se desvincular da atribuição do prémio, nem por o número de concorrentes ser reduzido, nem por falta de originalidade das frases, nem por qualquer outra razão. 2 UNIDADE DE MEDIAÇÃO E ACOMPANHAMENTO DE CONFLITOS DE CONSUMO Por outro lado, resulta do artigo 236.º do Código Civil que, desconhecendo o declaratário a real vontade do declarante, a declaração valerá com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, deduza do comportamento do declarante. Ora, no caso em apreço, a sociedade Y prometia a atribuição do prémio à frase mais original o que, para um declaratário normal, supõe a efectiva atribuição do prémio, de acordo com o critério apontado, e não a possibilidade de não atribuição por falta de originalidade das frases. Assim, conclui-se que a sociedade Y se encontrava juridicamente vinculada à selecção de um premiado e à correspondente atribuição do prémio prometido, de acordo com as regras do concurso. A posição acima exposta foi transmitida pela UMAC à sociedade Y, a qual, aceitando os argumentos invocados, reconheceu a sua obrigação de proceder à realização do concurso. 3